Ainda em período de férias, fui apanhado pelo mais recente "caso" na Oppidana: a crónica de Madalena Ferreira, jornalista e correspondente na Guarda da SIC, no jornal "Terras da Beira". O visado pelo artigo é alegadamente o jornalista Rui Isidro, director da Rádio Altitude. Acusado pela autora, embora sem o nomear, de ser o autor dos discursos de alguns políticos locais. A identificação do visado foi, tanto quanto sei, estabelecida publicamente por Américo Rodrigues, no seu blogue "Café Mondego". Não sem antes informar do facto quer o visado quer a autora do artigo. Entretanto, li na íntegra o artigo em causa. Ora, para que conste, dá-se o caso de conhecer pessoalmente os dois jornalistas em causa. Com quem mantenho um relacionamento cordial. Todavia, esse facto em nada interfere com o comentário que se segue.
1. Em primeiro lugar, repare-se que Rui Isidro não desmente a imputação da autoria dos discursos, após ter tido conhecimento antecipado da sua divulgação . O que significa que ele reconhece, implicitamente, manter uma colaboração desse tipo com figuras públicas locais. A confirmar-se tal facto, devo dizer que não é caso único. É comum verem-se jornalistas atarefados a cuidar da imagem dos políticos, individualmente ou em empresas cuja actividade é a prestação de serviços na área do marketing político. Ou seja, os famigerados spin doctors. Não me custa acreditar que as intervenções públicas de figuras políticas nacionais sejam, no mínimo, objecto de uma vistoria antecipada por esses profissionais.
2. O actual Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de janeiro, alterada pela Lei 64/97, de 6 de Novembro, não contempla, acertadamente, a criação de discursos para políticos. Desde logo, o art. 3º, nº 2, considera actividade publicitária, incompatível com o exercício do jornalismo, "a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais". O que está longe de enquadrar primores retóricos de encomenda. Como diz Américo Rodrigues, a matéria deveria ser objecto de auto-regulação. Afastada porém a questão legal, é fundamental lembrar que os políticos deveriam ouvir muito mais do que ouvem. E tomar como conselheiros os mais competentes, os mais sensatos, os mais criativos. E não somente os mais ambiciosos ou os demagogos. E se optassem por recorrer a alguém para redigir os seus discursos, deveriam fazê-lo preferencialmente com loucos, visionários e poetas.
3. Não é de todo descabido que Madalena Ferreira tenha levantado a questão da promiscuidade entre os jornalistas e os políticos. Mas decerto a jornalista não ignora que essas relações sempre existiram e continuarão a existir. E que certamente já terá tirado partido delas. São por demais conhecidos os expedientes usados por muitos jornalistas, para obterem informação privilegiada junto dos políticos e de como estes se fazem pagar por esses favores. O que é lamentável é que Madalena Ferreira se tenha referido ao problema particularizando-o, "denunciando" uma situação que sabe ser generalizada, embora não seja isso que a torne desculpável. Porém, creio que inebriada pelo ressentimento e motivada pela hubris ao serviço de uma vendeta exclusivamente pessoal. Certos termos em que a autora se parece referir ao presuntivo visado, Rui Isidro, são particularmente repugnantes. Todavia, enquanto cidadão e enquanto guardense, interessa-me muito menos a vida privada dos envolvidos do que o seu desempenho profissional, num domínio chave: a comunicação social. E nesse ponto, é de aplaudir o excelente trabalho demonstrado recentemente por ambos.
4. Não tanto pelo post de A.R., mas pela maioria dos comentários que se lhe seguem, quer-me parecer que há muita gente disposta a constituir uma milícia popular, pronta a aplicar ad hoc a célebre lei de Murphy. Ou seja, linchar publicamente a autora do artigo em causa. Estas exaltaçoes justicialistas são sempre perigosas. Sobretudo porque, a coberto do desagravo, da indignação e do apelo ao ressarciamento, surgem apreciações inaceitáveis sobre o carácter, a honorabilidade, as motivações ou o desempenho profissional da "condenada". Este princípio vale independentemente da maior ou menor razão que assiste a Rui Isidro. Ou do grau de reprovação pública que a crónica de Madalena Ferreira possa merecer. E sendo Rui Isidro o objecto do ataque da cronista, terá justos motivos para se sentir ofendido. Repare-se que coloco esta relação no plano de uma presunção, ainda que ilidível. Não tanto por duvidar do que afirma Américo, Rodrigues, mas por ter que admitir que possa haver mais jornalistas na Guarda que escrevam os discursos dos políticos.
5. É claro que não desconheço a ambiguidade que esta minha posição pode assumir, ao ser confundida com um excesso de zelo, tão conveniente quanto naif. Mas prefiro correr esse risco a deixar-me levar por entusiasmos e juízos precipitados.
ADENDA (10.9.08): Sobre o assunto, em condições normais, nada mais teria a acrescentar. Todavia, na sua crónica de 04.10 no jornal "O Interior", António Ferreira comenta este tema. A certa altura, referindo-se a este texto, afirma que aqui revelo "que o político visado é mesmo um autarca, e da Guarda, tratando-se do próprio presidente da Câmara" (sic)! Não sei que texto leu A. Ferreira, mas não foi seguramente este, nem nenhum outro que eu tenha escrito. A conclusão é pois unicamente sua, fazendo-a passar por autoria alheia. O que, quero acreditar, tenha resultado de uma mera desatenção. Entretanto, uma semana depois, António Ferreira fez publicar, no seu espaço de opinião do mesmo jornal, uma explicação acerca do seu equívoco. O que, pela minha parte, encerra a questão em causa. Sobre a polémica de fundo, creio que está tudo dito.
1. Em primeiro lugar, repare-se que Rui Isidro não desmente a imputação da autoria dos discursos, após ter tido conhecimento antecipado da sua divulgação . O que significa que ele reconhece, implicitamente, manter uma colaboração desse tipo com figuras públicas locais. A confirmar-se tal facto, devo dizer que não é caso único. É comum verem-se jornalistas atarefados a cuidar da imagem dos políticos, individualmente ou em empresas cuja actividade é a prestação de serviços na área do marketing político. Ou seja, os famigerados spin doctors. Não me custa acreditar que as intervenções públicas de figuras políticas nacionais sejam, no mínimo, objecto de uma vistoria antecipada por esses profissionais.
2. O actual Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de janeiro, alterada pela Lei 64/97, de 6 de Novembro, não contempla, acertadamente, a criação de discursos para políticos. Desde logo, o art. 3º, nº 2, considera actividade publicitária, incompatível com o exercício do jornalismo, "a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais". O que está longe de enquadrar primores retóricos de encomenda. Como diz Américo Rodrigues, a matéria deveria ser objecto de auto-regulação. Afastada porém a questão legal, é fundamental lembrar que os políticos deveriam ouvir muito mais do que ouvem. E tomar como conselheiros os mais competentes, os mais sensatos, os mais criativos. E não somente os mais ambiciosos ou os demagogos. E se optassem por recorrer a alguém para redigir os seus discursos, deveriam fazê-lo preferencialmente com loucos, visionários e poetas.
3. Não é de todo descabido que Madalena Ferreira tenha levantado a questão da promiscuidade entre os jornalistas e os políticos. Mas decerto a jornalista não ignora que essas relações sempre existiram e continuarão a existir. E que certamente já terá tirado partido delas. São por demais conhecidos os expedientes usados por muitos jornalistas, para obterem informação privilegiada junto dos políticos e de como estes se fazem pagar por esses favores. O que é lamentável é que Madalena Ferreira se tenha referido ao problema particularizando-o, "denunciando" uma situação que sabe ser generalizada, embora não seja isso que a torne desculpável. Porém, creio que inebriada pelo ressentimento e motivada pela hubris ao serviço de uma vendeta exclusivamente pessoal. Certos termos em que a autora se parece referir ao presuntivo visado, Rui Isidro, são particularmente repugnantes. Todavia, enquanto cidadão e enquanto guardense, interessa-me muito menos a vida privada dos envolvidos do que o seu desempenho profissional, num domínio chave: a comunicação social. E nesse ponto, é de aplaudir o excelente trabalho demonstrado recentemente por ambos.
4. Não tanto pelo post de A.R., mas pela maioria dos comentários que se lhe seguem, quer-me parecer que há muita gente disposta a constituir uma milícia popular, pronta a aplicar ad hoc a célebre lei de Murphy. Ou seja, linchar publicamente a autora do artigo em causa. Estas exaltaçoes justicialistas são sempre perigosas. Sobretudo porque, a coberto do desagravo, da indignação e do apelo ao ressarciamento, surgem apreciações inaceitáveis sobre o carácter, a honorabilidade, as motivações ou o desempenho profissional da "condenada". Este princípio vale independentemente da maior ou menor razão que assiste a Rui Isidro. Ou do grau de reprovação pública que a crónica de Madalena Ferreira possa merecer. E sendo Rui Isidro o objecto do ataque da cronista, terá justos motivos para se sentir ofendido. Repare-se que coloco esta relação no plano de uma presunção, ainda que ilidível. Não tanto por duvidar do que afirma Américo, Rodrigues, mas por ter que admitir que possa haver mais jornalistas na Guarda que escrevam os discursos dos políticos.
5. É claro que não desconheço a ambiguidade que esta minha posição pode assumir, ao ser confundida com um excesso de zelo, tão conveniente quanto naif. Mas prefiro correr esse risco a deixar-me levar por entusiasmos e juízos precipitados.
ADENDA (10.9.08): Sobre o assunto, em condições normais, nada mais teria a acrescentar. Todavia, na sua crónica de 04.10 no jornal "O Interior", António Ferreira comenta este tema. A certa altura, referindo-se a este texto, afirma que aqui revelo "que o político visado é mesmo um autarca, e da Guarda, tratando-se do próprio presidente da Câmara" (sic)! Não sei que texto leu A. Ferreira, mas não foi seguramente este, nem nenhum outro que eu tenha escrito. A conclusão é pois unicamente sua, fazendo-a passar por autoria alheia. O que, quero acreditar, tenha resultado de uma mera desatenção. Entretanto, uma semana depois, António Ferreira fez publicar, no seu espaço de opinião do mesmo jornal, uma explicação acerca do seu equívoco. O que, pela minha parte, encerra a questão em causa. Sobre a polémica de fundo, creio que está tudo dito.