terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Ano Novo


Song Around the World "Stand By Me".

Nem a propósito. Com este standard em modo global, o "Boca de Incêndio" despede-se do ano que agora finda. E deseja a todos os seus leitores aquilo que já se sabe para o próximo. Entretanto, para começar o day after, recomendo um comprimidozinho de Guronsan desfazendo-se no copo, a solução a escorrer pelas paredes do estômago e o tal "je est un autre" que se segue. Um gesto que pode mesmo fazer a diferença. Depois não digam que não avisei.

O quintal do gajo

A batalha do Atlântico

O caso do Estatuto para os Açores tem agitado o país desde que sobre o diploma recaiu o veto presidencial. Para além de ter posto à prova os equilíbrios entre os diferentes orgãos do poder. Por aqui, desde a primeira hora se percebeu que as objecções de Cavaco têm a sua razão de ser. É pura aberração a criação de um provedor de justiça regional, por exemplo. Para além de os poderes presidenciais serem reduzidos por via de uma mera lei ordinária. Passando por cima da Constituição e dos interesses nacionais. Todos os especialistas se pronunciaram neste sentido. Os favores pagam-se: o PS quis satisfazer unicamente os interesses eleitorais do senhor César, o cliente atlântico de Sócrates. E de caminho comprar uma guerra barata com Cavaco. Depois admirem-se de ouvir dizer que o regime está em crise.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Stalker

Tomasz Kizny

Sarebbe bello vivere una favola - 5


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Momentos Zen - 52

Absorto no som da água corrente, não ouço a água corrente.

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domingo, 28 de dezembro de 2008

Lobo Antunes - estrela da publicidade



Um grande momento de humor pelos "Contemporâneos"

sábado, 27 de dezembro de 2008

Camellia sinensis (3)

O reino dos chás tem uma deliciosa particularidade: à medida que o percorro maior é o espanto e a vastidão da minha ignorância sobre ele. Tantas são as possibilidades e os encontros. Mas hoje não poderia deixar de falar-vos de três descobertas recentes. Que fizeram as delícias deste Natal:
1º Um magnífico darjeeling de segunda colheita da Wittard, que descobri numa das suas lojas em Londres, na célebre Carnaby Street. O "champanhe" dos chás, aqui bem à altura dos seus pergaminhos.
2º Um chá verde chinês aromatizado com jasmim, em boa hora recomendado no estabelecimento "Leão Real", na Guarda. Cujo atendimento personalizado e inexcedível faz a diferença na cidade.
3º Uma surpreendente mistura aromatizada de chás pretos, da "Kusmi", de origem russa. Chama-se "Prince Vladimir". A presença da bergamota, do limão, da baunilha, da canela e do cravinho dão-lhe um paladar único e inesquecível.

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Playlist da casa (15)

Banda sonora do filme "Bleu" (da trilogia "trois couleurs"), de Krzysztof Kieslowski

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Da vida das marionetas

Tenho saudades dos verdadeiros cartões de boas festas. A maioria com grafismo kitsch, é certo. Não obstante, havia neles uma materialidade piedosa, sincera. Cheiravam a cola, tinham erros, um destinatário certo. Não eram simples impulsos virtuais, mas o sinal de um esforço, de um elo que se robustecia, de um potlach postal onde a generosidade não era palavra vã. Tudo isto desapareceu. Agora valem as "mensagens" de natal, que entopem as caixas de correio electrónico e a memória dos telemóveis. Ao spam das boas práticas comerciais, juntam-se as mensagens individuais de gente pouco recomendável, que assim alivia a sua má consciência. A verdadeira generosidade está ausente, é claro. É que as pessoas já não dialogam. Estamos cada vez mais despojados de tempo para os outros e para nós próprios. Comunicamos cada vez menos. As tecnologias, ao estimularem a preguiça, vieram potenciar o frenesi consumista nas nossas vidas. A realidade dá muito trabalho: visitar os outros, procurá-los nesta quadra propícia, escrever-lhes umas linhas num papel, metê-lo num envelope e depositá-lo numa caixa de correio é quase uma blasfémia. Com os sms e os e-mails vamos dando corda ao vazio, até à queda final.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Paperbacks - 14

Leituras

(Dois excertos – início e final)

«Como habitualmente, às 5 da manhã ouviu-se o toque de alvorada, dado pelos golpes de um martelo sobre um bocado de barra suspenso junto da barraca de comando. (...)
Já o ruído cessara, embora por todo o campo parecesse ainda estar-se a meio da noite, quando Ivan Denisovich Shukhov se ergueu para ir à latrina. Estava escuro como breu, vendo-se apenas a luz amarela lançada por três holofotes – dois no perímetro e um dentro do próprio campo. [...]
*
Shukhov adormeceu completamente satisfeito. Feliz. Fora bafejado pela sorte aquele dia: não o haviam posto no xadrez; não tinham enviado a brigada para o Centro; surripiara uma tigela de kasha ao almoço; o chefe de brigada fixara bem as rações; construíra uma parede e tirara prazer do seu trabalho; arranjara aquele pedaço de metal e conseguira passá-lo; recebera qualquer coisa de Tsezar, à noite; comprara o tabaco. E não caíra doente.
Um dia sem uma nuvem carregada, sombria. Quase um dia feliz. Contava já no seu activo três mil seiscentos e cinquenta e três dias como este. Desde o primeiro até ao último toque na barra de carril. Os três dias suplementares pertenciam a anos bissextos.»

Trad de H. Silva Letra
Publicações Europa-América, Livros de Bolso nº 33, Lisboa, 1972 – reed. 2008

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O beco


O que quer realmente este homem? Esticar a corda até alguém a largar do outro lado? Atracar o cacilheiro da saga da resistência ao albigense Louçã? Ganhar o prémio do sempre em pé que dá jeito a Sócrates, porque o país o julga acolitado de companhias tão recomendáveis? Continuar de forma masoquista dentro do PS, sem perceber que esta força política tudo fará para conservar o poder sem olhar a meios? Reeditar um frentismo para inconfidentes? Ser o arauto de um neo PRD dos desiludidos e não dos desfiliados? Este homem traz consigo um humanismo pungente e uma voz quente e tonitruante, é certo. Mas corre o risco de se tornar o idiota útil de Louça, depois de ter sido a um tempo a caução esquerdista de Sócrates. O negócio parece ser este: Alegre agiliza a transferência das suas "bases" para ambiências bloquistas; por sua vez, Louçã fornece a logística e a estridência programática. Um bom negócio para ambas as partes, ao que parece. Mas péssimo para quem não prevê nada de novo nesta Plataforma. Pouco mais do que um prolegómeno para um realinhamento que não é para levar a sério. Um lance táctico destinado a suprir uns buracos do cenário provável de um PS sem maioria absoluta nas próximas legislativas. Claro que há um défice de representação política na sociedade portuguesa. À esquerda e à direita. Claro que os partidos enfraquecem dramaticamente a luta política e a democracia. Claro que promovem a mediocridade e "matam" a política. Mas será este homem que irá mudar alguma coisa?

O carro do gajo, em dia de nevão

Tábua de marés (20)

“O Tambor” (“Die Blechtrommel”), 1978
Realização: Volker Schlondorff, a partir do romance homónimo de Günter Grass, 1959 Duração: 1:41
Pequeno Auditório do TMG, 9 de Dezembro.

Em boa hora este filme de culto da cinematografia alemã, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, foi exibido entre nós. Danzig/Gdansk, Alemanha, durante os anos 20/30 do século passado. A história é narrada a posteriori pelo protagonista, Oskar Matzerath, que no livro é nessa altura interno num hospício. Logo após o seu rocambolesco nascimento, a mãe promete-lhe que, ao completar três anos, ganharia um tambor de latão. No dia da comemoração de seu aniversário, após presenciar os jogos eróticos entre sua mãe e seu primo com quem mantinha um caso (uma sequência que faz lembrar uma outra em “O charme discreto da burguesia”, de Buñuel), Oskar decide que não iria crescer mais e força um acidente. Provocando assim um anacronismo fisiológico: deixa realmente de crescer. Quando o seu padrasto e outros tentam tirar-lhe o seu adorado tambor de latão, Oskar demonstra o seu talento bizarro: com um grito super agudo, faz estalar os vidros em redor. Entretanto, o movimento nazi afirmou-se na Alemanha e o padrasto adere ao movimento, entre outras figuras próximas. A história do jovem Oskar, em tom de comédia, começa muito antes, quando os seus avós se conheceram no campo (uma cena divertidíssima debaixo da saia da avó). Na cidade de Danzig existia uma minoria étnica de onde provinha Oskar: os cassúbios, que não se consideravam nem alemães nem polacos. Tendo pago por isso um elevado preço, ao perder-se entre os conflitos que marcaram a primeira metade do século na Europa. O que tem de divertido, “O Tambor” tem de crítico e sagaz também. Um miúdo apresenta-se como um incorrigível observador. É através do que ele vê que acompanhamos o rumo da história. Sempre acompanhado do seu inseparável tambor vermelho e branco e da sua voz incomum. É o olhar descomprometido de uma criança analisando o mundo adulto e resolvendo não pertencer a esse mundo: as eternas convenções sociais, casamentos arranjados, amores impossíveis, as aparências, o espectáculo da política. A propósito, a sequência mais caricata da obra acontece durante a recepção do Partido local a um dirigente nazi, na praça principal. Durante a cerimónia, o pequeno Oskar, escondido, toca o seu tambor. É quanto basta para o desconcerto da banda se instalar, transmitindo-se, de forma contagiante, para a assistência, que começa a dançar uma valsa. A chuva encarrega-se de dispersar o que resta da ocasião. Um filme que continua a surpreender pela subtileza bem-humorada e pela contundência com que interpreta uma época conturbada.

Publicado no jornal "O Interior", em 19 de Dezembro

Tábua de marés (19)

"Gil e Vicente – Uma viagem de barca ao inferno"
Associação Mau Artista (
http://www.mauartista.blogspot.com/ Encenação: Paulo Calatré
Interpretação: Nuno Preto e Pedro Damião

Café Concerto do TMG, 11 de Dezembro, pelas 22h00

Para quê colocar dois actores desmultiplicando-se nos vários personagens que povoam a maior alegoria moral escrita por Gil Vicente? A este desafio respondeu a Associação Mau Artista, uma estrutura dinâmica que, embora formada há três anos, já produziu 10 espectáculos numa perspectiva iconoclasta. Apresentando agora ao público guardense esta sua mais recente produção. Ora, há quem aponte ao “Auto da Barca do Inferno” o mesmo propósito moral da “Divina Comédia”. Há alguns ingredientes comuns, é certo: a expressividade pictórica, a alusão aos sete pecados capitais, a morte como destituição das hierarquias e marca do efémero, a (in)justiça terrena analisada como suporte narrativo. E talvez, em certa medida, o cenário. Mas as semelhanças acabam aqui. Vicente apresenta-nos uma tragédia com sabor a comédia. Uma alegoria, é certo, mas atravessada pelo picaresco especificamente peninsular. Onde os personagens tentam iludir o Anjo e o Diabo acerca das suas virtudes. A viagem que os espera será feita através de um “braço de mar” no qual estão ancoradas duas barcas: uma que conduz Paraíso e outra ao Inferno; aquela tripulada por um Anjo, esta pelo Diabo e seu companheiro. O cenário é, cósmico, já que trata do destino das almas. Toda a dramaturgia é organizada em função de dois mundos em comunicação: o terreno e o sobrenatural. Todos os personagens conservam na memória a sua autenticidade terrena e ainda estão comprometidos com o seu estilo de vida, social ou profissional, envergando objectos “emblemáticos” a eles associados. A barca é, assim, símbolo de travessia, de viagem, e constitui, ela própria, uma alegoria do destino. Por outro lado, os vários candidatos á justiça divina, mesmo individualizados, de que o onzeneiro, o parvo, o corregedor, o fidalgo, o frade ou a Brígida. valem sobretudo como tipos sociais ou psicológicos. Aqui, nada de novo. E os dois barqueiros estão longe de ser imparciais. “Gil e Vicente, Uma Viagem de Barca ao Inferno”, é um espectáculo que tanto funciona para um público escolar, como em ambientes e espaços não convencionais, onde garante o interesse do público em geral. Onde se inclui o esforçado trabalho físico desenvolvido pelos actores, a óbvia intencionalidade clownesca e a adaptação à linguagem da companhia. Por sua vez, o cenário, simplificado, mas eficaz, é um ponto de partida para a improvisação. Uma bicicleta, um escadote de madeira e malas de viagens a abarrotar de adereços / memórias serão, aos olhos dos actores e dos personagens, o cais, as barcas e ajudarão na identificação dos personagens. Assim como o escadote será a barca do inferno, para logo de seguida ser a barca do paraíso, um funil poderá ser o chapéu do parvo. Um texto clássico, a que este grupo acrescentou significados novos e estimulantes.

Publicado no jornal "O Interior", em 19 de Dezembro

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domingo, 21 de dezembro de 2008

O encontro

Soltas

Abrimos sempre os convites por recusar, recusando assim a única razão válida para os aceitar. São os jantares em que não se comeu mas se esteve, os filmes que foram vistos sem querer ver, um olhar mais ousado com vontade de mais saber que se rejeita em desvio rápido e frágil, aceitando assim a única razão pela qual não se pode recusar um convite, querer, só.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Saatchi

Zhang Xiaogang, "A Big Family"
Sun Yuan e Peng Yu, "Old Person's Home"

Zhan Wang, "Ornamental Rock no. 71

Para encerrar os destaques da mais recente incursão a Londres, falta referir a Saatchi Gallery. Uma instituição já com créditos firmados e que acaba de reabrir junto a Slone Square, em Chelsea. Instalada no palácio do Duque de York, um magnífico espaço rodeado por uma extensa zona verde. A galeria exibe exclusivamente arte contemporânea. Sejam obras de artistas consagrados, quer emergentes. Apresentando-se como um espaço interactivo, mantém ainda uma carteira de artistas escolhidos on line, divulgando as suas obras, entre outras iniciativas. A seguir à Tate Modern, a Saatchi é provavelmente o grande centro de divulgação de arte contemporânea em Londres. Quando lá estive, pude disfrutar a notável e polémica exposição consagrada a um naipe de "novíssimos" artistas chineses, patente até Março. Mais informações, incluindo catálogo, disponíveis na página do site oficial, também em português. O panorama geral prima pelo arrojo, num espaço pensado, pela sua plasticidade e volume, para este tipo de exposições. Destaco as figuras estilizadas de Yue Minjun, o anjo caído de Cang Xin, a provocação política de Shi Xinning, as construções de Shen Shaomin, que utiliza mateiais pouco convencionais, e a a bizarra instalação de Sun Yuan e Peng Yu, "Old Person's Home", o momento iconográfico deste catálogo. Trata-se uma série de cadeiras para deficientes motores, "tripuladas" por figuras representando um conjunto de líderes políticos mundiais em estado de completa senilidade. As cadeiras vão-se movendo aleatoriamente, podendo chocar entre si. Todavia, não embatem nos visitantes que circulam no espaço, pois dispõe de sensores apropriados. Uma curta sequência da instalação poderá ser visionada aqui.

Paperbacks - 13

A questão coimbrã

Estou em Coimbra durante toda esta semana. Mesmo sendo verdade, é sempre bom acrescentar, para efeitos narrativos, que o faço por razões profissionais. Mais precisamente, por causa de um programa de implementação do Citius, a nova plataforma informática dos tribunais. Já ouviram falar? Who cares? Ou seja, voltando ao tema quente, "as razões" aparecem como uma designação oficial, que encobre um desígnio intimo: revisitar Coimbra enquanto deambulação pascaliana. Esperando encontrar algumas das criaturas bestiais do reino do fantástico, imaginadas por Borges. Tanto mais que matéria não falta para abrilhantar a festa. Coimbra tem-me acompanhado ao longo dos tempos. Não desconheço que este enunciado tem algo de bíblico, mas o que é que se há-de fazer? Desde um período desmedidamente feliz na infância, a um outro na idade da gaveta, passando por umas deambulações académico-orgiásticas mais à frente, por supuesto. Numa delas, houve um episódio tarantiniano, chamemos-lhe assim provisoriamente. Na República onde pernoitei, salvo erro Bu-falos-bílis, ia no grupo uma norueguesa. Pois a moçoila, ao ver uns pescoços de gansos em cima do frigorífico, depenados no dia anterior, depois de uma surtida por um dos parques da cidade, teve que a modos que um requebro. E caiu redondinha no chão. Precisamente ao lado de um caixão encostado à parede, com uma portinhola de vidro à altura da cabeça do putativo defunto, não vá o diabo tecê-las. E onde os neófitos eram obrigados a dormir na primeira noite. Ainda bem que não viu o clister que corria numa roldana por cima da mesa, normalmente cheio de vinho e por onde os convivas honravam Baco em grupo. Mais tarde houve uma pós-graduação em Direito da Comunicação, aos fins de semana. E uma curta, mas intensa estadia no hospital, após um trágico acidente de carro. Pelo meio, os inevitáveis Encontros de Fotografia, um encontro de grupos de teatro universitário, incursões poéticas avulsas, a espaços, e meia dúzia de encontros amorosos. Ou seja, um ou dois. Espero não me ter esquecido de nada importante. Algumas precauções são agora devidas aos meus queridos leitores. Em primeiro lugar, não me incluo naquele lote de saudosos profissionais que mal ouvem falar da lusa Atenas, começam a falar alto com o olhar perdido, instrumentando na circunstância uma nostalgia a propos, um tique pavloviano dedilhado à guitarra, com uma inscrição gravada num penedo qualquer de um álbum fotográfico cheio de cintilações e ervas daninhas. Por outro lado, sou insuspeito dessa tentação, precisamente porque não fiz "cá" a minha vida académica. Em vez disso, considero-me um amante de longa data, dispensado há muito de senha e contra-senha. E que, sem o peso do saudosismo, pode sempre descobrir novas geometrias na cidade, acrescentar sempre algo de novo ao que se desconhece e não simplesmente compor uma paz interior à custa de um passado mítico. Desta vez, pude admirar de longe a nova face do mosteiro de Santa Clara a Velha, prestes a ser aberto ao público, o arranjo ao longo da zona ribeirinha e até o novo mega espaço comercial. E um bar onde já não ia há muito, a meio do Quebra Costas, com net à borla. Um local feliz onde passam os The Cure em doses generosas e de onde saúdo os leitores. E pronto, estou quase de abalada. Por favor, e não me digam que a hora tem mais encanto...

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O gajo

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Lido

E se matei a minha sombra algumas vezes
E desviei os olhos do sangue e do silêncio,
É porque vivo, como sabes, entre estes dois gritos,
É porque vivo, como sabes, perto de mim.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Abalada

Já adivinhava. Começou a nevar. Um anacronismo, em tempo de aquecimento global. Mesmo assim, o silêncio e a piedosa grandeza do momento justificam um passeio epifânico. Experimentar o manto. Os espectros das aves. A razão sacudida. O barómetro da redenção. Olha. Pois. No photos, please!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Incursões

Londres começa a ser para mim um local viciante. Nada a fazer. Com base nesta última estadia de 4 dias, algumas notas: a esplendorosa cripta de St. Martin in the Fields, em Trafalgar Square; a maré humana em Oxford Street, ao fim da tarde; a zona de Greenwich, um local magnífico, compreendendo: o complexo edificado por Cristopher Wren junto ao Tamisa, que já foi hospital e agora é uma Universidade e Escola Naval, o Museu Marítimo e o Observatório, um espaço museológico onde já esteve instalado o relógio onde era medido o tempo "oficial" , residência oficial dos astrónomos reais desde o séc. XVII e onde se pode ver a linha do meridiano zero, tudo rodeado por um grandioso espaço verde; um jantar no "Masala zone", um fantástico restaurante indiano, junto a Carnaby Street; a loja de chás da Whittard , na mesma área, de onde tive que ser arrancado "à força"; a assistência à peça "No man's land", de Harold Pinter, no Duke of York's, na zona "quente" do West Side; a Photographer's Gallery, onde não cheguei a entrar; claro, o Camden Market, um local iconográfico, de onde não apetece sair, mas onde se deve chegar pelo Regent Canal, o qual se percorreu, durante duas horas, atravessando a Little Venice, que mais poderia chamar-se Little Amsterdam, com as suas barcaças habitadas, os seus cafés e teatros de fantoches flutuantes; o Holland Park (ver postagem anterior) e a Galeria Saatchi, na zona de Chelsea, de que falarei a seguir.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Auto de notícia

Uma amiga madeirense contou-me que, numa visita à magnífica e faustosa livraria "Esperança", no Funchal, encontrou um livro meu. No caso, tratou-se de "A Noite Obscura" (um drama nô ibérico). Ou seja, uma pequena peça de teatro, facilmente adaptável como libreto para ópera, a partir de poemas de S. João da Cruz e Bashô, o expoente máximo do haikai japonês. Que escrevi há uns quatro anos atrás. Boas notícias, portanto. E uma secreta satisfação, ora bem.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Paperbacks - 12

Momentos Zen - 51

Seja caminhando, comendo, ou viajando, está sempre onde estiveres.

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Omo lava mais branco

Abílio Curto, o conhecido ex-presidente da Câmara da Guarda, é agora comentador no programa radiofónico "Politicamente Incorrecto", no ar desde Novembro na Rádio Altitude. Sobre o assunto já aqui fiz uma referência abertamente crítica. Recentemente, numa das suas crónicas, lançou um esconjuro contra os bloguistas que se pronunciaram negativamente acerca do seu reaparecimento público. Como nos velhos tempos, este senhor gesticula freneticamente, faz uso de uma verbosidade de feira, continua a ser o que a demissão cívica de uma cidade o deixou ser durante demasiado tempo. Ou seja, convive mal com a crítica, com a pluralidade, com uma opinião pública esclarecida e independente, com tudo aquilo que extravase a rede clientelar do amiguismo e da vacuidade ideológica e política. O que inclui a modernidade, a transparência, uma actividade cultural regular e seus agentes, e um jornalismo independente. Para "notoriedades" de província do género, o paternalismo e o apagamento da cidadania no seu entorno são o garante da sobrevivência e protagonismo na res publica. E tornam-se elementos de um estilo que, ficámos a saber, Curto nunca irá perder. Nessa crónica, chega a ameaçar os críticos, os bloggers que publicamente denunciaram a irresponsabilidade desta rentré. O que, só por si, diz tudo. Agora cabe perguntar: perdeu Curto o direito à intervenção cívica, à opinião? Evidentemente que não. Aliás, se fosse isso que estivesse em causa, podem os leitores ter a certeza que seria eu dos primeiros a avançar em sua defesa. Como faria em relação a qualquer outro cidadão. Discordasse ou não das duas opiniões. Ou ele das minhas. A questão está na oportunidade de um comentário sobre a vida política local por alguém que perdeu a legitimidade ética para o fazer. O que significa que, do ponto de vista jornalístico, abrir-lhe esse espaço representa não só uma cedência ao sensacionalismo, como não produz qualquer tipo de contraditório produtivo, nem acrescenta nada à actual dinâmica da cidade. Curto dá palpites, exorcisa fantasmas antigos, reparte elogios, excomunga, cozinha ambições e lugares, distribui presentes, alguns deles envenenados. Sobre política a sério, nada. Sobre ideias para a cidade, idem. Sobre ideologia, é melhor nem falar. A única vantagem deste discurso é lembrar à audiência como ainda decorre, em grande parte, a luta política neste canto do país. Por outro lado, Curto dá-se ares de político jubilado, a quem tudo é permitido, pois está em tudo e já não está em nada. O que só em parte é verdade, pois parte da rede clientelar que criou acabou por lhe sobreviver. Ora, no seu anátema contra os bloguistas, com recadinhos pelo meio, Curto vem lembrar como o bom povo ainda o idolatra, ou pelo menos, está certo da sua eterna gratidão. Neste momento veio-me à memória a sua imagem de marca: o "presidente das aldeias". O que inculca outra característica no seu perfil, comum a todos os caciques: o populismo. Ou seja, o homem que faz, o que no meio de cegos, o senhor entre os vassalos, o que foge do escrutínio de uma autêntica opinião pública como o diabo da cruz. Pois Curto vem agora lembrar precisamente o "bem" que fez a tanta gente. E descobre nisso a razão para a inveja dos que o atacam. Estou a falar a sério, acreditem. Ora, será que Curto "deu" algo a alguém? Os melhoramentos e benefícios onde interveio foram actos próprios de um benemérito? Obviamente que não. Um político que exerça cargos públicos é eleito precisamente para cumprir o programa para que foi sufragado, tomar decisões sobre o bem comum na circunscrição respectiva. Utilizando recursos públicos, é claro. É fundamentalmente isso que se espera dele. O grau de satisfação dos eleitores é medido sobretudo através de instrumentos que tornem possível um escrutínio permanente, de que o voto é o resultado típico. É essa a sua "gratidão", ou o seu contrário. Seja como fôr, esse sentimento deveria ser reservado para um empresário, ou um filantropo. Casos em que, por razões distintas, "dão" algo de si em benefício dos outros. Em relação aos políticos, vale a saudável regra da contratualização: a avaliação do mandato de quem é eleito determina a sua continuidade no cargo. E nada mais. Naturalmente, as qualidades humanas de um político, a notoriedade do seu desempenho, terão sempre um lugar na História e no coração daqueles que apreciarem o estilo. Todavia, tudo o que extravasar esta representação colectiva, sobretudo a reivindicação do amor da populaça pelo interessado (Vd. "O Perfume", de Patrick Süskind), o apelo a uma vaga de fundo que tudo possa justificar, a exigência de um dasagravo permanente que garanta a impunidade, não deixando de ser um assunto sério, mesmo que no domínio do small talk, remete menos para a vida pública do que para a virulência de uma ferida narcísica ainda por sarar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Viagens

Aspectos do Holland Park, em Londres (e Kyoto Garden), ontem de manhã, durante um passeio memorável. Recorde-se que este magnífico espaço, situado na zona abastada de Kensington, foi celebrizado também por dois motivos. Por um lado, esta era uma área frequentada por espiões durante o período da guerra fria. Um cenário que decerto inspirou escritores e viajantes. E foi neste parque que foi rodada a célebre sequência do suposto homicídio visionado pelo fotógrafo e protagonista no filme "Blow up", de Antonioni. Obra essa que já aqui comentei.



Tábua de marés (18)

Ar da Guarda
Exposição colectiva de artistas do concelho da Guarda
Organização: CMG - NAC
Galeria do Paço da Cultura
Entre 17 de Novembro e 3 de Janeiro de 2009


Em Dezembro de 2004, era editado, pelos mesmos organizadores deste evento, um caderno colectivo intitulado "Ar Livro", contendo textos e imagens, e no qual também colaborei. Nessa publicação, num texto a propósito intitulado "Ares da Guarda", escreveu Eduardo Lourenço o seguinte: vendê-los, em casa, imitar como podíamos os eternos Davos-Platz dos outros, oferecê-los aos que sofriam do "mal" de um século em vias de urbanização acelerada, lavar-lhes os pulmões nesse ar ainda não poluído da nossa provincial "montanha mágica". (...) A Guarda não se converteu na cidade onde se vinha a ares. Mas tomou consciência, e a tradição dura até hoje, que os seus "ares" eram, para quem os procurava, uma aposta de vida. Precisamente: encarar, em grande medida, a Guarda como um destino espiritual, uma finisterra purificadora. Sendo o bem mais precioso - o ar – o elemento central deste conceito. E onde os objectivos imediatos, associados às virtudes desse elemento – terapêuticos, turísticos, desportivos, científicos, a ausência de ácaros, segundo me disseram - mais não seriam do que meios para esse objectivo último e que atrás mencionei.
A tentação de classificar o “Ar da Guarda” como marca registada já passou pela cabeça de muita gente. A representação é apelativa, diga-se de passagem. É claro que estamos em presença de um bem que não é escasso, até ver. O que significa que só metaforicamente se chegará à consciência, não tanto dos seus benefícios, pois esses conhecidos sobejamente, mas das suas aplicações, numa visão ampla de longo prazo. Aquilo a que chamaria “Ar da Guarda 2.0”. A imagem de marca para uma verdadeira aposta de vida. Acontece que, nesse sentido, a primeira acção pública e as subsequentes deveriam ter como suporte mais idóneo a arte, ou, mais propriamente, o manifesto artístico. E seria a sua força expressiva que teria que ser usada na linha da frente. E foi exactamente isso que foi feito. A propósito das excelsas virtudes terapêuticas da atmosfera guardense, lembro-me de uma acção conduzida há uns anos pelo NAC, numa das exposições da série "A Memória das coisas", e que consistia basicamente na criação e exibição de pequenos boiões contendo ar da Guarda. Com rotulagem criada para o efeito. Eis um feliz exemplo de arte pop, ao serviço de uma ideia com todas as condições para vingar. E que constitui o antecedente directo da exposição agora patente.
A primeira constatação é de que esta reúne artistas de várias gerações, sensibilidades e dimensão curricular. O que, desde já, me parece a aposta certa, em função dos resultados artísticos desejados. Começando pelo catálogo, tornou-se evidente que cumpriu o que lhe competia. De realçar a qualidade superlativa das fotografias de algumas das obras expostas, as quais francamente favorecem. Relativamente aos critérios seguidos na instalação das obras e sua interacção com o espaço, notei algumas falhas. A mais grave tem a ver com a arrumação das três esculturas na mesma sala. Acontece que qualquer uma delas pressupõe que sejam exibidas de forma personalizada, sem elementos externos que possas perturbar o seu desfrute. Neste caso, a notável instalação de Rui Miragaia obedece a uma lógica diversa das outras obras presentes. E, sobretudo, a iluminação intermitente diminui a percepção destas. Justificava-se, portanto, a sua mostra num espaço individualizado. Por outro lado, notei uma qualidade desigual nos trabalhos expostos. E uma fidelidade também desigual de cada artista àquilo a que habituou o público. Havendo, nalguns casos, uma linha de continuidade e noutros uma ruptura. Por outro lado, se na maioria das obras (incluindo algumas criadas especialmente para a mostra) se nota a dedicação exclusiva ao tema proposto, noutras já isso não é tão claro. O que empobrece, de alguma forma, o resultado final. Por último, e como nota informal, cabe ainda destacar, pela positiva, os trabalhos de alguns dos artistas representados: Carlos Adaixo, Teresa Oliveira, Kim Prisu e, noutro registo, José Vieira, Pedro Renca e Rui Miragaia.

Publicado no jornal "O Interior", em 4 de Dezembro

Tábua de marés (17)

Melech Mechaya André Santos, Francisco Calado, João Graça, João Sovina, Miguel Veríssimo Café Concerto do TMG, 26 de Novembro, às 22h00

O grupo descreve a sua música como “uma viagem festiva pela música klezmer, abraçando também momentos mais delicados e intimistas. Uma viagem pela tradição judaica, unindo aromas árabes, ritmos ciganos, e momentos de simples “bate-o-pé”, de Hungria a Israel, dos Balcãs a Nova Iorque. Uma enorme festa não aconselhada a quem tem problemas de coração!” Quem já assistiu a algum dos seus concertos decerto se revê nestas palavras. A sua sonoridade é tributária, em grande medida, da música Klezmer. Trata-se de uma tradição musical judaica, nascida na idade Média, nos ghettos da Europa de Leste, onde trovadores judeus, conhecidos como “klezmorim”, tocavam em festas e casamentos. Inspirou-se em melodias seculares, danças populares e liturgia judaica. Em contacto com outros povos e outras tradições musicais, os “klezmorim” adquiriram novos modelos de composição, novos temas, ritmos irregulares, dissonâncias e um toque de improviso que tornaram esta música facilmente reconhecível e apreciada no mundo inteiro. À boleia de uma onda revivalista enquanto música de dança. Como se esperava, o grupo veio para aquecer a audiência, numa noite particularmente fria. E conseguiu-o, em certa medida. Executando cerca de uma vintena de temas, metade dos quais compostos pela banda e outros de origem popular. Pese a tradicional resistência inicial do público local a grandes agitações, lá para o fim viu-se uma adesão notável aos sinais que vinham do palco. Criando-se uma sintonia notável entre os vários actores da sessão musical e proporcionando um ambiente festivo e cúmplice. Que é, ao fim ao cabo, a razão de ser desta sonoridade que não deixa ninguém indiferente.

Publicado no jornal "O Interior", em 4 de Dezembro

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Stalker

Tábua de marés (16)

Guarda: rádio memória
Coordenação geral e dramaturgia: Américo Rodrigues
Encenação e dramaturgia: José Rui Martins
Direcção musical: César Prata
Cenografia e adereços: Marta Fernandes da Silva e Pedro Santos
Co-produção do Teatro Municipal da Guarda e Trigo Limpo Teatro ACERT
Dias 21, 22 e 23, no Grande Auditório do TMG.

O nome pode induzir em erro. Não se trata de um espectáculo de teatro radiofónico, como seria de supor. E porquê? Desde logo, porque a rádio é claramente o motivo, o suporte dramatúrgico da peça. O seu papel é muito mais significativo do que o do coro grego, por exemplo. Uma vez que, nesse caso, ele é ora o impulsionador, ora o comentador distanciado da acção dramática. Pois aqui a acção passa-se no interior da própria rádio. Que transmite aquilo que é recriado cenicamente. Portanto, a rádio é, nesta peça, o narrador que comanda a acção e a reproduz. Servindo o palco como uma extensão, uma projecção daquilo que se passa no estúdio. Em suma, convidando-nos a olhar para ela como se se tratasse daqueles personagens que Rembrandt incluía em alguns dos seus quadros, olhando para o espectador e tornando-se cúmplice do que ele próprio assiste. Portanto, a rádio funciona aqui de duas formas: como meio de projecção e circulação da mensagem proposta e como instrumento agregador e simplificador no processo dramatúrgico desenvolvido. No segundo caso, resolveu um problema sentido no anterior espectáculo, “Guarda, paixão e utopia”, quanto às transições entre as diversas cenas. O tal fio condutor. No primeiro, abriu possibilidades infinitas no que toca à escolha dos temas. Por outro lado, a dimensão impressionante da ficha técnica pode induzir noutro erro: encarar este espectáculo enquanto produção megalómana. O que aconteceria se o passo pretendido fosse superior às pernas. Ou se o TMG se tivesse transformado num estúdio da Paramount Pictures durante a rodagem de um épico de Cecil B. de Mille. Ironia à parte, o que impediu a passagem da ténue linha para um gigantismo descontrolado não foi a contenção nem a limitação dos meios envolvidos. Mas sobretudo a fidelidade ao conceito original: contar histórias da Guarda, por gente de Guarda e para a Guarda. Celebrar a casa comum. Orquestrar um conjunto polifónico de vozes, ao serviço de um projecto artístico de qualidade e com projecção universal. Instrumentar a memória, sem deixar de questionar o presente. E tudo isto através do teatro e da linguagem teatral. No fundo, o mesmo desenho criado para o espectáculo de há dois anos, já referido, e para o qual vale muito do que aqui se diz. E em relação ao qual posso, no entanto, estabelecer algumas diferenças: o agora apresentado foi menos poético e simbólico; por outro lado, foi notório o acento dado à direcção de cena, em lugar da encenação propriamente dita. No primeiro caso, pese embora o impacto poético da cena 6 (“Pedras Escritas”) e da cena 9, com o diálogo entre Alberto Diniz da Fonseca e D. Quixote, a poesia foi a grande ausente. No segundo caso, privilegiando-se a sucessão de efeitos visuais e os movimentos colectivos, em lugar da representação propriamente dita. O que, se inculcou ritmo televisivo ao espectáculo, fê-lo perder tensão dramática. Compreende-se que o tempo e o espaço eram escassos para “encaixar” tantos recursos humanos. Mas não deixa de ser verdade que a História tem actores. E o teatro não pode prescindir deles. Devo dizer ainda que me desagradou o maniqueísmo redutor de algumas sequências, nomeadamente das cenas 7 e 8, a propósito da fábrica Renault e do 25 de Abril. A roçar o comício puro e simples. O que evidencia uma opção ideológica que, tal como outra qualquer aplicada directamente à arte, faz dela desaparecer o essencial: a pluralidade de sentidos. E tudo reduz a uma mescla de propaganda com correcção política. Em quase tudo o resto, as soluções encontradas revelaram-se perfeitamente ajustadas e equilibradas. Com alguns rasgos verdadeiramente brilhantes. Quanto aos temas elegidos para formar esta epopeia, tal como das obras que hipoteticamente fossem escolhidas e reunidas numa antologia, pouco haverá a dizer. Procurou-se e conseguiu-se que esses temas não repetissem os “clássicos” utilizados na peça anterior. Decerto outros poderiam ter sido considerados, mas essa avaliação pouco interessa agora. Em suma, um grande espectáculo que dignifica a Guarda, a sua memória, a sua criatividade e a sua dinâmica cultural.

Publicado no jornal "O Interior", de 27 de Novembro

Tábua de marés (15)

Günter Grass, o artista plástico
Galeria de Arte do Teatro Municipal da Guarda
De 15 de Novembro a 14 de Janeiro de 2009

Para quem tenha visitado recentemente a exposição “Desenhos de Escritores”, que decorreu no CCB e tenha saído um tanto defraudado, como é o meu caso, esta foi uma ocasião soberana para reconsiderar as más impressões aí recolhidas, no que toca à polivalência criativa dos escritores. Com notáveis excepções, claro. Claro que aquela exposição tinha um propósito documental que esta não tem. Sendo apresentada, sem ambiguidades, como parte do acervo artístico de um artista, “por acaso” notabilizado como escritor. O conjunto espanta pela diversidade de meios, materiais e linguagens. Compreende gravuras, desenhos, aguarelas e esculturas em bronze. Num texto notável inserido no catálogo, o autor explica, na primeira pessoa, a convergência entre o desenho e a escrita. Onde afirma, a certa altura: “não é só porque a escrita e a linha figurativa são igualmente gráficas, mas também por razões de plasticização que o desenhar e o escrever existem em recíproca inter-relação”. Antes de se tornar romancista, Grass foi escultor. Aprendiz de entalhador de pedras, dedicou-se também ao estudo das artes gráficas. Mas quiseram as musas que a pena fosse sua principal arma de combate intelectual. Segundo ele, as figuras desenhadas ou esculpidas tomaram forma "em silêncio, à sombra da literatura". Porém, que cada uma é também uma "obra independente", sendo a coexistência de literatura, escultura e pintura “completamente natural”. Há ocasiões inclusive em que passou de um campo para outro a meio de uma obra. Ora, percorrendo a exposição, não só pelos motivos, mas pela intensidade, pelos temas escolhidos e pela sua repetição, nota-se a influência do expressionismo alemão na obra de Grass. Sobretudo nos desenhos e em duas aguarelas. Do conjunto, destaco algumas águas-fortes, logo á entrada, as sanguíneas, a litografia retratando a máquina de escrever de (Heinrich) Böll e toda a obra escultórica.

Publicado no jornal "O Interior", de 27 de Novembro

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Ainda o "Magalhães"

O GOVERNO CONTINUA a distribuir Magalhães, na convicção, fingida ou não, de que com tal gesto está a estimular a alfabetização, a cultura, a curiosidade intelectual, o espírito profissional, a capacidade científica e a criatividade nacional. Será que nas áreas do governo e do partido não há ninguém que explique que isso não acontece assim?
Segundo a OCDE, o abandono escolar na União Europeia foi, em 2007, de cerca de 15 por cento. Portugal, com 36,3 por cento, tem a taxa mais alta. Mais de um terço da população entre 18 e 24 anos não completou a escola e não frequenta cursos de formação profissional. Só 13 por cento da população activa adulta completou o ensino secundário e perto de 57 por cento apenas terminaram o primeiro ciclo do básico.
Ainda segundo a OCDE e um estudo de Susana Jesus Santos (do banco BPI), a distribuição dos tempos de aulas nas escolas, para alunos de 9 a 11 anos, mostra como a juventude portuguesa está orientada. Em Portugal, a leitura (e o português) ocupa 11 por cento do tempo de aulas. Na União Europeia, 25. Em Portugal, a Matemática ocupa 12 por cento. Na União Europeia, 17. Que é que o Magalhães tem a ver com isto? Nada. Absolutamente nada!

António Barreto, no "Público"de 30 de Novembro