domingo, 31 de agosto de 2008

Verão quente

Ainda em período de férias, fui apanhado pelo mais recente "caso" na Oppidana: a crónica de Madalena Ferreira, jornalista e correspondente na Guarda da SIC, no jornal "Terras da Beira". O visado pelo artigo é alegadamente o jornalista Rui Isidro, director da Rádio Altitude. Acusado pela autora, embora sem o nomear, de ser o autor dos discursos de alguns políticos locais. A identificação do visado foi, tanto quanto sei, estabelecida publicamente por Américo Rodrigues, no seu blogue "Café Mondego". Não sem antes informar do facto quer o visado quer a autora do artigo. Entretanto, li na íntegra o artigo em causa. Ora, para que conste, dá-se o caso de conhecer pessoalmente os dois jornalistas em causa. Com quem mantenho um relacionamento cordial. Todavia, esse facto em nada interfere com o comentário que se segue.
1. Em primeiro lugar, repare-se que Rui Isidro não desmente a imputação da autoria dos discursos, após ter tido conhecimento antecipado da sua divulgação . O que significa que ele reconhece, implicitamente, manter uma colaboração desse tipo com figuras públicas locais. A confirmar-se tal facto, devo dizer que não é caso único. É comum verem-se jornalistas atarefados a cuidar da imagem dos políticos, individualmente ou em empresas cuja actividade é a prestação de serviços na área do marketing político. Ou seja, os famigerados spin doctors. Não me custa acreditar que as intervenções públicas de figuras políticas nacionais sejam, no mínimo, objecto de uma vistoria antecipada por esses profissionais.
2. O actual Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de janeiro, alterada pela Lei 64/97, de 6 de Novembro, não contempla, acertadamente, a criação de discursos para políticos. Desde logo, o art. 3º, nº 2, considera actividade publicitária, incompatível com o exercício do jornalismo, "a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais". O que está longe de enquadrar primores retóricos de encomenda. Como diz Américo Rodrigues, a matéria deveria ser objecto de auto-regulação. Afastada porém a questão legal, é fundamental lembrar que os políticos deveriam ouvir muito mais do que ouvem. E tomar como conselheiros os mais competentes, os mais sensatos, os mais criativos. E não somente os mais ambiciosos ou os demagogos. E se optassem por recorrer a alguém para redigir os seus discursos, deveriam fazê-lo preferencialmente com loucos, visionários e poetas.
3. Não é de todo descabido que Madalena Ferreira tenha levantado a questão da promiscuidade entre os jornalistas e os políticos. Mas decerto a jornalista não ignora que essas relações sempre existiram e continuarão a existir. E que certamente já terá tirado partido delas. São por demais conhecidos os expedientes usados por muitos jornalistas, para obterem informação privilegiada junto dos políticos e de como estes se fazem pagar por esses favores. O que é lamentável é que Madalena Ferreira se tenha referido ao problema particularizando-o, "denunciando" uma situação que sabe ser generalizada, embora não seja isso que a torne desculpável. Porém, creio que inebriada pelo ressentimento e motivada pela hubris ao serviço de uma vendeta exclusivamente pessoal. Certos termos em que a autora se parece referir ao presuntivo visado, Rui Isidro, são particularmente repugnantes. Todavia, enquanto cidadão e enquanto guardense, interessa-me muito menos a vida privada dos envolvidos do que o seu desempenho profissional, num domínio chave: a comunicação social. E nesse ponto, é de aplaudir o excelente trabalho demonstrado recentemente por ambos.
4. Não tanto pelo post de A.R., mas pela maioria dos comentários que se lhe seguem, quer-me parecer que há muita gente disposta a constituir uma milícia popular, pronta a aplicar ad hoc a célebre lei de Murphy. Ou seja, linchar publicamente a autora do artigo em causa. Estas exaltaçoes justicialistas são sempre perigosas. Sobretudo porque, a coberto do desagravo, da indignação e do apelo ao ressarciamento, surgem apreciações inaceitáveis sobre o carácter, a honorabilidade, as motivações ou o desempenho profissional da "condenada". Este princípio vale independentemente da maior ou menor razão que assiste a Rui Isidro. Ou do grau de reprovação pública que a crónica de Madalena Ferreira possa merecer. E sendo Rui Isidro o objecto do ataque da cronista, terá justos motivos para se sentir ofendido. Repare-se que coloco esta relação no plano de uma presunção, ainda que ilidível. Não tanto por duvidar do que afirma Américo, Rodrigues, mas por ter que admitir que possa haver mais jornalistas na Guarda que escrevam os discursos dos políticos.
5. É claro que não desconheço a ambiguidade que esta minha posição pode assumir, ao ser confundida com um excesso de zelo, tão conveniente quanto naif. Mas prefiro correr esse risco a deixar-me levar por entusiasmos e juízos precipitados.

ADENDA (10.9.08): Sobre o assunto, em condições normais, nada mais teria a acrescentar. Todavia, na sua crónica de 04.10 no jornal "O Interior", António Ferreira comenta este tema. A certa altura, referindo-se a este texto, afirma que aqui revelo "que o político visado é mesmo um autarca, e da Guarda, tratando-se do próprio presidente da Câmara" (sic)! Não sei que texto leu A. Ferreira, mas não foi seguramente este, nem nenhum outro que eu tenha escrito. A conclusão é pois unicamente sua, fazendo-a passar por autoria alheia. O que, quero acreditar, tenha resultado de uma mera desatenção. Entretanto, uma semana depois, António Ferreira fez publicar, no seu espaço de opinião do mesmo jornal, uma explicação acerca do seu equívoco. O que, pela minha parte, encerra a questão em causa. Sobre a polémica de fundo, creio que está tudo dito.

sábado, 30 de agosto de 2008

Que faria sem este mundo


que faria sem este mundo sem rosto sem perguntas onde ser dura apenas um instante onde cada instante verte para o vazio o esquecimento de ter sido sem esta onda onde no final corpo e sombra juntos se devoram que faria sem este silêncio sorvedouro dos murmúrios que anelam frenéticos por socorro por amor sem este céu que se ergue sobre a poeira do seu lastro que faria faria o que fiz ontem o que fiz hoje espreitar do meu postigo para ver se não estou só a dar voltas e voltas longe de toda a vida num espaço fantoche sem voz no meio das vozes encerradas comigo

Samuel Beckett [in Relâmpago, revista de Poesia, nº 13, 2003], trad. Manuel Portela

Nota

Têm-me chegado alguns comentários de anónimos, relativos, sobretudo, à bem humorada busca de uma feira do livro, integrada na Beirartesanato. Os textos primam, invariavelmente, pelo insulto boçal e cobarde. Pelo ataque pessoal, sem um único argumento que desminta ou complemente o texto comentado. Ora, este blogue tem sido um espaço de irreverência, de criatividade e de liberdade. Ausente, claro está, o medo da crítica ou do aplauso, quando eles são necessários. Por muito que isso custe a alguns espíritos tacanhos, ou a zeladores menores. O disclaimer constante do cabeçalho do blogue é claro: não são permitidos comentários insultuosos ou difamatórios. Afastada está, portanto, a hipótese de abrir sequer uma excepção à regra. O que significa que, quem vai por esse caminho, ficará à porta. Entretanto, espero que alguém lhes vá ministrando lições de boas maneiras e ortografia. Por essa ordem. E já agora, que adquiram algum sentido de humor. Aquilo a que muitos chamam, com propriedade, de barómetro da inteligência. É que, um cobarde nunca foi, nem será, divertido. Mesmo que me divirta, abundantemente e sem reservas.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Bora lá!

Aqui ficam duas sugestões, até final deste mês, especialmente para os leitores deste blogue. Para mais informações, basta clicar nas imagens e aceder aos respectivos sites oficiais. Então adeusinho e até ao meu regresso. Boas viagens.


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mais uma estória de pirataria

Era uma vez um senhor chamado Jorge Viegas Vasconcelos. Era presidente de uma coisa chamada ERSE: Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Um sítio misterioso, que praticamente ninguém conhece. E, dos que conhecem, poucos devem saber para o que serve. Mas o que sabemos é que o senhor Vasconcelos pediu a demissão do seu cargo. Mas porquê? Segundo consta, queria que os aumentos da electricidade ainda fossem maiores. Ora, quando alguém se demite do seu emprego, fá-lo por sua conta e risco. O que significa que não lhe é devido, pela entidade empregadora, qualquer tipo de indemnização, ou compensação. Porém, com o senhor Vasconcelos não foi assim. Na verdade, ele vai para casa com 12 mil euros por mês - ou seja, 2.400 contos - durante o máximo de dois anos, até encontrar um novo emprego. Aqui, quem me lê pergunta, ligeiramente confuso ou perplexo: «Mas você não disse que o senhor Vasconcelos se despediu?». «Pois disse. Ele demitiu-se, isto é, despediu-se por vontade própria!». E volta a questão: «Então, porque fica o homem a receber os tais 2.400contos por mês, durante dois anos? Qual é, neste país, o trabalhador que se despede e fica a receber seja o que for?». Se fizermos esta pergunta ao ministério da Economia, ele responderá, como já respondeu, que «o regime aplicado aos membros do conselho de administração da ERSE foi aprovado pela própria ERSE». E que, «de acordo com art. 28º dos Estatutos da ERSE, os membros do conselho de administração estão sujeitos ao estatuto do gestor público em tudo o que não resultar desses estatutos». Ou seja: sempre que os estatutos da ERSE foram mais vantajosos para os seus gestores, o estatuto de gestor público não se aplica. Dizendo ainda melhor: o senhor Vasconcelos (que era presidente da ERSE desde a sua fundação) e os seus amigos do conselho de administração, apesar de terem o estatuto de gestores públicos, criaram um esquema ainda mais vantajoso para si próprios, como seja, por exemplo, ficarem com um ordenado milionário quando resolverem demitir-se dos seus cargos. Com a bênção avalizadora, é claro, dos nossos excelsos governantes. Para além de uma ilegalidade mais do que duvidosa, trata-se de uma afronta a milhões de portugueses, que sobrevivem com ordenados baixíssimos e subsídios de desemprego miseráveis. Em suma, mais uma parcela no extenso rol do abusivo e desavergonhado abocanhar do erário público. Mas voltemos à nossa história. O senhor Vasconcelos recebia 18 mil euros mensais, mais subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo. 18 mil euros seriam mais de 3.600 contos, ou seja, mais de 120 contos por dia, sem incluir os subsídios de férias e Natal e ajudas de custo. Aqui, uma pergunta se impõe: Afinal, o que é - e para que serve - a ERSE? A missão da ERSE consiste em fazer cumprir as disposições legislativas para o sector energético. E pergunta o leitor, mais uma vez: «Mas para fazer cumprir a lei não bastam os governos, os tribunais, a polícia, etc.?». Parece que não. A coisa funciona assim: após receber uma reclamação, a ERSE intervém através da mediação e da tentativa de conciliação das partes envolvidas. Antes, o consumidor tem de reclamar junto do prestador de serviço. Ou seja, a ERSE não serve para nada. Ou serve apenas para gastar somas astronómicas com os seus administradores. Aliás, antes da questão dos aumentos da electricidade, quem é que sabia que existia uma coisa chamada ERSE?

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Tintin no país das cegonhas (2)

Praia dos Alteirinhos - Sul

Praia do Alvorião

Praia dos Machados

Praia da Amália

Tintin no país das cegonhas (1)

Para não variar, estão quase a chegar mais uns dias de sonho, na Costa Vicentina, na área da Zambujeira do Mar. Nada de marcar lugar na praia de manhã, senão nem sequer há espaço para estender a toalha, nada de filas de espera nos supermercados, nos cafés onde ainda se fala português, nada de paisagens entupidas, nada de grunhos de todas as espécies e nacionalidades, nada de bimbos aburguesados a exibirem os carros e os telemóveis, enquanto falam em sítios públicos com uns decibéis acima do tolerável, nada de jet set pindérico a acotovelar-se nas Sasha do momento, nada de pesadelos de betão e vaidade. Enfim, tudo aquilo que as hordas que melhor aproveitaram a sopa do convento da UE mais apreciam nesta época, um pouco por todo o lado, mas sobretudo no Algarve. Para uma melhor compreensão do porquê da escolha de um lugar onde o escriba se sente praticamente como um nativo, aqui vão algumas imagens de algumas das praias da sua perdição, recolhidas no Google Earth. Assim, de Norte para Sul:

Praia do Cavaleiro

Praia do Tonel

Praia do Tonel - Lajes

Cabo Sardão

Momentos Zen - 46

Saltar com os olhos abertos

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Words, word, words... (3)

1. Palavras que detesto: locupletar, cabrestante, tergiversar, vasectomia, propedêutico, abnóxio.

2. Palavras que são música: tergiversão, proa, tacho, branda, derramar, sextante, abulia, cantante.

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Mais uma história da carochinha


Com o título "Publicidade Enganosa", o "Zero de Conduta" acaba de desmontar a última fábula tecnológica propalada por Sócrates: o "Magalhães", "primeiro portátil português", supostamente produzido pela JP Sá Couto, anunciado com pompa e circunstância para ser distribuído a crianças dos 6 aos 11 anos; a criação de uma nova linha de montagem da Intel em Portugal, implicando cerca de 1000 novos postos de trabalho. Aqui fica um excerto do texto:
" Não só o computador não tem nada de novo como a única coisa portuguesa é a localização da fábrica e o capital investido. A "novidade mundial" ontem apresentada, já tinha sido anunciada a 3 de Abril - no Intel Developer Forum, em Shangai - e foi analisada pela imprensa internacional vai agora fazer quatro meses. O tempo que tem a segunda geração do Classmate PC da Intel, que é o verdadeiro nome do Magalhães. De resto, o primeiro computador mundial para as crianças dos 6 aos 11 anos, características que foram etiquetadas pela imprensa lusa por ser resistente ao choque e ter um teclado resistente à agua, já está à venda na Índia e Inglaterra. No primeiro país com o nome de MiLeap X, no segundo como o JumpPC. O “nosso” Magalhães é isso mesmo, uma versão produzida em Portugal sob licença da Intel, uma história bem distinta da habilmente "vendida" pelo governo para criar mais um caso de sucesso do Portugal tecnológico."

Gramática

Lido

"Mais do que amor, do que dinheiro, do que fé, do que fama, do que justiça, dêem-me verdade"

Henry David Thoreau, Walden, or life in the woods, 1854

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O banquete

Segundo o IOL Diário, "Surgiu uma nova tendência no seio das tribos urbanas. Depois dos metrossexuais, caracterizados por homens que dão muito valor à aparência, surgem agora os gastrossexuais. Os adeptos desta nova tendência são homens que adoram cozinhar pratos elaborados e usam as suas habilidades culinárias para encantarem e seduzirem mulheres." Ler aqui na íntegra. O que significa que Rossini, o genial compositor de ópera italiano, teve razão antes de tempo. Residindo em Paris desde 1824, aí compõe a sua última ópera de referência, "Guilherme Tell". Em 1846, deixa a sua mullher, Isabella Colbran, vindo a casar com Olympe Pélissier pouco depois. E foi precisamente nesse período que trocou a música pela culinária, enquanto gourmet. Existe ainda hoje um prato muito conhecido em todo o mundo, criado por um chefe de cozinha em honra do compositor: os Tournedos à la Rossini. A questão em aberto, a que só os biógrafos poderão responder, é esta: haverá alguma relação entre a chegada de Olympe e as recém adquiridas competências culinárias do autor de "O Barbeiro de Sevilha"?

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Playlist da casa (12)


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Geórgia em chamas


Os tiros continuam a ouvir-se no Cáucaso. A Rússia entrou a matar e não admite que a Geórgia toque nos "seus" enclaves da Ossétia do Sul e da Abcásia. Não obstante pertencerem à Geórgia, o facto da população russa estar em maioria dá poderes acrescidos a Moscovo. Durante anos, Putin tem engolido em seco o facto do alargamento da NATO estar a aproximar-se das suas fronteiras. A Geórgia deu-lhe uma oportunidade de ouro: ajustar contas. Agora a Rússia marca a sua posição e trava a "ofensiva ocidental". Putin está não só a saldar contas com o Ocidente mas também a exigir cautela às "ovelhas negras" que mudaram de campo. A Geórgia está na berlinda e vai ser moeda de troca. A União Europeia apenas tem a diplomacia. A Rússia tem tanques no terreno e em actividade. De acordo com os últimos desenvolvimentos, as tropas russas já entraram em território da Georgia e ocuparam a cidade de Senaki. Entre os apelos da União Europeia e as ameaças dos Estados Unidos, a Rússia conquista posições. Quando os protestos internacionais tomarem uma dimensão global, aí a pressão abranda mas Moscovo vai impor condições. No meio disto tudo, vem à memória a questão chechena. O que a Rússia aí fez é indescritível. O que a Rússia pode fazer na Geórgia é melhor nem pensar.

Nota: sobre o assunto, recomendo a leitura de "O Urso Ferido", por Bruno Alves.

domingo, 10 de agosto de 2008

Preces atendidas - 28

Francesca Neri

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Wordle

O Wordle é uma aplicação gráfica da web 2.o destinada à criação de nuvens de palavras. É muito simples de utilizar. Basta inserir um texto à escolha e configurar o layout, fonte e cor. Basicamente, funciona como as ferramentas que produzem nuvens de tags: a proeminência é dada às palavras que mais vezes se repetirem. Fui experimentar. Copiei e colei a listagem das etiquetas utilizadas neste blogue. O resultado - surpreendente - é o que se poderá visualizar a seguir:


(clicar para ampliar)

Leituras

David Lodge, escritor inglês, (Londres, 1935) é hoje em dia um autor consagrado em todo o mundo. Com mais de uma dezena de livros escritos, cria em "Terapia" (ed. Gradiva, 1995) uma história que tem tanto de original, filosófico, ou satírico, como de hilariante, sendo por muitos considerado como o seu melhor título. O personagem principal é escritor de guiões. Depois de vários falhanços como actor, acaba, um pouco por acaso, por entrar no mundo da televisão ao escrever um guião para uma sitcom, "Os vizinhos do lado". Baseada na sua própria família e na da sua mulher, depressa a série alcança um enorme sucesso, levando-o a juntar uma considerável fortuna que lhe permite viver folgadamente. No início do livro, já ele, de seu nome Laurence Passmore, conhecido no meio televisivo por "bolinha" Passmore, está bem na vida. Mas as suas preocupações/obsessões andam a afligi-lo de uma forma impiedosa, levando-o à depressão. As mesmas que vamos acompanhando em jeito de diário escrito por ele próprio. Trata-se de uma obra onde David Lodge, através de um humor corrosivo, aflora de uma forma atenta e satírica a vida de um homem que, de repente, se apercebe que está a entrar na velhice. De uma sociedade e das relações humanas onde o sexo assume um papel catalisador nessas relações, visto e sentido como um escape para "tapar" certos "buracos" que a vida acaba por fazer. Longe de ser uma obra prima, este romance lê-se muito bem, dada a "ligeireza" do tema, a fluidez linguística e a forma directa como os assuntos são abordados. Mas onde não falta o humor, como convém.
"jogo com outros três inválidos de meia idade: o Joe, que tem problemas graves na coluna, anda sempre com um colete e mal consegue servir; o Rupert, que teve um grande acidente de carro há uns anos e coxeia de ambas as pernas, se é que é possível, e o Humphrey, que tem artrite nos pés e uma articulação da anca de plástico. Exploramos as dificuldades uns dos outros de forma impiedosa. Por exemplo, se o Joe lança a bola para mim junto à rede, atiro-a alto, porque seu que ele não consegue levantar a raqueta acima da cabeça e, se eu estou a defender junto à linha de fundo, ele troca constantemente a direcção da bola de um lado para o outro, porque sabe que não consigo deslocar-me rapidamente por causa da liga (no joelho). Ver-nos jogar é de chorar, quer por pena, quer a rir."
(Passmore, no apogeu do seu Síndroma da Disfunção do Joelho, vai realizar a partida semanal de ténis com três amigos seus, também nada famosos fisicamente).

sábado, 9 de agosto de 2008

Lagoa dos Cântaros

Aqui ficam dois filmes gravados ontem , durante o percurso aqui assinalado.



As vacanças

Não suporto o mês de Agosto. O papa Gregório esqueceu-se de o abolir, quando reformou o calendário. Para mim, este mês cálido, onde a vidinha triunfa em toda a linha, compele-me a ir precisamente ao gregório. Qualquer idiota vai de férias. Muitos blogues fecham para férias, quando aí é que deviam abrir. Mas podiam ir e pronto! Sem anúncios à freguesia. Mas fazem questão de dizer: "Olhem, seus invejosos, vou para aquele sítio que eu sei que sempre se lamberam por lá ir. Mas só eu é que lá vou, perceberam? Olhem para mim a mijar na árvore. Estão a ver? Experimentem cheirar e tenham coragem de mijar em cima!" "Penitenciem-se, seus falhados!" Há também os telegráficos. Dizem que vão, mas devido a uma necessidade qualquer de terem de se justificar, não dizem para onde. Só dizem que vão, metem um papel na porta, com uma nota de rodapé, "fechado para férias", ou "vou bazar, porque não? e nem sequer vos digo para onde, seus cuscos!" Aposto que, nesse segmento, vão quase sempre acompanhados com quem já têm que partilhar as suas penosas vidas. Um erro crasso. De principiantes. Mas lá estou eu a tergiversar. Afinal, este mês é excelente para colocar uma série de questões em dia: arrumar a biblioteca, telefonar a amigos com quem não se fala há muito, caminhar muito, escrever compulsivamente, tentar responder a algumas questões existenciais, pôr a dor em dia, a esperança em dia, as cores e as formas antes da mente lá chegar, como fez Cezanne, chegar aos lugares intocados, irredutíveis, a partir de onde se constrói a felicidade, tropeçar nas cordas estendidas e que afinal não são para atravessar, ir a sítios naturais que me são gratos e a outros que quero descobrir, ler "O Homem sem Qualidades", de Musil, despertar os sentidos, todos sem excepção, numa praia deserta. E mais não digo. Férias? De quê?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Trajectos

Dia luminoso com temperatura amena (26º-12º). Condições excelentes para fazer um percurso que já não tentava há oito anos. Pelas 15 horas peguei no calhambeque e fiz-me à estrada. Cerca de uma hora depois, estava no Covão da Ametade, um dos circos glaciários no cimo do vale glaciário do Zêzere, em plena Serra da Estrela. Um local mágico. Onde teve início o objectivo desta tarde:
- trilho covão d'ametade / lagoa dos cântaros
- 75 minutos em marcha rápida
- grau de dificuldade: médio.
O percurso está sinalizado à maneira dos pastores, com pedras sobrepostas e até meio também com sinais gráficos pintados nas rochas. A lagoa, uma das poucas na Serra de origem natural, tem a forma de um coração. É absolutamente necessário desfrutar o momento da chegada, depois do suor, dos arranhões e da canseira de uma subida interminável, por entre as fragas e as giestas. E só encontrar o eco do coaxar das rãs nas paredes do cântaro gordo, o sopro do vento e, se calhar, os badalos longínquos de algum rebanho no vale da Candeeira... E tudo parece tão longe! Aqui ficam algumas imagens.




A criminalidade global

Os dois assaltantes à filial do BES em Lisboa eram brasileiros em situação ilegal. Pelos vistos, esta afirmação, puramente factual, já acicatou as brigadas do politicamente correcto. Que prontamente colocaram no index aquela evidência e a necessidade de combater a emigração ilegal. A reacção foi inusitada, por parte dos esquerdalhos do costume. Daniel Oliveira, o porta bandeira habitual deste segmento, chega a insinuar que a acção da polícia foi excessiva. Excessiva porquê? Deviam matar primeiro os reféns e depois convidar os assaltantes para beber uma caipirinha? Chamar o representante de uma associação de emigrantes para incentivar o "diálogo"? Usar munições de salva? Isso sim, é que era! Afinal, os assaltantes eram um pobres rapazes "explorados", que vieram melhorar a sua condição de vida, vítimas do SEF, vítimas de qualquer coisa, vítimas, vítimas, que andavam a fazer pela vida, lutando até contra a "sociedade capitalista", já que assaltavam um banco. Portanto, a polícia não tinha nada que intervir, já que se tratava de heróis da classe trabalhadora brasileiros. Ou seja, do internacionalismo proletário. E se fossem americanos? Aí, diria o inefável Oliveira, chamava-se logo a cavalaria. No mínimo.

Mais coleccionador

O coleccionador não pára. No seu vastíssimo entendimento, a morfologia e a sintaxe são uma e só coisa. Pois estar em relação a é o mesmo que integrar uma categoria. O coleccionador é o torrencial e compulsivo taxinomista da actividade cultural. O seu conhecimento abrange um pouco de tudo em geral e nada de nada em particular. O problema é que o coleccionador não consegue suster a sua diarreia informativa. Ele caga cultura como quem vai às compras. Só ele domina a terminologia musical, cinematográfica, literária, visual, informativa. Se alguém tem uma opinião diferente acerca dos seus ícones, aparece logo com ar professoral a corrigir os desvios ao gosto. Ao gosto dele, entenda-se. Só ele é que sabe, só ele é que pode ter opinião, só ele é que pode operar os conceitos onde se encerra e de onde exerce o seu magister dixit de paróquia. O coleccionador está condenado a ser o sampler de si próprio. Como não tem talento artístico, nem rasgo que se veja, se ouça, ou leia, é incapaz de rupturas. Mas lá se vai mantendo em circulação, como polícia conceptual, guarda nocturno do embuste, vigilante do império da imagem e da vacuidade, o seu alimento de mutante, de agiota da arte, de mestre escola sem alunos e sem cheiro.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O bordel


Como se esperava, o Governo da República Portuguesa vai marcar presença na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Apesar do apelo do presidente do Parlamento Europeu. Apesar de alguns dirigentes dos principais Estados ocidentais não se terem associado ao evento. Isto é, à cerimónia inaugural, pois ela é o acto político por excelência dos Jogos. O Governo da República Portuguesa não podia estar melhor representado: o Ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira. O mesmo que também podia ser apresentador dos Jogos Sem Fronteiras, mas que optou pela solene inexistência. O Governo da República Portuguesa, se antes já tinha dado todos os sinais, acaba de se tornar cúmplice de um regime torcionário, cleptocrata, opressor, centralista e sanguinário. Acaba de se prostituir vergonhosamente e sem honra. O povo português foi traído por quem pactua com quem não reconhece o direito dos povos à liberdade, à democracia a à auto-determinação. Hoje é um dia negro para todos os que não abdicam desses valores supremos. Força, Tibete. Há mais marés do que marinheiros!

Juventude em marcha

(clicar para ampliar)

Começou ontem, em S. Gião (Oliveira do Hospital), mais um encontro nacional dos jovens do Bloco de Esquerda. O acampamento/festa prolonga-se até domingo. Refere-se no site oficial do Bloco que tudo irá decorrer "com muita festa, alegria e luta, mas com um formato diferente". Ups! Formato diferente? Sim, caros leitores, "contra o cinzentismo das vidas usurpadas", reclama-se "o direito à liberdade, à vida, à imaginação". Como já devem ter percebido, sou inimigo declarado da vidinha e devoto do inconformismo. O que significa que um programa destes, fazendo lembrar as proclamações dos situacionistas (atente-se ao "ensaiamos") é mais do que aliciante. O problema começa logo a seguir: o programa de actividades. Não pela ambição, mas pela vacuidade, pela visão a preto e branco. A abrangência dos workshops é avassaladora: inclui debates sobre Imigração e Racismo, Bio-combustíveis e Crise Alimentar, LGBT, Feminismo e Combate Social, Drogas Leves e Precariedade, entre outros temas, todos absolutamente indispensáveis. Destaque também para as sessões práticas, operativas, sobre "Faixas", "Stencil/Subvertize" e "Mobilização para comício". O ponto alto ocorrerá hoje, pelas 17 H, com um workshop sobre "Brinquedos Sexuais". O fantasma de Baden Powell, patrono destas actividades escutistas ao ar livre, já deve estar escarlate de vergonha. Seja como for, a coisa promete. Serão brinquedos multiusos? Virtuais? Na formação será utilizado o método demonstrativo ou também o activo? E dentro deste, recorrer-se-á ao role playing, ao brainstorming ou aos trabalhos de grupo? Maravilha maravilha era juntar este workshop ao das drogas leves. Até eu lá aparecia, disfarçado de Pai Natal.

Nota: acedi há pouco ao Portal da Empresa, para simular a criação online de uma sociedade. Na bolsa de denominações fantasia disponíveis, figurava, imaginem, "007... ordem para brincar". Nem de propósito!!!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Lido

e de resto a certeza acende sempre o seu lume
e todos os sonhos morrem na fragilidade da sombra
memórias que pulsam mal anoitece
feridas submersas
ramos penas
teimosias

in, "A Imitação dos Dias"

Que pedra!

A Capadócia fica bem no centro da Turquia e a região mais parece um cenário de filme de ficção científica. Com formações rochosas sem fim, centenas e centenas de casas foram construídas escavando-se as encostas ao longo dos séculos. Cidades inteiras, que lembram verdadeiros formigueiros, aparecem e se escondem sob o chão. Dentro de cavernas, muitas e muitas igrejas cristãs ainda guardam frescos bizantinos. O Yunak Evleri Cappadocia Cave Hotel fica em Urgrup (na imagem) e é um complexo que inclui seis casas escavadas na montanha nos séculos V e VI e uma mansão grega construída no século XIX. O lugar além de ser perfeito para alojamento, serve de base para incursões nas cidades subterrâneas e igrejas centenárias existentes nas proximidades. Devo dizer que muitos santos andaram por estas paragens. Um deles foi o S. Simão Estilita. Construiu uma coluna para isolar-se no topo. Desse púlpito improvisado falou a imperadores, reis, religiosos, e converteu muitos pagãos. Buñuel imortalizou-o no celulóide. Olha que bela solução para umas férias sem mar azul turquesa a palmeiras! Consultar aqui.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Graffitis - 33


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Pouca música para tanto mundo

O Festival Músicas do Mundo de Sines alcançou este ano a 10ª edição. Não estive nos anteriores, embora esteja informado dos grupos que lá passaram. Assisti pois aos espectáculos dos dois últimos dias, ou seja, 25 e 26 de Julho. Aqui vai um breve comentário:
1. Dia 25: abriu com os paquistaneses FAIZ ALI FAIZ. Música de carácter ritual, mostrando um forte pendor repetitivo, extático, o que não admira, pois é largamente inspirada na mística dos sufis. Curiosamente, o apresentador classificou-os de "sofistas"!!! Confesso que a imagem de uns barbudos cínicos, com túnicas, desancados por Sócrates na ágora de Atenas, de repente tele transportados para o palco, foi de tal forma hilariante que só consegui parar de rir a meio da primeira música. Adiante. Como se esperava, o som encantatório dos paquistaneses dominou a assistência e deixou-me sem mais palavras. Seguiu-se um grupo finlandês chamado KTO. Uma espécie de caldo gótico, folkadelic e funk de feira, com alguns momentos a fazer lembrar os saudosos Hedningarna, em versão rasca. A estrela principal da companhia era um acordeonista semi acrobata, que fez questão de mostrar o rabo ao baterista, arrotou algumas postas de humor escandinavo versão pimba, mas denotando, infelizmente, um talento musical escasso. Seguiu-se umm inacreditável chinês chamado CUI JIAN. Apresentado como "o pai do rock chinês", pelo patusco apresentador. Foi banido, por razões políticas, na altura dos acontecimentos de Tianamen, tendo sido "reintegrado" há uns anos pelo "simpático" regime chinês. Pela música abaixo de cão que apresentou no castelo de Sines percebe-se porquê. Alguém nessa noite e que residiu em Macau nos anos 80 informou-me que, nessa altura, o Cui era a pop star mais fulgurante do momento. E que, pelos vistos, continua a imitar as suas próprias imitações de standards do pop-rock ocidental. Horrível. Com um pai destes, nem a mãe **** nem os filhos almoçam.
2. Dia 26: Começaram os KOBI ISRAELITE. Um grupo de fusão. Já cheguei tarde, pois não resisti a uma escapadela à praia do Alvolião, na Zambujeira e a um vinho branco, partilhado com uns amigos numa certa tasca no Brejão, acompanhado de uma salada de polvo. O som desta formação pareceu-me banal, nada trazendo de novo em termos de música tradicional. Seguiu-se a cantora ROKIA TRAORÉ, do Mali. Fazendo-se acompanhar de um excelente naipe de músicos, mostrou como se pode fazer uma leitura dinâmica da raiz tradicional, sem a adulterar. Incluindo alguns instrumentos, como a cora. Um grande momento musical. Fechou em grupo heterogéneo, composto por músicos originários da Irlanda, da Suiça e dos EUA. Que interpretaram como ninguém aquilo que parece ter sido a tónica deste festival: uma cacofonia electrónica, de feira, onde a música de raiz tradicional só aparece a espaços.
3. Conclusão: a música enquanto factor de identidade, enquanto marca étnica, é a razão de ser destes festivais. São já demasiadas as concessões ao gosto hegemónico, ao caldeirão da massificação, para se poder falar em Festival de Músicas do Mundo. Nem que mais não seja, porque se trata de publicidade enganosa. Por isso, não partilho da visão acrítica do Victor Afonso sobre os espectáculos que presenciou. Fora do programa oficial, salvou-se o resto, como seria de esperar: a festa "cá fora", pela noite dentro, junto ao castelo e, sobretudo, ao longo da marginal, junto ao palco aí instalado, onde se apresentaram bandas até "às tantas", as manifestações das tribos neo-psicadélicas, o artesanato, os aromas no ar e uma alegria irresistível e irresponsável.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Stalker

O mistério da feira do livro desaparecida

Antes de partir para o Festival Intercéltico de Sendim, na sexta-feira, andei à procura da IV Festa do Livro, promovida pelo jornal "O Interior", incluída no arraial pimba também designado por Festas da Cidade da Guarda. Nem que mais não fosse só para observar in loco no que se tornou o desenvolvimento de uma ideia em cuja primeira concretização fui parte activa, em 2002, na qualidade de Presidente do Aquilo Teatro. Pois bem, iniciei a busca e deparei com umas barracas de comes e bebes, das quais se desprendia o característico perfume a carne e sardinha assada. O fantasma de Fernando Pessoa, evocado no dia anterior, deveria deliciar-se com o ambiente. Depois os stands institucionais do costume, ali plantados por mera marcação de território. Em pânico, devido à eventualidade de cair no raio de acção de uns altifalantes debitando o último êxito de Luís Filipe Reis, avancei com passos largos. Já basta residir nas imediações e, apesar de fugir da coisa a sete pés, não evitar estar presente um dia ou dois e apanhar com os decibéis do costume, sem que a Câmara envie uma cartinha aos moradores das redondezas pedindo desculpa pelo incómodo, como se faz em lugares civilizados. Mais à frente, cruzei-me com umas barracas onde os artesãos residentes tomaram essa qualidade à letra e lá iam dormindo a sesta ou davam a entender que faziam algo. Uma mostra de licores lá safou a má impressão recolhida. Só que Feira do Livro, nem vê-la. Seria afinal uma feira virtual, uma ciberfeira com ebooks? A ideia até parece boa, boa demais até. Seria brincadeira? Procurei bem, olhando para o relógio, pois não queria perder um acontecimento cultural a sério. Até fui perguntar à senhora dos gelados. Népia. Será que, à última da hora, mudou de local? Será que estava muito calor e foi tudo para banhos? Será que os livros derreteram com a canícula? Ignoro. Para o ano, contrato uma agência de detectives para ir à frente.

O farol na noite escura

O escritor russo Alexandr Solzhenitsin acaba de nos deixar. Tinha 89 anos. Ler aqui notícia na íntegra. Após uma vida atribulada, foi expulso da União Soviética em 1969, tendo-lhe sido atribuído o Prémio Nobel 1 ano depois. Foi graças a duas obras suas que a extensão e o modo de funcionamento da enorme colónia penal em que o estalinismo transformou o país se tornaram conhecidos do Ocidente: "Um Dia na Vida de Ivan Denisovitch" (1962) e, sobretudo, "Arquipélago Gulag" (1973-78), a sua opus magum. O autor veio a tornar-se o símbolo por excelência da resistência ao regime soviético. Reconhecido como tal mesmo por aqueles que colocam algumas reservas em relação ao seu mérito literário. Pela parte que me toca, nunca li nenhum livro seu. Em grande parte porque a leitura de "O Zero e o Infinito", de Arthur Koestler - que relata as inacreditáveis confissões dos acusados nos processos estalinistas - me deixou definitivamente elucidado acerca da natureza monstruosa da máquina repressiva às ordens de Estaline. Seja como for, vale a pena ler este excelente comentário em "A Natureza do Mal". Até porque, como aí se conclui, "Que o seu nome seja lembrado, de cada vez que alguém receba uma convocatória de uma polícia infame."

domingo, 3 de agosto de 2008

Instalar


“Koto-no-Owari”, instalação com 6 monitores de TV, de Noritoshi Hirakawa, 1995.

Obstáculo


"Falaram-me de um restaurante de luxo onde há as mais diversas iguarias. Há lá suportes de pratos com música, garrafas de dois gargalos, copos de pé e uma magnifica porta de entrada.
— As portas mais magnificas são essas em que por detrás se lê: "Abram em nome da lei".
— Prefiro, a esses dramas, o voo silencioso das abetardas e a tragédia familiar: o filho que parte para as colónias, a mãe que chora e a irmãzinha que pensa no colar que o irmão lhe há-de trazer. Quanto ao pai, regozija-se sem o mostrar, pois pensa que o filho acaba de se deparar com uma boa situação.

— Fui protegido, desde a mais tenra idade, por um animal doméstico, e no entanto sempre preferi uma daquelas historietas de antanho ao bafo quente da sua língua junto às minhas bochechas.

— Pode-se beber este licor verde com a ponta dos beiços, mas é mais conveniente encomendar um tónico.

— Os forçados esforçam-se imenso a fim de manterem a seriedade. Não lhes fale desses raptos sobrenaturais; a rapariguinha ainda trás o cabelo pelas costas.

— Por conseguinte, só há, para favorecer as evasões, esses carros cinzentos. Todos os dias, pelo meio-dia, alguém se escapa.

— Que ele tenha cuidado com essas escadas que são atiradas horizontalmente sobre as avenidas e que são, todas elas, de todos os. Agarre-a!
— Ele ri-se. Ora veja, aqui tem você um indivíduo que se aproxima de nós a correr.
Nem um só grito sairá dos nossos lábios. Ele corre mais depressa que as palavras."

André Breton e Philippe Soupault [dadaphone (nº7), Paris, Março de 1920]
in "Pravda 2", Fenda, 1983

Que ler para ler?


Eis algumas ideias para projectos que poderiam preencher a lacuna que a ausência de imprensa escrita especializada vai tornando maior:
1. A Abril poderia criar uma mini-Bravo em edição Lusa, mantendo o mesmo estilo que mistura um musculado sentido comercial com sofisticação gráfica e editorial. Terá a Abril coragem de arriscar num projecto deste cariz neste confuso rectângulo lusofalante?.(já pararam de rir?)
2. Será preciso lembrar que tanto a Review of Books de Nova Iorque como a de Londres surgiram como resposta a períodos de crise na imprensa escrita? Se o fim de suplementos e o emagrecimento de secções culturais por esses jornais de referência significar um aumento de críticos e cronistas aptos, ávidos e sem emprego, porque não fazer o que outros fizeram antes e com sucesso? As editoras teriam todo o interesse em pagar com publicidade a existência de um projecto independente de interesses de monolíticos grupos de media.
3. Um mercado editorial como o nosso precisa de, no mínimo, 2 revistas concorrentes e activas. Se ao fim destes anos, o esforço nacional não conseguiu produzir mais do que uma revista mensal e uma revista-que-agora-se-diz-anual, está na hora de os espanhóis ou os franceses entrarem na liça. Se a edição portuguesa do Courrier International parece estar a caminhar bem, porque não uma Ler que seja de facto para ler todos os meses, ou uma Que Leer? que se junte à festa e crie concorrência?
4. Se eles já cá estão a investir no mercado editorial, se os agentes deles levam a fatia mais gorda dos advances e dos royalties pagos por editoras portuguesas, e se está provado que os seus jornais de referência sabem dar valor aos suplementos, porque não esperar ter, por exemplo, um Babelia Portugal aos Sábados, nem que seja com 4 páginas (as mesmas, ao fim e ao cabo, do Ipsilon para os livros)?