quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Exercício

"Convidado à força" é a última produção da Warner, A realização é de Juan Toino, argumento de Pablo Sánchez. Curiosamente, nota-se a identidade do produtor Erwin Loninger neste projecto. Que apesar de não apresentar o fascínio visual a que nos habituou, retrata um ambiente onde o sobrenatural e a realidade percorrem em paralelo por entre o enredo. Todo o argumento permite diversas perspectivas, desde as mais crentes às mais apreciadoras de realismo, sem que com isso perca coerência e impacto para o espectador.

Não é, mas podia ser.

A casa (3)

 Fecha os olhos e abre-os: / Não há ninguém nem sequer tu próprio / O que não é pedra é luz

 Entre as pétalas de argila /nasce, sorridente, / a flor humana.

A luz não pestaneja, / o tempo esvazia-se de minutos, / um pássaro deteve-se no ar.

Ser poeta

Erram os que me consideram poeta, pois não o sou, infelizmente; e erram os que me consideram poeta, porque o sou, infelizmente.

Aforismos, Teixeira de Pascoaes, selecção e organização de Mário Cesariny 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A casa (2)

 Ao fechar os olhos vi-me: / espaço, espaço / onde estou e não estou.

 O poema ainda sem rosto / O bosque ainda sem árvores / Os cantos ainda sem nome.

Duma palavra à outra/o que digo desvanece-se./Sei que estou vivo/entre dois parêntesis.

A fronteira

Há duas fases bem distintas na existência do comum dos mortais. Na primeira, crê-se que as regras são constrangimentos que oprimem. Na segunda, sabe-se, de ciência certa, que elas existem para nos libertar. Refiro-me, naturalmente, às regras enquanto padrões culturais, mais do que normas legisladas. Sendo que, aquelas cuja convicção de obrigatoriedade é mais poderosa, resultam de uma sageza e de uma rotina de polimento negociada através dos tempos. De modo a que, na maior parte das vezes, surjam em contextos com funções e sentidos bastante diferenciados. Percebi também que, perante a evidência, só há duas atitudes possíveis:
1. A sua deposição não concertada, num dado momento, a que se segue a correspondente substituição por uma "nova ordem" redentora. Pelo menos, para as vanguardas esclarecidas, é claro. Como se a narrativa da História que sustenta tal praxis se resumisse a uma longa marcha até ao seu fim, ao fim da História.
2. Ou, então, perceber que essas regras tem elas próprias uma marca genética, a que se poderia chamar caducidade latente. Actuar sobre as regras significaria uma de duas coisas: apressar-lhe o prazo de validade ou, sendo possível, validá-las enquanto forma para uma situação política e social distinta. Mudança que, sendo impossível sem a subsistência da muitas dessas regras, nunca aconteceria a partir delas.
Escusado será dizer que, no primeiro estádio referido, encontramos o marxismo, o fascismo e seus derivados e subprodutos. Trata-se de uma fase embrionária da acção política. Na segunda fase estão os que, como eu, não ignoram que a liberdade é uma filigrana que requer o cuidado de muitas gerações. Precisamente porque esse trabalho, humilde e verdadeiramente audacioso, poderá nunca ficar concluído.

A casa (1)

 Pessoas, palavras, pessoas. / Duvidei um instante: / a lua no alto, sozinha.

Vivem a nosso lado, / ignoramo-los e ignoram-nos. / Às vezes conversam connosco.

Não o que pôde ser: / mas o que foi. / E o que foi está morto.

  Nota: e assim dou início à publicação neste blogue de um portefólio dedicado à minha velhinha casa. Excepto quando assinalado, os textos são excertos de poemas de Octavio Paz.

Pecado original

Muitos participaram nas habituais transumâncias estivais de e para as ocidentais praias lusitanas, durante os meses de Julho e Agosto. São manadas e manadas entupidoras do comércio, da areia, da paciência, das estradas, dos mercados, das ruas, dos cafés, dos serviços, do sossego. Há quem chame isto de férias... Alguns já declararam mesmo, para os devidos efeitos, o fim do Verão. Talvez porque se sintam ainda aquém da Taprobana. Ou porque quiseram transformar o fim do "seu" Verão numa categoria universal. Tudo hipóteses (de trabalho), é claro. Seja como for, está aí à porta o magnífico e inspirador mês de Setembro. Propício a delíquos poéticos, caminhadas redentoras com a vieira a orientar, longas exposições aos tons dourado-acastanhados pré outonais e leituras a propósito. O mês onde, como bem notou Eugénio de Andrade, "tudo estava calmo / céu, lábios, areias...". A demora convém ser longa. Sem esquecer uma passagem furtiva pela vinha, ou pelo pomar. Espreitar a sua úbere e perfumada generosidade. Trincar a maçã. Dar graças por esta trégua momentânea entre os homens e Deus.

Stalker


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mãe

Faz hoje um ano que a minha mãe se foi deste mundo. Nada do que possa aqui dizer mudará esse facto, ou afastará esse vazio. Por isso, limitar-me-ei a passar de novo o que no dia da sua morte escrevi. Sabendo talvez que estas palavras me hã-de escrever para sempre.

Uma mãe não é só a árvore de onde brota a seiva. Não é só a luz que teima em brilhar no fundo da escuridão. Não é só o amor/combate. O amor que nunca chega tarde. O amor tantas vezes desperdiçado. Tantas vezes deste reino e, por isso, de outro mundo. Tantas vezes vagueando pelas áleas pejadas de folhas outonais e sorrindo pelos prados primaveris. Tantas vezes estendido como um lençol tão grande que a nossa alma nunca irá abarcar. Tantas vezes uma rendição incondicional sem vencedores nem vencidos. Uma mãe é a única lição conhecida. O discreto esplendor da delicadeza. O farol que guia e mesmo apagado não descansa. O poema que uma vida não basta para escrever. E todas as lágrimas não chegam para lembrar.

Fructidor


18 de Agosto a 20 de Setembro

domingo, 21 de agosto de 2011

A imagem íntima da luz...

Representamos o objectivo e o subjectivo, a quantidade e a qualidade, o número cardinal e o ordinal, a desordem corpuscular e a música das esferas, a fatalidade e a liberdade. Representamos tudo isso, num cenário sólido, líquido e gasoso. E, por isso, comemos, bebemos, e respiramos; - três virtudes do fôlego animado, porque muda o que come, em sensações, o que bebe em sentimentos e o que respira em ideias claras ou obscuras, conforme é límpido o ar ou enevoado… É de sólida origem a sensação; o sentimento é já de origem fluídica; e, então, o pensamento é só cor azul ou imagem íntima da luz…

Aforismos, Teixeira de Pascoaes, selecção e organização de Mário Cesariny

Nota. neste mês estive em Amarante, terra-natal do poeta. Foi impossível visitar o solar da família. Como compensação, pude "visitar" algumas obras do pintor Amadeo de Souza-Cardoso, no Museu Municipal com o mesmo nome.

A toalha de campanha do gajo


terça-feira, 16 de agosto de 2011

O meu querido mês de Agosto

As festarolas de aldeia (e não só) que por aí pululam em Agosto nesta enormíssima província... Ora aí está um belo tema para abordar. Abordar? Confesso que esta palavra, com curso legal no eduquês e na preguiça disfarçada de escolês com trejeitos de erudição, me deixa fora de mim. Ei malta, 'bora abordar??? Ó Raquel, deixa-me colocar mais acima, para abordar melhor a tua orografia! Ora agora abordo eu, ora agora abordas tu... Pronto, já chega! Neste desiderato, só conheço um tipo de abordagem. Essa sim, um caso sério. Ou seja, o seu uso em contexto náutico. Imaginem então a selvajaria e inpiedade de um assalto a um navio por flibusteiros como Calico Jack, Capitão Kidd, Anne Bonny, ou Henry Morgan. Vá lá, não façam cerimónia com a a imaginação. E digam lá se, neste quadro, a palavra abordagem não adquire o seu legítimo e pleno significado... Ah, mas estava a falar de quê? Pois, as festas "populares" de Verão. Confesso que, sobre o tema, há muito pouco a dizer. Ou se há, eu ou alguém já o fez com acerto. E não me apetece adiantar seja o que for a propósito.

Proporção

Quanto mais estranhos, mais íntimos

Aforismos, Teixeira de Pascoaes, selecção e organização de Mário Cesariny

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Stalker


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Três


Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.

Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda,
de que me valerei, se alma não val?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

Sá de Miranda


Nota: e pronto, para fechar o tríptico, nada como um grande poema de amor

Outro

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos"

De volta

Eu estou só

Eu falo de quem fala de quem fala que estou só
Eu sou apenas um pequeno ruído eu tenho vários em mim
Um ruído amassado gelado na intersecção das ruas
despejado no pavimento húmido aos pés dos homens
precipitados correndo com as suas mortes
À volta da morte que estende os seus braços
Sobre o relógio sozinho respirando ao sol.


Tristan Tzara, in "L'Homme approximatif"