terça-feira, 30 de junho de 2009

"A Aversão", de André de Melo (2ª parte)

A meio da manhã, foi fazer compras. Atravessou o jardim até à garagem pela trilha de pedras, como se caminhasse já pela rua central de Cascais. Olhou de relance o jardim e viu a piscina onde o filtro mergulhava como um animal pré-histórico a beber. Achou que assim estava bem, deixava a casa numa perfeita tranquilidade ( “pax tranquilla libertas est” já dizia o Cícero). Sentiu-se agradecida a Deus por viver naquele sossego, longe da brutalidade de Lisboa. No entanto, quando punha o carro a trabalhar, subiu-lhe uma comoção profunda pela cana do nariz e desaguou num pranto inexorável. Baixou a cabeça de modo a que o chapéu de aba larga lhe ocultasse a cara e... chorou mesmo. “Meu Deus! Como é possível!?”, bramiu, enquanto desferia os punhos no volante. Sentir-se observada daquela maneira, esquadrinhavam-na a cada canto da sua vida íntima, a perseguiam-na a cada segundo!”. Será que a inveja pairava no ar, era o anjo da Morte dos primogénitos, depois das pragas da brutalidade e da falta de educação generalizadas?! Porque é que a perseguiam daquele modo quando escrevia? Sentia os dentes de predadores rangendo nas obscuridades daquela Lisboa de falhados, sentia o catarro de aves absurdas preparando-se para romperem o silêncio, à gargalhada. Tinha a alucinação de que passava numa floresta de espinhos em camisa de noite e uma das fímbrias prendia-se, ela não conseguia libertá-la, ficava nua e esfarrapada à vista das árvores ululantes ( devia andar a ver demasiados vídeos...). (ler mais)

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segunda-feira, 29 de junho de 2009

O arraial

Ninguém porá em causa que, na Guarda, existe uma oferta cultural com bastante qualidade. Quer em termos absolutos quer relativos. Mormente aquela que chega por via do TMG. No entanto, apesar de alguma constância ao nível dos públicos, pesa ainda muito o lastro local da relativa ausência de hábitos regulares de fruição cultural e de uma massa crítica participativa e independente. Realidades estruturais que poderão ainda ser vistas sob outros formatos: a inexistência de uma intermediação crítica entre a imprescindível informação, que acompanha os espectáculos e o simples copy/paste dos press release com que os jornais "noticiam" a cultura. Falta pois o meio termo, que neste caso encerra uma virtude inigualável: indicia uma opinião pública descomprometida e esclarecida, mas que não receia sair das torres de cristal onde alguns iluminados se encerram; mostra os sinais de um espaço público dinâmico, sem receio do contraditório, em que várias verdades coexistem e se vão compondo com urbanidade e audácia.

domingo, 28 de junho de 2009

Stalker

Oração do espantalho

Desta ideia de que «sai para a rua» e tudo se resolverá, se estende uma sombra medonha. Não é um filme de terror, nem digo isto para me comprazer em dizer mal da Democracia. Em Teerão, as pessoas sabem tão bem como nós o branqueamento que acompanha as Revoluções. Mussavi, em fato escuro, com a mulher cheia de títulos académicos, pela mão, sabe melhor que ninguém que não escaparia a um tribunal dos Direitos Humanos. Nem o Ocidente. O miliciano que matou Neda, tinha cerca de quarenta anos, o que quer dizer que era um adolescente quando muito provavelmente foi combater para os campos de minas, na pior guerra que o Ocidente encomendou sobre o Irão. Uma juventude perdida é igual a um desvio de pontaria. O primeiro dever dum Estado e de todos os Estados é a Vida e a Morte. E, no meio disto tudo, deleitamo-nos decadentes com Farrah Fawcett há uns anos, quando ainda tentava ganhar dinheiro à conta daquilo que depois tentaria vencer, a exploração do seu corpo na ribalta. Com David Carradine, a busca de um moral budista, como desculpa, num actor filho de Hollywood, deixou-o morrer infame num hotel de Banguecoque. Com Michael Jackson, basta vê-lo no videoclip «I’m bad» para perceber o demónio, ardendo no Inferno, em que o tornaram. E, sobre os cadáveres dançam os desgraçados do «gay pride», festejando o fim de uma civilização que provavelmente teve o seu «Titanic» no avião da Air France sobre o Atlântico. Que guerra se seguirá? Frustrados por não termos tido a morte em directo dos três ícones, temos a de Neda, em Teerão. E prometem-nos que a crise se comporá, como não podia deixar de ser. Como se interrogou um general romano face a um centurião espantado com a carga de uns bárbaros sobre as legiões: estes deviam saber quando vão ser esmagados. Deviam?! Apetece-me gritar que o que vai triunfar é isso mesmo: o Socialismo e não a Democracia. Os derrotados de Waterloo não sabiam que morriam pelo futuro, um futuro em que os pés-descalços também tinham direito à cidadania. Sim, viva o socialismo, mesmo o socialismo por quem Niccoló Bombacci morreu de punho erguido ao lado de Mussolini e dos super-fascistas. Um socialismo onde o Bem Comum seja o nosso dever, o nosso Orgulho, a nossa realização. E que nisso, nessa certeza, nos seja finalmente dada a paz interior. S. Pedro, deixa-me entrar, pois fiz o melhor que pude para que todos pudéssemos entrar aqui um dia. E trago o meu canário, o meu gato e o meu cão, o meu vizinho irritante, o meu irmão desavindo e este espantalho em farrapos que fui eu, que me crucifiquei ao sol para que a seara florisse…

André

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A mala do portátil do gajo

Curtas

1. Leituras para este fim de semana: reler "O Livro das Horas", de Rilke. Um dos tais que, se pudesse, levaria para a eternidade.
2. Hoje à noite lá estarei no Poetry Slam, a partir das 22h30, no Music Box, ao cais do Sodré. A sessão faz parte do "Festival Silêncio".
3. Recomendo a leitura da crónica de Vasco Pulido Valente, no jornal "Público" de hoje, intitulada "O Contrato". Eis uma das alíneas do "negócio" da democracia portuguesa: "o Estado criava as classes médias que não existiam, protegia as que existiam e assegurava uma certa prosperidade a todas".

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Momentos Zen - 56

O que é esquecido também faz parte da bagagem


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quarta-feira, 24 de junho de 2009

O gajo a fazer uma gracinha num museu

"A Aversão", de André de Melo (1ª parte)

Antes do sol nascer, já dói o fígado a quem tem de se levantar.
Se espreitar pela janela descobrirá, então, um pequeno dia, completo, entre as casas. Às vezes há também a neblina que convém num frio atrevido e pica o novelo dos olhos estremunhados, convocando um espirro como uma bala na câmara.
Por outro lado, o arfar – primeiro, compassado, depois sem ordem - dos autocarros, já tinha atravessado o sono há muito tempo, ainda era noite cerrada, até o deixar exangue de anjos e prenúncios. Os boémios vinham esconder-se à pressa, por trás da porta vacilante antes de o sol - se viesse - cerrar o punho flamejante sobre a avenida, onde as manhãs não cantam, nem assobiam.
Longe dali, há orvalho e sarças, vegetação espinhosa, ainda ao alcance do mar. E a manhã pede licença. Os besouros e as cigarras cantam até mais tarde e há sempre alguém percorrendo um carreiro entre a vegetação que, a certo ponto, julga estar sozinho e começa a assobiar... ou até a dar até uns passinhos de dança. Ao longe escuta-se a sirene de um comboio. (ler mais)

"A Aversão" (introdução)

É já no próximo post! Abram alas! Vai começar a publicação de "A Aversão", de André de Melo. Trata-se de um romance cuja acção se desenrola nos anos 90. O autor, de quem os leitores já conhecem alguns textos, uma vez que é colaborador regular deste blogue, onde assina "André", abalança-se assim numa produção mais extensa. A obra será publicada em fascículos, no "Boca de rodapé", para onde haverá sempre uma chamada e link a partir deste blogue. A edição propriamente dita - que inclui a revisão de texto, ordenação e numeração - é da minha responsabilidade. Segue-se uma sinopse da obra, enviada pelo autor:
"Anos noventa. Lisboa. Uma mulher de um político e universitário famoso, resolve dedicar-se a escrever romances mais ou menos de cordel, com cobertura de um Editor amigo. Tem ambiente para isso, visto que não trabalha, vive na Linha de Cascais numa mansão vigiada, longe do bulício da cidade, onde os restos da Revolução de Abril vão dando lugar à periferia da Europa. Apesar de ter três filhos na idade malandra, não lhe falta uma criada cabo-verdiana, submissa e analfabeta, para poder livremente dispersar-se.(ler mais).

terça-feira, 23 de junho de 2009

Sarebbe bello vivere una favola - 10


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O teatro dos sonhos (1)

1. Lusco fusco é um termo bem curioso, hermético e intraduzível quanto baste. Daqueles que põe a cabeça em água a um aprendiz da nossa língua, ou a alguém pouco familiarizado com ela . À primeira vista, assemelha-se mais a uma palavra romena ou, até mesmo, a uma cidade azteca. Tecnicamente, designa o período do crepúsculo nocturno. Todavia, parece prolongá-lo, estendê-lo amorosamente, até ao momento em que o dia se faz noite. Uma transição celebrada por poetas, músicos e entusiastas do sobrenatural. E que, embora seja tradicionalmente associada a um fim épico, também pode evocar o início de um ciclo. Ou seja, uma espécie de "raio verde" da luminosidade, onde o encantamento, o desejo ou a invocação formulada se podem prolongar, ao invés do que acontece no momento em que o último raio solar repousa sobre a terra.
2. A Associação Luzku-Fuzku é uma comunidade que desenvolve acções de ordem ambiental, holístico e inclusivo. Está sedeada na Quinta do Dionísio, junto à povoação dos Trinta, concelho da Guarda. Num local privilegiado, o que é dizer pouco. Ou seja, num recanto verdejante do curso do Mondego superior, a montante do açude do Pateiro, ladeado de catanheiros e choupos. No âmbito do projecto "Ecompanhamento", com início em 2008, promoveu a construção orgânica de um "Teatrinho em Fardos de Palha", para além de várias casas de banho e chuveiros ecológicos, de um Yurt e de um retiro em barro. Ora, esse pequeno teatro foi inaugurado no domingo, recebendo a designação de "Salamandra". O programa incluía um percurso pedestre, lanche, tertúlia e uma sessão musical, a cargo de Gustavo Delgado e João Pedro Delgado nos violinos. A actividade teve o apoio do TMG. O edifício, com cerca de 12 m de comprimento e 3 de largura máxima, foi construído com materiais orgânicos: palha, madeira e barro. As paredes são de palha e, no topo, de ripas de madeira. Logo que o vigamento do telhado esteja assente, a palha será rebocada com uma camada de barro, o que melhorará muito a acústica. No lado que dá para o rio, há várias aberturas que fazem lembrar as vigias de uma embarcação. O tecto, muito parecido com o das pequenas igrejas nórdicas medievais, é formado por placas de madeira sobrepostas. No topo do espaço destinado ao palco há um pequeno vitral. Por sua vez, os espectadores, sentados em fardos de palha com um saco de serapilheira em cima, estão dispostos ao longo das paredes, frente a frente. Embora pensado como teatro, o espaço terá, naturalmente, uma utilização polivalente. Podendo servir, para além de outros espectáculos, como local de reuniões, ateliers, projecção de audiovisuais, etc. Poderão encontrar a seguir algumas das imagens registadas na ocasião.

O teatro dos sonhos (2)








O teatro dos sonhos (3)



segunda-feira, 22 de junho de 2009

A idade dos porquês - 2

Porque é que é preciso convencermos os outros, a qualquer preço, de que sabemos tudo, para insuflarmos até aos limites o balão da nossa pomposa fatuidade? E porque basta saber tudo para não saber nada? Conheço casos assim...

sábado, 20 de junho de 2009

O coveiro


O bimbo da foto, segundo tudo indica, vai ficar à frente do Benfica mais um mandato. A jogada da antecipação das eleições é de mestre. Isto é, de mestre de obras espertalhaço, o seu princípio de Peter. Ao retirar assim o tapete aos adversários, que se preparavam para apresentar alternativas credíveis à sua gestão desastrosa, demonstrou que se quer eternizar no poder. Acolitado pela sua matilha de indefectíveis, mais apropriados para integrar uma seita religiosa ou numa milícia popular. Que digerem mal os "relatórios de danos" sobre a actual situação do SLB, oriundos dos milhares e milhares de críticos da sua gestão. Basta consultar os blogues da "situação" e os "não oficiais". Entretanto, os "pontos de ordem" desses críticos acentuam esta fábula populista da desculpabilização do fracasso pela perversidade do "sistema". Lembrando os mesmos que, se ele existe, a melhor forma de o combater é alcançando vitórias. A natural insatisfação e revolta dos simpatizantes e adeptos que deram a cara, já provocaram sérios problemas nervosos aos adeptos que gostam de ser enganados, todas as épocas, com um eldorado, que uns meses depois se revela ser quinquilharia da loja dos 300. "Com papas e bolos se enganam os tolos", diz o povo. "Com esta equipa vamos longe" tornou-se a fábula estival que se repete ano após ano. No caso do SLB, a margem de manobra de uma direcção sem know how, sem estratégia, sem autoridade real, provinciana, alheia à meritocracia, com mentalidade de pato-bravo, passa inevitavelmente pela hábil gestão do binómio espera/esperança, como em qualquer religião que se preze. A história já se sabe, de cor e salteado: todos os anos, investimentos colossais num plantel "de sonho", "este ano é que é", etc. Depois vem o "retorno": uma equipa que colecciona exibições miseráveis, mais até do que resultados; jogadores desmotivados, em claro sub-rendimento; treinadores mal escolhidos e mal apoiados, as performances sobejamente conhecidas nas várias competições onde o clube participou (incluindo as inenarráveis exibições na Taça UEFA). E qual é o discurso oficial perante esta tragédia? Pois, já adivinharam. Meia dúzia de soundbites arregimentadores das massas, ancorados na diabolização de forças externas; uma lógica suicidária, de fuga para a frente; a ausência de qualquer avaliação de resultados e de estratégias, como é normal fazer-se em qualquer empresa; a hábil manipulação das legítimas expectativas dos adeptos; uma política de comunicação miserável, com declarações erráticas e fora do timing, nunca distinguindo o que é diferente (um erro de julgamento do árbitro e o favorecimento doloso, por exemplo, como se viu nas lamentáveis teorias da compensação, propaladas pelo director de comunicação do SLB, a propósito do conhecido episódio do penalty do final da Taça da liga); desprezo pelo "invisível" mas indispensável trabalho de bastidores. Este último aspecto constitui, no fundo, a verdadeira "piéce de resistence" de qualquer clube que trabalha para ganhar e inculca na sua equipa essa mentalidade e esse saber. Como adepto que já vibrou com o verdadeiro Benfica, sinto-me defraudado com tanta incompetência, tanta estupidez, tantos recursos esbanjados. Portanto, se este senhor continuar, saio eu. Nunca gostei de cerimónias fúnebres.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

As novas crocs do gajo

Via Láctea

Não podia estar mais de acordo com o André, quando conclui que "o assunto mais importante de um Estado não é a Liberdade. É a Vida e a Morte." Nem vale a pena repetir as razões. No entanto, presumo que fala de um Estado de direito democrático, pois para os outros a liberdade nem sequer é assunto. Em rigor, mesmo para aqueles, a liberdade também não é um tema ou uma área de governação, mas a base fundadora, a razão de ser do contrato que os erigiu. Mesmo assim, a Liberdade é aqui encarada enquanto garantia, enquanto pressuposto intangível. Todavia, a sua plenitude exige que, mais do que um conceito formal, seja encarada como um desafio absoluto, intrínseco à própria existência. Ou seja, em princípio, os cidadãos que integram um estado democrático são livres. Mas quantos são libertos? Quantos renegaram a quinquilharia trendy, a vaidade, a avidez, o culto da imagem, o compromisso, a ânsia de poder? Quantos perceberam que a liberdade não serve só para que não nos atrapalhem a vidinha, mas para sermos outra coisa que nos ultrapassa e acolhe sem perguntas? Muito poucos, caros amigos. Até hoje, orgulho-me de ter conhecido alguns: desde alguns vagabundos que havia na Guarda, a alguns clochard que conheci em Lisboa, passando por um alemão desgrenhado, que vi ao longe, numa praia do litoral alentejano, acompanhado de um cavalo e um cão. E com quem conversei por improvisar um jantar, em cima da areia, enquanto o cavalo se escarregou de deglutir, à sucapa, umas peras que tinha acabado de comprar. Circulava de terra em terra, trabalhando nisto e naquilo. No dia seguinte ia ajudar a carregar umas caixas de pescado no próximo porto. Não tinha medo de nada (cumprindo, sem o saber, o anseio de Étienne la Boétie, no "Discurso da Servidão Voluntária: "n'ayez pas peur"). A não ser, talvez, de perder as noites estreladas.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Morreu hoje José Calvário

José Calvário, maestro, morreu hoje. E eu, hoje cantei, no meu caminho difícil. Não cantei nenhuma canção difícil, como a «Internacional», ou «Dizem que amor de Estudante». Ouvi canções brasileiras. Porque a minha alma quer cantar. Cantam os homens no trabalho diário, cantam os que vão ser fuzilados, cantam os que resistem em Teerão. Cantam os pássaros contra a noite. José Calvário já estava em estado vegetativo desde o fim do ano passado e ia passeando de hospital em hospital até que alguém lhe desligasse a máquina. Certamente que quem o amava, lhe fazia companhia e imaginava que naquele corpo arfante, em respiração artificial, se geravam canções como «E depois do Adeus» ou essa canção tão bela «No teu poema». José Calvário orquestrou essa coisa maravilhosa que se chamava «Canção portuguesa» e que outros chamaram nacional-cançonetismo mas que mesmo assim milhares de nós cantámos nessas jornadas em que fomos todos um, apesar das desconfianças, das ingenuidades, das santas estupidezes e que foi o 25 de Abril. Nesse tempo amávamos, amávamos de flor na boca, com um coração paciente, duradouro, tenaz, capaz de esperar e de dar, de renunciar até ao Amor por um Amor maior. Nesse tempo éramos todos como o Fernando Rocha, que conta piadas ordinárias, mas sobre quem o Espírito Santo soprou, pois, uma dia destes salvou um homem de morrer afogado no Rio Douro, o mesmo Rio Douro onde ele, catraio, saltava para apanhar moedas aos turistas. José Calvário era pequeno, franzino e irritável. Não foi um génio. Tinha um rosto belo como esse rosto dos portugueses que ardem sempre sem fim, em busca de uma Paz que nem a História, nem o Destino lhes dá. Um rosto belo como o de Ana Zanatti, que confessou a sua homossexualidade (e não o seu lesbianismo) ao fim de tantos anos, certamente amargos e que me deixou, pelo menos a mim, desgostoso, por um rosto tão belo não ter sido amado por quem o merecesse. José Calvário conduziu a orquestra do Portugal que se recusa a deixar de cantar. Não inventou as canções, não as revolucionou. Apenas as trouxe até nós para que as pudéssemos cantar.
E, hoje, pensando em José Calvário, canto em silêncio neste Mundo bárbaro, com os que marcham em silêncio em Teerão. Que lhes cresça por dentro essa força sem fim, que é a força do Mar, que vai e vem e que perdura, sempre generoso e humilde, sempre inesgotável e sempre lá, quer o dia seja radioso ou a chuva rasgue o Universo. Ele chamava-se Zé Calvário e vós sois um Povo que se prepara para o subir. Povo Calvário, vamos por ali acima, pela aquela ladeira medonha, mas vamos a cantar.

André

O braço estendido


Eis Michela Vittoria Bambrilla, ministra italiana do Turismo. Bom, já se recompuseram ou ainda sonham com a figura esbelta da nossa Ministra da Educação? Pois dizem as más línguas que ela faz a saudação fascista depois do hino nacional. Não posso! A sério??? Custa a acreditar! É com fait divers como este que certa esquerda europeia anda preocupada, depois da trepa que levou no domingo. E aqui está a prova de que as mulheres folcloricamente esquerdalhas ainda usam óculos (ou bigode), são chatíssimas, acham que o Fellini é um misógino da pior espécie, tiraram o curso de Psicologia à noite, ou então, mostrando um belo naco, não deixam de comunicar por onomatopeias segredadas pelo chefe e fazer boquinhas, como é o caso da novíssima eurodeputada do BE. As outras, as que interessam, pendem para outra coisa. Ou, melhor ainda, não pendem, só dançam. São a marca do tempo sem o tempo.

Nota: nos comentários, podem bater no ceguinho à vontade...

Ligações ao alto

Depois de ler este texto da Fátima Rolo Duarte percebi que já tinha ganho a semana. Sem o bíblico suor do rosto, é claro. A verdadeira razão para o benefício talvez esteja num irresistível impulso para dançar, sempre que o evoco.

A idade dos porquês - 1

Porque é que nos clássicos do cinema, quando há uma visitinha policial a casa de gente requintada, a propósito de uma investigação criminal, vai sempre um inspector da polícia que parece um manual de boas maneiras, acompanhado de um novato com ar de recruta rural? E porque é que esse novato a querer mostrar serviço fica sempre a olhar para um quadro modernista na parede, como boi para palácio?

Stalker

Os novos fariseus

De acordo com a imprensa "da situação", parece que o Bloco de Esquerda foi o grande vencedor das recentes eleições europeias. Sempre com os media nas palminhas e com o beneplácito dos comentadores do regime, esta força política é bem capaz de se tornar a grande responsável pela ingovernabilidade do país a médio prazo. É bom recordar que o BE é um partido cuja espinha dorsal são antigos elementos da UDP (estalinistas) e do PSR (trotsquistas). Muitos dos seus dirigentes nacionais e locais não perderam os tiques controleiros. Basta dizer que o chefe da banda do BE na Guarda é um aparathnik típico, inimigo declarado da cultura, conhecido por dirigir críticas populistas à principal instituição cultural da cidade que envergonhariam a direita ultramontana. A pós-modernidade é, pois, unicamente uma fachada com objectivos precisos: conquistar votos ao PS e paralisar uma governação à esquerda. As correntes realmente modernas, libertárias, new age, a defesa do ambiente, as novas utopias da Rede, o que ficou do situacionismo, a real autonomia dos indivíduos, são para o Bloco realidades hostis, desprezíveis. O seu programa é destruir. O seu modus operandi é atacar tudo e tudos, de forma demagógica e arruaceira. As suas propostas políticas são invariavelmente irresponsáveis e despesistas. Acaso exercessem funções governativas, o país entrava em bancarrota no primeiro mês. Graças à destruição do tecido empresarial, à quebra brutal do investimento, à assistencialização forçada da população, ao aumento dos impostos, ao aumento da despesa pública, na voragem de um estado-providência sem qualquer correspondência no aumento do PIB, ao desperdício como nota dominante na Administração Pública, à criação de uma polícia de defesa e vigilância do politicamente correcto. No fundo, uma espécie de neo Inquisição, com o Daniel Oliveira como novo Torquemada. Assim, se alguém festejasse o Natal publicamente, apareciam logo os zelotas bloquistas, dando voz de prisão, pois os irmãos muçulmanos poderiam ficar ofendidos... Um verdadeiro pesadelo pós-moderno!

Música ambiente

Há certos acontecimentos que, ocorrendo isoladamente, nada representam. Acaso se repitam, em circunstâncias análogas, serão tomados como fruto do acaso, ou de uma mente demasiado perspicaz. O problema é quando se repetem muitas vezes... Qual a sua leitura? Vou dar um exemplo. De visita a várias lojas de conhecidas cadeias de material informático, audiovisual e electrodomésticos, em períodos e cidades diferentes, deparei com o mesmo fenómeno acústico: no sistema sonoro do espaço estava a passar, em "alta-voz", a gravação de um concerto ao vivo de uma cantora brasileira da moda. Não sei o nome, mas sei que toca também muito na rádio e tal. Pois a canora brasiliensis é dotada de uma incrível voz clitoriana (lembrei-me do argumento do épico porno "A Garganta Funda", não me perguntem porquê). Com a qual vai repenicando as cançonetas "festivas", de uma vacuidade infinita. Entre os temas, depois dos aplausos, tomada de uma gratidão orgiástica, manda uns bitaites tipicamente brasileiros, com muitos "cara", "estamos aí", "bora aí, minha gente"... E a palavra "baía" a pairar no éter, como um recibo de quitação universal. Tudo isto como se o público inteirinho estivesse a sair do duche depois da aeróbica, ou de outro qualquer "esporte" da moda. É claro que, para o escriba, a tortura é indescritível. Pior só mesmo uma dor de dentes. Daquelas que... Enfim, não é preciso dizer mais nada. Ou a eurodeputada Ana Gomes a descompor malcriadamente os seus adversários políticos. Nem a contemplação dos últimos gadgets informáticos e de hi fi consegue amenizar o desconforto que se apodera de mim nesses momentos... Ao fim de vinte minutos a cirandar pelos escaparates, começam a aparecer os primeiros sinais preocupantes. Os quais tenho seguido à risca, abandonando o local em passo de corrida, sob pena de acabar na unidade de cuidados intensivos... Mas há um ponto positivo nesta história, apesar de tudo: as visitas a estes bastiões do consumo acabam por ficar bem mais económicas... "Vamos nessa?"

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Mais uma segunda-feira e tal

Blogui! Anda cá, já! Senta! Senta, já disse! Blogui! Toma! A patinha, a patinha! Um sítio livre este, hein? Permanent vacation, é o que é! Ó Jim, calma lá! Queria dizer "permanent opinação." Opinanição à discrição no necrotério dos escarros. Bar aberto. Vacina em dosagens múltiplas e estonteopinantes contra a vidinha. Contra o felisberto da tia que foi à mata de mota... Ai a vidinha! Essa nefasta tendinite do assombro, essa crónica da duodécima barregã do sancho 2! Pois bem, ladies and gents, aqui têm a fluoxetina lenticária, opicártica, ciclotímica! Um prodígio em opinação redundante, escoiceante! O neo-cu de atleta, o coçar sem saber porquê, o rodízio das bacantes... Blogui, sossegadinho, vê lá se levas! Porém, o mar tão lindo, os campos tão doces, a democracia tão urinada. Porém, o meu chapéu de hamlet, as mamas saltitantes do bispo, o véu, o latejar da pureza no último reduto das coisas, os passos da saga. Porém, a vagina da alice escancarada ao sol, o Leopoldo a bloominar em Dublin (sim, onde é que havia de ser?), a tracejar a existência, a instalá-la fora desses traços, a opinervá-la (senhor doutor, diga-nos, o que será?). Mas a puta da vidinha a querer entrar, a assobiar, a circunvalar, a farejar a abordagem... Váderetro, ó mafarrica! Para trás! Blogui, ataca agora!

Sim, meu comandante!

domingo, 14 de junho de 2009

O Naufrágio do «Titanic» num avião

E se a queda do avião no Atlântico fosse o naufrágio do Titanic da nossa civilização? A última sobrevivente do Titanic morreu nesse mesmo dia, a 1 de Junho, salva de um naufrágio por excesso de velocidade. Quando foi salva era um bebé. E, nas 228 pessoas que morreram agora, ia um único bebé. O acidente ocorreu no dia 1-6 de 2009, em que os algarismos somados dão todos 9, no voo 447, que somado dá 6, num modelo A-330, que dá soma 6, sendo que a soma dos passageiros dá três. Temos, portanto, um nove, ou seis invertido, ao lado de dois seis quando se precipita um conjunto de inocentes que é três, o número de Deus. O número da besta, cabriolando, ao lado do número de Deus. Bom! Tudo isto podem ser lucubrações de uma mente que não gosta de andar de avião, «o meio de transporte mais seguro do Mundo», como a Energia atómica é a «mais segura» ou a Democracia «o menos mau dos regimes» mas o que se sabe do acidente é que ele foi fundamentalmente devido às insuficiências da técnica face a uma Natureza que temos sistematicamente ferido e provocado com a nossa ganância. A Primeira Guerra Mundial rebentou três anos depois do Titanic e os EUA entraram na Guerra depois dos alemães lhe afundarem o navio de passageiros «Lusitânia». O que estava em causa era fazer do Atlântico uma mar pacífico de comércio, unificar o hemisfério Norte e, por isso, os EUA entraram na Guerra. Por outro lado, se a Primeira Guerra foi também precedida de orgias dos sentidos, a Segunda Guerra Mundial foi precedida de movimentos de massas, de eleições, de partidos e Frentes que levaram os Bolcheviques, mas também Hitler e Mussolini ao poder. As eleições como forma de legitimação nem sequer eram utilizadas pela pequena democracia elitista de Atenas, que decidia as coisas muitas vezes ao acaso entre iguais, os quais se substituíam no comando e era isso o que queria dizer «sufrágio», ou seja uma pedrinha com uma marca pessoal que se metia num chapéu e se tirava à sorte. É claro que Ahmedinejad venceu, por muito que os jovens modernos de Teerão não queiram. O outro candidato tinha histórias de pouca seriedade e quem vota no Irão, desde que Khomeini implementou o sufrágio universal, são milhões de pessoas rurais e muito pobres que sofreram a pior guerra regional do Séc.XX, imposta por um Iraque armado pelo Ocidente. E Chávez vencerá e Evo Morales também! A Democracia realmente tornou-se universal e as pessoas ressentidas, sedentas de vingança querem o poder da maioria. Nós não imaginamos ainda o mal que os neo-conservadores norte-americanos, com o seu elitismo judaico, aliados à Esquerda bem alimentada na Europa, fizeram ao equilíbrio da Humanidade. Manifestando a mais completa Loucura ou uma dissimulação criminosa, deixaram-nos a ideia de que a Guerra é justa quando se destina a implementar os Direitos Humanos. Ora não há Direitos quando dispersamos os nosso deveres de ajudar, na Bolsa e em carros caros, ou desperdiçamos o nosso tempo em jogos de computador e shows de Televisão. Será que a parte obstinada e macabra da Loucura humana nos está a preparar uma Guerra? Há 2.500 anos, Sun Tzu, general, dizia:« A Guerra é o assunto mais grave do Estado. É assunto de vida e de morte». Repito: o assunto mais importante de um Estado não é a Liberdade. É a Vida e a Morte.

André

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Jazz nas alturas

A edição deste ano do Festival de Jazz promovido pelo TMG começou este dia 9. E da melhor maneira, note-se. Um espectáculo com uma formação simples: Stephen Gauci no saxofone e Michael Bisio no contrabaixo. Uma sonoridade minimalista e tributária do free jazz. A mostra prossegue na sexta-feira, com a apresentação dos Biel Ballester Trio, associados ao gipsy jazz. A minha expectativa em relação a estes espanhóis é moderada, pois cultivam um género criativamente esgotado. Por sua vez, no sábado irá subir ao palco do Grande Auditório o cabeça de cartaz do Festival: o trompetista Jeremy Pelt com o seu quinteto.
Uma vez mais realço que, na Guarda, é impossível ouvir jazz, mesmo que circunstancialmente, em estabelecimentos abertos ao público. Existem resmas de bares nocturnos a passarem diariamente o mesmo techno de feira e as mesmas playlists de supermercado. As excepções só confirmam a regra. Uma razão mais para rejubilar com este Festival. Consultar aqui toda a informação.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Democracia como um furto

A expressão é um factor de vida e de alívio. Em circunstâncias de medo ou de destruição da personalidade, a expressão é diminuída ao mínimo e adiada para um momento obscuro. Uma olhada pelas banquetas do mercado e há frutos de todo o lado, com as suas virtudes medicinais embora a velha medicina chinesa nos aconselhe a comer o que dá o lugar onde estamos e na época do ano que passa. Uma olhada por um resumo de notícias e convivem em fracções de segundo cadáveres de um acidente, com euforias eleitorais, com notícias financeiras e transferências de jogadores. Uma olhada pela política e é a mesma coisa: convivem as coisas todas num momento presente. Como noutros tempos aconteceu com outras palavras, a palavra «Democracia» serve para franquear estas formas de expressão todas. Um dia, quando examinarem os restos arqueológicos da Democracia, como hoje fazemos com a democracia ateniense, veremos todas as monstruosidades que a palavra branqueava. E será sem surpresas, porque tudo o que é antigo, é muitas vezes arcaico e rude. Está visto que a Democracia comporta um excesso de expressão, em que a ideologia da competição constante lá faz o seu caminho, gerando também uma certa composição. Nesta opressão dos sentidos é claro que é difícil convencer uma pessoa eufórica de que poderá, a seguir, cair na mais profunda das depressões. O espantoso destas eleições é que, quanto mais pequena participação tiverem, mais euforia geram pois quem não votou não tem expressão, e sobretudo no rescaldo das eleições. No fundo, as eleições geram um momento de competição para empregos interessantes e bem pagos, e tal ocupa tanto a nossa mente como um bom show de televisão ou um concurso. Sabemos que as situações mais deprimidas economicamente florescem em jogos e casinos. Portanto, as eleições e a Democracia-ladra poderão continuar por muito tempo, como o banditismo ou a pirataria. Mas o que é que me leva a chamar «ladra» à Democracia? A Democracia rouba as nossas esferas privadas e põe-nas à votação, põe-nas no mercado e na Bolsa. Quem não trabalha, não está. Em vez do movimento de rotação e de translação da terra, a Democracia quer gerar a sua própria cosmogonia, os seus solstícios e equinócios, o seu próprio calendário. Um dia se compreenderá que um Ditador como Saddam Hussein também tinha os seus direitos, como o de partir para o exílio. Que um Tirano é também culpa de um Povo, de uma História vivida conscientemente. Que, muitas vezes não é apenas um que oprime, mas muitos, ou que a opressão de um nasceu como reacção à opressão de muitos. Um dia se compreenderá que o verdadeiro significado de Liberdade permitirá o convívio e a tolerância de formas de existência política que se não medem, nem podem medir, pela mesma malha, onde o caduco e o sonhador, enterrarão a escravatura. Um dia compreenderemos que alguns fascistas que pereceram heroicamente e alguns anarquistas que caíram do mesmo modo, apesar de inimigos, contribuíram com a sua derrota muito mais para a nossa Paz do que pensamos. Compreenderemos porque é que milhões de pessoas abandonadas pelo desleixo de uns ou exploradas pela arrogância de outros, pegam em armas em nome de Deus e preferem morrer em pé do que viver de joelhos. E a virtude desta crise horrível, desta época de perseguição é a de nos obrigar, como Humanidade, a gerar forças espirituais, para construir um Mundo em que o Rei antigo destituído, ou um Príncipe assassinado, ou ainda o selvagem incapaz de vender o seu bosque ou o seu bairro sem pegar em armas, possam todos coexistir. Porque a Vida são as forças todas que resistem à Morte mesmo aquelas que se não expressam.

André

terça-feira, 9 de junho de 2009

O tiro pela culatra


No rescaldo das eleições europeias, algumas leituras se podem desde já avançar:

1º Em todos os países governados por partidos socialistas/sociais-democratas, estes foram severamente castigados nas urnas (Espanha, Reino Unido, Holanda). Ao contrário daqueles onde forças políticas da área conservadora/liberal estão no poder. Portugal não foi assim excepção, no contexto da UE, onde a crise pesa a todos. O que significa que, embora a nova/velha cartilha da esquerda "histórica" tenha fustigado vigorosamente as forças "tenebrosas" do capitalismo e diabolizado os "neoliberais" como os novos dráculas - numa espécie de anti-semitismo não declarado, com bodes expiatórios e tudo - o eleitorado, que é quem decide, acabou por desmentir tais profecias agoirentas. Ou seja, a esquerda está a precisar urgentemente de rumo, de competência e de estratégia.
2º O rumo seguido por Manuela Ferreira Leite deu os seus frutos, numa altura em que as pessoas estão um bocado saturadas da política-espectáculo e de novo-riquismo tecnológico. Apesar do situacionismo na comunicação social e do clima de asfixia e atordoamento promovido pelas agências de comunicação ao serviço do governo. A propósito, registe-se o completo despropósito da SIC, durante a noite eleitoral, ao ter difundido um "estudo" da Eurosondagem, efectuado quatro dias antes, onde o PS aparecia como ganhador, no caso de as eleições serem legislativas. Bem fez António Barreto, ao não considerar a "sondagem" como motivo sério de debate.
3º A escolha de Vital Moreira como cabeça de lista revelou-se desastrosa para o PS, devendo os seus dirigentes retirar as respectivas conclusões.
4º Com menos de um milhão de votos, o PS obteve o seu pior score eleitoral de sempre.
5º Registaram-se cerca de 165 000 votos em branco, representando 4,64% dos sufrágios expressos. Ou seja, a sexta força política. Foram eleitores que não ficaram em casa, não foram à praia, não se demitiram, não se alhearam, nem sequer fizeram como o Georges Brassens, quando cantava que gostava de ficar na cama especialmente no feriado nacional. Quiseram expressar a sua descrença de forma lapidar. Não deixaram de, com toda a clareza, afirmar que não querem nenhum prato do ménu. "Deste" ménu partidário, entenda-se. Ao fim ao cabo, foi este o verdadeiro voto de protesto. Para o qual os políticos - com excepção de venerandas figuras como Almeida Santos e Ana Gomes, que já nada aprenderão - deveriam prestar a máxima atenção.
6º O crescimento do BE, devido sobretudo a razões circunstanciais e de oportunismo político. O que coloca algumas perplexidades quanto à futura governabilidade do país e ao número de deputados freaks no PE. Numa altura que a estratégia do padre Louçã irá ser a da "respeitabilidade" e da seriedade, acompanhando a condição de putativos comparsas do PS...
7º Embora Sócrates diga que não, mais parecendo que tudo isto não passou de um brainstormig destinado à reafirmação da "luta", o primeiro ministro está cada vez mais a prazo. E na corrida que aí vem, o tempo tornou-se para si um bem precioso. Não é a liderança partidária que saiu enfraquecida, mas a margem de manobra do seu Governo. Cuja legitimidade não se põe, naturalmente, em causa, mesmo com este voto de censura do eleitorado. Todavia, nada será como dantes.
8º A derrota clamorosa das empresas de sondagens perante a verdadeira sondagem: a ida ás urnas. Patético.

sábado, 6 de junho de 2009

Pó e botas velhas

Chang Kwai Caine deu-me a ideia, quando era mais novo, que, na violência da vida, há formas não violentas de resolver uma existência cheia de angústias. Mas a não-violência não é um impulso, uma coisa fácil, ou um entusiasmo. Implica esforço, renúncia, muita ajuda de fora de nós e de fora do nosso Pensamento. Assim, lembro-me de duas cenas do filme «Kung Fu», com o qual a personalidade de David Carradine se confundiu: uma em que ensina os pacifistas Mormon, que renunciaram a pegar em qualquer tipo de armas, a tirarem as armas aos agressores e outra em que, sentindo um desejo de carinho e companhia de uma mulher casada e sozinha, esse homem solitário e perseguido que Carradine representava, passando uma noite de insónia num estábulo, renuncia humildemente e conforma-se com o seu longo caminho de peregrino, despedindo-se na manhã seguinte, dessa mulher, com um gesto de paz, em que ambos sabem que têm de renunciar, deixando, ainda assim, mais um gesto de paz entre dois seres que são a Humanidade inteira. E lembro-me neste mundo do espectáculo e da expressão, em que nos esquecemos tantas vezes que as palavras se movem e ondulam como o nosso corpo, do sorriso sempre bonito de Cat Stevens, agora no rosto do velho Yussuf Islam, algures num disco que editou e onde repete muitas vezes «dust and boots, boots and dust».
E quando ouço alguém arriscar tanto numa Universidade do Cairo, vejo os limites das palavras. Todos as vêem mas, entre elas, como umas pedras do chão, algumas hão-de servir para construir uma barreirita contra o vento, ou para fazer um fogo na noite fria e não apenas para atirar à cabeça duma pobre somali, que, uma vez tendo sido violada por homens armados quando ia visitar a mãe, se queixou à polícia e foi acusada de adultério. E hão-de servir, para perceber que não somos todos iguais e que o nosso tempo nesta terra é como o trajecto de uma avião que não teve sorte, e que nem todos gostam de andar nus e talvez se sintam melhor com um lenço na cabeça que escolheram de uma longa tradição em que confiaram. É que a liberdade não me pode ser imposta, como uma não-violência violenta, que cada um tem o seu tempo e o seu caminho e que, como posso ser livre, se não confio naquilo que escolho e faço meu? E sei também que os que tentam conciliar interpretações de Deus tão diferentes, dum mesmo Deus que serve de desculpa para tantos entusiasmos violentos, se arrisca, com o seu bom coração, a tê-lo atravessado por uma bala, sem que nada tivesse mudado entretanto e o amor egoísta da multidão o esqueça depressa, trocando-o por um outro amor qualquer, em permanente excitação. Pelo que, depressa aquele que esteve no topo, entre palmas e foguetes, uma noite escura ficará sozinho e pedirá a Deus «Pai, afasta de mim este cálice… Mas se é essa a Tua vontade…». E, então, o avião Airbus, apesar da sua perfeição técnica, não se conseguirá mais levantar. Na noite escura, tão escura «qui nem é bom fálá», o meu coração duvida de Deus e o meu coração junta-se àqueles que, não crendo em Deus, são tocados pela loucura e pelo desespero, sendo guiados por um grito mudo ao Céu. Algures numa paisagem cheia de poeira onde «Kung fu» Caine volta a partir sozinho e perplexo, olho as minhas botas caminhando pelo pó. Yussuf Islam, Cat Stevens…reza por mim esta noite.

André

Stalker

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A carne é fraca

Como é habitual às sextas-feiras, hoje fui almoçar a um local, em Celorico da Beira, que funciona em regime de cantina. E onde só há, invariavelmente, dois pratos: carne e peixe. O sítio á agradável, come-se bem, é rápido e é económico. Pois bem, hoje a ementa era bitoque e carapau assado. Evidentemente que optei por dois sólidos espécimes do Trachurus trachurus, com molho à espanhola, umas batatinhas cozinhas und ein grosse grosse Salat. Quando me sentei, olhei em redor. Pois acreditem que, em toda a sala, era o único que tinha optado pelos carapaus! Tudo o resto era vê-los a deglutir o seu taralhoque com ovo e batatas fritas. Às tantas, já havia mesmo olhares suspeitos na minha direcção. O vinho (branco) tanbém não ajudava nada! Razões mais do que suficientes para me sentir um autêntico ET em horário de almoço. Até me apeteceu começar a fazer sinais esquisitos e emitir onomatopeias do outro mundo. Qual país de marinheiros, qual quê!? E o MEC a escrever livros sobre "a arte de bem cozinhar peixe em toda a banca"! Para quem, pá? Havias de estar hoje comigo a apreciar o panorama. Qual cozinha saudável e mediterrânica!!! Tretas para turistas!!! Qual nação de intrépidos nadegadores e bacalhoeiros!!! Dêem-nos mas é o bitoque e deixem-se de fantasias trendy!!!

Polling station

Para finalizar o tema eleições europeias, uma nota final. Foi preciso ler o jornal para ficar a saber que, na próxima legislatura, o número de deputados do Parlamento Europeu irá descer de 785 para 736; qual a arrumação das famílias políticas; porque é que vários deputados que integravam o o PPE formaram um grupo anti-federalista; como Cohn-Bendit apostou numa lsta ecologista europeia, que irá ser a 5ª força política; que há um candidato cipriota que quer criar pequenas cidades utópicas na sua ilha; que a extrema-direita foi a segunda força mais votada na Holanda, etc. Por cá, impera a inanidade intelectual, o lavar da roupa suja, o provincianismo e o grau zero no que ao debate sobre a Europa diz respeito. É pena que não se possam escolher candidatos de outras nações europeias para se votar. Gente com outros horizontes. E porque não? Se são eleições europeias, porque é que os cidadãos eleitores são obrigados a decidir só entre o que lhe é "oferecido" na ementa da casa? Entre a Ilda a recitar as novenas leninistas e o Nuno Melo a dar palmadinhas aos agricultores, venha o diabo e escolha. Entre um Vital a perder gás e a tentar branquear o Freeport com o BPN e um Rangel em serviços mínimos, cruzes canhoto. Um cardápio de trastes, talvez com excepção do Miguel Portas. Portanto, está decidido: vou "votar" no Kostas Kyriakou e nos seus falanstérios cipriotas.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Piratas


Pronto! Está resolvida a minha alergia a partidos políticos. Claro que vai haver um engraçadinho que vai comentar se a pomada do dermatologista fez efeito!... Anhanhnah! (riso sarcástico e complacente qb). Finalmente, descobri um partido que podia ser mas não é. Que não sendo, não podia deixar de ser. Que o seu encanto é não ser, mas poder vir a ser a qualquer momento. E se deixar de ser, é só para ser o mesmo de outra maneira. Tal como as grandes histórias de amor... Ladies and gents: apresento-vos o Partido Pirata Português! A resposta que as majors da indústria discográfica e respectivos enteados, como o Tozé e assim, andavam a precisar há muito... Estes senhores já nem com Xanax em doses cavalares conseguem dormir descansados, face às quebras das receitas da venda de CDs. Neste momento, estão por todas! Até mesmo chamar "criminoso" ao ministro da cultura, só porque afirmou que na net a circulação é livre. Para já não falar das propostas no sentido de os ISP suspenderem as contas onde houver "movimentos suspeitos" e a que já aqui fiz referência. Adiante. No programa deste movimento pode ler-se o porquê do seu aparecimento:

O Partido Pirata surgiu como um colectivo que visa mudanças nas leis de direitos de autor e no sistema de patentes. O objectivo foi o de tornar sagrado o direito de qualquer pessoa compartilhar cultura com seus semelhantes. Entendemos que compartilhar é um ato nobre por si mesmo - ele faz do cidadão uma pessoa digna, confiável e responsável. Vemos isso como um dos fundamentos de nossas liberdades individuais. Vemos também que as leis que regem a “propriedade intelectual” - termo contraditório em si mesmo - perderam sua função original, ao invés de permitir a partilha da nossa cultura com os nossos semelhante, servem para defender interesses económicos de intermediários da cultura e do conhecimento. Assim criou-se um sistema abusivo à natureza das coisas que permite monopolizar as ideias e criações humanas, sendo assim profundamente danoso à sociedade como um todo.Com os meios digitais, a única forma de impedir que violações aos direitos de “propriedade intelectual” é controlando as comunicações entre os cidadãos. A privacidade e a liberdade de expressão dos cidadãos são direitos humanos, assim como também são o direito à educação e a comunicação. Estes devem prevalecer contra qualquer direito de fundo económico, sobretudo privado. A nossa posição é firme e clara: compartilhar cultura não é crime. Nenhum cidadão pode ser considerado criminoso só porque teve acesso a um bem cultural através de partilha.

Pois bem, nada como falar bem e depressa para nos entendermos. Por favor, façam como eu e "votem" neste partido. Onde e como quiserem. Ao menos não tem saco azul, não gagueja e luta por bens essenciais. A cultura não pode ficar à mercê do mercantilismo.

Tiananmen - 20 anos


Ainda hoje não se sabe a dimensão do massacre nem o número de vítimas às mãos do Exército "do Povo". Os números divergem consoante as fontes. Isto apesar dos apelos da comunidade internacional e da oposição interna. O que não conseguiram foi apagar uma brisa de liberdade na China, tão efémera quanto trágica. A propósito, recomendo a leitura desta evocação de João Tunes.Justificar completamente

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Graffitis - 35


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Viver para contar

Acho que a Democracia é um erro, um erro monstro. E é-o por muitas razões, tantas quantas aquelas que achamos que deviam ser as coisas belas da vida e das quais desistimos porque achamos que nunca se realizarão. Por isso dizemos que a Democracia é o menor dos males. E esquecemo-nos de perguntar quem somos nós para dizer o que é o menor dos males. Não, o Povo não tem razão. Nós não temos razão. Morreram duas centenas de pessoas sobre o Atlântico. Temos a noção que foi um mal terrível. Será o menor dos males se não foram assassinadas por terroristas e se tivessem morrido sem dor. Não se pode dizer que ninguém sabe. Sabem mas não querem dizer porque destruiriam uma indústria que enche os bolsos a ricos e enche o prato a pobres e, pior, que mistura as pessoas todas umas com as outras, acabando com o racismo, dizem. Como se as pessoas não fossem diferentes porque estão ligadas a um certo lugar. Mas aqueles que precisam de enganar o mundo inteiro porque já ninguém acredita neles, no lugar onde nasceram, não param enquanto não impuserem a sua vontade ao mundo, enquanto não tiverem calado os outros todos. Eu já passei um voo assim. O meu avião entrou dentro dum furacão. A voz dos pilotos tremia. Eu estava sentado atrás e a fuselagem ondulava como uma barraca de palha. E, por cada ondulação o avião estalava com pancadas terríveis. Uma senhora com os filhos chorava. Os filhos perguntavam ao pai se iam cair. O Pai, corajosamente, berrava com eles a dizer uma coisa que não é verdade: que as coisas só acontecem aos aviões ao aterrar ou descolar. Ao meu lado, um veterano da Guerra colonial já deixara há muito de dizer que sobrevivera a aviões muitos piores quando fora transportado como soldado, para lugares onde alguns dos que sobreviveram ao voo, morreram em tiroteios, em emboscadas, ao calcar minas. Ao fim, em paz, depois de pairarmos sobre um mar calmo onde se reflectia a lua, os pilotos e as hospedeiras alinharam todos em silêncio, de chapéu na mão enquanto saíamos. Não se ouvia um zumbido. Como crianças grandes, deste pesadelo chamado Democracia, todos fugiram envergonhados, salvos mais uma vez, para as suas casas. E eu voltei a voar, a sofrer horrivelmente, a rezar à descolagem e à aterragem, a imaginar o meu Amigo Júlio Santos como um cavaleiro medieval, coberto de sangue levantando uma asa e um anjo enorme levantando a outra. Desfiz-me em fraternidade com os meus companheiros de viagem, tão diferentes, fui irmão, fui pai, fui filho, chorei, ri-me, sobrevivi para contar. Entreguei a alma ao criador, entreguei todos os meus bens, sonhei pela última vez com alguém que amei e que me não correspondeu, ajeitei como um anjo a roupa da cama à minha filha adormecida, troquei as últimas indicações de casa com a minha mulher de que me separei, afaguei a fronte do meu pai doente e da minha mãe sofrida. Disse ao meu irmão para não se preocupar e amei sinceramente, sem dúvidas, a Humanidade inteira. Vi Jesus estendendo os braços sobre o Mundo. Vi Buda sorrindo no Sol, senti os braços de Alá segurando o Universo que me rodeavam. Sobrevivi. Mas uma sociedade que assassinou estes passageiros todos duma forma tão bárbara sobre um lugar tão frio e inóspito que só uma certa raça de gente, e não qualquer um, a pode percorrer, não vou perdoar. A Democracia, a Técnica, a soberania absoluta dos votos e da liberdade de expressão, não são o melhor dos possíveis. A Democracia que dá a Soberania a nós todos, retirando-a a tantas coisas que existiram e existirão além de nós, não é o menor dos males. É o maior mal dos menores. E lembro-me de um ditado chinês com milhares de anos: nascer e morrer numa aldeia, ter acordado dias sem conta com o latir dos cães da aldeia vizinha. E nunca a ter visitado. Não sofremos já todos demasiado para nos tratarmos delicadamente, com carinho, com Amor, como se o nosso Próximo fosse o último?

André

terça-feira, 2 de junho de 2009

Elogio de Marinho Pinto


Ao contrário do que alguns julgam, o problema não está em existir um Marinho Pinto, mas em não aparecerem mais figuras públicas com estilo semelhante. Para desgosto de trastes do regime como Júdices & Companhia. Os tais que sobrevivem à conta de pareceres pagos a peso de ouro pelo Estado, em regime de oligopólio. Esses sim é que são populistas. Desde a primeira hora que o estilo tonitruante e corajoso de M.P. me agradou. Tendo apoiado a sua lista em ambas as eleições a que se candidatou. Com a sua nomeação como Bastonário, não tenho dúvidas de que a esmagadora maioria dos advogados saiu beneficiada. Em detrimento da uma ínfima clique de sociedades de Lisboa e Porto, que são autênticas centrais de extorsão de dinheiros públicos e privados. É um homem que subiu a pulso, sem os tradicionais empurrões da nata estabelecida. Veio da província e conhece muito bem a realidade profunda da advocacia. Fora dos gabinetes alcatifados onde se cruzam juniors & seniors à maneira das séries americanas. Teve o "descaramento" de afrontar os ineteresses instalados dentro da própria Ordem, de que o caso paradigmático são os Conselhos Distritais. Estruturas que sobrevivem à custa no "negócio" da formação e das receitas dos estágios. Dispondo de orçamentos principescos, sem qualquer justificação face à actividade que realmente desenvolvem em benefício dos advogados. A sua "intransigência" já evitou que o Governo conseguisse fazer passar uma tabela de honorários do apoio judiciário que era uma verdadeira indignidade. Já conseguiu do Ministério da Justiça a pontualidade "possível" no seu pagamento. Já desafiou as estruturas corporativas ligadas às magistraturas (que não se devem confundir com o todo nem com cada uma das partes). Já falou na corrupção, numa altura em que ninguém queria levantar a lebre. Conseguiu calar, por instantes, esse desastre mediático chamado Manuela Moura Guedes. Em meu entender, só cometeu um deslize grave: teve a ver com o caso Freeport. Ao comentá-lo nos termos em que o fez, tomou claramente partido e denegriu os órgãos de investigação criminal envolvidos. O que é inadmissível por parte de um Bastonário.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O triunfo dos porcos

Lindo foi ver ontem na TV alguns adeptos da agremiação regional condenada por corrupção. Após terem ganho a Taça de Portugal, a única coisa que conseguiram foi, num acesso hidrofóbico característico, espumar de raiva. Ao mesmo tempo que gritavam SLB, SLB, seguindo-se os impropérios do costume. Esta gente não sabe sequer festejar uma vitória. Para isso, teriam que ter a consciência limpa, uma alegria espontânea, um regozijo descomplexado. Por outras palavras, uma joie de vivre que só se alcança depois de muito pedalar. Atributos esses próprios dos verdadeiros vencedores, como é sabido. O mais que conseguiram, no desiderato, foi mais uma exibição de ódio, de provincianismo e de ressabiamento. Ou seja, prestando vassalagem, ainda que inconscientemente, a quem realmente é grande. Há coisas que não mudam...