quinta-feira, 30 de abril de 2009

Stalker

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Democracia

Sobre a Dra. Laura Santos, psicóloga-filósofa da Eutanásia

A verdadeira voz da Democracia aí está. Os artigos de jornais, os dichotes, as manobras velozes, o aparente brilho da palavra quando a memória é curta e ela é curta sobretudo quando a submetem sempre a novidades, de difícil comprovação. Umas riscas regulares no fundo do Oceano e o título do jornal fala na descoberta da Atlântida. A presença das componentes da água em Marte e há oceanos subterrâneos no planeta vermelho. O sorriso de um homem só, na direcção de uma criança, na rua, e temos um pedófilo. O jornal assenta a sua verdade no direito à liberdade de expressão, mas também nas tiragens.
A voz da Democracia é como um ronco do Inferno que chove sob a forma de artigos de jornal, de posts, de vídeos, desenhados a preto e branco, ou a cores sumárias, sempre e sempre encadeando-nos com uma força hipnótica. E o fluxo desta avalancha, de novo é defendido de modo ameaçador pelos guardas da Democracia. Ai de quem a desafie!
Uma rapariga bonita e adulta declara-se virgem e o seu nome é arrastado pela ribalta como um marciano. Mas um guerreiro é considerado santo e o que discutem dele é quem é seu descendente, ou da sua armadura, não o seu hábito esfarrapado de monge.
A voz da Democracia é medonha, como o monstrengo que está no fim do mar. A ameaça paira no ar, as lâminas dos guardas da Democracia cortam como guilhotinas e a multidão, mais medonha que a própria Democracia, guarda as costas a estes guardas.
A democracia inaugura e paga o debate sobre os que defendem a Eutanásia, ou o Aborto. Em ambos os casos, não estão os de piedade e excepção que são todos atendíveis. O que passa a estar em causa é a provisão e a programação da limpeza dos fetos de dentro da barriga da mãe ou a antecipação, por via duma assinatura ou duma gravação, se não mesmo duma impressão digital, daquilo que acontece inevitavelmente a toda a forma de vida mais ou menos íntegra. E, da provisão, passa-se para fazê-la uma função do Estado.
Ora se há esta possibilidade de a fazer uma função do Estado, por meio da publicação e de um lugar na opinião que se publica, constitui-se uma posição que passa a ser mais respeitada e guardada pelos esbirros da Democracia que o próprio direito a respirar. Nasce o adversário e nasce o «debate». Obriga-se a debater o judeu com o nazi, o negro com um membro da Ku Klux Klan, um violado com o violador, um minoritário com o bolchevique. E ai de quem não respeite o «debate» entre o mártir lançado às feras e os leões esfomeados da arena! A Lei, como dizia Victor Hugo, proíbe igualmente aos miseráveis e aos milionários de dormirem debaixo das pontes. Respeitinho!
A vida pode debater-se por existir em condições sempre adversas, nem que seja só pela inevitabilidade da morte e da dor. Uma vezes mais adversas e outras menos adversas. Mas ela tem que respeitar o adversário, diz-se, como não podia deixar de ser, porque, na realidade, o discurso mais popular, e constantemente popular, entre a Ditadura e a Democracia, foi sempre o do futebol. Atenção ao «adversário»... respeitinho, que sem ele não tínhamos a bola, a nossa querida bola, de tontos surdo-mudos em que nos tornámos!
Que tenhamos a coragem de não encarar um cão que nos salta ferozmente num caminho ermo, ou uma praga que invade a nossa horta, como um adversário mas sim como inimigo. Inimigo, sim!Nem tenhamos medo de ser chamados anarquistas, terroristas, fascistas, nacional-socialistas, comunistas, protestantes, católicos ou ateus se fizermos frente sem hesitações a este inimigo. O que nos chamam pouco interessa, pois quem usa a voz, não está a combater. E se a Morte vier, metamos de uma vez na cabeça, que ela virá sempre e nunca como adversário, nem como inimigo, mas apenas como fim.

André

And now...


Descobri recentemente o "My One Thousand Movies". Trata-se de um blogue singular, que remete para uma central de downloads, onde se podem obter filmes em formato "rmvb", associado ao programa Real Player. Os vídeos apresentados são acompanhados de uma pequena rescensão e a qualidade até nem é má. No meio dos clássicos e de cinematografias menos conhecidas, descobri o aclamado pior filme tuga de todos os tempos. Chama-se, como já deram conta, "O Ninja das Caldas" e corresponde ao célebre Zé Cabra da música pimba aplicado ao cinema. Tudo é ostensivamente mau: o ketchup, o som desincronizado da imagem, a violência gratuita, que faz lembrar o saudoso "Duarte e Companhia" em versão rasca. Pior mesmo só o discurso de Sócrates no último Congresso da PS, a ladainha mecanizada a sair dos lábios dos dirigentes comunistas, as diatribes do Oliveira (Dani para os próximos), as crónicas do Curto na Rádio Altitude, o bigode de Luís Filipe Vieira e a ausência do generoso decote da Ana Lamy na TV. Imperdível!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O bule do gajo

domingo, 26 de abril de 2009

Stalker

sábado, 25 de abril de 2009

E também...

Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errónea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Fernando Pessoa, "Poesias Inéditas" (1930-1935), ed. Ática, 1955

3 histórias no 25

Já quase a fechar o pano de mais um 25 de Abril, espaço ainda para três notinhas de rodapé. Uma tem abertamente a ver com o facto histórico, outra assim assim, e a restante é à vontade do freguês.

1. Temos a tal definição de Sophia de Mello Breyner sobre o socialismo: uma aristocracia para todos. Claro que me agrada. E de que maneira! Até parece que o Nietszche anda por ali a espreitar. Percebe-se onde a poetisa queria chegar. Neste ponto, parece que as grandes proclamações revolucionárias e a grande poesia vão no mesmo sentido. Até a célebre "Conspiração dos iguais", com Babeuf à frente, - um dos episódios mais obscuros, embora mais empolgantes, da revolução Francesa -, não desdenharia transportar este estandarte. Mesmo que misturado com as cabeças dos aristocratas propriamente ditos espetadas em paus. No entanto, se na definição do bem comum é imprescindível abrir um espaço para a igualdade, a superação do paradoxo do slogan em causa requer alguns cuidados de interpretação. Sobretudo tratando-se de um céptico cada vez mais distópico, como é o caso do escriba. Ou seja, aristocracia acessível a todos, sim senhor! Mas que uma preocupação de igualdade não crie, ela própria, desigualdades, distorções, injustiças. E aí é necessário introduzir um peso fundamental na balança: o mérito. Talvez o aforismo de Sophia traduza a libertação do ter, para se poder ser plenamente. Talvez. E também acredito que ela não desconhecia que esse é o início. O início de uma história onde nada está garantido. A não ser o futuro.
2. Hoje tive a suprema felicidade de assistir, no Grande Auditório do TMG, ao espectáculo com os grupos "Cramol" e "Angelite". Dois coros femininos, sendo o último de vozes búlgaras. A sessão assinalou o 4º aniversário do Teatro Municipal da Guarda e constituiu, em meu entender, o grande momento musical desta temporada. A palavra inesquecível é pouco, nestas alturas.
3. Há três meses atrás, perdi um dispositivo de memória flash, mais conhecido por pen. Na altura, bem me cansei de procurar. Até telefonemas para locais prováveis de esquecimento fiz! O caso não era para menos, pois estavam lá documentos bastante importantes e, ainda por cima, únicos. Resolvi esquecer o assunto. Hoje à tarde, quando atravessava uma rua central da cidade onde vivo, notei um objecto vagamente familiar, entalado numa ranhura entre duas pedras de calçada. No entanto, prossegui o meu trajecto. Já do outro lado da rua, com uns trocos na mão para comprar o jornal, um assomo de curiosidade insatisfeita fez-me vacilar. Voltei atrás. E pus-me a rondar. Após várias tentativas, por aproximação, e já com alguns basbaques à perna, dei novamente com a "coisa". Desta vez, observei melhor. Percebi logo o que era. Retirei então o objecto da ranhura e qual não foi o meu espanto quando percebi que, para além de ser uma pen, era de um modelo igual à que tinha perdido! Faltava o teste final: limpá-la e instalá-la numa porta USB. No trajecto até casa, ainda coloquei a hipótese de tudo aquilo ter sido fruto do acaso. Ou mesmo de existir uma espécie de "Bookcrossing" com mensagens deixadas em canetas de memória "esquecidas" na rua. Uma modalidade que eu ainda desconhecia... Mas não... Afinal era MESMO a tal pen, desaparecida em combate há três meses! E que tinha decerto deixado cair do casaco antes de entrar no quiosque dos jornais. E que graças a um Inverno sem chuva se conservou! Em suma, que bela história!

Lido

Hoje a “boa imprensa” voltou como obsessão, mas de forma embrulhada mais tecnologicamente e com o jargão da moda e muitos blogues, twitters e Facebook. Muita “interactividade” anónima e muita comunicação gutural. É o mesmo produto de sempre, mas adaptado aos deslumbramento tecnológicos, que disfarçam muita iliteracia cultural no brilho das luzinhas e no silvo dos “toques”...

JPP, no "Abrupto"

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Ainda os livros

A propósito do dia mundial do livro, o TMG convidou uma série de personalidades para indicarem um dos livros da sua vida e as razões da escolha. O resultado pode ser visto, até dia 30 deste mês, no Café concerto daquele Teatro. No âmbito de mais uma edição do "Table of contents". Para quem não sabe, trata-se de uma rubrica que consiste, basicamente, numa mostra informal e temporária (duas por mês) de textos ou imagens. Os suportes são mini-expositores dispostos pelas mesas do café. A escolha do escriba foi "Os Passos em Volta", de Herberto Helder, conforme aqui é explicado. Vista a exposição na totalidade, ressalta um dado curioso: nenhum livro de um autor espanhol foi opção dos convidados. Por que será? Ou não terá passado de uma coincidência? E como explicar que isto tenha acontecido numa cidade com laços históricos com o outro lado da fronteira e onde existe um Centro de Estudos Ibéricos? Talvez estas minhas reflexões não passem de um devaneio. Seja como for, numa próxima oportunidade, terei todo o gosto em apresentar como escolha uma obra fabulosa: "A Arte da Prudência", de Baltasar Gracián. Talvez assim desfaça o enguiço...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

E já agora...


Hoje à noite!


O Dia Mundial do Livro comemora-se no TMG também com a tertúlia “O livro e a leitura na era da internet”. Hoje, às 22.30h, no café-concerto. O mote está dado: "Numa era dominada pela cultura digital, com a Internet como paradigma da informação e do conhecimento, que lugar existe ainda para o livro e para a leitura?" A conversa será moderada por Victor Afonso, estando presentes na mesa como oradores António José de Almeida (professor aposentado), António Matias Gil (empresário na área das novas tecnologias e internet), Daniel Rocha (professor de literatura), Rita Lourenço (estudante do 12º ano) e este vosso criado. A entrada é livre. Ver aqui mais informação.

O morcão ataca de novo!

(retirado do "Fanáticos Benfica")

O programa televisivo " Trio de Ataque", na RTP N, era um exemplo bem conseguido do género "debate futebolístico com comentadores dos três grandes". A razão era simples: a qualidade e a elevação dos dois principais intervenientes: António Pedro Vasconcelos e Rui Moreira. O outro, o do clube dos viscondes e que já foi sindicalista, é o tal que diz "ab hominem" e acha bem que os treinadores comecem a insultar toda a gente a torto e a direito, desde que equipem de verde e usem risco ao meio. Da figura, que trabalha em sondagens (depois de alguém lhe ter explicado que não eram furos artesianos) nem me vou ocupar aqui hoje. O caso de Rui Moreira é que é paradigmático. Uma vez que encontrar um adepto de referência do FCP bem educado e capaz de argumentos racionais é um achado. Um verdadeiro case study. Pois esta minha preferência televisiva durou até ontem. O homem deixou finalmente cair o verniz e revelou a sua verdadeira natureza. Nessa edição do programa, para lá de uma excitação anti-benfiquista extra, às tantas dirige-se a A.P. Vasconcelos e manda-o calar, dizendo que ele não era o "moderador do programa", se pensava que era "especial" e outros mimos do género. Nem queria acreditar no que estava a ouvir! Passados alguns intantes, mal-humorado, recusou-se a responder a uma pergunta do pivot. No seguimento, referiu que tinha sido primeira página do jornal oficial do Benfica, de forma pouco elogiosa. Tentando com isso justificar a sua aleivosia do momento. Mas o que é que esperava? Que o jornal do adversário desportivo o convidasse para tomar chá? Que o estatuto de figura pública só valesse para os benefícios? Rematou então com uma frase onde entravam "galináceos" e outros adjectivos murmurados. Foi a 1ª vez que vi na TV um comentador avençado a insultar em directo adeptos de outros clubes! Para mais, alguém supostamente instruído, com algum jogo de cintura e capaz de trocar argumentos razoáveis. Portanto, este espisódio revelou um (até ao momento insuspeito) andrade economista, que insulta em directo milhões de pessoas! E uma em particular, por quem tenho um especial apreço, como cineasta, homem de cultura e comunicador. E benfiquista a sério, claro! Confesso que já há muito não assistia a algo tão miserável e onde fosse tão fácil tomar partido!!! A indignação, permanece. O programa em causa nunca mais me terá entre os seus espectadores...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

As velhíssimas fronteiras

No passado dia 19, decorreu na Guarda a sessão inaugural do Fórum “Novas Fronteiras". Organizada, como é sabido, pela Federação local do PS. Sob o título “Desafios para um Portugal Moderno”, uma série de convidados encontraram-se com o objectivo anunciado de "propor um espaço de debate das grandes questões da actualidade Internacional, Nacional ou Regional". O Fórum visou "construir uma rede permanente de relações entre personalidades destacadas da região". As quais, diz-se, "cimentarão em torno do debate de ideias e de oportunidades", "recuperando-se laços afectivos e culturais de algum modo perdidos no tempo." A ideia de base não era má. Cativar os sectores mais dinâmicos da sociedade civil para a política é uma forma de requalificar a vida pública. Pois. Todavia, sabem o que aconteceu realmente? A reunião estava reservada a militantes! Ou seja, cria-se a ilusão da abertura para depois se cerrar fileiras, na perspectiva da recolha das migalhas do poder; propala-se uma abrangência que redunda numa assembleia de conversos. Mais palavras para quê?

Os malefícios do Curling


Descobri uma modalidade desportiva que, pasme-se, consegue ser mais entediante do que os jogos do Benfica da era Quique. Refiro-me ao CURLING. "Ao quê"? Vá, perguntem lá! Imaginem então um ringue de patinagem no gelo, um pouco mais para o comprido. Dentro, umas linhas de uma pista traçada no pavimento glaciar e que conduzem a umas marcas coloridas, circulares. Uma espécie de alvo desenhado no gelo. Entretanto, há um(a) "artista" que, a páginas tanta, lança um "pedregulho" parecido com um ferro de passar dos antigos, só que de pedra, ou coisa que o valha. O qual vai deslizando em direcção ao alvo à mesma velocidade com que o Benfica de Quique procede à efectivação das transições defesa/ataque (ufa, já pareço o Freitas Lobo). O bólide lá vai, imparável, jurássico, à "velocidade de cruzeiro". Por trás, segue o indómito lançador, munido de uma raquete em forma de esfregona. Ou não será antes um piaçaba em forma de detector de metais? Eis a questão. Com o qual esfrega o piso gelado à volta e à frente do objecto deslizante não identificado. Ao mesmo tempo, lança-lhe olhares perscrutadores, fatais. Como num exercício de telepatia. Afinal, o que significa o tal "querer", o misterioso desíginio de que se ouve falar tanto aos treinadores, jogadores e comentaristas da lusopédia? Está aqui a resposta. Nem a miúda do "Stalker", de Tarkovski, conseguiria mover assim os objectos com o simples pensamento. Duas horas depois, o tal objecto já vai a meio do seu percurso. Mas falta mencionar os restantes membros da equipa. Sim, porque isto das vibrações telepáticas não chegam para empurrar carroças. Isso é que eram elas! Ora, o lançador, que segue atrás, vigilante, quase em levitação, é devidamente acolitado por dois elementos patinantes. Um de cada lado. Os quais vão equipados com um pau com um disco na ponta, ou seja, duas esfregonas adaptadas. Os marmanjos esfregam vigorosamente a área adjacente ao ODNI e, sobretudo, o espaço que este irá ocupar na sua "alucinante" trajectória. Por fim, a coisa lá chega ao destino, devendo ficar o mais perto possível da tal marca central, a vermelha. Há pontuação, excitações e gritinhos dos "atletas", aplausos do público e tudo! Como se de um desporto a sério se tratasse! Estranho. Muito estranho... No fundo, uma espécie de jogo da malha. Só que com gelo, com objectos esquisitos, com esfreganços suspeitos, com energias subtis a darem uma ajudinha... E, em vez da vinhaça e do petisco nos intervalos, muita cafeína para conseguir chegar ao fim. Onde encontrar? Vão ao canal Eurosport e, com sorte, topam esta benzodiazepina nórdica com efeito garantido. Para quem não conseguir, já sabemos, resta a solução óbvia: assistir a jogos do Benfica da era quiquesca. Boa sorte.

terça-feira, 21 de abril de 2009

A Europa por um canudo

Pelo que se viu ontem no programa "Prós e Contras", a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu irá ficar para a história como das mais bocejantes e vazias de que há memória. Os tópicos de discussão não vão além dos lugares comuns. Da troca de galhardetes. Mas passemos ao debate na especialidade. A inevitável Ilda Figueiredo lá vai debitando a ladainha dos horrores que, segundo os comunistas, assombrarão ad eternum o país. A encenação é tão má que a candidata mais parece estar a vender senhas para o sorteio do carro da associação dos ceguinhos. O cabeça de lista do PP teve um momento feliz, quando anunciou que, dos milhões do QREN com que Portugal foi contemplado, só para uma infima percentagem tinham sido até agora apresentadas candidaturas em Bruxelas. Por sua vez, Miguel Portas esteve em geral à altura dos seus pergaminhos. Embora ideologicamente distante, simpatizo com o personagem. Rangel, por sua vez, esteve qb. Mas é sobre Vital Moreira que me queria alongar. Apesar da consideração intelectual e académica que o Professor coimbrão me merece - a Constituição anotada de que é co-autor ainda hoja é a minha "bíblia" nesse ramo jurídico - a sua prestação eleitoral, pelo que tenho visto até agora, prevejo que irá ser um fracasso. Para já, a imagem não ajuda. Mas isso é o menos. Um toque de "avô cantigas" até pode criar alguma empatia nos indecisos. O problema é o seu discurso. No qual utiliza algumas técnicas de guerrilha e brainstorming herdadas da passagem pelo PCP. V.M., à semelhança da esquerda tradicional, não quer esperar pelo veredicto da História. Sobretudo quando se trata de enaltecer os seus méritos de resistente. Já se viu isso na questão da mordaça, lançada por Rangel. Vital apareceu logo colocando-se no pedestal do combatente, munido da característica superioridade moral do "eu é que conheci mordaças", "eu é que sei o que isso é", "tenho o cinturão negro de combatente anti-façista, querem ver, querem?", "vejam lá se querem levar uns golpes!", "quantos são, quantos são? Com este bigodinho de tomador de bicas e devorador de jornais ainda chego para eles!" "respeitinho que a mim ninguém me dá lições de mordaças!". E por aí adiante. Como se nota, uma variante do "eu é que sou o plesidente da Junta", na sub-espécie "rtp memória". Ó homem, espere pela História! Decerto ficará na galeria de opositores a esse regime estúpido e iníquo! Mas tenha calma, tá bem? Não gaste as munições por dá cá aquela palha! E pronto, da minha parte adivinha-se um belo dia de praia em Junho.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O carro do gajo visto de dentro

Esclarecimento

Há dias perguntaram-me se este era um blogue guardense. E, em acaso afirmativo, porque não insistia mais em temas locais, ou coisa que o valha. A resposta é clara: este não é nem nunca foi um blogue local. E não julguem que este traço genético acontece por encontrar algum demérito naqueles que o sabem ser com qualidade e pertinência. Longe disso. A prová-lo, remeto para o que escrevi no texto "Blogues da Terra", a propósito de uma polémica listagem de weblogs regionais editada no "Arrastão":

  1. Os blogues locais são muitas vezes os únicos espaços onde é possível assumir posições criticas e denunciar situações "no terreno", preencher a lacuna do pluralismo onde ele é tímido ou inexistente, reunir propostas convergntes para a defesa de determinada causa, suscitar a dúvida onde tudo parece transparente, exercitar a cidadania de proximidade, assumir identidades "não conformes"; em suma, são a garantia do espaço público possível.
  2. Essa rarefacção do espaço público está relacionada, como se sabe, com o caciquismo, a ausência de checks and balances eficazes nas autarquias, o afunilamento da vida pública local em torno de interesses e empreendimentos muitas vezes duvidosos e, sobretudo, uma imprensa regional na maioria dos casos domesticada pelo compromisso político e pela sobrevivência.
Para uma melhor compreensão destas razões, leia-se também o texto seguinte sobre este assunto e ainda uma explicação breve do que, para o escriba, significa "pertencer" a determinado sítio. Uma espécie de GPS legendado com as devidas coordenadas intelectuais e ontológicas. Regressando ao tema principal do post, direi que, neste espaço, falar-se-á sobre questões locais sempre que, por ser a Guarda o terreno mais próximo, ele confinar com os terrenos mais caros ao escriba. Ou seja, sempre que a condição de cidadão do mundo passe por ser cidadão da Guarda. Mas nunca definindo um centro, quer na forma quer nos conteúdos. Exemplificando: se por qualquer razão destaco um acontecimento artístico, cívico ou até mesmo de ordem pessoal com incidência local, tal quer dizer que essa menção é independente do local onde ocorre,. O seu interesse é universal, mas sem que seja descartado o seu significado local. Aliás, como poderão comprovar, todas as postagens com temas exclusivamente locais aqui editadas são depois reunidas no blogue "Guarda Nocturna". Esse sim, um espaço assumidamente local. De resto, existem títulos na blogosfera que desempenham essa função muito melhor do que eu alguma vez conseguiria. Alguns deles estão precisamente listados aqui ao lado.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Boris (1997-2009)

Projecto Citius, dia 100

Hoje de manhã, mal entrei no Tribunal de Viseu, com a pressa habitual, percebi que alguém me chamava. Mais um problema de configuração da assinatura digital para resolver, ou coisa parecida, pensei imediatamente. Mas não, não era. Mal olhei para trás, percebi quem me tinha interpelado. Tratava-se da A., uma colega dos tempos da Tertúlia Académica, na FDL, em cujos primórdios participou activamente. O encontro foi breve. Mas enquanto durou percebi que algumas das palavras-chave que na altura tomámos como nossas não foram em vão. No final, cada um foi à sua vida. Eu para a sala de informática. Ela como testemunha num caso de contrafacção. Por momentos, percebi que somos a soma dos sonhos irrealizados e dos que singraram. Numa proporção assustadoramente desigual, mas mesmo assim compensadora. A Tertúlia pertence, claro está, aos últimos. E, partindo da insurreição, chamemos-lhe distópica, que permaneceu a sua marca genética, nenhum dos que lá nasceram faltou a este encontro.

Alegria breve


No sábado de Páscoa fui almoçar a um conhecido restaurante de Melo. Terra natal de Vergílio Ferreira, para quem não sabe. Depois do repasto, o proverbial passeio pela povoação, cujo património é invejável. Já foi concelho, até às reformas liberais, e por pouco não integrou a rede de aldeias históricas. Como um íman, foi inevitável uma visita às (cada vez mais) ruínas do Paço de Melo. A magestosidade do conjunto ainda hoje é perceptível. O edifício, cuja origem remonta ao séc. XIII, foi construído por D. Mem Soares para se tornar residência senhorial da Casa de Melo. Este nome provem de um forte onde um cavaleiro, chamado D. Soeiro Raimundo, se distinguiu na Terra Santa, durante as Cruzadas. Onde foi companheiro de armas do célebre Ricardo Coração de Leão (lembram-se de Robin dos Bosques?). E que depois veio a residir na zona que viria a ser Melo. No período das Invasões Francesas, aí esteve refugiado o Bispo da Guarda. O imóvel, classificado, foi entretanto adquirido pela Câmara de Gouveia, em 1999, com o propósito de aí instalar um Centro de Estudos Vergilianos. Todavia, apesar de um Projecto de Adaptação e Reabilitação e de uma parceria com a UBI, o plano continua à espera de ser concretizado. A antiga casa do escritor ainda lá está, no centro da aldeia, indiferente a tudo.

Playlist da casa (19)



Ver anterior

Pesadelo com o acordo ortográfico

Dear Sir / Senhora
Somos um grossista eletr?nica internacional com a China, os nossos produtos s?o totalmente nova e original. Estamos principalmente vendem todos os tipos de produtos digitais, como iPod, computador portátil, televis?o LCD, camera, GPS, PS3, celulares, motos e assim por diante. Se você estiver interessado, por favor venha para o nosso site para dar uma olhada. Se você gostaria de solicitar alguns deles, entre em contato conosco.

Se não queres assistir a isto, assina aqui. Depois não digam que não avisei.

A rambóia



Le cool é uma editora transnacional que, à semelhança da Time Out, publica guias temáticos de várias cidades. Para tal, recorre e editores locais e ainda designers, escritores, fotógrafos e ilustradores, criando um guia absolutamente alternativo e fervilhante. O ritmo é frenético e reflecte o que realmente se passa nas cidades respectivas. No catálogo consta igualmente o guia de Lisboa. Para além deste, existe ainda um outro formato, a "Le cool magazine". Trata-se de "uma revista semanal grátis, que apresenta uma selecção de concertos, d.j. sets, exposições, exibições de filmes antigos, peças de teatro e uma série de outros eventos culturais e de entretenimento. A le cool é também um guia de lojas, restaurantes, bares e outros locais de ócio, sem serem necessariamente trendy, apenas com qualidade e que valham realmente a pena. Em vez de impressa, esta magazine é enviada todas as quintas por e-mail aos seus subscritores." Ou seja, aos interessados basta inscreverem-se no serviço de newsletter e já está! A publicação desta semana anuncia-se como "Repertório Útil a Toda a Gente Cool! 'Tão certo como após o dia vir a noite.' Contendo os dados astronómicos, culturais e ramboieiros, assim como muita indicações do interesse geral e pessoal." Bom proveito, cambada!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A vergonha

A notícia chegou-me através do Manuel Domingos. Mas é preciso lembrar a história. A antiga Ponte Hintze Ribeiro, mais conhecida por Entre-os-Rios, caiu a 04 de Março de 2001, provocando a morte de 59 pessoas, que seguiam a bordo de um autocarro e dois veículos particulares. Mais de cinco anos depois, em Outubro de 2006, o Tribunal de Castelo de Paiva determinou a absolvição de quatro engenheiros da ex-Junta Autónoma de Estradas e de outros dois de uma empresa projectista, que o Ministério Público responsabilizava pela queda daquela travessia sobre o Douro. Os seis técnicos estavam acusados dos crimes de negligência e violação das regras técnicas, mas o tribunal entendeu que, na altura das inspecções realizadas pela ex-Junta Autónoma de Estradas (JAE) à ponte, não havia ainda regras técnicas que enquadrassem a actuação dos peritos. Ora, passados três anos, os cerca de 200 familiares das vítimas que se constituíram como assistentes no processo foram notificados do pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de meio milhão de euros. Claro que esta obrigação (que o Estado faz recair sobre quem já pagou com um longo sofrimento) só tem um nome: imoral. No entanto, por monstruosa que ela seja, decorre das regras processuais em vigor no nosso país. O problema está antes. Ou seja, na fundamentação da sentença que absolveu os arguidos. Repare-se que o motivo principal foi a ausência de regras que enquadrassem a actuação dos técnicos. A questão foi assim reduzida a um problema administrativo, onde a estrita vinculação de funcionários públicos à Lei pesou mais do que tudo o resto. E o resto é a responsabilidade objectiva do Estado português pela conservação e segurança dos equipamentos sob a sua alçada. Não pode ser nunca a inexistência de regras procedimentais que poderá afastar a culpa, ao menos sob a forma da negligência. Convenientemente diluída num limbo burocrático e impessoal, tornando a sua reivindicação uma tarefa quase impossível. Há coisas que nunca mudam. Ou talvez não. Graças ao acordo ortográfico, a toponímia local será alterada para entreosrios...

NOTA (18.04): afinal, soube-se ontem, as custas representam "somente" 55 ooo euros e só três dos familiares intervenientes no processo se constituíram realmente como assistentes. Uma correcção que não altera em nada o que se disse quanto a esta ignomínia.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Stalker

Lido

Promete-me que as tuas palavras chegarão em silêncio
Que serão da matéria da noite
Promete-me palavras de ar, de saliva ou de sangue
Inteiras e nuas como a alma
Derramadas na pele como luz ou música
Palavras que possa guardar em mim
Como uma memória ou um filho

A.M, in "A Imitação dos Dias"

Uma mesa de um Starbucks onde o gajo esteve sentado

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Contra o acordo, marchar, marchar...

Ou seja, de fato a objeção de consciência será um ótimo indicador igiénico a opôr à contrafação geopolítica. Antes mesmo que as placas tetónicas da eurásia entrem em bagunça. Não é, cara?

domingo, 12 de abril de 2009

Stalker

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Tábua de marés (40)

"Um bando de passarinhos” (2008)
Argumento, realização, produção e montagem: Zigud
Ante-estreia, com duração de 20’
Pequeno Auditório do TMG, 24 de Março

Como já li algures, a propósito deste registo, estamos na presença de uma curta-metragem poética. A designação é absolutamente acertada, uma vez que a poesia é a matriz deste filme. Por detrás de cada frame, em cada plano, em cada sequência, existe um propósito poético. Para o qual, os textos de Américo Rodrigues, aqui ditos pelo próprio, dão o mote. A história que deu origem ao filme é conhecida: um pastor da Quinta da Taberna, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela, concelho da Guarda, registou, ao longo do tempo, uma série de inscrições nas paredes da sua casa. Fazendo-o de forma aleatória, embora com um propósito cronológico, diarístico. Onde cabem acontecimentos, impressões, listas de tarefas ou simples estados de espírito. Sinais “riscados” na parede e únicos testemunhos de um tempo. Ora, esse memorando grafitado foi recolhido e recriado por Américo Rodrigues. Dando origem a um caderno da colecção “O Fio da Memória” (edição NAC, 2004), em co-autoria com Ana Leonor Silva, intitulado “As pedras escritas – O pastor escrevinhador da quinta da taberna”. Creio ser neste registo que os textos que integram o filme têm a sua origem.
A obra tem assim uma marca espácio-temporal precisa. Todavia, desenganem-se os curiosos que esperariam ver nesta curta-metragem uma simples digressão documental. Ou uma surtida voyerista, do tipo televisivo, como já se viu em aclamados equívocos do tipo bucólico-pastoril. Como já se disse, este filme encerra uma evocação poética. Uma evocação onde o enredo está ausente, embora já não a narrativa. E que tipo de narrativa? A do tempo, seria a resposta mais óbvia. Um tempo encravado num espaço físico, cujos sentidos se convulsionam e se perdem em nostalgia. Onde cabem as memórias cruzadas dos intervenientes, a sua desenvoltura na paisagem, da qual são únicos actores possíveis. Uma paisagem aqui tornada cenário. Sem manipulações forçadas, mas como espaço intemporal cuja respiração se ausculta. E cuja força, neste caso, não chega nunca a esmagar, mas antes a encher de presságios, de refracções. Uma paisagem cuja quietude não inspira estados de alma, nem digressões românticas. Ou muito menos ilustra as inscrições do pastor, ou os poemas “sonoros” de A.R., mas instala-os, simplesmente. Por sua vez, as figuras tão depressa surgem, animadas pelas memórias que relatam, como se dissolvem no som de uma flauta, numa ramagem mais espessa, ou na curva do caminho, como numa sequência espantosa na parte final. Parecendo que carregam consigo uma missão prometaica, cujas elipses a câmara se encarrega de acentuar e iluminar, mas nunca forçando uma proximidade indesejada. As aparições do pastor-escrevinhador, na primeira pessoa, são igualmente comedidas quanto baste. O desenho do personagem é feito sobretudo pelas memórias dos outros, pelos seus relatos dispersos. No entanto, percebe-se que o pastor é a figura central da obra. Todavia, aparece, digamos, nas vestes de um demiurgo, de uma imagem fotográfica soprada pelo vento, logo no início. Mas nunca o vemos, volto a frisar, como um objecto de curiosidade etnológica. E é precisamente esta elegância, o jogo permanente entre a ocultação e a luminosidade, o rigor da montagem, aquilo que torna este filme uma obra singular e enternecedora. A qual, tanto quanto sei, é a obra de estreia do autor. Duas notas finais. Gostaria de, para além dos textos, de que já falei, fazer uma menção para as eficazes paisagens sonoras criadas por César Prata. Por último, a inclusão de separadores de texto no meio do filme, se bem que graficamente interessantes, torna-os elementos perturbadores que podem induzir o espectador em erro.

Publicado no jornal "O Interior", em 2 de Abril

Tábua de marés (39)

Ice Concert
Percussão: Terje Isungset (http://home.online.no/~isungz/)
Voz: Lena Nymark
Pequeno Auditório do TMG, 27 de Março

No início da carreira deste músico norueguês vamos encontra-lo como percussionista dos Groupa, uma banda que cultivava uma sonoridade folk, com muita flauta e violino de permeio. Com a gravação de “Reise”, o seu primeiro álbum a solo, Terje inicia uma nova etapa do seu percurso, utilizando instrumentos feitos de gelo. Em 1999 surgiu “Floating Rythms”, uma gravação ao vivo. Em 2002, o registo “Iceman Is” é a obra inaugural da série Icemusic, uma sequência de discos onde as sonoridades obtidas a partir de instrumentos de gelo dominam , mas que também poderia ser encarado como um tipo de música inovador. Seguiram-se mais quatro discos: “Ice Concerts”, “Two moons”, “Hibernation” e “Middle of mist”. Nesse período fundou a editora independente All-Ice Records, em 2005, dedicada a este tipo de música. Mas Terje não faz a coisa por menos. As gravações de originais são efectuadas em iglos transformados em estúdios, obrigatoriamente mantidos a temperaturas inferiores a zero. O jazz glaciar deste músico não deixa ninguém indiferente. O concerto dividiu-se em duas partes distintas. A primeira, o “Ice Concert” propriamente dito, onde o músico pode experimentar de variadas maneiras os diferentes instrumentos, criados exclusivamente para este espectáculo, não é de mais salientar: desde o Tambor de gelo até à trompa, passando pelo “Gelofone”. Uma sonoridade introvertida e que acompanha em pleno a efemeridade da matéria-prima usada, originando um momento elegíaco. Um apelo do inicio dos tempos. Onde a água sólida é como que um bloco criativo, enquanto o som é esculpido e pulverizado, percutido de infinitas maneiras e transportando consigo um murmúrio cristalino, da ordem do êxtase. Ou seja, a intervenção hipnótica do gelo, entre comedidos jogos rítmicos e tons que parecem ficar suspensos num fluxo que ameaça libertar-se, numa estranha irrisão de pureza. As vocalizações de Lena Nymark, por outro lado, asseguram o degelo no meio da litania glaciar. Seguiu-se uma segunda parte, “O Tributo à Natureza”, onde Terje executou vários temas, recorrendo à bateria e um sem número de instrumentos de percussão criados por si. Utilizando também, no último tema, novamente à trompete de gelo. Devido à variedade instrumental, foi visível o virtuosismo do músico e a sua mestria na âmbito daquilo que se convencionou chamar de criação de “paisagens musicais”. Aparecendo como um “Yeti” com propriedades xamânicas no meio das fontes, das folhas das árvores, do crepitar das fogueiras, dos animais em corrida, dos cristais de neve que se descobrem apenas quando observados ao microscópio. Pegadas jurássicas que ficaram, tenho a certeza, marcadas de forma indelével em quem assistiu a este espectáculo memorável.

Publicado no jornal "O Interior", em 2 de Abril

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A caixa de música.

Lá estava ela. Por baixo de uma cómoda, dentro de uma embalagem de papelão que espreitava, no meio do pó e velharias sem significado. Ao princípio, parecia um simples guarda jóias japonês de madeira lacada, puído pelo tempo. Só quando abri a caixinha percebi tudo. Reflectindo os sinais do tempo, dei com o espelho, na face interior da tampa. E nele um ideograma desenhado, representando o monte Fuji. E também os dois pequenos compartimentos, lá dentro. Um deles fechado, mas com uma tampinha, contendo o mecanismo, ferrugento e já solto. Por cima, havia antes uma bailarina em miniatura que rodava quando aquele era accionado. E que agora lá não estava. A outra divisória, aberta, ainda forrada com veludo vermelho. O espaço ideal para guardar grandes segredos e pequenos valores. Tomado por um sobressalto, cuja origem ainda não era clara nessa altura, peguei novamente na caixa, com cuidado. A trepidação produzida causou um som metálico, quase imperceptível. Como um débil suspiro de quem esteve encerrado anos e anos num recanto esquecido da memória e do tempo. Condenado a uma inutilidade cuja rejeição foi tragicamente silenciada. E que, por isso mesmo, se manifesta ao menor pretexto. A emoção crescia. Peguei no pequeno manípulo usado para "dar corda", na parte inferior da caixa. Rodei duas vezes. Surpreendido, dei conta que a fina peça metálica, incrustada no parafuso cujo movimento faz girar a engrenagem, rodava timidamente, a espaços. Mas não o suficiente, claro, para um funcionamento "normal" do mecanismo. Faltava ainda o toque de Midas. Nesse momento, nem hesitei: umas gotas de óleo em spray fizeram o milagre. E eis que as patilhas de metal percutidas pela bobine dentada começaram a mover-se. A melodia começou. Ou seja, meia dúzia de sons encadeados, que tantas vezes tinham preenchido a minha fantasia de criança. Nos segundos iniciais triunfou a excitação de ter participado num milagre. Mas algo mais estava para vir. Senti-me empurrado bem para o centro dessa infância, para as emoções completas, os gestos completos, para uma alegria brutal, indesmentível, gratuita. Para a voragem do que "ainda já não é". Incólume, à beira do segredo triunfante. De frente para a face indestrutível do poema.

terça-feira, 7 de abril de 2009

A luta continua!


De fato, este meu ato refere-se à não aceitação deste pato com vista a assassinar a Língua Portuguesa.
Por isso ... por não aceitar este pato ... também não vou aceitar ir a esse almoço para comer um arroz de pato ...
A esta ora está úmido lá fora ... por isso, de fato lá terei de vestir um fato ...

Concordas com o modo de escrever acima exemplificado?
Se não concordares, clica na imagem que se segue e assina:


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Stalker

Fezada!

"A palavra do Deputado faz fé, não carecendo por isso de comprovativos adicionais. Quando for invocado o motivo de doença, poderá, porém, ser exigido atestado médico caso a situação se prolongue por mais de uma semana."

Parágrafo 7 da Resolução da Assembleia da República n.º 21/2009, que aprova o regime de presenças e faltas ao Plenário.

sábado, 4 de abril de 2009

Já agora...

Pronto, já sabia. Sucumbo sempre sempre diante deste poema, como se fosse uma dádiva antiga, sem peso...

Há-de haver em ti restos de um abrigo,
A sombra do lume,
Uma melodia em ruínas.
E uma palavra inteira,
Nascida agora,
Ainda suja de sangue.

A.M. in "A Imitação dos Dias"

Warp

Olhar para um texto literário e insepultar a memória. Que programa, ma che cosa!!! Que fatalidade a minha, a da literatura... Percebi isso na homenagem a que hoje assisti ao escritor e jornalista Manuel António Pina, no Sabugal. Bem hajam.

Sarebbe bello vivere una favola - 8


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Aqui há livros!

Já conhecia o "Bookcrossing". Cheguei mesmo a trocar alguns volumes através deste meio, num local próprio que existiu no TMG. Mas isso não é condição obrigatória, bastando que os livros em circulação tenham a devida menção. Para quem não ouviu falar, o Bookcrossing é uma espécie de intercâmbio internacional de livros, anónimo e gratuito, sempre que possível em locais assinalados. Pois acabei de conhecer uma nova modalidade de acesso e troca de livros a custo zero,. Foi através da Paula Tomé, que explica como a coisa se processa. Chama-se "Choose what you read!" e funciona em horários e locais anunciados, podendo os utilizadores recolher e entregar livros. Tanto quanto sei, a iniciativa só tem lugar, até agora, em algumas estações de metro de Londres. No entanto, espero bem que se estenda até lusas paragens. A crise também se combate assim...

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A nova ANP


A réstia de simpatia política que (ainda) tinha por Sócrates desvaneceu-se após o último Congresso norte-coreano dos socialistas. Desde o pós-25 de Abril que não me lembro de ver um primeiro-ministro ameaçando jornalistas em directo, numa tribuna pública. O que revela que Sócrates e a sua nomenklatura se dão muito mal com a liberdade de imprensa, com a independência do poder judicial, e com os famosos checks and balance, a arquitectura fundamental da democracia. A teia tenebrosa que, sob o manto do PS, se constituiu no mundo da Justiça, só agora começou a mostrar do que é capaz. Vejam-se as pressões sobre os magistrados que investigam. Veja-se o percurso do alegado autor dessas pressões, presidente do Eurojust. O tal que fez carreira política no interior do PS, com ligações à inacreditável Fátima Felgueiras, personagem particularmente sinistra, que reúne tudo o que de pior a democracia deu à luz. E cujos cordelinhos bastaram para que alguns artigos da reforma do processo penal fossem redigidos à la carte, claramente para lhe facilitar a vida. Sempre pensei que este assunto do licenciamento do Freeport traria à tona não a eventual responsabilidade criminal dos envolvidos, mas o cheiro nauseabundo da corja, atrás dos bastidores. A qual, vendo-se ameaçada, começou a sair das suas tocas, das suas sinecuras, dos seus limbos de impunidade. Sobre possíveis práticas ilícitas há indícios mais do que suficientes, neste episódio, que justificam uma investigação séria dos factos. Mas há outra coisa que não tem sido muito falada: Sócrates era na altura Ministro do Ambiente. Portanto, do ponto de vista político, o responsável directo pela condução do processo. Alguém lhe apontou responsabilidades a esse nível? Todavia, voltando à magna questão da mexicanização da vida pública nacional, se dúvidas houvessem acerca deste cerco à liberdade de expressão e às garantias de pluralismo e independência da comunicação social, para mim acabaram em definitivo. Um exemplo: por via do Pedro Correia, fiquei a saber que Sócrates acaba de processar João Miguel Tavares, jornalista do DN. Motivo: um artigo de opinião da sua autoria, intitulado justamente "José Sócrates, o cristo da política portuguesa". E que começa da melhor maneira: "Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina." Ou, acabando com um non sequitur, por parte de um mórmon, acrescentaria.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O gajo outra vez, ..dasss....

O fim da poesia?

Nunca percebi porque, para atribuirmos outra respeitabilidade a um escritor, dele dizemos que tem uma visão poética da realidade, do mundo. Ou que a sua prosa não é meramente prosa, mas sobretudo prosa poética. Acaso Paul Celan, poeta, "viu" mais do que Franz Kafka, romancista? Sylvia Plath, Anna Akhmatova, poetisas, alcançaram uma visão superior, uma visão poética que escapou, por exemplo, a Virgínia Woolf, ou Clarice Linspectos, novelistas? E que dizer de Henry James, Robert Walser, Proust, Mann, Joyce, ou Musil? Será que ficaram aquém da mítica e sublime visão poética dos vates da sua época, muitos dos quais nem sequer conhecemos o nome? O mesmo poderíamos dizer dos romancistas russos.
Stendhal, Pound, e sobretudo T.S. Eliot, já tinham intuído que, a partir do século XIX, seria a linguagem da prosa, e não a da poesia, aquilo que assinalaria o caminho da nova visão. Isto é, a visão "em prosa" da realidade haveria de deixar para trás,porque pertencente a outro tempo, a sagrada "visão poética". Pound chegou mesmo a fixar uma data para essa conversão: o nascimento de Stendhal. Dante, poeta, e Shakespeare, dramaturgo em verso e poeta, "vêem" o que nunca poderá ver Cervantes, narrador e mau poeta (segundo alguns)? Acaso Faulkner, como narrador, "vê" menos que Dylan Thomas como poeta? Nesta arrumação, onde cabe Blake? Em suma, de onde provem essa alegada superioridade da “visão poética” sobre a “visão” narrada em prosa? Já agora, recordemos também as “visões em prosa” dos “videntes clássicos”, sempre modernos: Baudelaire, Rimbaud e Lautréamont, três criadores que também “viram” em prosa, sobretudo os dois últimos.
A “visão poética” morreu, devido à inanidade da própria poesia, dos seus poetas, incapazes já de enfrentar a complexa realidade do século XXI, que requer quiçá uma linguagem cuja construção seja mais universal, mais aberta, mais disposta a assumir todas e cada uma das novas técnicas, das novas tecnologias, que são também instrumentos de linguagem? Acabou a “visão poética”, em beneficio da "visão em prosa"? Mas quais as causas? Por esgotamento do discurso poético, mais cerrado, carregado de "códigos" antigos, de metáforas gastas, vazías, que já nada significam, uma vez que o seu significado natural, puro, a sua essência, pertence a um mundo antigo, caduco, a uma cultura cujos referentes místico-poético-literários são próprios de outro tempo e de outra linguagem, que já não correspondem às necessidades espirituais e verbais do século XXI?
Eis o dilema aqui proposto: será que a presumível vitalidade da "visão" literária em prosa, diante de uma provavelmente esgotada "visão poética", acabará por a relegar para o limbo do tempo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Debaixo do vulcão


E pronto. "Another man's vine". A última biografia "autorizada" do "west coast cowboy" anda por aí. O lançamento em Portugal está previsto para Maio. O autor, Barney Hoskins, tem credenciais firmadas. Fez também parte do juri do último "Fantasporto". O resto vão ver à Wikipédia, pois ainda tenho uma garrafa de "Famous Grouse" para acabar. Já agora, uma das histórias contadas no livro, relatada por quem já teve acesso, é particularmente deliciosa. A páginas tantas,Tom Waits confidencia que em Tijuana havia uma prostituta chamada Fátima. Ups! Pois a moça cobrava um porte adicional aos clientes. Veio-se a saber (isto é, a mulher da limpeza disse á prima do coçador de tomates que frequentava a esquina do cenário de "A sede do Mal", de Wells, um must cinematográfico para os séculos vindouros, que por sua vez avisou o "jefe" de la policia, coçador de bigode e de tequilla, que por sua vez avisou o corpulento "xerife" coçador do seu "colt", um Peter Lorre um pouco mais gordo, que teria avisado a gringa libalinha lá do sítio, dona das meninas, que por nada deste mundo se parecia com a Marlene, era só coincidência, que depois de duas garrafas de mezcal contou finalmente ao biografado) que o suplemento facturado (lembram-se?) se destinava a financiar uma peregrinação a...adivinhem...isso, a Fátima. Só espero que a moça tenha conseguido alcançar o sacro local. Vai uma aposta? Ou tudo não terá passado de uma imaculada decepção?