quinta-feira, 27 de maio de 2010

O strogonoff de seitan e tofu do gajo

Basta!

O "Diário Económico" anuncia que Passos Coelho está próximo da maioria absoluta. O afilhado de Ângelo Correia tem assim o caminho aberto. A mim nunca me apanharão neste corropio. Não gosto de quem é apoiado pelo Menezes de Gaia, pronto! Parece um freak show para atrasados mentais! O rapaz é lavadinho, penteadinho, preparado para o baile de finalistas da paróquia. E mais, parece ter a lição estudada antes da prova oral. O problema é que o mundo real requer muito mais do que um rapaz aprumadinho e da escolinha dos partidos. É preciso alguém com convicções, com grandiosos defeitos, caramba! Mesmo que risíveis!  Com um nó da gravata mal feito! ... Estamos fartos de menininhos dos partidos! Já chega!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sonhar é preciso (4)

Um lugar

Um lugar. Onde nenhum. Um tempo para tentar ver. Tentar dizer. Quão pequeno. Quão vasto. Se não ilimitado com que limites. Donde o obscuro. Agora não. Agora que se sabe mais. Agora que não se sabe mais. Sabe-se somente que saída não há. Sem se saber porque se sabe somente que saída não há. Somente entrada. E daí um outro. Um outro lugar onde nenhum. Donde outrora dali regresso nenhum. Não. Lugar nenhum a não ser só um. Nenhum lugar a não ser só um onde lugar nenhum. Donde nunca outrora uma entrada. Dalgum modo uma entrada. Sem um só além. Dali donde não há ali. Por lá onde por lá não há. Ali sem de lá nem dali nem sequer por onde.
Samuel Beckett

Sonhar é preciso (3)

Jogo de cintura

Uma das características principais dos mistificadores, muitas vezes confundidos com os sonhadores, é quererem, à força, ver nas coisas o que lá não está, nem nunca estará. Arrastando os outros nessa vertigem. Muitas vezes o engano só serve para a composição da paz interior, para o sossego da própria mente. As consequências do facto, comprovadas pela História, são devastadoras. Pelo contrário, os verdadeiros sonhadores, um pouco como os piratas, são terrivelmente pragmáticos. Ou seja, distinguem-se por verem nas coisas o que já lá está, mas os outros ainda não viram. "Roubando" descaradamente a percepção aos que os rodeiam, para depois distribuir o saque e repartir a ambição. Todavia, se nessa matéria estamos conversados, noutro desiderato contíguo é mais difícil a arrumação. Refiro-me à tendência para vermos nos outros qualidade e atributos que não têm. Justamente para ilustrar um tese ou rendilhar uma mentira útil. Só conheço uma coisa ainda mais nociva:  conseguir ver nesses outros unicamente os seus defeitos e limitações imaginários, mas não descortinar os reais.

Sonhar é preciso (2)

Percorrendo a blogosfera

Calcorrear a blogosfera é uma fonte de surpresas. Algumas delas têm vindo a ser aqui divulgadas regularmente. Acontece quando o desejo de partilhá-las com os leitores voa mais alto. O que nem sempre coincide com a oportunidade. Nesse lote, incluo tendências, sinais, padrões. Vejam-se então dois casos:
1. Sucede com alguma frequência abrir um blogue e apanhar imediatamente com o som ambiente com que o autor ou autores decidiram brindar o visitante. Não me parece ser essa uma boa prática. É como inundar a casa de decibeis sempre que se recebem visitas, sem passar pela cabeça que estas podem preferir o silêncio. Se a partilha de escolhas musicais fizer parte do perfil do blogue, tal como desejado pelo seu autor, existem soluções alternativas: colocar um ou vários plug in, seja do You Tube ou em formato Quick Time, iniciados por exclusiva opção do visitante; colocar ícones a apontar para rádios em streaming; colocar simples links direccionados para os conteúdos propostos, etc.
2. No "segmento" da blogosfera a que chamo intimista, noto amiúde uma enorme confusão entre intimidade e memorialismo (este mais confessional). No primeiro caso, pespega-se com uma prosa poética semi-melada, normalmente com destinatário certo. Coloca-se umas pitadas de onirismo de estufa, à mistura com uns avanços "sexy hot" e fotos "de partir o coco". No vocabulário, abunda o "tu", "azul", "corpo", "beijo", "esta noite", "muro", "escaldante", "verão", "sonhos", "ao teu lado", etc. Aqui vai um exemplo : quero conseguir ouvir-te murmurar o meu nome. e tu, consegues ouvir-me? não me deixes partir. sempre te segurei na tristeza de não conseguires ver-me. e...se me trouxesses aquele mar de outrora e eu encontrasse o teu joelho como que por acaso...renasceriam braços e olhos de encantamento para apertar fraquezas, sentir-te tremer e ver-te dormir. depois dum dedo num canto da minha boca. Que tal? Devo dizer que a menção ao joelho me transportou ao célebre conto "Alma Grande", de Torga. Espero que não haja nenhum "abafador" metido na história... Ora, a marca que separa as águas, meus amigos, é muito simples: mandar postais com feromonas ou viajar em voz alta. Desenrolar a língua pelas palavras, estendê-las à mercê de uma vaidade viscosa, embuçada, ou então soltar a serpente pelas palavras, outras, ser mordido, morder, espantar, ilusionar, ir atrás, com a cobra na mão, sobreviver às estações fatais, enquanto alastra a silenciosa desordem das células... Snake snake, aí vai ela...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sonhar é preciso (1)



Há uns dias atrás, chegou-me, via Facebook, um felicíssimo artigo de Desidério Murcho, no portal "Crítica na Rede", relativo à última  biografia da prolixa autora, Looking for Enid (2007), de Duncan McLaren. Convido-os à leitura do comentário, onde a certa altura se pode ler: 
"Na literatura de aventuras aprende-se a ser um ser humano como os seres humanos seriam se não fossem palermas. Aprende-se a alegria da amizade e da descoberta da realidade, aprende-se a ignorar o que faz dos seres humanos seres mesquinhos e desinteressantes, social e psicologicamente. Aprende-se a ter uma atitude contrária à da maior parte das pessoas: aprende-se a ousar resolver os problemas que nos aparecem pela frente, ao invés de criar problemas que resultam de disfunções e ansiedades psicológicas e sociais"
Não diria melhor. E logo um misto de adrenalina e nostalgia me levou a desenterrar um dos tesouros mais bem guardados da minha biblioteca: a colecção completa dos cinco!!! Cujas aventuras irão ser nesta série convenientemente relembradas, uma por uma. Trouxeram a lanterna?

Stalker

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Trabalhar faz calos

O JN publicou uma reportagem efectuada nas extensas plantações de morangos do litoral entre Mira e a Vagueira. Ficámos a saber que, dos 100 portugueses enviados pelo Centro de Emprego, só um aceitou. Em seu lugar, trabalham os tailandeses, já habituados a estas andanças... É a vida! O Rei morreu, viva o Rei! Para tarefa tão árdua, talvez ajude a proclamada flexibilidade oriental, de que beneficiam as colunas vertebrais. E que isenta os seus possuidores das incómodas escolioses e outras maleitas. Por falar nisso, não há uma palavra que o Dr. Louçã execra?  Suponho que furibundo com esta "exploração" de mão-de-obra estrangeira a baixo custo. Ora deixa cá ver se me recordo do tal vocábulo: flexi... flexi... conselheiros de bem estar no trabalho... formação... dinamarca... ando perto...flexi... ah, acaba em ança, qualquer coisa assim. Bom, vou investigar... Entretanto, fiquem com as declarações de um dos empregadores entrevistados:

"Todos os anos temos dificuldades em arranjar trabalhadores para a época alta. Pedimos e o Centro de Emprego reencaminha cerca de 100. Só que, depois, metade não aparece e o resto vem com atestado médico a dizer que não pode ou tem um impedimento qualquer. Eu preferia ter só trabalhadores portugueses, porque há tanto desemprego no país mas penso que será uma questão de mentalidade, as pessoas preferem ficar em casa a receber do Estado em vez de meterem as mãos na terra".

sábado, 22 de maio de 2010

A receita

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Borges onde quer que esteja

El cómplice

Me crucifican y yo debo ser la cruz y los clavos.
Me tienden la copa y yo debo ser la cicuta.
Me engañan y yo debo ser la mentira.
Me incendian y yo debo ser el infierno.
Debo alabar y agradecer cada instante del tiempo.
Mi alimento es todas las cosas.
El peso preciso del universo, la humillación, el júbilo.
Debo justificar lo que me hiere.
Soy el poeta.


Jorge Luis Borges

Keirósz veio ver a neve

Já antes não tinha qualquer razão para apoiar o grupo recreativo da federação portuguesa de futebol, escolhido pelo clarividente Keirósz, para satisfazer as clientelas clubistas do costume. Todavia, agora veio o toque de Midas final: o grupo foi estagiar para a Covilhã. E querem saber porquê? Pasmem: o excelso ar de montanha e a altitude. Então e esses atributos não existem com maior abundância aqui pela Guarda? E não há cá um excelente estádio e bons hotéis? Enfim, muitos interesses se devem ter movido para que este grupo de ilustres desconhecidos (com excepção dos consagrados, é claro) tenha escolhido tão "altas" paragens para o seu tirocínio.

PS: já tenho bandeiras da Argentina, do Brasil A, do Uruguai, da Holanda e, agora, também da Espanha. Neste caso, conhecidas anteontem as escolhas de Del Bosque, vamos ter no torneio uma equipa de sonho. Onde jogam, imaginem... os melhores do seu país.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pradial

(20 de Maio a 18 de Junho)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ser grande é assim...

"mirad...el Benfica es grandissimo...ayer estava yo tomando una copa en el centro de Paris con mis amigos...quando de la nada irrumpe una gran fiesta...mas de 18000 personas en los Campos Elyseus celebrando un titulo de Liga q se habia ganado en Lisboa...a q es de locos no...es grandissimo este club...yo soy frances y en Paris ni la celebracion del Marseille se assemeho a esta del Benfica...me he quedado petrificado...es q es impresionante...No me admira qdigan q son los mas grandes del mundo."

Comentário publicado no jornal AS

O gajo armado em Nosferatu

A azia em revista

A aposta em Saviola faz lembrar a do ano anterior em Aimar: jogadores que já tiveram nome e que por isso são pagos caro e com elevadíssimos ordenados, mas que há vários anos não passam do estatuto de suplentes de luxo em Espanha.
Miguel Sousa Tavares, 7 de Julho de 2009.

(…) não vejo ninguém [no plantel do Benfica], nem o Luisão, que desperte o interesse de um clube disposto a pagar dinheiro que se veja (…). Eu, pessoalmente, não quereria, para o plantel do FC Porto, um só dos que constituem o do Benfica. Um só.

Miguel Sousa Tavares, 30 de Junho de 2009, referindo-se ao plantel do Benfica da época anterior, que incluía nomes como Di Maria, David Luiz ou Cardozo...

O Benfica, quando bem pressionado no meio-campo, torna-se frágil.
António Tavares-Teles, 23 de Setembro de 2009.

Adivinho, pois, um Benfica crescentemente impaciente, para dentro e para fora, a protestar contra tudo e todos quando as coisas não lhe correrem de feição e convencido, como de costume, que lhe basta alinhar vedetas como Aimar ou Saviola ou outras tidas como tais, para que o mundo lhe caia aos pés e todos se disponham a prestar-lhe vassalagem.
Miguel Sousa Tavares, 30 de Junho de 2009.

[Jorge Jesus] (…) estreou-se no comando dos encarnados com um empate frente à modesta equipa do Sion. (…) Relevante não foi (…) o empate frente aos suíços, mas as declarações de Jorge Jesus, após o jogo. Disse ele que vai ser muito difícil «travar este Benfica». Porquê, é que não entendi: por que razão uma equipa que, mesmo com todas as desculpas e atenuantes, tinha acabado de ser travada pelo Sion, há-de ser muito difícil de travar… por um FC Porto, por exemplo?

Miguel Sousa Tavares, 14 de Julho de 2009.

O Benfica em grande euforia. O novo treinador está satisfeitíssimo e confiante, e garante que ninguém será, doravante, capaz de travar a sua equipa. Os adeptos rejubilam com as boas novas, os jornalistas excitam-se com as exibições e encantam-se com Jesus e com a sua prosápia. Tudo isto é habitual e vulgar. Afinal, é preciso vender jornais, há seis milhões de almas que desesperam por boas notícias e, mais não seja para sairmos da crise, não se lhes pode retirar a esperança durante os meses de verão.
Rui Moreira, 17 de Julho de 2009.

(…) há, no mínimo, algum exagero relativamente às conquistas encarnadas. Uma nota para o Sporting, que tem sido muito desvalorizado mas conseguiu, para já, o seu primeiro objectivo a caminho da Liga dos Campeões. Paulo Bento tem sabido concorrer com menos argumentos e, por isso, tenho a certeza que a sua equipa estará, certamente também, na corrida ao título nacional.
Rui Moreira, 7 de Agosto de 2009.

(…) a equipa [do Benfica] parece acusar o esforço prematuro do princípio da época.
Rui Moreira, 18 de Dezembro de 2009.

Durante muito tempo, achei (…) que, com túnel ou sem túnel, o Benfica merecia ganhar este campeonato, porque era a equipa que melhor jogava (…). Mas a verdade é que um campeonato não são 15, nem 20, nem 25 jornadas: são 30 e o saldo final deve-se fazer às 30. E, no último terço do campeonato, desapareceu aquele Benfica que jogava mais e melhor. 
Miguel Sousa Tavares, 11 de Maio de 2010.

(…) para grande irritação de alguns portistas, reafirmo, uma vez mais, os elogios que tenho feito, desde o início da época, ao futebol jogado pelo Benfica.
Miguel Sousa Tavares, 23 de Março de 2010. Ou seja, já durante o último terço do campeonato.

Fonte: blogue "Vermelho"

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Os malefícios da azia

Efuméride ano 3

Vamos agora às coisas realmente sérias. Claro que isto "les importa un rábano", como dizem os nossos parceiros de península. Mas acontece que hoje faz três anos que deixei de fumar. Essa é que é eça, já lá dizia o queiroz. De resto, a hora é de júbilo. Por todas as razões. A estimulante data justifica, além disso, que recupere o que aqui escrevi há um ano atrás. Boa sorte!...

Improptus interruptus

quevaco promulgou a lei que. olha os esponsais a registar-se, a apanharem com arroz! ó carolino, ó ai meu bem! cromossomos iguaizinhos. é dos regulamentos, já se sabe. a lei que permite. essa grande potestativa. o solo desbragado das uniões sacramentadas. tiroliroliro, ó ai meu bem! os banhos anunciados. a natureza em toda a sua glória. passando ao lado. louçamente. que corropio! as muitas e mais que muitas desvairadas gentes. as muitas várias pessoas. dos mesmos sexos. respigadores da certidão. ou  mesmo diferente. ou o contrário. ou do mesmo. mas com músicas diferentes. corram, marias rapazes! é de lei. oh, que saudades da pipi das sardas. perna ao léu, costureirinhos! avante, raparigos! que o sol e tal. sim, a pipi das meias mais que altas. tão altas que tocam o cume de um registo. a lei que assim. quevaco levita. não quer confusões em casa de pobre. e não é que tem razão?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Tásse

The soundbites delusion

Pelo que tenho lido em alguns locais, desde comentários nos media convencionais até ao Facebook, alguns querem reduzir a questão da espiritualidade a uma espécie de engraçadismo escolar. Ou, amparando-se na citação das headlines de autores como Richard  Dawkins, a uma colecção de máximas. Curiosamente, há cerca de dois ano e meio, fiz neste mesmo blogue um comentário alargado à sua obra mais conhecida, "The God Delusion". Na altura, publiquei também um excelente vídeo onde Dawkins expõe as suas teses sobre o assunto. Basicamente, Dawkins propõe-se desmontar a argumentação de S. Tomás de Aquino sobre a existência de Deus e as teses dos criacionistas, de que o princípio do desenho inteligente é exemplo maior. Seja como for, muitos se esquecem da obra de Dawkins até hoje mais polémica: "O Gene Egoísta". Na altura em que o li, foi uma autêntica pedrada no charco. Na sua defesa intransigente do evolucionismo, Dawkins vai muito longe, identificando-se com algumas teses do chamado darwinismo social. E sobretudo deitando por terra aquilo que tomamos como exemplos de elevação sentimental, o altruísmo dos pais em relação aos filhos, etc. De tal forma que o livro foi, na altura em que saiu, bem mais demonizado do que este. Compreende-se porquê. Abolir Deus é bem mais fácil de aceitar, numa sociedade que perdeu a noção quotidiana da transcendência,  do que a ideia de que os nossos padrões de humanidade são determinados pela competição de genes que querem produzir e ver bem sucedidas réplicas viáveis de si próprias. 
Sobretudo nas sociedades urbanas e industrializadas, a dimensão espiritual da existência é hoje crescentemente assumida enquanto construção, individual certamente, mas também personalizada. É um composto que reúne contributos plurais, mas orgenizando-os num único sentido. Esta tendência, levada ao limite, já se tornou numa caricatura consumista ou num sucedâneo da auto-ajuda. Seja como for, não é com o engraçadismo reinante (o mesmo que levou um humorista da praça a fazer um insuportável trocadilho entre a nuvem de cinzas vulcânicas e os fornos crematórios dos campos de concentração) que se deve brincar com algo simplesmente humano.

Alta velocidade

terça-feira, 11 de maio de 2010

Acerca do ópio para o povo

E pronto, depois do Futebol, já só falta falar de Fado e de Fátima para compor a tríade revivalista, que muitos entendem ter sobrevivido na Democracia. Mas de Fado não me lerão por aqui uma linha que seja. Prefiro ouvi-lo, simplesmente. De preferência, em locais pouco recomendáveis. Sobre Fátima, coloco-me tão só no terreno da História. Outras paragens são escorregadias e invioláveis. Seja como for, não creio que a trilogia signifique hoje o mesmo, ou tenha o mesmo peso que já teve. Para já, importa dizer que, tirando as décadas de 1830 e 40, quando as principais reformas liberais liquidaram o Antigo Regime, nunca o país mudou tanto e tão depressa como nos últimos 30 anos. E essas mudanças abrangem muito mais do que simples grandezas estatísticas... Mas será que esta transformação deixou intocados determinados sistemas de representação colectiva, de que a tríade é o exemplo máximo? A resposta, a meu ver, não é linear. E aqui, socorro-me de um comentário que já deixei noutro local, sobre o mesmo assunto. É que o cerne do problema não está nessas manifestações, mas na forma como são instrumentalizadas. Todos os regimes e sistemas políticos necessitam de signos (uma estética, uma linguagem, uma narrativa, um conjunto de representações simbólicas) que o legitimem. Todos, sem excepção. Até as democracias. E um pouco  forçado apresentar a tríade dos 3F como uma criação exclusiva do Estado Novo. Fátima nasceu antes, como uma reacção do país rural contra os desmandos anti-clericais da 1ª república, a profunda crise económica e política que se deu após a nossa entrada na Grande Guerra e a síncope moral que esta infligiu. O Fado é muito, muito mais do que a canção oficial do Estado Novo. Sobra o Futebol. Trata-se de um fenómeno universal, um ersatz da agressividade e da competição, que assim ganharam um meio pacífico e viável de se expressarem, sob forma lúdica. Também há quem veja em certos momentos de bom futebol a inteligência em movimento. Mas essa análise ficará para depois. Foram instrumentalizados pelo Estado Novo? Sim, mas podia ser de outra maneira? Não conheço nenhum regime - do espectáculo concentrado ou difuso, utilizando a terminologia de Debord, ou noutra perspectiva, pré-industrial ou hedonista, segundo Pasolini - onde esse tipo de apropriação não tenha acontecido. Acabei de ver o magnífico documentário "Fantasia Lusitana", de João Canijo. Através dele, percebi que a gigantesca encenação que o Estado Novo criou de si mesmo, recorrendo à recomposição fantasista dos mitos do passado para serem projectados no presente, não foi sequer original. A originalidade, no contexto delicado e apocalíptico da II Guerra, foi ter transmutado a nossa insignificância numa grandeza oficial tão solene quanto ecuménica. Espectáculo para dois públicos distintos, é bom dizer-se: internamente, capaz de insuflar um orgulho desmedido num país pobre, atrasado e infantilizado. Para o exterior, criando a imagem de um oásis de paz, tolerância e universalismo. Uma neutralidade festiva, um arranjo floral para que as potências beligerantes, julgando-nos loucos simpáticos e exóticos,  nos tomassem tão entretidos com a sua celebração que, por decência, ou talvez por compaixão, não nos interrompessem o desfrute desse delírio. Por falar em tríade, creio que a outra bem conhecida - Deus, Pátria, Autoridade - talvez se aproxime mais da verdade para definir o Estado Novo. 
A máxima dos 3F foi pois uma espécie de adorno omnipresente no cenário do Portugal dos Pequeninos, criado pelo regime para se amparar e justificar. A melodia certa para a canção com que o país foi embalado durante meio século. Mas foi só isso, um instrumento.  Na democracia, por razões óbvias, está muito longe desse desiderato. Aqui, cada um dos vértices tomou caminhos diferentes. A religião transformou-se progressivamente numa questão privada e o laicismo tornou-se uma realidade inquestionável. O Papa movimenta multidões, não enquanto expressão de fé, mas como puro espectáculo. O Fado ganhou merecidamente a condição de género musical nacional (embora não oficial), enriquecido com novas experiências e contributos díspares, que só a liberdade tornou possível. O Futebol, por sua vez,  veio a ser um exemplo de sucesso da indústria do entretenimento, de acordo com um modelo empresarial e com a utilização intensiva dos media. Mas tornou-se também palco para reivindicações políticas locais e regionais. Impôs uma redoma à sua volta, que o protege da fiscalização dos poderes constituídos, criando assim uma espécie de imunidade, onde impera uma lógica de funcionamento diferente do resto da sociedade. Mas se, no caso do futebol, se pode falar com propriedade em instrumentalização pelo poder, ela é mais visível a nível local. Juntando no caldeirão as relações com o sector da construção civil, temos uma  mistura explosiva. Mas onde as diferenças se fazem notar com maior acuidade é nos meios financeiros que o futebol movimenta. Sobretudo nos clubes de topo, passou-se de um modelo associativo para as SAD, onde os activos financeiros, os direitos televisivos e o merchandising são determinantes. Portanto, se no Estado Novo o Futebol foi convenientemente utilizado pelo regime para fins propagandísticos e domesticação da natural conflitualidade, na Democracia aparece como um fenómeno de massas incontornável, um espelho da sociedade, incluindo o seu lado perverso.

A palhaçada

Keirósz, a inefável marioneta de conhecidos e tenebrosos interesses clubistas, acaba de anunciar, urbi et orbi, os 24 eleitos (saindo um) que vão viajar para África do Sul. Se dúvidas houvessem em relação à sua incompetência e falta de carácter, ficaram agora dissipadas. Veja-se a lista com atenção. Tirando meia-dúzia de consagrados, não tem ponta por onde pegar. Daniel Fernandes (quem é?) Ricardo Costa, Zé Castro, Duda? Como é possível Quim, Carlos Martins, Nuno Assis e mesmo Moutinho ficarem de fora? O que é isto? Uma brincadeira de mau gosto? No meu caso, e no de milhares largos de portugueses, a vida até ficou bastante facilitada. Ou seja, os escrúpulos que ainda havia em apoiar outras selecções findaram de vez. Por razões diferentes, espero que a Argentina, o Brasil A e a Holanda consigam ir longe. Quanto ao grupo recreativo da FPF, que aproveitem para passear no Parque Kruger, pois não vão ter tempo para mais...

Doze moradas de silêncio



hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
na ladeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das
chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
descalças
hoje

Al Berto

As línguas da poesia

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domingo, 9 de maio de 2010

Os grunhos do Braga atacam

Um grupo de adeptos do Sporting de Braga vandalizou, hoje, a Casa do Benfica, na Avenida da Liberdade, em Braga, tendo retirado do seu interior uma águia embalsamada que foi queimada perante o gaúdio dos presentes. Ler aqui a notícia completa.

Calma ó bimbos. Imitar os boxos amiguinhos ajeiteiros do féquêpiê não é para qualquer um!... Xua xantidade bem aí para bos abenxoar, ó grunhantes. Espeiro támbêm (esta gente nem português sabe falar)  que Bento bos abxolva. Por mim, podem continuar a ser abençoados pelo Prof. Marcelo. Que há-de explicar também como na teoria geral do Direito Penal se pode apreciar a justificação apresentada para o vandalismo e analisar a palavra gáudio do ponto de vista semântico..

Campeões!!!


Uma vitória suada, mas indiscutivelmente merecida. Eis o que se pode dizer sobre a conquista do 32º campeonato. O mérito vai repartido em doses proporcionais para Jorge Jesus, atletas e Direcção, que tantos erros cometeu no passado, mas que este ano soube fazer as apostas certas. Uma vitória, como se viu, capaz de unir, em Portugal e no Mundo. Que não foi pretexto para balcanizações, para colocar territórios e cidadãos uns contra os outros, como joguetes de mentes doentias. Comemorada com arrebatamento e júbilo, mas sem violência e, sobretudo, sem ódio. Para o ano, cá estaremos de novo. Tenho um orgulho indescritível em pertencer a esta enorme família.

sábado, 8 de maio de 2010

A grávida, o filme em 3D e o marido dela

Uma mulher de 38 anos garante que engravidou depois de ver um filme pornográfico a três dimensões, na companhia das amigas. «Um mês depois de ver o filme, comecei a sentir enjoos e o resultado está aí», afirmou ela. Este parece ter sido o melhor argumento que encontrou para explicar ao marido, que esteve um ano numa base militar no Iraque, que tinha tido um bebé na sua ausência… negro, apesar de o casal ser caucasiano.
«Não vejo porquê desconfiar dela, até porque os filmes em 3D são muito reais e, com a tecnologia de hoje, tudo é possível», declarou o marido, que assumiu a paternidade da criança.
Agora, Jennifer diz que vai «processar o cinema e os produtores», considerando que está satisfeita pelo marido acreditar nela e saber que é «fiel». 

Não, não é mais uma rubrica da série "crimes exemplares", ou uma gracinha retirada do "Inimigo Público". A fazer fé na notícia do Diário Digital, o episódio  é, ao que parece, verídico. Mesmo que completamente inverosímil. Apurados os factos, sobram algumas conclusões e uma pergunta:

1º O actor do filme em 3D não era caucasiano e não era o anjo Gabriel;
2º A gravidez não foi totalmente histérica;
3º O marido tomou "umas coisas" no Iraque para aguentar este decisivo esforço de guerra;
4º Os filmes pornográficos em 3D são uma pouca vergonha.  Já imaginaram se começam a nascer rebentos de avatar nas maternidades?
5º Fez muito bem a putativa mãe virtual em processar os autores do filme. Espero que não se esqueça de processar também o desvairado actor que saiu do ecrã de pau feito.
6º Será que as amigas também engravidaram, ou os respectivos maridos são um bocadinho menos crentes no poder das novas tecnologias?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

A resposta

Esta semana, durante alguns dias, vou ter por cá uns amigos holandeses. Estive a pensar no que lhes hei-de dizer quando me perguntarem qual o meu posicionamento político. Depois de ouvir o discurso de Manuel Alegre hoje na formalização da sua candidatura à Presidência da República, descobri imediatamente o que haveria de responder: sou republicano, laico e não renego a minha família (política, entenda-se)! Voilá! No meu íntimo, e conhecendo razoavelmente bem a História recente de Portugal, estas designações soam-me a um bom título para um filme de terror. Mas lá que vou fazer um figurão, isso é dado assente... Claro que eles me vão perguntar a seguir porque é que Portugal está nos saldos no mundo financeiro mundial... Bah,  mas isso são peanuts!...

Lido

À falta de anticlericalismo popular, há agora uma nova forma de anticlericalismo intelectual de parte da esquerda « fracturante ». Enquanto não houver um Papa que seja mulher, lésbica, negra, de preferência não crente, e que vote nos EUA no Obama, os Papas, em particular este, são alvos preferenciais. E este acirra os ânimos de forma muito especial porque é branco, alemão, conservador, teólogo, e conhece bem demais a impregnação da doutrina cristã pelas variantes na moda desde os anos sessenta de « progressismo » esquerdizante.

Pacheco Pereira, no "Abrupto"


Stalker

Tiros no escuro

Segundo uma notícia recolhida no portal oficial da GNR,  na Escola EB 1 de Felgueiras, durante esta madrugada, um assaltante foi atingido com dois tiros quando "se preparava para invadir" o estabelecimento. O autor dos disparos foi o respectivo vigilante, que utilizou uma arma sem para isso estar autorizado. O assaltante foi posto em liberdade, depois de ter recebido alta no hospital onde foi assistido aos ferimentos numa mão e na perna esquerda. O funcionário da escola "continua detido", após ter sido "indiciado pelos crimes de posse ilegal de arma e de excesso de legítima defesa".
Já vi publicadas algumas indignações a propósito do tratamento que as autoridades (entidade policial que fez a detenção e Ministério Público) estão a dar ao caso. Compreendo vagamente que, para o cidadão comum, a solução encontrada remeta para a ideia recorrente de que "os inocentes é que vão para a cadeia e os criminosos continuam à solta". No entanto, no caso concreto, importa esclarecer as razões que, em meu entender, impedem qualquer tentação justicialista:
1º Ao contrário do que decorre da notícia referida,  a legítima defesa é uma figura consagrada na lei penal unicamente como causa de exclusão de ilicitude. Consequentemente, o seu "excesso" não pode ser nunca um tipo específico de crime. O que significa que, para além da detenção de arma proibida (prevista e punida no art. 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas), o vigilante foi, ao que presumo, indiciado pelo crime de ofensa à integridade física. Que será grave se se considerar, no que ao caso interessa, que foi criado perigo para a vida do ofendido.
2º Por outro lado, embora a  expressão "excesso", aplicada à legitima defesa, seja consagrada na lei, a meu ver cria uma tautologia desnecessária. Ou seja, a legitimidade nasce da adequação e da proporcionalidade do(s) meio(s) utilizado(s) para afastar a agressão eminente. E das duas uma: ou essa legitimidade é admitida, considerando a lei que a idoneidade da defesa afasta a ilicitude do acto praticado, ou não existe de todo. Qualificá-la de excessiva parece-me pouco rigoroso. Mais correcto seria usar a expressão "excesso de defesa". A língua portuguesa agradeceria. Seja como for, a figura está prevista no art. 33º do Código Penal. Onde funciona exclusivamente enquanto circunstância atenuante relativamente à culpa, e já não como causa de exclusão da ilicitude. O que significa que o autor, sendo condenado pela agressão, na pena aplicada seria certamente tida em consideração a circunstância "quase-desculpante" que determinou a  prática do crime.
3º Quando se refere no comunicado que o vigilante "continua detido", acrescenta-se, mais à frente, que será  presente, ainda hoje, ao juiz de Instrução Criminal. Para acalmar algumas consciências mais exaltadas com esta "injustiça", devo dizer que, a haver alguma alteração a este quadro, por hipótese, seria a realização dessa diligência amanhã. Algo que estaria perfeitamente de acordo com a lei. Passo a explicar. Segundo o artigo 254º, nº 1 do Código de Processo Penal, no caso de detenção em flagrante delito, como foi certamente o caso, o detido deverá, no prazo de 48 horas, ser confrontado com uma de duas hipóteses: a) ser julgado em processo sumário, se ao crime não correspondesse pena superior a 5 anos (ou, sendo superior, o MP entender, no caso concreto, que a pena aplicada não devesse exceder esse limite); b) ser presente ao juiz para o primeiro interrogatório judicial e eventual imposição de medida(s) de coacção. Não tendo informações em contrário, parece ter sido esta última a situação verificada. 
4º Por outro lado,  há uma razão adicional para a detenção do vigilante se ter efectuado e mantido. Vamos supor que, pelo crime de ofensas à integridade física, não se verificaram os pressupostos para a detenção em flagrante delito: crime praticado ou acabado de praticar e, neste caso, tendo o agente sido perseguido ou encontrado na presença de evidências claras do seu cometimento (cfr. art. 256º do Código de Processo Penal).  Mesmo nesse caso, é bom dizer, a detenção mostrou-se perfeitamente caucionada pela lei. Isto porque, quanto ao crime de posse de arma ilegal (e ainda aqueles que, sendo cometidos com arma, são puníveis com prisão),  determina o art. 95º-A da citada Lei das Armas que haverá sempre lugar à detenção em flagrante delito. Com as consequências já referidas. 
5º Por último, resta apreciar a situação processual da vítima e alegado assaltante. Refere a notícia que se "preparava para invadir" o recinto da escola, no momento em que foi atingido. O que significa, numa interpretação literal, que a haver crime, seria, quando muito, considerado na forma tentada. E de que crime se trataria? Em meu entender, unicamente o de "introdução em lugar vedado ao público", previsto e punido no art. 191º do Código Penal, pois a descrição do tipo é a que mais se adequa às circunstâncias conhecidas. Ora, sabendo-se que a tentativa só é punível nos casos em que a lei expressamente o determinar e não sendo este um deles, não poderá o "intruso" ser incriminado pela prática de qualquer ilícito.  A não ser que se prove que, no momento em que foi surpreendido, já se encontrava no interior da escola. Consequentemente, cai pela base o fundamento principal para a sua eventual detenção. O que significa que a sua situação processual se resumirá à condição de ofendido, podendo assim constituir-se como assistente.

Publicado no jornal "O Interior"

sábado, 1 de maio de 2010

Dador benévolo

Ontem, mal cheguei a Lisboa, fui logo ao IPS cumprir a metade de um ritual bi-anual desde há uns tempos a esta parte: a dádiva de sangue. Até porque o meu é de um tipo especial, sendo compatível com qualquer outro. O que torna a coisa ainda mais interessante. É como oferecer a um amigo no aniversário uma garrafa de Cardhu em vez de um "corriqueiro" Vat 69. Seja como for, estes actos médicos convém serem feitos em local adequado e ao abrigo de surpresas. Experimentar ser dador de sangue na Guarda é uma experiência alucinante:  supondo que, por obra e graça do Espírito Santo,  conseguisse acertar numa das raras ocasiões onde a unidade móvel se digna visitar estas paragens, um gesto tão secreto que todos ignoram as respectivas datas, imagino ainda que logo acorreria algum político sorridente, colocando-me à frente uma ficha de inscrição no PS...