quarta-feira, 30 de março de 2011

Stalker

De onde?

O que significa "ser" deste ou daquele sítio? Ou melhor, o que significa anunciar urbi et orbi que se é daqui ou de acolá? Antes de mais, convém isolar o enunciado "sou de tal sítio" do contexto onde aparece. O qual só ao autor do enunciado diz respeito. Pois é nessa declaração, e só nela, que vou pegar. Ora, o sentimento de pertença a um grupo, a um território, a uma cultura, a um corpo de representações colectivas comuns é, sem dúvida alguma, um elemento definidor da identidade do sujeito. Onde participam elementos subjectivos e objectivos, é claro. Mas nos quais não me vou agora deter. A existência social dos indivíduos é determinada, segundo Pascoaes, em primeiro lugar pela família a que pertencem, vindo depois a comunidade, associada a um território e, depois, a nação. Abstraindo do fundo de maneio ideológico que subjaz a esta construção, diria que, embora cada um se possa descartar de algumas destas filiações, dificilmente o poderia fazer em relação a todas elas. Centro-me agora na segunda, pois é dela que aqui cuido. O sentimento de pertença a um lugar é um laço identitário tão forte quanto relativo. Uma vez que pode não ser determinado pela naturalidade, mas pelas circunstâncias da existência, pela afinidade, por ser aí que se adquiriu a notoriedade, o conhecimento, a felicidade. Em suma, é um local adoptado que também nos adoptou, o que sinaliza uma verdade que uma ficção administrativa não pode fazer subsistir. Significativamente, na Idade Média e durante o Renascimento, era comum as pessoas serem conhecidas simplesmente por dois nomes: o próprio e o da cidade onde viviam, ou onde se notabilizaram. Erasmo de Roterdão e João de Ruão são só dois exemplos. Tudo isto para chegar onde? É menos importante o local de onde se é do que aquele onde se está. Claro está que, se ambos coincidirem e se para o sujeito essa ligação for importante, nada mais haverá a crescentar. Mas há mesmo. Porque existe uma relação inversamente proporcional entre o local de pertença formal que se invoca e a substância do seu conhecimento. Ou seja, quanto maior a veemência da afirmação do local de onde "somos", menos lá estamos, ou estivemos, efectivamente. Claro que, para muitos, esta questão nem se põe, uma vez que a sua identidade cultural passa por outras representações. Para esses, "ser" e "estar" são realidades simultâneas, nómadas e, porventura, risíveis, quando vistas em conjunto. No meu caso, posso adiantar que, estando fora de Portugal sou português, se isso vier à tona, e estando dentro sou prioritariamente "do mundo". Quando se trata de referir qualidades próprias, ou exemplos particulares, da Guarda. Na cidade, simplesmente "estou". Ou melhor, "vou estando". O que permite ficar dispensado de declarações redundantes e apropriações nefastas. "Tásse"? "Ora bem"!

As munições gastas do gajo

segunda-feira, 28 de março de 2011

O centro

O homem só é verdadeiro quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o e desvia-o do seu próprio ser.

Aforismos, Teixeira de Pascoaes, selecção e organização de Mário Cesariny

sábado, 26 de março de 2011

O assalto

João Gonçalves, autor do "Portugal dos Pequeninos", é uma figura incontornável da blogosfera nacional. Aguerrido, alheio às nebulosas informativas onde pontuam os spin doctors, sem medo de afrontar os poderes e as convenções, sabe desmontar como ninguém os jogos da política lusa e os micro fascismos do politicamente correcto. Visões que, em grande medida, partilho com o autor.  Em Junho de 2009 publicou "Portugal dos Pequeninos". Como o nome indica, trata-se de uma compilação de textos do blogue, um "best of" com a chancela da Bertrand. O livro foi na altura lançado com pompa e circunstância e apresentado por Pacheco Pereira. E eis que, no dia 24 deste mês, foi tornada pública a sua última obra, intitulada "Contra a Literatice e afins", edição "Guerra & Paz". Na cerimónia, a apresentação coube a Pedro Mexia. Ora, do próprio título retira-se o programa desta edição. Sem cerimónia, privilegiando determinadas "figuras, autores e acontecimentos", o autor comenta a obra de algumas "vacas sagradas" da literatura nacional, mais ou menos "light", como  José Rodrigues dos Santos, Margarida Rebelo Pinto, Eduardo Pitta, Maria Filomena Mónica e Miguel Sousa Tavares. E fá-lo fora dos vínculos e das vassalagens feudais que minam a crítica literária em Portugal. Ao estilo do saudoso João Pedro George, que tão bem desmascarou as toupeiras e as coutadas literárias. Neste clip da rubrica "Estante dos Livros", do "DN", veja-se uma breve referência crítica ao livro. O qual se recomenda sem restrições. 

quinta-feira, 24 de março de 2011

Logo à noite


Sim, lá estarei na mesa. Mas lateja-me aquela frase: "hoje há muita gente que escreve poemas, mas escasseiam os poetas". Aparece sempre no meio de um desejo de quietação. De uma responsabilidade que não se pode descartar. De uma oportunidade que a grandeza concede à dúvida. Mas o que estou a dizer? Será assim tão certa a rarefação?  Haverá uma ordem directamente proporcional nesta fatalidade?  Talvez. A dissolução sem medida, ou a clausura ardente não é para todos. Mas não é preciso exagerar. Os poemas desses poetas que não dispensam o estilo ou a feroz candura, como que inoculam uma espécie de dislexia nos seus hospedeiros.  Muito tempo e nenhuma pressa. Fazem devorar a realidade mais depressa do que esta se consegue regenerar. Abrem brechas, túneis e alçapões. Onde a luz nunca se esconde. Os tais poemas  desses tais poetas nunca estão no mesmo local. São poemas portáteis, negociados entre poetas nómadas. A impiedade é a sua  arma de sobrevivência. O seu recesso amoroso.  A sua moeda de troca.  
Mas como chegámos aqui? Amputada do seu berçário imemorial, a cosmogonia, a poesia banalizou-se. Sucumbiu à vertigem da individuação massificada. Abandonou a contenção. Deixou de ter um crivo a separar a escória do minério. Passou a ter boas maneiras. Longe, muito longe, a monitorização do apelo visceral. Adquiriu propriedades ansiolíticas ou euforizantes, para escravos e hibernantes. E o que fazem os escrevinhadores de poemas à poesia? Epitáfios bem intencionados, nada mais. Refinados ou pré-lavados produtos do ócio, da venalidade, da desatenção. Anseios de reconhecimento e, não raras vezes, de simples comiseração.

Jogar à Benfica



Um golo de sonho de Nico Gaitán, a finalizar uma jogada do mais alto nível. Um hino ao futebol, composto por 16 toques! Para ver e rever sempre. O momento foi destaque do jornal desportivo espanhol "Marca". Que afirma ter o Benfica dado "un auténtico festín en su visita a Paços Ferreira. De los cinco goles logrados por los lisboetas destacó el tercero, obra de Nico Gaitán, que culminó una excepcional jugada de equipo, recordando al más puro estilo Barça por los toques de calidad." Notícia e comentários aqui.

A cobrança



Percebe-se muito bem que são os contribuintes alemães que, em grande medida, estão a financiar a nossa dívida pública. E, ao que tudo indica, irão continuar a fazê-lo por longos anos. Na quinta-feira, Ângela Merckl, em pleno Bundestag, criticou com dureza o chumbo do PEC 4 na Assembleia da República. Ou seja, pôs em causa uma deliberação de um órgão de soberania de um outro Estado. É certo que questionou a oportunidade política daquela, mais do que a sua legitimidade. Mas o problema mantém-se: a chanceler alemã ultrapassou claramente as fronteiras da coexistência e do respeito mútuo entre sujeitos do direito internacional dotados de soberania. Condicionando os mecanismos do debate político de outro estado membro da União Europeia e menosprezando a vontade dos representantes do povo português. Perdeu-se a intangibilidade da nossa soberania. Fixem a data.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Última edição

Lido

O governo - ou o que resta dele - trata o parlamento como se aquilo fosse as "novas fronteiras" socráticas. Os ministros - ou que resta deles - actuam como se estivessem em comícios do PS e não enquanto membros do governo de Portugal. Ou seja, comportam-se como se estivessem diante de serviçais dependentes e acéfalos sempre dispostos à banha da cobra (que Sócrates vai "vender" às tvs como um vulgar publicitário depois de ter ignorado a AR). É preciso mais provas?

João Gonçalves, no "Portugal dos Pequeninos"

Sarebbe bello vivere una favola - 18

Bola ao centro

Na segunda feira à noite foi perpetrado um ataque contra a comitiva do Benfica que se deslocou a Paços de Ferreira, no regresso a Lisboa. Para além dos danos no autocarro, o carro de Luís Filipe Vieira foi "abalroado" por um saco de pedras, lançado do único viaduto não vigiado da auto estrada que liga a "capital do móvel" ao Porto. Daí resultando ferimentos ligeiros no Presidente do SLB. Para além da incidência criminal do acto - o qual configura claramente um crime contra a segurança de transporte rodoviário, com perigo de vida ou para a integridade física, previsto e punido no art. 290º, nº 2 do Código Penal - interessa ir mais além e deslindar a estratégia que está por detrás. Ora, o sucesso desportivo do Benfica na época passada provocou muito receio nas hostes da agremiação regional de Contumil, também chamado FCP. Receio de que duas décadas de medo, intimidação e fraude fossem suplantados pela simples verdade desportiva. Ou seja, ganham os melhores, sem fruta, sem favores e sem tráfico de influências. Esse receio foi rapidamente transformado em pânico. Pois que o retorno do "investimento" feito em duas décadas de impunidade ficaria muito aquém das expectativas. Que maldade! Então o que seria da rede tentacular? Qual o futuro da nebulosa montada para falsear resultados, outorgar regulamentos, inventar castigos, influenciar nomeações, comprar responsáveis do aparelho judiciário e político, determinar a progressão dos árbitros, impor jogadores à Selecção Nacional, "afastar" do caminho vozes incómodas, denegrir o Benfica e apoucar os seus dirigentes, manter uma corte de avençados sempre às ordens na comunicação social, enfim, ter como modalidade "desportiva" secundária a exploração de casas de alterne? O assunto era sério demais para o Papa e seus acólitos! O "sistema" tinha que se manter no activo e apresentar resultados, fosse por que meios fosse. Vai daí, antes de mais, importava assegurar a vitória na Liga. Que começou da forma que se conhece, com arbitragens altamente prejudiciais para o Benfica. É evidente que não explicam o mau arranque de época da equipa da Luz, mas deram o sinal de que o polvo estava de volta. O fosso pontual então cavado nunca mais viria a ser recuperado. Graças aos expedientes que se conhecem: arbitragens escandalosas amparando os resultados do FCP, com penaltis só para um lado, de modo que a Liga Sagres se poderia chamar, com propriedade, Penalti Cup; quando a perseguição do segundo ao primeiro estava a causar alguns sobressaltos em Contumil, a mui célebre palhaçada de Braga, que entrará seguramente para o livro negro do futebol em Portugal. Mas ganhar a Liga não bastava. Era necessário desestabilizar a equipa, de que os elogios do padrinho a Jesus é um bom exemplo. Criar um ambiente de hostilidade contra o Benfica nas restantes equipas, mediante empréstimos de jogadores pro bono e infiltração de agentes provocadores. Mas, sobretudo criar um clima de guerrilha verbal e física, elevar a temperatura até níveis escaldantes. O propósito é claro. Provocar incidentes entre os adeptos e equipas no próximo jogo da Luz. De modo a que o Benfica seja associado à violência e práticas anti-desportivas e veja o seu estádio interditado. Forçando assim a que a meia-final da Taça de Portugal se jogue em campo neutro. Na blogosfera benfiquista e não só, têm-se amontoado, faiscantes, palavras como vingança, lei do Talião, batalha campal, "dar-lhes" forte e feio, promessas de "tirar a tosse" e outros mimos. Vamos lá ter calma, pessoal! Não entrem num jogo com regras viciadas! Não caiam na armadilha montada por quem se sabe. Bem sei que a indignação é muita. Mas é nestas alturas que a contenção saberá marcar uma diferença, diria, civilizacional. 
Ao que parece, em Braga, mas sobretudo no Dragão, quando o speaker apresenta as equipas, refere-se sempre ao Benfica como o "adversário". O intuito provocatório é óbvio. Mas é importante que os benfiquistas saibam declinar tão amável estatuto. Pois, como diz acertadamente  Diego Armês no "227218" (por sinal um dos meus blogues preferidos do universo benfiquista), é bom  acreditar que, «num mundo normal, "o adversário do Porto" só pode referir-se a uma equipa da PJ ou a um colectivo de juízes».

segunda-feira, 21 de março de 2011

Stalker

Lido

Tenho uma perspectiva de movimentos como o de 12 de Março: penso que qualquer movimento regenerador em democracia passa pelos partidos, a ida a eleições, e a escolha feita no voto, e não embarco em “democracias directas” nem tecnologicamente conduzidas E por isso a minha opinião depende da resposta à seguinte pergunta: será que a manifestação de 12 de Março afasta do poder as personagens que hoje controlam os aparelhos partidários, controlam secções gigantes cacicadas, estão à frente de sindicatos de voto, e daí retiram poder nacional ou autárquico, controlam as lideranças e as escolhas de lugares, e que são corruptas como quem respira?

Pacheco Pereira, no "Abrupto"

Germinal


de 21de Março a 19 de Abril

domingo, 20 de março de 2011

Dissolução

O amor é fome de outra vida, desejo de transitar. Quando dois amantes se abraçam e beijam, morrem um no outro, de algum modo, e transitam para um novo ser. A vida não pode ficar em nós, a repetir-se, que repetir é estar parado, é ocupar o mesmo lugar.

Aforismos, Teixeira de Pascoaes, selecção e organização de Mário Cesariny

terça-feira, 15 de março de 2011

Loriga

Vista da estrada do Fontão

domingo, 13 de março de 2011

sexta-feira, 11 de março de 2011

Música

O Universo é um ruído a converter-se em harmonia, um corpo a mostrar a alma.

Aforismos, Teixeira de Pascoaes, selecção e organização de Mário Cesariny

quinta-feira, 3 de março de 2011

Galo do Entrudo, versão 2.011

 clicar para ampliar

O Galo do Entrudo volta a ser julgado na Guarda a 7 de Março. A Culturguarda EM vai produzir para a Câmara Municipal da Guarda o Julgamento e Morte do Galo do Entrudo. Trata-se de um espectáculo comunitário e de expiação, baseado em tradições da região como o jogo do galo e o enterro do Entrudo. O Galo é julgado e queimado na praça pública sendo-lhe atribuídas as culpas de todos os males do ano que passou. Com a morte do culpado, a esperança é renovada. Estas são as premissas deste Julgamento no qual o réu é o bode expiatório, a defesa de nada serve e a sala de audiências é a Praça Velha.
À semelhança das anteriores edições, este é um espectáculo de características populares, baseado na tradição mas revestido de modernidade. Um ritual comunitário de forte adesão popular. Nesta edição estão envolvidas mais de 400 pessoas, entre colectividades da região, actores, músicos e animadores.
Tudo começa  às 21h30 com o tradicional desfile do Jardim José de Lemos até à Praça Velha, onde nesta edição haverá algumas novidades. No percurso até ao “tribunal”, o galo e os intervenientes do desfile vão ser interpelados. De algumas janelas e edifícios surgirão personagens e novas situações. No desfile, lado a lado com as colectividades, vão desfilar também grupos profissionais de animação dos quais se destacam a Companhia Visitants com o seu espectáculo pirotécnico inspirado no cultivo dos cereais; o Teatrapo com as percussões e as personagens mitológicas do “Bestiário”; a Companhia Kanbahiota com as suas acrobacias e dança aérea (na Praça Velha); a animação circense, o malabarismo e os números com fogo do Bang Circus; o Grupo do Sarrafo com os percussionistas do Pinhal Novo e ainda a Banda Filarmónica Sociedade de Instrução e Recreio de Paços da Serra (com o apoio da INATEL).
Chegados à Praça Velha é a vez do julgamento. Defesa e acusação vão esgrimir argumentos, mas nada disto valerá ao Galo cujo destino já está engendrado: culpado. A sentença dita que ele seja queimado, tendo antes direito a um último desejo. Trata-se de uma surpresa que todos os anos costuma deixar boquiaberto o público que assiste ao espectáculo e que a organização nunca revela antes!
O Julgamento e Morte do Galo do Entrudo tem concepção e coordenação geral de Américo Rodrigues, textos de António Godinho e Daniel Rocha, a concepção e construção do galo é de Agostinho da Silva, a música original da queima do galo do MC guardense B. Riddim e a cenografia é de José Neves e António Gomes.
No elenco, Fátima Freitas é a juíza de serviço no tribunal; Carlos Gil interpreta o general João de Almeida que é também o advogado de acusação; Sá Rodrigues será Manuel Vieira Matos, o advogado de defesa e a Voz do Galo será a de Américo Rodrigues.
José Pereira, Anabela Alexandre, Carlos Morgado, Anabela Chagas, Carla Morgado, Pedro Sousa, Elisabete Fernandes e Ronaldo Fonseca são os actores que complementam este elenco.
Sendo este um espectáculo comunitário, não poderiam faltar as colectividades, que uma vez mais responderam à chamada. Participam neste Julgamento e Morte do Galo do Entrudo de 2011 os seguintes grupos e colectividades da região: Grupo de Concertinas Estrelas da Serra, Associação Cultural, Social e Recreativa da Sequeira, Centro Cultural da Guarda, Grupo de Cantares de S. Miguel da Guarda “A Mensagem”, Grupo “Ontem, Hoje e Amanhã” de Maçainhas”, Grupo de Cantares da Arrifana – Associação Cultural, União de Jovens de Arrifana, Associação Desportiva, Recreativa e Cultural da Rapoula, Gambozinos e Peobardos – Grupo de Teatro da Vela, Raiz de Trinta – Associação Juvenil, Rancho Folclórico de Videmonte, Alunos de Artes da Escola Secundária da Sé, Associação de Jogos Tradicionais da Guarda, Clube de Montanhismo da Guarda, Aquilo Teatro e OfiCena (jovens do curso de teatro do TMG).

Fonte: Página oficial

Nota: mais tarde editarei aqui um texto da minha autoria sobre esta tradição, publicado no Boletim Municipal.

Stalker

Noite literária

poema das árvores e da aprendizagem

tudo o que as árvores fazem é pensar. ficam generosas à espera de chegar a uma conclusão. e se morrem, não é absoluto que tenham tido resposta. deram sombra, pássaro, fruto e vento, mas podem partir quietas, como quem tomba para dentro de si mesmo, com felicidade pelo que já passou e nenhuma mágoa, só a aceitação sábia do tempo

valter hugo mãe, in "contabilidade" (poesia 1996-2010), ed. Alfaguara, 2010

Nota: esta noite tive o prazer de assistir à conversa entre o autor e o prof. Dias de Almeida no café-concerto do Teatro Municipal da Guarda. A satisfação foi, suponho, extensível aos restantes convivas. Devo dizer que só conhecia o autor como blogger e crítico literário. Mas a partir de hoje, quero conhecer a sua obra. Iniciando  o périplo pela poesia. Que é sempre por onde se deve começar. Depois dou notícias...

Stalker

Contra as portagens, marchar, marchar

Marchar, neste caso, quer dizer também assinar a petição contra mais esta machadada nas aspirações ao desenvolvimento do interior do país. Basta dizer que, aos preços actuais dos combustíveis, uma viagem Guarda - Lisboa ida e volta, numa viatura ligeira a gasolina, incluindo portagem existente na A1 e prevista na A23, importará em cerca de 120 euros. Quanto a ir ao Porto pela A25, façam os leitores as respectivas contas. 

Petição "Não às portagens na A23 e A25"

quarta-feira, 2 de março de 2011

Crónicas da parochia (1)

A história vem de trás. Na sequência da aprovação de uma "moção de repúdio" contra o cidadão Américo Rodrigues pela Assembleia Municipal da Guarda (AMG), escrevi e coloquei online um abaixo assinado, onde os cidadãos eram convidados a manifestar a sua discordãncia com a deliberação tomada pelo referido órgão, conforme na altura anunciei. Há cerca de 15 dias, através de correio electrónico, dei conhecimento ao presidente da AMG do teor do abaixo assinado, incluindo lista de adesões (em ficheiro anexo). Aí solicitei  - para que o contraditório do visado fosse cabalmente exercido e o impacto político da deliberação em causa fosse devidamente avaliado no lugar próprio - que o assunto fosse discutido no período antes da ordem do dia, na sessão que teve lugar no passado dia 28 de Fevereiro. Entretanto, a convocatória  respectiva dirigida aos deputados vinha acompanhada da mencionada comunicação e do abaixo assinado impresso na íntegra. E ainda, pasme-se, de um requerimento (e respectiva resposta) que, na qualidade profissional, efectuei junto da AMG, para que fosse disponibilizada gravação, em suporte CD, do registo áudio do ponto da ordem de trabalhos da sessão anterior, onde a moção mencionada fora discutida e votada.
Mas o meu espanto não acabou aí. Tomei conhecimento de que, na sessão ordinária da AMG realizada na segunda-feira, o Presidente respectivo não só não apresentou o documento a discussão, como declarou que o mesmo não tinha validade jurídica para o efeito! Esta tomada de posição evidencia desde logo duas coisas essenciais: 1º que o senhor presidente da AMG provou ser parte interessada numa questão onde devia ser simplesmente o garante da legalidade e do respeito pelos cidadãos. 2º que, após ter aceite que a moção fosse sequer discutida pelo órgão que dirige - o que é, do ponto de vista regimental, no mínimo discutível - vem agora sufragar a lei da rolha e desresponsabilizar-se, através de um cínico expediente formalista, de tão lamentável episódio. Onde um cidadão (que não se pôde nunca defender) foi sumariamente "sentenciado" por uma assembleia que se deveria centrar em temas relevantes do concelho. De resto, e de uma forma exaustiva, o próprio Américo Rodrigues, no seu blogue, compilou as objecções que se poderão opor à  referida actuação do presidente da AMG. Argumentário para o qual remeto.

Crónicas da parochia (2)

Mesmo assim, para reforçar a malha crítica do posicionamento mencionado, há ainda dois pontos que gostaria de salientar.
1º A tábua rasa que o presidente da AMG faz dos meios online disponíveis para os cidadãos se mobilizarem para a tomada de posições públicas e para a acção política, maxime as redes sociais, é dos factos mais espantosos que tenho conhecido ultimamente. Sobretudo vindo de alguém com os pergaminhos académicos na área da comunicação como os seus. O episódio revela duas coisas: que a proximidade assumida entre ele e Sócrates não o tornou imune ao novo riquismo tecnológico apanágio do primeiro ministro; que, sobretudo depois do que se está a passar na China, em Cuba, na Birmânia e nos países islâmicos, mormente do norte de África, onde a utilização intensiva das redes sociais e de outras ferramentas da web 2.0  foi e é factor determinante da luta política e na mobilização cívica, o senhor presidente revela não só que anda distraído, como tem que reler o que Hannah Arendt escreveu sobre o conceito de labor na actividade política.
2º A aludida tomada de posição é um claro desrespeito aos cidadãos que assinaram (muitos deles com declaração em anexo) o manifesto. Lembro que, só para exemplificar, alguns deles já exerceram mesmo cargos políticos na autarquia e outros foram membros da AMG. E muitos outros são figuras de relevo no mundo empresarial, da cultura, do jornalismo, das universidades. A nível local e nacional. Mas o desrespeito, paradoxalmente (na aparência), é ainda maior para os cidadãos "anónimos" que, generosa e empenhadamente, quiseram tomar posição num assunto tão afrontoso para as liberdades individuais. Seja como for, até agora não tenho conhecimento que algum subscritor "de vulto" tenha desmentido essa qualidade. Se assim é, a tese da escassa força probatória do documento cai por terra. Mantendo-se o seu indesmentível e poderoso significado político. Recusado liminarmente pela AMG, da maneira que se sabe.
Bem sei que a dimensão que a iniciativa  veio tomar assustou a veia burocrática do senhor presidente.  A mesma de um comissário político. Mas assusta-me ainda mais (e a todos os guardenses, suponho) pensar que, para o senhor presidente, a validade jurídica da cidadania depende do reconhecimento notarial de uma assinatura. E a sua validade política se mede pela intensidade do som das vuvuzelas.

PS: por falar em vuvuzelas, ao que parece, durante a sessão, o patusco regedor da freguesia de Aldeia Viçosa, trajando uma Tshirt alegórica, referiu-se a mim pessoalmente, acrescentando-me ao seu rol "inimigos". Acontece que o episódio ad hominem está longe da grandeza tribunícia de um Saint Just, ou mesmo de um Canuleius. Situa-se, aparentemente, ao nível de uma atoarda de tasca, ou de uma deletéria proclamação de um cappo miguelista em fim de carreira. Seja como for, esse senhor é para mim uma simples nota de rodapé. Como esta. O verdadeiro assunto, onde ele aparece, como motivo mas não tema, acossado, em estado de semi-clandestinidade e, até agora, impunidade,  esse sim, é bem mais importante: a luta pela transparência no exercício de cargos públicos e pela reposição da legalidade democrática onde ela não existe.

terça-feira, 1 de março de 2011