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terça-feira, 30 de junho de 2009
"A Aversão", de André de Melo (2ª parte)
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segunda-feira, 29 de junho de 2009
O arraial
domingo, 28 de junho de 2009
Oração do espantalho
Desta ideia de que «sai para a rua» e tudo se resolverá, se estende uma sombra medonha. Não é um filme de terror, nem digo isto para me comprazer em dizer mal da Democracia. Em Teerão, as pessoas sabem tão bem como nós o branqueamento que acompanha as Revoluções. Mussavi, em fato escuro, com a mulher cheia de títulos académicos, pela mão, sabe melhor que ninguém que não escaparia a um tribunal dos Direitos Humanos. Nem o Ocidente. O miliciano que matou Neda, tinha cerca de quarenta anos, o que quer dizer que era um adolescente quando muito provavelmente foi combater para os campos de minas, na pior guerra que o Ocidente encomendou sobre o Irão. Uma juventude perdida é igual a um desvio de pontaria. O primeiro dever dum Estado e de todos os Estados é a Vida e a Morte. E, no meio disto tudo, deleitamo-nos decadentes com Farrah Fawcett há uns anos, quando ainda tentava ganhar dinheiro à conta daquilo que depois tentaria vencer, a exploração do seu corpo na ribalta. Com David Carradine, a busca de um moral budista, como desculpa, num actor filho de Hollywood, deixou-o morrer infame num hotel de Banguecoque. Com Michael Jackson, basta vê-lo no videoclip «I’m bad» para perceber o demónio, ardendo no Inferno, em que o tornaram. E, sobre os cadáveres dançam os desgraçados do «gay pride», festejando o fim de uma civilização que provavelmente teve o seu «Titanic» no avião da Air France sobre o Atlântico. Que guerra se seguirá? Frustrados por não termos tido a morte em directo dos três ícones, temos a de Neda, em Teerão. E prometem-nos que a crise se comporá, como não podia deixar de ser. Como se interrogou um general romano face a um centurião espantado com a carga de uns bárbaros sobre as legiões: estes deviam saber quando vão ser esmagados. Deviam?! Apetece-me gritar que o que vai triunfar é isso mesmo: o Socialismo e não a Democracia. Os derrotados de Waterloo não sabiam que morriam pelo futuro, um futuro em que os pés-descalços também tinham direito à cidadania. Sim, viva o socialismo, mesmo o socialismo por quem Niccoló Bombacci morreu de punho erguido ao lado de Mussolini e dos super-fascistas. Um socialismo onde o Bem Comum seja o nosso dever, o nosso Orgulho, a nossa realização. E que nisso, nessa certeza, nos seja finalmente dada a paz interior. S. Pedro, deixa-me entrar, pois fiz o melhor que pude para que todos pudéssemos entrar aqui um dia. E trago o meu canário, o meu gato e o meu cão, o meu vizinho irritante, o meu irmão desavindo e este espantalho em farrapos que fui eu, que me crucifiquei ao sol para que a seara florisse…
André
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Curtas
2. Hoje à noite lá estarei no Poetry Slam, a partir das 22h30, no Music Box, ao cais do Sodré. A sessão faz parte do "Festival Silêncio".
3. Recomendo a leitura da crónica de Vasco Pulido Valente, no jornal "Público" de hoje, intitulada "O Contrato". Eis uma das alíneas do "negócio" da democracia portuguesa: "o Estado criava as classes médias que não existiam, protegia as que existiam e assegurava uma certa prosperidade a todas".
quinta-feira, 25 de junho de 2009
quarta-feira, 24 de junho de 2009
"A Aversão", de André de Melo (1ª parte)
Se espreitar pela janela descobrirá, então, um pequeno dia, completo, entre as casas. Às vezes há também a neblina que convém num frio atrevido e pica o novelo dos olhos estremunhados, convocando um espirro como uma bala na câmara.
Por outro lado, o arfar – primeiro, compassado, depois sem ordem - dos autocarros, já tinha atravessado o sono há muito tempo, ainda era noite cerrada, até o deixar exangue de anjos e prenúncios. Os boémios vinham esconder-se à pressa, por trás da porta vacilante antes de o sol - se viesse - cerrar o punho flamejante sobre a avenida, onde as manhãs não cantam, nem assobiam.
Longe dali, há orvalho e sarças, vegetação espinhosa, ainda ao alcance do mar. E a manhã pede licença. Os besouros e as cigarras cantam até mais tarde e há sempre alguém percorrendo um carreiro entre a vegetação que, a certo ponto, julga estar sozinho e começa a assobiar... ou até a dar até uns passinhos de dança. Ao longe escuta-se a sirene de um comboio. (ler mais)
"A Aversão" (introdução)
"Anos noventa. Lisboa. Uma mulher de um político e universitário famoso, resolve dedicar-se a escrever romances mais ou menos de cordel, com cobertura de um Editor amigo. Tem ambiente para isso, visto que não trabalha, vive na Linha de Cascais numa mansão vigiada, longe do bulício da cidade, onde os restos da Revolução de Abril vão dando lugar à periferia da Europa. Apesar de ter três filhos na idade malandra, não lhe falta uma criada cabo-verdiana, submissa e analfabeta, para poder livremente dispersar-se.(ler mais).
terça-feira, 23 de junho de 2009
O teatro dos sonhos (1)
segunda-feira, 22 de junho de 2009
A idade dos porquês - 2
sábado, 20 de junho de 2009
O coveiro
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Via Láctea
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Morreu hoje José Calvário
José Calvário, maestro, morreu hoje. E eu, hoje cantei, no meu caminho difícil. Não cantei nenhuma canção difícil, como a «Internacional», ou «Dizem que amor de Estudante». Ouvi canções brasileiras. Porque a minha alma quer cantar. Cantam os homens no trabalho diário, cantam os que vão ser fuzilados, cantam os que resistem em Teerão. Cantam os pássaros contra a noite. José Calvário já estava em estado vegetativo desde o fim do ano passado e ia passeando de hospital em hospital até que alguém lhe desligasse a máquina. Certamente que quem o amava, lhe fazia companhia e imaginava que naquele corpo arfante, em respiração artificial, se geravam canções como «E depois do Adeus» ou essa canção tão bela «No teu poema». José Calvário orquestrou essa coisa maravilhosa que se chamava «Canção portuguesa» e que outros chamaram nacional-cançonetismo mas que mesmo assim milhares de nós cantámos nessas jornadas em que fomos todos um, apesar das desconfianças, das ingenuidades, das santas estupidezes e que foi o 25 de Abril. Nesse tempo amávamos, amávamos de flor na boca, com um coração paciente, duradouro, tenaz, capaz de esperar e de dar, de renunciar até ao Amor por um Amor maior. Nesse tempo éramos todos como o Fernando Rocha, que conta piadas ordinárias, mas sobre quem o Espírito Santo soprou, pois, uma dia destes salvou um homem de morrer afogado no Rio Douro, o mesmo Rio Douro onde ele, catraio, saltava para apanhar moedas aos turistas. José Calvário era pequeno, franzino e irritável. Não foi um génio. Tinha um rosto belo como esse rosto dos portugueses que ardem sempre sem fim, em busca de uma Paz que nem a História, nem o Destino lhes dá. Um rosto belo como o de Ana Zanatti, que confessou a sua homossexualidade (e não o seu lesbianismo) ao fim de tantos anos, certamente amargos e que me deixou, pelo menos a mim, desgostoso, por um rosto tão belo não ter sido amado por quem o merecesse. José Calvário conduziu a orquestra do Portugal que se recusa a deixar de cantar. Não inventou as canções, não as revolucionou. Apenas as trouxe até nós para que as pudéssemos cantar.
E, hoje, pensando em José Calvário, canto em silêncio neste Mundo bárbaro, com os que marcham em silêncio em Teerão. Que lhes cresça por dentro essa força sem fim, que é a força do Mar, que vai e vem e que perdura, sempre generoso e humilde, sempre inesgotável e sempre lá, quer o dia seja radioso ou a chuva rasgue o Universo. Ele chamava-se Zé Calvário e vós sois um Povo que se prepara para o subir. Povo Calvário, vamos por ali acima, pela aquela ladeira medonha, mas vamos a cantar.
André
O braço estendido
Nota: nos comentários, podem bater no ceguinho à vontade...
Ligações ao alto
A idade dos porquês - 1
Os novos fariseus
Música ambiente
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Mais uma segunda-feira e tal
domingo, 14 de junho de 2009
O Naufrágio do «Titanic» num avião
E se a queda do avião no Atlântico fosse o naufrágio do Titanic da nossa civilização? A última sobrevivente do Titanic morreu nesse mesmo dia, a 1 de Junho, salva de um naufrágio por excesso de velocidade. Quando foi salva era um bebé. E, nas 228 pessoas que morreram agora, ia um único bebé. O acidente ocorreu no dia 1-6 de 2009, em que os algarismos somados dão todos 9, no voo 447, que somado dá 6, num modelo A-330, que dá soma 6, sendo que a soma dos passageiros dá três. Temos, portanto, um nove, ou seis invertido, ao lado de dois seis quando se precipita um conjunto de inocentes que é três, o número de Deus. O número da besta, cabriolando, ao lado do número de Deus. Bom! Tudo isto podem ser lucubrações de uma mente que não gosta de andar de avião, «o meio de transporte mais seguro do Mundo», como a Energia atómica é a «mais segura» ou a Democracia «o menos mau dos regimes» mas o que se sabe do acidente é que ele foi fundamentalmente devido às insuficiências da técnica face a uma Natureza que temos sistematicamente ferido e provocado com a nossa ganância. A Primeira Guerra Mundial rebentou três anos depois do Titanic e os EUA entraram na Guerra depois dos alemães lhe afundarem o navio de passageiros «Lusitânia». O que estava em causa era fazer do Atlântico uma mar pacífico de comércio, unificar o hemisfério Norte e, por isso, os EUA entraram na Guerra. Por outro lado, se a Primeira Guerra foi também precedida de orgias dos sentidos, a Segunda Guerra Mundial foi precedida de movimentos de massas, de eleições, de partidos e Frentes que levaram os Bolcheviques, mas também Hitler e Mussolini ao poder. As eleições como forma de legitimação nem sequer eram utilizadas pela pequena democracia elitista de Atenas, que decidia as coisas muitas vezes ao acaso entre iguais, os quais se substituíam no comando e era isso o que queria dizer «sufrágio», ou seja uma pedrinha com uma marca pessoal que se metia num chapéu e se tirava à sorte. É claro que Ahmedinejad venceu, por muito que os jovens modernos de Teerão não queiram. O outro candidato tinha histórias de pouca seriedade e quem vota no Irão, desde que Khomeini implementou o sufrágio universal, são milhões de pessoas rurais e muito pobres que sofreram a pior guerra regional do Séc.XX, imposta por um Iraque armado pelo Ocidente. E Chávez vencerá e Evo Morales também! A Democracia realmente tornou-se universal e as pessoas ressentidas, sedentas de vingança querem o poder da maioria. Nós não imaginamos ainda o mal que os neo-conservadores norte-americanos, com o seu elitismo judaico, aliados à Esquerda bem alimentada na Europa, fizeram ao equilíbrio da Humanidade. Manifestando a mais completa Loucura ou uma dissimulação criminosa, deixaram-nos a ideia de que a Guerra é justa quando se destina a implementar os Direitos Humanos. Ora não há Direitos quando dispersamos os nosso deveres de ajudar, na Bolsa e em carros caros, ou desperdiçamos o nosso tempo em jogos de computador e shows de Televisão. Será que a parte obstinada e macabra da Loucura humana nos está a preparar uma Guerra? Há 2.500 anos, Sun Tzu, general, dizia:« A Guerra é o assunto mais grave do Estado. É assunto de vida e de morte». Repito: o assunto mais importante de um Estado não é a Liberdade. É a Vida e a Morte.
André
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Jazz nas alturas
quarta-feira, 10 de junho de 2009
A Democracia como um furto
A expressão é um factor de vida e de alívio. Em circunstâncias de medo ou de destruição da personalidade, a expressão é diminuída ao mínimo e adiada para um momento obscuro. Uma olhada pelas banquetas do mercado e há frutos de todo o lado, com as suas virtudes medicinais embora a velha medicina chinesa nos aconselhe a comer o que dá o lugar onde estamos e na época do ano que passa. Uma olhada por um resumo de notícias e convivem em fracções de segundo cadáveres de um acidente, com euforias eleitorais, com notícias financeiras e transferências de jogadores. Uma olhada pela política e é a mesma coisa: convivem as coisas todas num momento presente. Como noutros tempos aconteceu com outras palavras, a palavra «Democracia» serve para franquear estas formas de expressão todas. Um dia, quando examinarem os restos arqueológicos da Democracia, como hoje fazemos com a democracia ateniense, veremos todas as monstruosidades que a palavra branqueava. E será sem surpresas, porque tudo o que é antigo, é muitas vezes arcaico e rude. Está visto que a Democracia comporta um excesso de expressão, em que a ideologia da competição constante lá faz o seu caminho, gerando também uma certa composição. Nesta opressão dos sentidos é claro que é difícil convencer uma pessoa eufórica de que poderá, a seguir, cair na mais profunda das depressões. O espantoso destas eleições é que, quanto mais pequena participação tiverem, mais euforia geram pois quem não votou não tem expressão, e sobretudo no rescaldo das eleições. No fundo, as eleições geram um momento de competição para empregos interessantes e bem pagos, e tal ocupa tanto a nossa mente como um bom show de televisão ou um concurso. Sabemos que as situações mais deprimidas economicamente florescem em jogos e casinos. Portanto, as eleições e a Democracia-ladra poderão continuar por muito tempo, como o banditismo ou a pirataria. Mas o que é que me leva a chamar «ladra» à Democracia? A Democracia rouba as nossas esferas privadas e põe-nas à votação, põe-nas no mercado e na Bolsa. Quem não trabalha, não está. Em vez do movimento de rotação e de translação da terra, a Democracia quer gerar a sua própria cosmogonia, os seus solstícios e equinócios, o seu próprio calendário. Um dia se compreenderá que um Ditador como Saddam Hussein também tinha os seus direitos, como o de partir para o exílio. Que um Tirano é também culpa de um Povo, de uma História vivida conscientemente. Que, muitas vezes não é apenas um que oprime, mas muitos, ou que a opressão de um nasceu como reacção à opressão de muitos. Um dia se compreenderá que o verdadeiro significado de Liberdade permitirá o convívio e a tolerância de formas de existência política que se não medem, nem podem medir, pela mesma malha, onde o caduco e o sonhador, enterrarão a escravatura. Um dia compreenderemos que alguns fascistas que pereceram heroicamente e alguns anarquistas que caíram do mesmo modo, apesar de inimigos, contribuíram com a sua derrota muito mais para a nossa Paz do que pensamos. Compreenderemos porque é que milhões de pessoas abandonadas pelo desleixo de uns ou exploradas pela arrogância de outros, pegam em armas em nome de Deus e preferem morrer em pé do que viver de joelhos. E a virtude desta crise horrível, desta época de perseguição é a de nos obrigar, como Humanidade, a gerar forças espirituais, para construir um Mundo em que o Rei antigo destituído, ou um Príncipe assassinado, ou ainda o selvagem incapaz de vender o seu bosque ou o seu bairro sem pegar em armas, possam todos coexistir. Porque a Vida são as forças todas que resistem à Morte mesmo aquelas que se não expressam.
André
terça-feira, 9 de junho de 2009
O tiro pela culatra
1º Em todos os países governados por partidos socialistas/sociais-democratas, estes foram severamente castigados nas urnas (Espanha, Reino Unido, Holanda). Ao contrário daqueles onde forças políticas da área conservadora/liberal estão no poder. Portugal não foi assim excepção, no contexto da UE, onde a crise pesa a todos. O que significa que, embora a nova/velha cartilha da esquerda "histórica" tenha fustigado vigorosamente as forças "tenebrosas" do capitalismo e diabolizado os "neoliberais" como os novos dráculas - numa espécie de anti-semitismo não declarado, com bodes expiatórios e tudo - o eleitorado, que é quem decide, acabou por desmentir tais profecias agoirentas. Ou seja, a esquerda está a precisar urgentemente de rumo, de competência e de estratégia.
2º O rumo seguido por Manuela Ferreira Leite deu os seus frutos, numa altura em que as pessoas estão um bocado saturadas da política-espectáculo e de novo-riquismo tecnológico. Apesar do situacionismo na comunicação social e do clima de asfixia e atordoamento promovido pelas agências de comunicação ao serviço do governo. A propósito, registe-se o completo despropósito da SIC, durante a noite eleitoral, ao ter difundido um "estudo" da Eurosondagem, efectuado quatro dias antes, onde o PS aparecia como ganhador, no caso de as eleições serem legislativas. Bem fez António Barreto, ao não considerar a "sondagem" como motivo sério de debate.
3º A escolha de Vital Moreira como cabeça de lista revelou-se desastrosa para o PS, devendo os seus dirigentes retirar as respectivas conclusões.
4º Com menos de um milhão de votos, o PS obteve o seu pior score eleitoral de sempre.
5º Registaram-se cerca de 165 000 votos em branco, representando 4,64% dos sufrágios expressos. Ou seja, a sexta força política. Foram eleitores que não ficaram em casa, não foram à praia, não se demitiram, não se alhearam, nem sequer fizeram como o Georges Brassens, quando cantava que gostava de ficar na cama especialmente no feriado nacional. Quiseram expressar a sua descrença de forma lapidar. Não deixaram de, com toda a clareza, afirmar que não querem nenhum prato do ménu. "Deste" ménu partidário, entenda-se. Ao fim ao cabo, foi este o verdadeiro voto de protesto. Para o qual os políticos - com excepção de venerandas figuras como Almeida Santos e Ana Gomes, que já nada aprenderão - deveriam prestar a máxima atenção.
6º O crescimento do BE, devido sobretudo a razões circunstanciais e de oportunismo político. O que coloca algumas perplexidades quanto à futura governabilidade do país e ao número de deputados freaks no PE. Numa altura que a estratégia do padre Louçã irá ser a da "respeitabilidade" e da seriedade, acompanhando a condição de putativos comparsas do PS...
7º Embora Sócrates diga que não, mais parecendo que tudo isto não passou de um brainstormig destinado à reafirmação da "luta", o primeiro ministro está cada vez mais a prazo. E na corrida que aí vem, o tempo tornou-se para si um bem precioso. Não é a liderança partidária que saiu enfraquecida, mas a margem de manobra do seu Governo. Cuja legitimidade não se põe, naturalmente, em causa, mesmo com este voto de censura do eleitorado. Todavia, nada será como dantes.
8º A derrota clamorosa das empresas de sondagens perante a verdadeira sondagem: a ida ás urnas. Patético.
sábado, 6 de junho de 2009
Pó e botas velhas
Chang Kwai Caine deu-me a ideia, quando era mais novo, que, na violência da vida, há formas não violentas de resolver uma existência cheia de angústias. Mas a não-violência não é um impulso, uma coisa fácil, ou um entusiasmo. Implica esforço, renúncia, muita ajuda de fora de nós e de fora do nosso Pensamento. Assim, lembro-me de duas cenas do filme «Kung Fu», com o qual a personalidade de David Carradine se confundiu: uma em que ensina os pacifistas Mormon, que renunciaram a pegar em qualquer tipo de armas, a tirarem as armas aos agressores e outra em que, sentindo um desejo de carinho e companhia de uma mulher casada e sozinha, esse homem solitário e perseguido que Carradine representava, passando uma noite de insónia num estábulo, renuncia humildemente e conforma-se com o seu longo caminho de peregrino, despedindo-se na manhã seguinte, dessa mulher, com um gesto de paz, em que ambos sabem que têm de renunciar, deixando, ainda assim, mais um gesto de paz entre dois seres que são a Humanidade inteira. E lembro-me neste mundo do espectáculo e da expressão, em que nos esquecemos tantas vezes que as palavras se movem e ondulam como o nosso corpo, do sorriso sempre bonito de Cat Stevens, agora no rosto do velho Yussuf Islam, algures num disco que editou e onde repete muitas vezes «dust and boots, boots and dust».
E quando ouço alguém arriscar tanto numa Universidade do Cairo, vejo os limites das palavras. Todos as vêem mas, entre elas, como umas pedras do chão, algumas hão-de servir para construir uma barreirita contra o vento, ou para fazer um fogo na noite fria e não apenas para atirar à cabeça duma pobre somali, que, uma vez tendo sido violada por homens armados quando ia visitar a mãe, se queixou à polícia e foi acusada de adultério. E hão-de servir, para perceber que não somos todos iguais e que o nosso tempo nesta terra é como o trajecto de uma avião que não teve sorte, e que nem todos gostam de andar nus e talvez se sintam melhor com um lenço na cabeça que escolheram de uma longa tradição em que confiaram. É que a liberdade não me pode ser imposta, como uma não-violência violenta, que cada um tem o seu tempo e o seu caminho e que, como posso ser livre, se não confio naquilo que escolho e faço meu? E sei também que os que tentam conciliar interpretações de Deus tão diferentes, dum mesmo Deus que serve de desculpa para tantos entusiasmos violentos, se arrisca, com o seu bom coração, a tê-lo atravessado por uma bala, sem que nada tivesse mudado entretanto e o amor egoísta da multidão o esqueça depressa, trocando-o por um outro amor qualquer, em permanente excitação. Pelo que, depressa aquele que esteve no topo, entre palmas e foguetes, uma noite escura ficará sozinho e pedirá a Deus «Pai, afasta de mim este cálice… Mas se é essa a Tua vontade…». E, então, o avião Airbus, apesar da sua perfeição técnica, não se conseguirá mais levantar. Na noite escura, tão escura «qui nem é bom fálá», o meu coração duvida de Deus e o meu coração junta-se àqueles que, não crendo em Deus, são tocados pela loucura e pelo desespero, sendo guiados por um grito mudo ao Céu. Algures numa paisagem cheia de poeira onde «Kung fu» Caine volta a partir sozinho e perplexo, olho as minhas botas caminhando pelo pó. Yussuf Islam, Cat Stevens…reza por mim esta noite.
André
sexta-feira, 5 de junho de 2009
A carne é fraca
Polling station
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Piratas
Pois bem, nada como falar bem e depressa para nos entendermos. Por favor, façam como eu e "votem" neste partido. Onde e como quiserem. Ao menos não tem saco azul, não gagueja e luta por bens essenciais. A cultura não pode ficar à mercê do mercantilismo.
Tiananmen - 20 anos
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Viver para contar
Acho que a Democracia é um erro, um erro monstro. E é-o por muitas razões, tantas quantas aquelas que achamos que deviam ser as coisas belas da vida e das quais desistimos porque achamos que nunca se realizarão. Por isso dizemos que a Democracia é o menor dos males. E esquecemo-nos de perguntar quem somos nós para dizer o que é o menor dos males. Não, o Povo não tem razão. Nós não temos razão. Morreram duas centenas de pessoas sobre o Atlântico. Temos a noção que foi um mal terrível. Será o menor dos males se não foram assassinadas por terroristas e se tivessem morrido sem dor. Não se pode dizer que ninguém sabe. Sabem mas não querem dizer porque destruiriam uma indústria que enche os bolsos a ricos e enche o prato a pobres e, pior, que mistura as pessoas todas umas com as outras, acabando com o racismo, dizem. Como se as pessoas não fossem diferentes porque estão ligadas a um certo lugar. Mas aqueles que precisam de enganar o mundo inteiro porque já ninguém acredita neles, no lugar onde nasceram, não param enquanto não impuserem a sua vontade ao mundo, enquanto não tiverem calado os outros todos. Eu já passei um voo assim. O meu avião entrou dentro dum furacão. A voz dos pilotos tremia. Eu estava sentado atrás e a fuselagem ondulava como uma barraca de palha. E, por cada ondulação o avião estalava com pancadas terríveis. Uma senhora com os filhos chorava. Os filhos perguntavam ao pai se iam cair. O Pai, corajosamente, berrava com eles a dizer uma coisa que não é verdade: que as coisas só acontecem aos aviões ao aterrar ou descolar. Ao meu lado, um veterano da Guerra colonial já deixara há muito de dizer que sobrevivera a aviões muitos piores quando fora transportado como soldado, para lugares onde alguns dos que sobreviveram ao voo, morreram em tiroteios, em emboscadas, ao calcar minas. Ao fim, em paz, depois de pairarmos sobre um mar calmo onde se reflectia a lua, os pilotos e as hospedeiras alinharam todos em silêncio, de chapéu na mão enquanto saíamos. Não se ouvia um zumbido. Como crianças grandes, deste pesadelo chamado Democracia, todos fugiram envergonhados, salvos mais uma vez, para as suas casas. E eu voltei a voar, a sofrer horrivelmente, a rezar à descolagem e à aterragem, a imaginar o meu Amigo Júlio Santos como um cavaleiro medieval, coberto de sangue levantando uma asa e um anjo enorme levantando a outra. Desfiz-me em fraternidade com os meus companheiros de viagem, tão diferentes, fui irmão, fui pai, fui filho, chorei, ri-me, sobrevivi para contar. Entreguei a alma ao criador, entreguei todos os meus bens, sonhei pela última vez com alguém que amei e que me não correspondeu, ajeitei como um anjo a roupa da cama à minha filha adormecida, troquei as últimas indicações de casa com a minha mulher de que me separei, afaguei a fronte do meu pai doente e da minha mãe sofrida. Disse ao meu irmão para não se preocupar e amei sinceramente, sem dúvidas, a Humanidade inteira. Vi Jesus estendendo os braços sobre o Mundo. Vi Buda sorrindo no Sol, senti os braços de Alá segurando o Universo que me rodeavam. Sobrevivi. Mas uma sociedade que assassinou estes passageiros todos duma forma tão bárbara sobre um lugar tão frio e inóspito que só uma certa raça de gente, e não qualquer um, a pode percorrer, não vou perdoar. A Democracia, a Técnica, a soberania absoluta dos votos e da liberdade de expressão, não são o melhor dos possíveis. A Democracia que dá a Soberania a nós todos, retirando-a a tantas coisas que existiram e existirão além de nós, não é o menor dos males. É o maior mal dos menores. E lembro-me de um ditado chinês com milhares de anos: nascer e morrer numa aldeia, ter acordado dias sem conta com o latir dos cães da aldeia vizinha. E nunca a ter visitado. Não sofremos já todos demasiado para nos tratarmos delicadamente, com carinho, com Amor, como se o nosso Próximo fosse o último?
André