quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Omo lava mais branco

A nova grelha de programação da Rádio Altitude acaba de ser dada a conhecer. No seu todo, afigura-se-me bastante interessante, ao conseguir chegar a vários públicos. Mas enferma de alguns problemas. É precisamente da opção mais controversa que aqui vou falar. Está previsto ir para o ar, todas as segundas-feiras, o programa "Politicamente Incorrecto", onde Abílio Curto e Marília Raimundo alternam naquilo que é anunciado como uma "leitura muito própria da actualidade" e "sem cerimónias". Nem queria acreditar! Mas o que terá ainda Abílio Curto que dizer aos seus conterrâneos, ao auditório da rádio? Será que se perfila para uma espécie de nobilitação senatorial? Um novo senhor comendador? Mais um "comentador" que utiliza informação privilegiada para ajustar contas antigas, ou recorre a boatos para criar cortinas de fumo? Um prof. Marcelo em versão pimba, sem brilho, sem mundo, sem livros, sem dimensão cívica. Chega! Chega de Curto! O maior (mas não o único) responsável pelo terceiro-mundismo urbanístico que vigorou na Guarda durante duas décadas, pelo trágico atraso que se abateu sobre a cidade, pela perda de oportunidades, pela deslocalização de investimentos, pelo clima de caciquismo, pelo empobrecimento humano, cultural, paisagístico, pela desqualificação, pela criação de clientelas eleitorais e outras, que ainda hoje sobrevivem, como tentáculos. As contas com a Justiça fazem parte de uma outra história, de que não me ocuparei aqui. O que me interessa a mim e o que interessa aos cidadãos em geral e da Guarda em particular, é a responsabilização política de Abilio Curto e da rede de interesses partidários e económicos que o apoiaram e graças a ele floresceram. Para que determinados erros nunca mais se repitam. Mas essa operação de saneamento básico, inexplicavelmente, nunca foi feita. Talvez à espera que a memória não cobre juros. Ou que a magnimidade seja confundida com fraqueza.

Soneto da Batalha

Da noite que tudo leva, num sorvo
Do peito que estala e se destroça
Sai o vazio transformado em corvo
Voa para longe e olha-nos com troça.

Os aldeões, do orvalho estremunhado
Desenterram os escudos ferrugentos.
Juntam-se, por instinto, em quadrado,
De frente para os quatro ventos.

O Homem não nasceu p’ra guerrear
Pois a Morte vem mansinho, não avisa,
E o menino chora e chama pela mãe.

Sangrando o aldeão, filho do Mar
Espera a tempestade numa brisa
Mas não olha para trás. Não há ninguém.

André

Camellia sinensis (2)

Eis a parte nobre, o crème de la crème, digamos assim, do cardápio de chás deste vosso criado. O qual gostaria de apresentar aos leitores. Através de uma espécie de visita guiada, tão breve e sugestiva quanto possível. A acompanhar, nada melhor do que a degustação de uma chávena de Houjicha japonês, um tradicional chá verde torrado, muito suave. E enquanto a água vai aquecendo e, depois, arrefecendo até aos 85º, vou apresentando algumas das jóias da coroa: um sensacional Lapsang Souchong chinês, chá preto fumado com sabor a madeira perfumada; um Chá dos Beduínos egípcio, bebida aromatizada com menta e que bem podia ser o tal do deserto; um chá vermelho Pu-Ehr, muito utilizado na medicina chinesa como "comedor" de gorduras, antioxidante e anti infeccioso; um Oolong da Formosa, a partir de folhas semi-fermentadas, i.e., com um teor de teína entre o verde e o preto, não muito conhecido no Ocidente mas muito popular na China e extremo oriente; uma infusão de erva mate brasileira, conhecida pelas suas propriedades energéticas; um Black Chai e uma infusão de alcaçuz egípcia, que combinam várias especiarias como o gengibre, a canela, o cravinho, a pimenta e o cardomomo, no primeiro caso com chá preto do Ceilão e rooibos (vermelho) da Africa do Sul; o Gunpowder Zhu Cha, em folhas de chá verde enroladas em pequenas bolas, utilizado na preparação do chá de menta; por último, o inconfundível Matcha Uji, uma bebida tradicional japonesa preparada a partir de pó solúvel de chá verde Gyokuro, que lhe confere um característico tom esverdeado, a "espuma do jade líquido", como era cantado pelos poetas. Existe um ritual específico na sua preparação, de que fala Kakuzo Okakura, em "O Livro do Chá". Brevemente aqui desenvolverei o tema. E já está pronto. Sirvam-se!

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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O entalanço

Num jardim situado ao longo da principal artéria da cidade da Guarda, existe uma singular edificação decorativa. Trata-se de uma espécie de réplica das conhecidas lápides evocativas, exudando nostalgia a pataco, erguidas no Penedo da Saudade, em Coimbra. O motivo principal é um verso gravado num pedaço de granito, colado a um informe e rasteiro barroco. A quadra é retirada da "Canção da Guarda", de Júlio Ribeiro. Para além da polémica havida na altura, por causa das gralhas do texto, ressalta a fealdade do monumento. A certa altura, no meio do lirismo ornamental e esclerosado do verso, (ainda) muito cultivado no nosso país pelos pequenos e médios vates, ressalta a expressão "entalada na monstra". Entalada onde? Ups! Embora tenha passado pelo local milhares de vezes, só recentemente, noite dentro, reparei na grotesca frase. Que podia dar o mote para um filme pornográfico, no segmento "bizarrias e fetiches".

Momentos Zen - 48

O objecto é um objecto para o sujeito, o sujeito é um sujeito para o objecto.

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terça-feira, 28 de outubro de 2008

Paperbacks - 6

Os macacos

O grande naturalista Franz de Waal estudou na segunda metade dos anos setenta uma colónia de macacos no Jardim zoológico de Arnhem. Outros o fizeram antes e outros o farão depois. Do relato ficam os nomes deles, Nikkie, Yeoren, Luit, Mama, Rosjie, Puits. Parece que, depois de Luit ter morrido, quando exibiram um filme antigo à macacada, de novo a “audiência” mostrou sinais de amor e ódio ao “ressuscitado” da tela. Puits gostava muito de Waal porque este lhe ensinara a dar o biberão ao seu macaquito, coisa que foi a primeira vez que tal se conseguiu em cativeiro. Ler aquelas páginas e ver as fotografias de animais tão individualizados faz-me sentir um assassino, quando matei por sadismo, um gatito, em miúdo. Os animais são gente. Todos os animais. E as plantas também. E as pedras que cantaram quando Jesus passou. E nós não somos macacos. Somos apenas outros, ainda surdos para perceber o que os macacos recordam de nós, ou os pássaros, embora a ecologia nos permita muito primitivamente ver o que elas, as pedras, pensam de nós. Mas uma coisa sabemos: é que, num instante, pode sair um leão, cá de dentro, ou morder uma serpente, ou emergir um crocodilo. Um destes dias, o tratador do ursinho Knut morreu de repente na banheira. Que terá o seu coração sentido dessa estranha sinfonia sem som que foi a sua cabeça encostada à do urso, para todos vermos? Que Espírito o levou?
Pelo menos uma coisa sabemos: não acreditemos muito nas imagens que fazemos de nós, porque elas podem turvar-se num instante. A noite pode trazer demónios, como a manhã trouxe anjos e, por isso, não desprezemos o devoto que reza continuamente. Aquilo que podemos dizer a uma sociedade quando a multidão nos ouvir entusiasmada, não pode ser muito diferente daquilo que dizemos à sombra obscura, na solidão, neste caminho tão longo, em que pouco somos mais que uma formiga, com jeitos de cigarra... peço ao céu que o Dalai Lama não revogue a sua política de infinita paciência.

André

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Ganda Chrome!


Descobri recentemente o Google Chrome, versão beta. Trata-se do primeiro browser do gigante da web, lançado na primeira semana de Setembro e também disponível em português europeu. Quando o usei pela primeira vez, pensava destiná-lo à estante das segundas escolhas que às vezes dão jeito, na secção dos browsers light. O que significaria que o Firefox continuaria de pedra e cal e o "canastrão" IE lá estaria para aquelas situações incontornáveis. Adivinhava uma chuva de críticas às imperfeições da nova plataforma, às falhas fatais, aos pormenores indesculpáveis. Pois bem, dois dias foi quanto bastou para mudar de ideias! É que o Chrome, contra todas as expectativas, passou com distinção! Por várias razões. A primeira é a dimensão considerável da janela de visualização. Depois, a apresentação gráfica é muito elegante, com animações e botões qb e uma funcional página inicial. O design busca a facilidade de utilização, acesso simplificado aos marcadores e às várias janelas abertas. Mas há duas importantes inovações que, só por si, justificam o uso do Chrome. A primeira é a possibilidade de abrir uma janela de navegação em modo "sem registo". Tal significa que a navegação através dessa janela não deixará quaisquer traços no computador, incluindo cookies. O que não quer dizer o mesmo que navegar anonimamente, pois nesse caso é necessária a ligação a um servidor proxy. A outra novidade é o facto de a caixa onde se digita o endereço da página pretendida funcionar também como motor de busca. O que, na prática, quer dizer que basta digitar uma ou dois termos de busca e o Chrome compõe imediatamente várias opções de endereços no scroll bar. Com a possibilidade de aceder imediatamente ao histórico que contenha a expressão digitada. No entanto, há duas notas negativas: 1º a inexistência de um corrector ortográfico integrado, à semelhança do Firefox. 2º a inexplicável ausência, por defeito, do botão que direcciona para a home page. Para figurar na barra de ferramentas, tem que se seleccionar expressamente essa opção nas configurações. Mesmo assim, uma coisa é certa: nunca navegar foi tão fácil.

Tábua de marés (6)


Quadrar a Roda
Concepção, encenação e interpretação: Jens Altheimer (http://leocartouche.com)
Pequeno Auditório do TMG, 17 de Outubro de 2008, 21h30

O espectáculo veio encerrar a edição deste ano do Festival de Teatro Acto Seguinte, que decorreu no TMG. O seu criador, Jens Altheimer, aliás, Leo Cartouche, começou a sua carreira artística como malabarista, no início dos anos 80. Altura em que também se iniciou no teatro de rua. E não foi impunemente. Mais tarde haveria de reunir estas duas formas de expressão artística num único conceito de espectáculo. Em 1987, fixa-se em Portugal, onde é professor no Chapitô e pioneiro do Novo Circo, de que a criação da “Sem Rede - Rede Nacional de Programação de Novo Circo” é um exemplo. O denominador comum das suas propostas é, como se disse, a busca de uma linguagem onde as técnicas do circo e do teatro se fundam, dando origem a espectáculos estimulantes. Na sua última produção, “Survivor”, fixou-se num único tema: um concurso televisivo. Nesse trabalho carregado de humor negro e irreverente, ao mesmo tempo trágico e cómico, consegue criar uma sátira às relações sociais baseadas nos níveis de rendimento dos indivíduos. Que, por sua vez, encaram os programas televisivos como o que é recriado na peça como referências supremas, relativamente à sua vida quotidiana. Pois bem, em “Quadrar a Roda” o autor reincide no objecto narrativo. Pretende igualmente promover uma crítica bem-humorada à arbitrariedade e ao absurdo, num universo onde as relações humanas estão cada vez mais mediatizadas por máquinas e sistemas telemáticos. Aqui, depois de várias peripécias, o protagonista entra numa área de acesso reservado, mas que também poderia ser a sua casa. E é imediatamente compelido a participar num jogo/concurso com várias fases e onde o grau de dificuldade vai aumentando progressivamente. Todavia, o herói consegue desenvencilhar-se sempre das dificuldades. Recorrendo, inevitavelmente, a uma habilidades operadas com maquinismos singulares, surpreendentes. Construídos a partir de vários materiais reciclados para a sua nova função. E onde o herói nunca deixa de ser uma espécie de Mac Gyver clownesco. Com uma solução pronta e engenhosa para cada novo desafio. Talvez o autor tenha querido ridicularizar o espectáculo na sua dimensão política. Os sinais estavam lá. Mas seria preciso mais. Porém, conseguiu atingir um objectivo artístico: Colocar em evidência a forma como a máquina atirou os indivíduos para fora do espaço natural onde constroem a sua humanidade. Como se deixassem de ser actores do seu próprio destino e de poder ler os objectos e maquinismos à sua volta, dos quais dependem. E assim ficassem diminuídos, padecendo de uma espécie de iliteracia técnica. Mas o autor mostrar que esse processo pode ser reversível. Graças ao seu engenho reciclador, a uma capacidade de improvisação que tem tanto de teatral como os artifícios expressivos têm de circense, Altheimer conseguiu repor o homem no centro. Afim de poder dominar os instrumentos de que se serve para viver. E para se divertir. Até porque tudo o que constitui o espaço cénico, maquinismos fixos e móveis, está lá literalmente para que ele se sirva deles. Num processo de reconstrução mútua. Noutro plano, já mais no que diz respeito à interpretação, pareceu-me que, por vezes, o autor abusou do circo e esqueceu-se do teatro. Nomeadamente, no prolongamento excessivo do malabarismo com as bolas. O que retirou algum ritmo ao espectáculo, mesmo que os danos fossem mínimos. Juntando malabarismo e manipulação de objectos ao movimento e interacção com o público, Altheimer abre a porta a um universo estranho e bizarro, e também muito pessoal, onde reinam o perigo, amor, ambição e riso, grandes falhas e pequenos triunfos. Sobre este trabalho, poderia concluir desta forma: Vamos ao circo? Claro! Vamos ao teatro? Também. E ninguém se enganaria.

Publicado no jornal "O Interior", em 23 de Outubro

Tábua de marés (5)


A 23”, Outubro de 2008
Revista trimestral
Director: Ricardo Paulouro
Edição: Associação Cultural A.23, Fundão




Desde o primeiro número que esta publicação me chamou a atenção. Por várias razões, como é costume dizer-se: o excelente grafismo, a variedade dos temas abordados, uma notável coerência editorial, o enfoque nos temas regionais e nas personalidades oriundas da área, mas sem impedir que o grosso da atenção vá para temas culturais nacionais e internacionais, fotojornalismo e reportagem/ensaio. A escolha sempre foi ampla, como se adivinha. Neste número, vários pontos altos poderei realçar. Começo pela notável série de fotografias de Paulo Nunes dos Santos recolhidas na Geórgia durante o recente conflito militar ocorrido naquele país. Imagens pungentes, onde o autor revela uma apreciável maturidade. Em seguida, chamo a atenção para a crónica de Rita Barata Silvério, autora e
blogger, cujos textos já tinha seguido com atenção na saudosa revista “Atlântico”. Este chama-se “Spain is different” e fala-nos da forma como deveríamos recolher ensinamentos da forma como os espanhóis defendem e promovem os seus produtos autóctones diante de Bruxelas. Assinalo também uma interessante reportagem/ensaio intitulada “O país sanitário visto do balcão da taberna”. Um exemplo das potencialidades do chamado jornalismo literário. Trata-se de uma incursão do autor por tabernas e similares do Fundão e arredores, com uma divertida arremetida por Ciudad Rodrigo. Na secção entrevista, aparece-nos Jorge Palma no seu esplendor. Uma peça onde o músico fala de si, sem rodeios, num plano temporal alargado. E onde tomei conhecimento de que, no seu último álbum, incluiu um tema, “A Velhice”, criado para uma sublime peça teatral a que pudemos assistir recentemente do TMG: “Começar e Acabar”, de João Lagarto, a partir de textos de Beckett. Uma nota final para uma reportagem de fundo sobre a história atribulada do Grémio Lisbonense (Jangada de pedra no naufrágio da baixa”) e, já agora, de uma receita de "Bacalhau com Broa". A qual já está, nesta hora, devidamente arquivada…

Publicado no jornal "O Interior", em 23 de Outubro

Que imagem para a Guarda?

Américo Rodrigues lançou o desafio urbi et orbi, no "Café Mondego": escrever um texto acerca da imagem da (para a) Guarda. Aí aproveita para traçar algumas das questões chave nessa apreciação. Pois bem, acabei ontem de me juntar aos que aceitaram o repto. O texto poderá ser lido aqui.

Ferida de Outono

Haider morreu e dizem que era homossexual. Também dizem de Hitler mas não dizem de Mussolini, nem de Estaline. Dizem de César. O delfim de Haider no Partido, disse que Haider era o “homem da sua vida” (Lebensmensch) e disse que mantinha uma relação com ele, “para além da amizade”. Antes de sair para morrer, Haider bebeu uns copos num bar “gay” depois morreu com dores horríveis no peito e no tórax, quando o carro capotou.
Pois bem...o mal de eu estar a falar nisto é que estava para começar por dizer aquilo que o bispo de Cantuária disse quando saiu a defender um padre acusado de ser “gay”: “eu próprio nunca soube bem a minha sexualidade, embora, quer os senhores telespectadores acreditem ou não, sempre levei uma vida casta”. Pois bem...o corpo, a alma e a afectividade de um ser humano são moldáveis. Até há quem ache que é normal meter-se sexualmente com meninos e meninas (pode ser na Tailândia), ou até com bébés, quem ache que matar e arrancar órgãos palpitantes ou até beber o sangue dos inimigos, é...não direi normal, mas é “natural”. Há quem diga que a situação faz o comportamento e conclua, que, no fundo, podemos ficar nos braços dum tal Fado, que “é assim”. Enfim, com Haider ou sem Haider, com Hitler ou sem ele, de repente estamos todos a falar daquilo que os mercadores de obscenidades dizem ser um direito do mercado. A confiança é a de que tudo é admissível porque o que é, “é assim”, é Lei. Nisto tudo se perdeu o Amor, o Amor do Coração, que é humilde e tudo suporta, o amor que ficará no fim dos tempos, quando a Fé e a Esperança morrerem. Agora percebo porque é que o baixito e ridículo fascista, Starace, que insistia em fazer crosses pelas ruas de Roma, tomada pelos guerrilheiros comunistas, quando foi preso, lhe perguntaram o que andava a fazer e disse tranquilamente: “Ia tomar um café”. E quando o levaram a reconhecer o corpo espancado do seu camarada Mussolini disse apenas: “ É o meu Duce” (vê-se agora porque é que alguns desesperados escreveram na parede contra a qual foram metralhados: “Dux, mea Lux”). Aos que se entretêm a assassinar Haider, em vez de o vencerem, também digo, de punho bem cerrado: “Vou tomar um café”. E quando o punho cerrado se estender ao sol de mão aberta vejam como um águia, atacada no ninho, levanta as asas.
André

NOTA: Sobre o assunto, ler também aqui.

domingo, 26 de outubro de 2008

Stalker

MEC de novo

Não queria deixar de partilhar com os meus leitores a audição da entrevista de Miguel Esteves Cardoso a Carlos Vaz Marques, no "Pessoal e Intransmissível", em 6 do corrente. A propósito do lançamento do seu mais recente livro "Em Portugal não se come mal", MEC fala de tremoços, de peixe e dos prazeres da mesa. Confessa-se um bom garfo, gosta de blogues, tem um baú com romances inéditos e revela que a sua única ambição é ser aprendiz de sábio. Imprescindível. Está aqui em podcast.

sábado, 25 de outubro de 2008

O grande equívoco

O mundo vai ficar muito mais incerto e perigoso se este homem for eleito como próximo presidente dos EUA. Sem qualquer experiência governativa, com um discurso vago, mas exaltante, este homem irá certamente ignorar a Europa. Um tele evangelista com a tenda montada tem conseguido ludibriar parte da América e quase toda a Europa bem pensante. Um escândalo. Eu bem sei que as pessoas precisam de ídolos. Mas que diabo, podiam fingir um bocado, ou começar a ler Arno Gruen. Os sinais de favoritismo já começaram: ao que parece, se Obama for eleito, ao que tudo indica, pretende nomear como embaixadora em Londres Oprah Winfrey, sua apoiante da primeira hora e uma espécie de Teresa Guilherme americana. Futuro? Esperança? Depois não digam que não avisei.

PS: à medida que a campanha avança, os alinhamentos dos opinion makers da casa nesta eleição vão confirmando a minha aversão em relação a Obama. Agora foi a vez de Júdice, - esse tarefeiro multiusos do regime, exemplo de coerência e honestidade intelectual, para quem Portugal "é um país de merdosos" (sic) - vir tecer loas ao candidato democrata. Há momentos em que as escolhas se tornam escandalosamente simples: se Júdice gosta, então eu não gosto. Ponto.

Ana

Ana, de 14 anos, matou-se outro dia, caindo da ponte do Freixo, no Porto. Dizem que a encontraram ao fim de dois dias, entre duas pedras e que a reconheceram pela roupa e pela”roupa interior”. Isto depois de dizerem que o seu corpo já estava em adiantado estado de decomposição. Ana tinha 14 anos e deixou uma carta ao ex-namorado e outra aos amigos em que agradecia a amizade que tinham tido por ela.
Eu sei que o Porto é vertical como um penhasco e que anjos lutam todas as noites e caiem do topo da Torre dos Clérigos. Sei que, como os cães continuam a percorrer o mesmo caminho nocturno onde agora passam auto-estradas, assim, quantas mais pontes, mais as ilusões de voo e a vertigem quando o crepúsculo se suja. É curioso que a Torre em Lisboa, que alguém mandou vedar, não se chame “Torre de Santa Injusta” e penso que o bondoso oficial da Câmara que deu a ordem de a segurar tinha, certamente, um coração que chora.O meu coração sangra. Ana, morreste em vão? Quem se preocupou com o teu coração de adolescente, a tua “roupa interior” de adolescente? Agora vejo o teu cabelo, penteado pela corrente negra do Douro e lembro-me da frase do Evangelho: “não há uma pedra onde o filho do Homem possa descansar a cabeça”. Ana, não estarás cá para mais esse dia de Esperança, quando rebentarem os foguetes por elegerem um jovem frágil para Presidente do país mais poderoso da Terra. Haverá outros dias de esperança e outras esperanças goradas, mas tu já não estarás cá. O meu coração continuará a sangrar, talvez tenha um dia de alívio da dor, imaginando que as pessoazinhas descartáveis como tu, Aninhas, bombardeadas por filmes, por ritmos como comboios de alta velocidade sobre a cabeça, com jogos de computador, drogas e navalhas, tenham um dia, em vez de um universal caixote do lixo, um bocado de amor. Um bocado de atenção que se faça sentir como um prado verde iluminado pelo sol, como a erva do chão – humilde pois toda a gente a pisa, e orvalhada de lágrimas – se faz sentir sob os pés nus, os pés de Jesus, roto e nu, ressuscitado dos mortos...

André

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Paperbacks - 5

A tarde de um escritor

«Os meus romances são muito meus. Não conheço nenhum autor que escreva os romances como eu os escrevo. (...) Sinto-me à vontade com qualquer género, o que importa é que eu e o leitor tenhamos prazer.(...) Desconheço o que seja o famoso bloqueio de escritor. Não estou a duvidar que exista, mas realmente nunca passei por tal experiência. Construo o livro na minha cabeça e o problema é os meus dedos serem suficientemente rápidos para acompanhar as ideias que fluem da minha mente.»

José Rodrigues dos Santos, em leite derramado numa entrevista ao DN online, conduzida por João Céu e Silva. Onde parará JRS?

Poesia às quintas


Prossegue a poesia, aos fins de tarde, no café-concerto da Comuna. Todas as quintas-feiras, o espaço acolhe um pequeno espectáculo (duração, 1h) com textos recolhidos e postos em cena por Carlos Paulo. Interpretados pelo próprio, Jorge Andrade, Mia Farr e Tânia Alves. Neste mês, o poeta escolhido é Guerra Junqueiro. Seguir-se-ão Raul de Carvalho e Camilo Pessanha. A música é de Diogo Branco. Às 19h00. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Preces atendidas - 29

Julia Roberts

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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Cinco, apenas cinco (5)

Atenção! Este post autodestruir-se-á após cinco tortas de azeitão.

Paperbacks - 4

Os Capitalistas

Eles comem tudo…chamam-lhes os „takers“, os que „levam“, tudo, nos mares do Sul. E não são os ricos, pois ricos e pobres haverá até ao fim dos tempos. São aqueles que vivem do consumir, do ter mais, do competir, dum novo poder a seguir a outro poder. Até os ditos anti-capitalistas, os de Esquerda, que gostam também de consumir e de Poder, gostam sobretudo de consumir a vingança e, quando põem em prática as suas teorias, à custa de muito fuzilamento e massacre, electrificam o céu, queimam os lagos e matam as florestas, põem todos a marchar, escravizam-nos até morrerem de exaustão. Ah, deixem a pobre macaca, gritar desolada com o seu filhinho morto no regaço, deixem o pobre infeliz com a sua grandeza à beira do penhasco.Por isso tenho tanta esperança em Obama. Levará um tiro como o doente Kennedy? É mais justo interromper uma campanha para ver a avó doente que por causa da crise das bolsas. Fossem todos os especuladores ver a avó e não estaríamos assim! Eu sei que não haverá Justiça no Mundo para os desafortunados, mas de vez em quando há Esperança que é o Domingo dos pobres. E gosto deste homem, frágil e bonito, que abre as mãos grandes como quem vai lançar uma bola de basquetebol, que vem dum meio pobre de vãos de escadas e pretas gordas, de soldados rasos do Iraque, de gente sem raiz, nem origem, de gente descartável, gosto da sua magreza frágil e do seu rigor emocional. Como um iluminado de Alá na África pelada, dos griots e dos sadus, com o seu nome de Hussein que morreu a proteger o filhinho, com a sua legitimidade de Príncipe, na batalha de Kerbala contra islâmicos mais espertos que ele. E gosto do seu nome Barack, que quer dizer “abençoado” em hebreu. Ôba!, Ôba!, Abba, Abba (Pai!Pai!), como cantam os filhos dos escravos na suas procissões de Sol, do outro lado do mar, onde foram naufragar. Preto e índio sou eu, preto do Mundo, índio do Mar, agora que vem o general vodu, disfarçado de preto, para apontar o cano dos senhores das armas ao crânio gentil e frágil de Obama. Esperança, sim, do povo “Jah” de chegar à Sião de ouro onde as forças do mal não têm força porque até Maomé disse que Deus deu à gente do Preste João 9 décimos da coragem do Mundo. Talvez tu, Malcom X, tenhas agora paz, que bem a merecias e nunca a tiveste. Oxalá!

André

Tábua de marés (4)

“A Festa”
Criação colectiva, a partir de texto de Filipe H. Fonseca, Nelson Guerreiro e Tiago Rodrigues. Interpretação: Cátia Pinheiro, Cláudia Gaiolas, Joaquim Horta, Marcello Urgeghe, Rita Blanco, Tiago Rodrigues e Tónan Quito
Produção: Mundo Perfeito e Teatro Maria Matos
Grande Auditório do TMG, 20 de Setembro de 2008, às 21h30

O espectáculo faz parte do “Festival de Teatro Acto Seguinte”, que decorre nos meses de Setembro e Outubro, no TMG. É a primeira produção – em regime de work in progress – originada a partir do projecto “Estúdios”. Neste caso, um conjunto de três workshops orientados por vários criadores, entre os quais João Canijo e o coreógrafo zairense Faustin Linyekula, a cuja notável criação “The dialog series: iii. dinozard" pude assistir no último “Alkantara Festival”. O projecto resulta de uma colaboração entre a estrutura teatral “Mundo Perfeito” e o Teatro Maria Matos, com a participação do “Nature Theatre of Oklahoma”. A propósito da metodologia usada nas sessões, diz-se na apresentação que “a equipa artística deste espectáculo explorou diversos processos de trabalho e desenvolveu vários fragmentos de uma obra teatral dedicada ao tema da festa”. Precisamente, a festa é um conceito essencial, um cenário utilizado pela dramaturgia ao longo dos tempos. Será que actualmente poderá ainda o teatro celebrar a festa? E que tipo de festa? Tudo depende da quantidade e da razão de ser da areia nos mexilhões. Passo a explicar. Em cena estão sete convivas no que se supõe ser um réveillon. Após um jantar que se crê pacífico, uma observação acerca da existência de areia nas amêijoas despoleta uma espiral de agressão e meias verdades, cujo desfecho se torna imprevisível. Progressivamente, os vários personagens vão-se desconstruindo, revelando traços de personalidade desconcertantes. Em vez da aguardada festa, instala-se o sarcasmo, o abandono das convenções, a perturbação por aquilo que não se diz e por aquilo que se diz mas não se julgava importante. Nem o álcool consegue amenizar o autismo que se instala. Tudo termina numa espécie de coreografia, onde cada um já só consegue repetir-se a si próprio. Um encontro verdadeiro como este passa por várias metamorfoses. Algumas de uma crueldade suprema. Recorde-se o notável filme homónimo de Thomas Vintenberg.

Publicado no jornal "O Interior", em 16.10.2008

Tábua de marés (3)


Esta exposição temática fecha um ciclo de 16, com início há precisamente 10 anos. Desde a primeira mostra do conjunto, o conceito original manteve-se: recolher e apresentar objectos, imagens, textos evocativos, materiais, testemunhos, reconstituições, instalações, evocativos do património, das tradições, das instituições, das personalidades, dos acontecimentos e das actividades com maior significado na vida da cidade e do concelho. Não esquecendo, evidentemente, o tratamento autónomo dado às diferentes freguesias. Tratou-se, em síntese, da recriação de universos representativos da memória local mais recente e determinante. Nesta mostra, destaco a variedade e a multiplicidade de objectos expostos, ao longo de quatro salas. Em algumas das 25 freguesias, a escolha recaiu sobre uma actividade económica com algum impacto (Meios, Maçainhas, Porto da Carne, Trinta). Noutras privilegiou-se o património (Valhelhas, Codeceiro, Sobral da Serra), noutras uma personalidade com significado local (Rochoso), noutras os utensílios de produção artesanal (João Antão, Pêra do Moço, Santana d’Azinha, Videmonte e Pêro Soares), ou de tradições diversas (casos da Ramela e Vale de Estrela), noutras a actividade agrícola (Marmeleiro, Rocamondo, Monte Margarida, noutras as obras de arte sacra ou popular (Codeceiro, Mizarela), noutras os objectos ligados ao culto (Panoias, Pega, Ribeira dos Carinhos, Rochoso, Seixo Amarelo, Vela), noutras ainda as tradições culturais (Pousade e Ramela). Os meus destaques vão para o fole, a bigorna e a tesoura de tosquia de João Antão, o conjunto de utensílios de tratamento e fiação manual da lã dos Meios, as vassouras de bracejo de Monte Margarida, os figurinos utilizados no Drama da Paixão, em Pousade, o moinho de pedra de São Miguel, a máquina das hóstias do Seixo, o prato medieval de Nuremburga (Valhelhas), os utensílios para o fabrico do queijo, de Videmonte, as facas do Verdugal e, claro está, os quadros da Maria Barraca.

Publicado no jornal "O Interior", em 16.10.2008

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domingo, 19 de outubro de 2008

Na morte de Jörg Haider

Vi-o de longe, uma vez, e uma outra, ao lado de Riess-Passer, a mulher que governou a Áustria, por vez dele, quando a União Europeia rechaçou o país. Parecia uma ave das montanhas que contempla o caçador antes de ser abatida, ou seja, de cabeça erguida. Tinha o nariz comprido de quem respira longe as mensagens odoríferas de ódio e amor que circulam no vento da estepe, de onde todos europeus, vimos. Era um populista, com orgulho. Era também um liberal, mesmo quando elogiou a política do trabalho de Hitler (certamente que não se referia ao trabalho escravo que a Imprensa se encarregou de extrapolar) ou quando foi a algumas cerimónias de veteranos da Guerra, que, na Áustria, incluíam ex-SS. Começou a sua carreira graças ao amigo/inimigo do socialista Bruno Kreisky, que era o liberal Ferrari-Brunnenfeld, graças a um Professor de Direito muito reaccionário e graças à fortuna do seu pai, que adquiriu muitos bens por um xelim, a um Judeu expulso. Mas nada disto determinou Haider. A verdadeira Democracia não é o argumento da maioria, mas o espaço para a diferença, a individualidade e a incerteza. Ao contrário de Kurt Waldheim, que escondeu o Passado, Haider só tinha futuro. Sempre “Peter Pan”, sempre criança, muito mais humilde e acessível do que se pensa, mas também macaco, fugidio e tenaz como um duende das montanhas. Os austríacos gostavam dele e, ser populista no país de Schubert, Mozart e Maria Theresa, é estar ao nível de um catedrático. Como há muitos mais heróis do que suspeitamos, Haider foi perseguido por toda a gente sem outro refúgio que uns copos numa cervejaria de Outono. Nem todos os heróis se contam entre os vencedores. Um dos mais belos poemas que li foi encontrado no bolso do peito de um pára-quedista alemão caído em combate, certamente com a “Edelweiss” na lapela, e que tem a cor dos regatos puros da montanha. No poema diz-se: “Dá-me Deus tudo o que resta depois de teres dado as certezas. Dá-me o nevoeiro”.

André

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Zincos

A convite do Galo, creio que mentor do blogue "Zincos", a partir de hoje sou mais um editor deste espaço aberto e promissor. Um ciberzincos herdeiro do outro, o que fez história, a escola da noite de três gerações, a caverna onde as sombras só apareciam à saída, enquanto a luz se ia cozinhando lá dentro, sim, o balastro ignidor, o tapume da inquietação, uma capela em honra da névoa que se quer antes mas não depois, uma capela escavada e não erguida, o lado B da cidade, a fábrica de aranhas, com um eco fantasmagórico de Tom Waits nas entrelinhas, o fumo embutido na BD do "Torpedo", lá atrás, o último copo que nunca era o último, o anúncio da festa, os maus hábitos e as falsas surpresas, esse mesmo, o tal. Ainda. "Olha, por cá? Quem diria?" Aqui.

Paperbacks - 3

Lido

Pedro Rolo Duarte, "A série Magalhães":

"se não tivesse nascido uma plataforma chamada “blog”, a nossa imprensa, rádio e televisão seriam hoje bem mais pobres, com os nomes e as caras do costume, enquanto um generoso numero de talentos andaria pelos cafés, pelas universidades e lá por fora a tentar rentabilizar o seu conhecimento e sabedoria. A oportunidade que o meio blog constituiu para a nova geração de jornalistas, comentadores, opinion makers, é algo de extraordinário..."

A água benta

As proclamações contra o neo-liberalismo (ninguém sabe ao certo o que isso seja) são um tanto perigosas. Quase tanto como o entusiasmo acrítico com a hegemonia dos fluxos financeiros globalizados pelo mundo inteiro. As convulsões do sistema assinalam o ponto onde ele deve ser melhorado e não posto em causa no seu todo. Transformar os "neoliberais" nos novos sacos de boxe revela uma grande imprudência. Uma vez que a promiscuidade e a condescendência da maior parte das autoridades nacionais e internacionais para com o o mundo financeiro e especulativo não permite indignações de encomenda, nem falsas surpresas. Se a célebre taxa Tobin já tivesse sido implementada, o comportamento dos agentes financeiros teria sido muito mais prudente. Por outro lado, é bom lembrar o case study chinês: um sistema onde coexiste uma economia de mercado atípica, porque sem regras de espécie alguma e oligárquica, com uma ditadura de partido único. A irracionalidade do sistema pode fazer aumentar vertiginosamente o PIB, mas causa desigualdades enormes e legiões de trabalhadores em regime de quase escravidão. Os que sofregamente agora descobriram os "judeus mais a jeito para bode expiatório", isto é, os neoliberais, deveriam pensar em qual o sistema económico que mais riqueza, bem estar e desenvolvimento, apesar de tudo, criou na história da humanidade. Ah, já sei, foram os planos quinquenais estalinistas!

Vanitas


Via "Cibertopicos", um blogue que já aqui apresentei, chegou-me esta pérola. Trata-se de um simples e eficaz sketch, em registo clownesco. Produzido pelo Circo Ripopolo para ser visionado num ecrã de computador. Cada um pode lá ver o que muito bem entender. Por norma, nestes números, divirto-me como uma criança. Aceder aqui.

Nota: quando clicar no link, não maximize nunca o ecrã. Deixe-o ficar no tamanho inicial.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Stalker

Notícias sem importância

Esta manhã morri. Não passei ao outro instante. O mendigo Jean não aceitou que eu lhe pagasse a Coca-cola, porque um mendigo também tem rendimentos. E vou lembrar-me da sua voz, misto de mel e choro de criança, misto de revolta e de S. João Baptista protestando num Deserto cheio de gente e de automóveis. Afinal a crise não arrastou os frágeis e os desprotegidos. Ficámos os mesmos. Tirou-nos apenas uma batida ao coração, e agrupamo-nos de novo, com a língua de fora, em frente ao Multibanco mais próximo. Tenho pena da Madonna e do Guy Ritchie que se vão divorciar, com queixas como as de toda a gente. São tão pobres como nós e a vida neles não dura mais que ao comum dos mortais. Guy Ritchie teve o gesto nobre de não reivindicar os milhões da mulher, nem esta de clamar os milhões dele. Nós, menos nobres, precisamos do dinheiro para viver. Precisamos de viver dignamente, de não viver da Tirania da Wall Street, de se o Governo corta mais ou menos as taxas, se os preços são mais ou menos controlados. Precisávamos sim de um pouco de verdade, de sinceridade em que cada um “desopilasse” e ao desopilar – coisa maravilhosa – descobriria que tinha aterrado numa praça onde todos os outros desopilavam. Não seríamos mais que os flamingos cor-de-rosa, ou os pardais numa árvore, tímido gorjeio de uma gota de água antes de vir a maré. Sim, tens razão, preto velho: nascer é duro, morrer é ainda mais duro. Serás capaz de amar entretanto?

André

Nota: o autor inicia aqui a sua preciosa colaboração neste blogue.

Paperbacks - 2

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Já falta pouco!

O Centro Comercial VIVACI, o maior investimento privado na Guarda das últimas décadas, sempre irá abrir no próximo dia 5 de Novembro, segundo notícia difundida pela Rádio Altitude. Para este novo (e polémico) espaço comercial, contribuiu um investimento na ordem dos 33 milhões de euros. Irá albergar 90 lojas, entre as quais uma livraria, 12 restaurantes, um supermercado e várias salas de cinema.

A feira

O caso vem relatado no "Grémio da Estrela". O inenarrável Carlos Pinto, presidente da autarquia covilhanense, conhecido por querer transformar a Serra num queijo...suíço, pretende arrasar uma mata com 3 000 sobreiros, na zona do Tortosendo. As árvores estão implantadas em terreno integrado na Reserva Ecológica Nacional e na Reserva Agrícola Nacional. E para quê, perguntarão? Pois bem, para construir um recinto para uma feira que se realiza uma vez por ano! Ler aqui a denúncia. A situação mereceu um comentário do edil nos seguintes termos: “de vez em quando vêem umas pessoas de fora, não se sabe de onde, com posições reaccionárias que é o que caracteriza essa associação” ou “a Quercus é um negócio e por isso tem pouca credibilidade na CMC”. (RCB). E porque não corrê-los à pedrada, como aconselhou o colega Ruas, de Viseu? Aliás, estão bem um para o outro. Numa eleição para o autarca flinstone modelo, não sei quem ganharia! Por falar nisso, então não é que Sarmento, presidente da câmara de Trancoso, se perfila para ser candidato à autarquia guardense? Socorro!!! Antes Ana Manso, mil vezes! Com caciques deste calibre, só há uma coisa a fazer: denunciá-los, sistemática e impiedosamente.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Paperbacks - 1

(clicar para aumentar)

Doclisboa 2008

cartaz
"Law and Order", de Frederick Wiseman

Entre 16 e 26 de Outubro, vai decorrer mais um DOCLISBOA - VI Festival Internacional de Cinema Documental. As apresentações serão repartidas, como é hábito, pela Culturgest e cinemas Londres e S. Jorge, a que se junta, este ano, a Fundação Oriente. Segundo a organização, os objectivos do certame são: "Mostrar ao público português filmes importantes e multi-premiados internacionalmente que ainda não chegaram às salas de Lisboa; Permitir uma reflexão mais aprofundada sobre temas contemporâneos e de actualidade; Dar a conhecer de forma mais sistemática a cinematografia de outros países; Organizar debates que mobilizem o público em torno de filmes importantes e de temas transversais, presentes em várias obras." Para além da secção "Competição Internacional", destaque para: as exibições especiais de abertura e encerramento, com os aguardados, "Z 32", de Avi Mograbi (2008) e "Maradona by Kusturica", (2008), respectivamente; uma retrospectiva da obra de Frederick Wiseman, um cineasta de culto, focado em temas políticos e sociais; "Riscos e ensaios", secção não competitiva que privilegia obras experimentais, "na margem", comissariada por A.M. Seabra; "Made in China", uma retrospectiva centrada nos últimos 15 anos de uma enorme produção de cinema documental naquele país, onde se afirmaram realizadores como Zhang Yuang, Jia Zhang-ke e Huang Wenhai. Um olhar fundamental sobre a China contemporânea.
Mais informações na página oficial do evento, onde poderá ser descarregada a programação em formato pdf.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Lido

Não podia estar mais de acordo com o Manuel, acerca de Herberto Helder:
"(...)sempre me agradou mais a sua prosa: considero
Passos em Volta um livro fundamental na minha vida – e sei o risco que corro ao utilizar o adjectivo. No entanto, não posso ficar indiferente a todo o aparato criado em redor de mais um livro seu. Na verdade não se trata de um novo livro: é uma súmula com alguns inéditos. Quem tiver Poesia Toda e Ou o Poema Contínuo tem os poemas de Herberto Helder quase na sua totalidade (e repetidos!). Mas a ideia que se passa ao leitor desprevenido – caso existam leitores desprevenidos de Herberto Helder – é que está na presença de um novo livro do poeta, quando na realidade isso não acontece."
Ler aqui o texto completo. E, já agora, uma excelente reflexão sobre o tema, de João Camilo.

U qui diz mulelo (3)

Tomei conhecimento, por terceiros, de que um obscuro blogue da Guarda, certamente com problemas de audiências, me "dedicou" um autógrafo e uma caricatura. Ups! E logo sem avisar! O autor teria sido um "fotógrafo" recentemente premiado, que não gosta de ver a sua "arte" criticada e de que já esqueci o nome. Demonstrado ficou agora que é também adepto do engraçadismo e da pulhice. Com o beneplácito dos seus comparsas "egitanos". Para a posteridade, a lembrança da sua credibilidade nula, enquanto cidadão e enquanto blogger.

Tábua de marés (2)

Nunca me Deixes
Kazuo Ishiguro
, Gradiva, 2005
Para além da aparente linearidade, ou do não menos aparente realismo deste escritor britânico de ascendência japonesa, esconde-se um romancista experimental. Não porque entendamos a sua obra como a do típico autor experimentalista, no sentido comum da palavra, mas porque ensaia novos modelos de narração para um dos seus temas fundamentais: a dor. Já em “Os Despojos do Dia” (1989) – obra que originou um filme homónimo de 1993 realizado por James Ivory – o autor colocou no centro da acção um dos cenários mais tipicamente ingleses: o romance de estratos sociais. Em “Os Inconsoláveis” (1995), propunha outra variante: o romance centro-europeu. E em “Quando éramos Órfãos” (2000) Ishiguro reuniu num só volume Poirot, Sherlock Holmes, Greene e Dickens. O resultado foi sempre o mesmo: romances de uma insuperável densidade emotiva, acompanhada de uma invejável sensação de métier, arte e inspiração, no momento da construção de um artefacto de ficção. A fórmula empregue nesta obra é a de um romance de antecipação. E se a tristeza que nos transmite o autor adquire esse contagioso lastro das experiências humanas absolutas, tal se deve a uma áurea de fantasia, de irrealidade, com que envolve os temas mais crus e incómodos. O timbre da ficção mais radical, compaginada com um tema humano de identificação imediata, é uma questão cuja resolução não é fácil. “Nunca me Deixes” emprega seres de carne e osso. Vemo-los muito próximos de nós, apesar da natureza infra-humana, irrealizável, com que estão construídos. A brevidade da existência destes personagens, a fragilidade das suas esperanças, as mentiras piedosas onde se sustentam, tornam as suas vidas ainda mais enfermas, se as compararmos com o esforço que têm que fazer para evitar saber o destino que os espera. Todo o romance decorre sobre uma miragem: há um internato, há pupilos que dão a aparência de aplicados alunos de um colégio convencional, há adolescentes que se enamoram, há instrutores. Mas cedo se tem a sensação que o próprio autor um dia assinalou com uma precisão cirúrgica: “O que mais me interessa no ser humano é a coragem daquele que se atreve a abrir a caixa secreta que todos guardamos no nosso interior, mesmo que saiba que pode aparecer algo deveras inquietante”.

Publicado no jornal "O Interior", em 9.10.2008

Tábua de marés (1)

"Ópera"
Concepção e interpretação: Tiago Guedes e Maria Duarte 
Música: “Dido and Aeneas”, de Henry Purcell, com libreto de Nahum Tate 
Pequeno Auditório do T.M.G., 4 de Outubro de 2008, 21H30

Trata-se da primeira apresentação no âmbito do festival Y #6, uma co-produção Quarta Parede/TMG. Esta proposta caracteriza-se essencialmente pelo seu ecletismo. No texto de apresentação fala-se mesmo em “espectáculo total”, embora o termo se refira com mais acerto à combinação equilibrada de linguagens – teatro, música operática e dança – do que a uma intensidade especial de uma delas. Mais o efectivo diálogo e conjugação entre diferentes noções de representação num mesmo espaço do que a uma arrumação pré-definida. O espectáculo é a adaptação coreográfica de "Dido e Eneias", de Henry Purcell, uma ópera barroca em três actos, a partir de uma ideia original de Tiago Guedes. Estreou em 24 de Julho de 2007, no espaço Negócio/ZDB, em Lisboa. A história do libreto conta-se em poucas palavras: retirada da Eneida, de Virgílio, relata os amores entre Dido, rainha de Cartago e o troiano Eneias, após este ter naufragado junto aquela cidade. No entanto, Eneias teve de partir, afim de fundar Roma, para grande desgosto de Dido, que se limitou a aguardar a morte. A música é pois um elemento omnipresente. A releitura das convenções barrocas não apagou algumas das suas marcas: os actores olham quase sempre para um plano superior, onde se situaria a corte. Nesses momentos, o seu rosto funciona como uma câmara fotográfica e um espelho: regista a luz e devolve-a, transfigurada. Umas vezes ausente, outras ganhando uma expressividade quase infantil. O acompanhamento mimético do canto é propositadamente exagerado, realçando a artificialidade da situação. No texto de apresentação, fala-se precisamente de “sucessão e sobreposição de artifícios”. Efectivamente assim é. Mas também não podia ser de outra maneira, uma vez que a estética de base – o barroco – se caracteriza precisamente pelo artifício. Basta pensarmos na solução híbrida, mas reconhecível, encontrada para os figurinos. Por outro lado, os actores raramente trocam os olhares entre si, mas quando o fazem é como se houvesse um curto-circuito momentâneo, após o que o interlocutor passa a ser o vazio. Daí ter-me ocorrido, por várias vezes, o desconcerto de algumas coreografias de Pina Bausch, a sua dilaceração irresolúvel. Creio que o ponto alto deste espectáculo é precisamente a sua ambição, bem sucedida, da superação das várias convenções associadas ás várias linguagens que reúne. Um só pormenor de encenação me desagradou: a presença excessiva da vendedora, supostamente sinalizando um intervalo, mas cortando o ritmo do espectáculo. Para o efeito pretendido, bastaria uma passagem pelo fundo do palco, com iluminação adequada.

9.10.2008

Nota: dá-se aqui início à edição de textos publicados na coluna "Tábua de Marés", de que sou autor, semanalmente no jornal "O Interior".

O mobbing dos remediados - 3

Como já tive ocasião de aqui informar detalhadamente, anda nas redondezas um doente mental, cuja prova de vida passa pelo envio compulsivo de comentários para este e outros blogues amigos. Todos eles são invariavelmente insultuosos e ressabiados. O seu destino, como devem calcular, é o caixote do lixo, lidas as três primeiras palavras. Por sinal, logo com um ou dois erros de ortografia. Sempre tive a esperança de que este bravo se identificasse. Ao menos, podia indicar-lhe um bom psiquiatra. Todavia, uma coisa é certa: já identifiquei o seu IP. É o 217 129 60, da zona de Setúbal. Era o que me faltava para rematar definitivamente esta questão. Com a qual nem mais um segundo vou desperdiçar, nem obrigar os leitores a fazê-lo.

domingo, 12 de outubro de 2008

Stalker

A luta continua

Há notícias que sabe bem dar a conhecer. Eis uma delas. Sobre este blogue. Precisamente. 32 meses depois do seu nascimento, o "Boca de Incêndio" continua a crescer. É o que dizem os números: cerca de 60 000 visitas no total, numa média diária de 114; 119 500 páginas visitadas; 80 backlinks noutros blogues e páginas web. Não é muito, mas para um blogue deste tipo, já é alguma coisa. Para além dos números, há muitas razões para partilhar com os leitores o meu contentamento. Agora e no futuro. A luta continua. Ora bem.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Vamos lá conferenciar


Duvido que isto interesse a alguém, mas manhã estarei por aqui.

A promessa

Promete-me que as tuas palavras chegarão em silêncio
Que serão da matéria da noite
Promete-me palavras de ar, de saliva ou de sangue
Inteiras e nuas como a alma
Derramadas na pele como luz ou música
Palavras que possa guardar em mim
Como uma memória ou um filho

A.M. em "A Imitação dos Dias"

Playlist da casa (14)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ainda a massa ou a falta dela

Neste autêntico manifesto, Américo Rodrigues aponta um dos grandes males da Guarda: a ausência de massa crítica. Evidentemente, com outros nomes se poderia qualificar a mesma realidade: défice de cosmopolitismo, falta de visão projectiva, falta de ambição intelectual (sim, é preciso não ter medo dos nomes), paroquialismo, excesso de auto-complacência, provincianismo, ausência de debate de ideias e projectos, receio daqueles que sabem e sonham serem ignorados por aqueles que nem uma coisa nem outra, mas aparecem demasiado. Não é só uma questão de know how. Nem educacional. Nem social. É a cultura, meus amigos, sempre a cultura. Ela tem aqui um peso esmagador, sente-se o quanto ela pode ou não tornar-nos mais humanos, mais livres. Mas de pouco vale, se escassearem determinadas qualidades humanas que a façam brilhar, que lhe dêem uma razão de ser: a coragem, a elegância, a leveza, a velocidade, a exigência, o acesso a uma vitalidade que não cede perante a repressão. As cidades fortes são aquelas que acreditam em si próprias. Não de uma forma provinciana, ou apropriando-se de um passado e de símbolos que não são os seus, como já vi aqui bem perto. Depois há a questão das elites. Um termo que assusta muita gente, mas sem qualquer razão. Veja-se a História. A existência de uma élite sempre foi determinante para a sobrevivência e o desenvolvimento de comunidades, países, civilizações. A diferença entre uma oligarquia e uma élite é que a primeira exerce o poder em benefício próprio. As segundas encaram o poder como uma realidade inconspícua e pretendem criar valor de que todos possam usufruir. Embora não seja um fenómeno local, vejo algumas pessoas na Guarda manifestarem-se publicamente contra as elites. Como se pressentissem na sua existência uma ameaça, uma afronta, um rebaixamento. Sem nunca perceberem que é graças precisamente à acção cívica dessas elites que um dia todos poderão distinguir, premiar, incentivar os melhores, só porque são os melhores. Sem azedume, sem mais ou menos, porque todos lucrarão com isso. Nas sociedades onde a meritocracia está enraizada enquanto valor inquestionável, não há elites auto-proclamadas, mas reconhecidas enquanto tal pela comunidade. Pelo contrário, onde existe com abundância a falta de humildade e uma erudição de lapela, é quase certo que aí a tirania há-de prosperar.

A viagem

O corpo discente

Recebi hoje um email promocional que assim rezava:

O primeiro site pornográfico legal em Portugal com enorme volume de vídeo pornográfico e com raparigas patrióticas. Alunas portuguesas únicas no género. Diferentes tipos de pornografia. http://sexygirlschool.com *
Uma panóplia de interrogações e comentários, uns pertinentes, outros mais brejeiros, se poderiam já avançar. Vou-me ficar pela extraordinária visão de raparigas patrióticas, expondo as cristianíssimas carnes, usando uma tatuagem com as cores nacionais e trauteando o hino nacional a espaços. São alunas portuguesas, com certeza. E únicas. Já agora, por falar em temas escolares, imaginei logo a seguinte situação: duas "alunas" disputam um telemóvel numa sala de aula. Às tantas, a luta pelo bem escasso adquire contornos, digamos, mais envolventes. E o telemóvel ganha uma inesperada função, a juntar às 2771 que já possuía de origem. Para acalmar os ânimos, junta-se uma professora, fazendo valer os seus predicados patrióticos. Lá mais para a frente, entra em cena um contínuo, que não se faz rogado e tenta desempenhar, com a equidade possível, uma espécie de saudável função moderadora. Por sinal, o poder com o mesmo nome desapareceu, com o advento da República, na Constituição de 1911. Segundo muitos, um texto mesmo nada patriótico. Pois.

*calma, rapaziada, o link é fictício.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ambrosivs


Onde pára o Ambrósio da publicidade aos bombons Ferrero Rocher??? Lembram-se? Eis uma questão que me tem atormentado ultimamente. Alguém sabe alguma coisa do paradeiro deste mestre da dissimulação? Se souberem, façam favor de avisar. No meio dos circunlóquios a que esta magna interrogação me obriga, várias hipóteses se materializaram entretanto no meu espírito:
1º foi finalmente viver com a patroa (nunca este termo se aplicou com tanta propriedade);
2º foi comprar tabaco, sendo depois visto a rondar uma escola secundária com uma caixa de bombons;
3º dedicou-se à pesca e usa meias brancas;
4º casou com a criada e corta as unhas à janela, enquanto olha para o decote da vizinha de baixo;
5º tornou-se assessor artístico da patroa e é frequentador de leilões;
6º explora um salão de jogos e tem umas "gaijas" a render.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Magalhães contado às criancinhas e lembrado ao povo

(via "Atlântico")

O golpe do baú


A cadeia identificada com o logotipo da imagem decidiu suprimir o desconto de 10% sobre o preço de capa dos livros que comercializa. A partir de agora, tal privilégio só é concedido aos detentores do cartão FNAC. A empresa justifica a medida, dizendo que a concorrência já adoptou esta oferta promocional, ainda que temporariamente, perdendo-se assim a vantagem competitiva do "benefício". O que está em causa, efectivamente, é uma decisão que, do ponto de vista da gestão comercial, era mais do que previsível: 1º arrasar o mercado, 2º depois de instalada e com uma quota confortável, acabar com as "prendas" e adoptar tiques de posição dominante. Agora, só os "do clube" terão acesso a esta e outras promoções que, não tarda, vão aparecer. Para fidelizar clientelas, consolidar parcerias com a instituição de crédito que gere o cartão e, eventualmente com agentes produtores de espectáculos e outras livrarias aderentes. Pela minha parte, já há algum tempo que o entusiasmo com a FNAC arrefeceu. Falando só dos livros, reparei que a reposição de stocks deixa muito a desejar, a diversidade de títulos é cada vez menor, a aposta nos blockbusters esmaga tudo o resto. Basta dizer que, há uns meses atrás, dirigi-me à loja do Chiado, afim de adquirir várias obras de Tchekov. Qual não é o meu espanto quando o funcionário me respondeu não haver nada de momento do genial dramaturgo russo. Só o adjectivo é meu, infelizmente. Mas a gravidade do caso é por demais evidente. De modo que prefiro ir à Byblos ou à Bulhosa. A primeira pode ser um bocado pirosa. Mas sei que há uma fortíssima probabilidade de lá encontrar o que procuro. Todavia, esta medida pode provocar ainda um efeito dominó no PVP dos livros. É sabido que o desconto antes praticado pela FNAC se deve às condições "impostas" pela sua posição negocial às editoras. Tal como acontece como as cadeias distribuidoras nas grandes superfícies. A maior parte das livrarias não se podia dar a esse luxo, pois as suas margens de comercialização não o permitiam. A não ser em promoções especiais de lançamento e em feiras. Porém, se o cliente insistisse, lá aparecia o descontozinho comercial. O que vai acontecer agora é de escola: aproveitando-se da confusão, as editoras vão ser tentadas a subir os preços de capa, de modo a reflectir-se no preço final. Portanto, vão todos ganhar, menos o consumidor.

domingo, 5 de outubro de 2008

A diferença


«O olhar cosmopolita de [Eduardo] Lourenço fez, desde o princípio, toda a diferença. Não se trata do cosmopolitismo “de aeroporto” hoje tão em voga, mas de uma perspectiva sobre o mundo que combina uma fina atenção à actualidade com uma sólida informação histórica, que já lia o local a partir do global muito antes de se generalizar a globalização. E que, recusando todos os reducionismos, permanentemente valoriza a diversidade, as contradições do mundo e a contingência dos acontecimentos. Foi este olhar cosmopolita que libertou Lourenço do “comentarismo ruminante” que ele tão lucidamente diagnosticou no Portugal de meados do século passado, e que, infelizmente, persiste ainda nalgumas dimensões da vida portuguesa, talvez hoje mais provinciana do que nunca, no seu serôdio deslumbramento de tantas e tão ilusórias “modernidades”!...»

Manuel Maria Carrilho, no "Contingências"