sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Pum!!!

La quête

Rever un impossible rêve
Porter le chagrin des départs
Bruler d'une possible fièvre
Partir où personne ne part
Aimer jusqu'a la dechirure
Aimer, même trop, même mal,
Tenter, sans force et sans armure,
D'atteindre l'inaccessible etoile
Telle est ma quête,
Suivre l'etoile
Peu m'importent mes chances
Peu m'importe le temps
Ou ma desesprance
Et puis lutter toujours
Sans questions ni repos
Se damner
Pour l'or d'un mot d'amour
Je ne sais si je serai ce heros
Mais mon coeur serait tranquille
Et les villes s'eclabousseraient de bleu
Parce qu'un malheureux
Brule encore, bien qu'ayant tout bruler
Brule encore, même trop, même mal
Pour atteindre s'en ecarteler
Pour atteindre l'inaccessible etoile.

Jacques Brel, L'homme de La Mancha

O Público dos Blogues

Está disponível para consulta, na web, um excelente estudo sobre O Público dos Blogues em Portugal. Realizado por três estudantes do Curso de Comunicação Social e Cultural da Universidade Católica: Dinis Correia, Filipe Manha e Gonçalo Caldas. Baseando-se em dados recolhidos a partir de um inquérito com 18 perguntas e 834 respondentes, este estudo apresenta alguns dados interessantes sobre o fenómeno dos blogs em Portugal. Sendo o universo analisado relativamente estreito, as conclusões a retirar não podem, nem devem, ser consideradas, como, de resto, os próprios autores afirmam, absolutamente representativos da blogosfera nacional. No entanto, o estudo está sistematizado de forma clara e sucintamente organizado, o que é uma vantagem, e apresenta alguns resultados a merecer atenção.

Perdições




Os Flunk são uma banda electrónica norueguesa, formada por Ulf Nygaard (produtor), Jo Bakke na guitarra, Erik Ruud na percussão , e a incrível voz de Anja Oyen Vister. Formaram-se em Oslo no Inverno de 2000/2001. Até ao momento, têm no activo quatro trabalhos editados: Morning Star, For Sleepyheads Only, Play America, e Acoustic Chill 2. A que se junta Blue Monday Remixes, uma recompilação de temas, como o nome indica. Para o escriba, são a grande descoberta deste final do ano. E uma excelente maneira de começar o próximo.
Mais informação disponível na página do grupo do last.fm.

A Nostalgia da Liberdade

Não sou um grande apreciador da escrita de Francisco José Viegas. Mas reconheço as suas qualidades enquanto comunicador e divulgador. Feita esta declaração negativa de interesses, caminho livre para sugerir em alta voz a leitura da sua crónica recente, no Jornal de Notícias, intitulada "A Nostalgia da Liberdade". Um tiro certeiro, como tenho visto poucos. Aqui fica um cheirinho:
Não contem anedotas, não consumam colesterol, não riam. Deixará de haver uma lei da República que vos garanta a liberdade de fazer; haverá, antes, uma lei que vos restringirá a liberdade de ser o que quiserdes ser. Em nome do Estado, do bem comum, das crenças absolutas dos outros - sempre com a bênção dos que sabem, por nós, o que é melhor para nós. Sim, estamos em guerra pela nossa liberdade
.
O texto integral pode ser lido aqui.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

A areia escorre-me

A areia escorre-me por entre os dedos. Caminho pelo crepúsculo, em direcção ao horizonte.
Cada grão de areia está habitado pelo espírito do deserto. Cada poro da minha pele bebe a fria luminosidade das estrelas e o arrepio da noite.
Entre o corpo que se degrada e a morte- a grande morte, a última- deve haver, ou começar, outra coisa. Um lugar qualquer onde possa viver e morrer sem dor. Um lugar feliz.
Pensava eu que a felicidade deveria estar escondida naqueles momentos de perturbação em que me descobria no teu olhar. Enganei-me, passei a vida a enganar-me.
É tarde. Apago-me, vagarosamente.
Deus talvez esteja no fundo do mar, na claridade das águas.
Dentro de mim sinto a melancolia da areia lavada pelo seu movimento invisível, eterno.

Al Berto, O Anjo Mudo

Acerca do pudor


Milan Kundera, em " A Imortalidade", chama a atenção para o gradual desaparecimento do pudor, ao longo do séc. XX. Para o autor checo, a palavra designa simplesmente o "cuidado em evitar o que queremos, sentindo-nos envergonhados por querer o que procuramos evitar". O grande romance do séc. XIX e primeira metade do seguinte perdeu um dos seus temas favoritos. E nós também.

Boca Dada

(Ready made realizado a partir dos textos publicados nos números 4 e 5 da revista Boca de Incêndio)

Como sempre, para além dos critérios de qualidade, procurámos anjos sem mestre, portadores de mensagens cujo conteúdo já não possuímos. Algo como um fora sem dentro, uma pura exterioridade animada, uma espécie de réplica ao imediato mágico, o qual corresponderia a um dentro sem fora. O trabalho é o ritmo do punho. Para aqueles que passam o tempo a reavivar a sensação de medo para depois – invocando a segurança – a explorarem. Eis enfim o absolutismo da magia. Abrir estas veredas. Criar este espaço, entre as dobras do tempo… Apetecia-me desaparecer sem deixar rasto, deixando uma tabuleta Volto Já para enganar os tolos e os repórteres, a mãe do capuchinho vermelho, os três porquinhos da estória, o presidente de câmara. A coisa estava para quem tivesse sangue frio. Imagens soltas sucediam-se no cérebro, a uma velocidade vertiginosa. Há sempre que contar com a música do acaso, ou melhor, com a cacofonia ensurdecedora do desconhecido. Esta fronte, baixa e apoquentada, agitando pensamentos sombrios… Gatafunhos inacabados, suspensos na própria vida que teoricamente tende para o infinito. Não preciso saber tudo. Apenas o que o frio permite, e é já tanto. Pois, pois Pois, pois O caso é que ninguém sabe. E quando isso acontece já não é pouco. Esperar, permanecer, prolongar, interromper, preparar-se para qualquer coisa, não querer fazer, aborrecer-se com o que se está a fazer. Missa, baile, aula, praia, etc… Maiakovsky disse um dia que há uma zona do espírito humano que não pode ser atingida senão pela poesia, e somente pela poesia que está acordada, que muda. Ora aí está uma coisa que não se pode saber, mas que se pode ver e ouvir. In the background, the music of the people. What beauty! A prostituição é uma das profissões fundamentais, talvez aquela que resume todas as outras. Tormento e beleza. A esperança começava a ser um bem escasso, intermitente. Um adiamento de si própria. Qualquer coisa que nunca poderemos compreender. Assim vai o mundo, os países que para sempre perderam o norte, já sua voz antiga não os ilumina, venenoso vestígio. Todo o arquivo é misterioso, mas nenhum mistério pode ser arquivado. Haverá então que posicionar-se de outro modo. Aonde vais agora? De onde pensavas que vinhas? Ciclica cicatriz manuscrita no corpo. O que é que pedimos aos filmes? Pois, pois. E estivemos a ver o que se passa no filme ou a pensar na nossa avó, quer dizer, a trabalhar o tempo da vida que dizemos ser a nossa? Não sabes aonde ir, já não sabes. E na estação, à chegada, já não há ninguém à tua espera. A indiferença dos deuses é eterna. Não há lugar nem para a história nem para o progresso. O prazo para cruzamentos está esgotado. O puzzle nunca chega a completar-se, por muito que o observemos. E outras coisas mais perigosas existem para além desta escrita ou da sua sombra. Primeiramente, julga-se possuir as suficientes chaves que permitem o acesso ao interior do problema; num segundo momento intui-se que as portas se comunicam umas com as outras, formando um labirinto. Por fim, percebe-se a força do problema sobre a força da sua resolução. Palavra de águia. Finjo uma hipótese entre o não e o sim? A liberdade que a razão desconhece oferece-se a nós ao virar de cada esquina. Era o início da grande viagem, embora a educação deprima as pessoas. Silêncio enfim, absoluto.

Pedro Dias de Almeida (lido pelo próprio na apresentação da revista, em 27.12.2006)

O sotão - 1

De acordo, é um cliché mais que abusado. Outro dia, staying inside, dei por mim a revolver o sotão da antiga casa, explorando o caos da memória como quem corre de olhos vendados num bosque sem pensar nas consequências. Mesmo sabendo que a o apelo fantasmático do baú do tesouro enterrado na areia é para outras latitudes, não resisti. Mas a recompensa não demorou a chegar: uma caixa cheia de cartas e um caderno cintado e reforçado nos cantos. Havia mais caixas, é claro. Mas aquela chamou-me a atenção, porque ressaltava uma inscrição, em letras grossas: "ninguém ama sem prejuízo". Eram cartas recebidas em resposta às minhas e algumas cópias. Testemunhos de um tempo onde ainda se escreviam cartas. E de amor, ainda por cima. Percebi que, durante muitos anos, escrevi muitas. Extensas, telegráficas, grandes, pequenas, mas todas ridículas, é bom de ver. Sinais de uma verdade impossível de alcançar, mas nem por isso menos real. Empolgada, é certo, mas sempre um passo à frente da simples exaltação, ou da mera fantasia. Num certo sentido, inúteis, todas, como seria de esperar. Porque a sua verdadeira utilidade só muito tempo depois se descobre. Numa delas podia ler-se: "o amor não é uma salvação nem uma perda, mas uma corrida. Por ele corri como um louco durante anos, perseguido por outro louco com uma navalha na mão, talvez o destino, o destino insensato do viajante no deserto ". Agora não o diria melhor.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Graffitis - 6


sábado, 23 de dezembro de 2006

O falso regresso de Ulisses

Um Natal em Lisboa. Aos poucos, quase sem dar por isso, agora que a minha bússola aponta para outras paragens, sou levado a participar numa homenagem incerta, mas intensa, que a tranquilidade faz à agitação. Sem louvores antecipados, sem a intervenção de uma memória poderosa e cada vez mais imperturbável face aos singulares efeitos da luz a escoar-se pelos telhados ao fim da tarde. Uma imagem solta com que Fradique evocava a "sua" Lisboa. Longe, muito longe de um retorno, ou de um impulso exigido pela nostalgia. Antes a ocasião para a errância, para a descoberta sincera, sem afectação, para a fusão com um movimento, um caudal que se reconhece não sendo de ninguém, mas com o qual a empatia tem um sabor semelhante ao da liberdade.
Entre a prova da magnífica cozinha goesa, numa tasca em Santos - a sarapatela estava um espanto - e a degustação de um cachimbo de água com sabor a rosas, num Bar de Alfama, já nem me lembro da pantagruélica árvore de Natal, "plantada" no Terreiro do Paço. Apesar de tudo, prefiro a luz a escoar-se pelos telhados...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Cyberpostal


Abaixo-assinado para a suspensão da TLEBS

Essa aberração burocrática que se convencionou designar TLEBS continua a suscitar a repulsa de vastos sectores ligados à cultura e ao ensino. É verdade, neste momento já está e ser ministrada em doses suaves em várias escolas-piloto. Por outro lado, soube agora, através do Tomar Partido, que esta terminologia deve-se a uma medida do Governo anterior, graças à Portaria 1488/2004, da ministra Maria do Carmo Seabra.
O movimento de contestação, para além da agitação na blogosfera e nas colunas de opinião dos jornais, traduziu-se em vários abaixo-assinados. Um deles está disponível neste endereço, e que deverá ser enviado por correio electrónico para tlebs.300@gmail.com. Um outro, alojado no ipetition, pode ser acedido aqui. Nele estão contidas, de forma clara, as razão para a rejeição da medida. Espalhem a notícia.

Dizer, fazer

A Roman Jakobson

Entre o que vejo e digo,
Entre o que digo e calo,
Entre o que calo e sonho,
Entre o que sonho e esqueço
A poesia.
Desliza entre o sim e o não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha
o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer.
É um fazer
que é um dizer.
A poesia
diz-se e ouve-se:
é real.
E quando digo
real,
dissipa-se.
Assim é mais real?
Ideia palpável,
palavra
intocável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece reflexos
e desfia-os.
A poesia
semeia olhos nas páginas
semeia palavras nos olhos.
Os olhos falam,
as palavras vêem,
os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos
tocar
o corpo
da ideia.
Fecham-se
os olhos
abrem-se as palavras.

Octavio Paz, tradução de Manuel A. Domingos

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

A verdade revelada

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Portugal à sombra

Avançando a passos largos para a incerteza, o país agita-se e pasma com as revelações sicilianas de Carolina. Nem Camilo poderia ter imaginado tal enredo. A incrível ERC (da Comunicação Social), uma entidade supostamente isenta, lança um comunicado inqualificável, dando lições de moral ao Director do "Público". Espera-se que, depois disto, o último a sair desta coisa apague a luz. O sistema "cinema em casa" e mais uns tarecos do sr. Veiga regressando ao lar tiveram cobertura televisiva nacional. Paulo Bento continua no seu melhor. Luis Filipe Menezes convoca uma reunião do Conselho Nacional do PSD para dizer cobras e lagartos do seu vizinho autárquico. Que entretanto "deu" de mão beijada o Rivoli à produtora de Filipe la Féria. O Benfica lá acabou com três golitos. Desta vez na baliza contrária. Na reforma das custas judiciais, o Ministro da Justiça, disfarçado de Zorro e de espada em punho, pretende que "quem ganhe em tribunal não paga advogado. Além das custas habituais dos processos, quem perder um caso em tribunal terá de pagar uma fatia dos honorários do advogado da parte adversária". Ver aqui. O delírio tecnocrático no seu auge!
A boa notícia é a nomeação de Maria José Morgado para coordenar a investigação do Apito Dourado. Uma decisão corajosa do novo PGR, que coloca a mulher certa no local certo. O relativismo ético que tomou conta do País é um encorajamento à corrupção, de que o futebol é um autêntico "saco azul". Agora acabaram os paninhos quentes. Vá-se até onde fôr preciso para apurar a verdade.


Publicado no jornal "O Interior"

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

A voz que queima

No passado sábado participei no programa Café Mondego, na Rádio Altitude, a convite do seu criador e apresentador, Américo Rodrigues. Nesta época natalícia não se esperariam grandes temas fracturantes, a debater naquele espaço. Evocaram-se algumas tradições, questionou-se a importância e o papel a desempenhar pelo que ficou do mundo rural, da necessidade de preservar a memória e não só. Mas o debate foi talvez uma nota de rodapé à presença enorme de Júlia Fonseca, 80 anos, cantora popular de Aldeia do Bispo. Que fez do programa um momento raro e emocionante para quem o escutou e para quem nele participou. Cantou, recordou histórias de outros tempos, às vezes com ironia, mas sempre com uma sagacidade espantosa. Uma verdadeira lição.


Publicado no jornal "O Interior"

domingo, 17 de dezembro de 2006

Perdições-3

Johnny Guitar (1954), de Nicholas Ray, com Joan Crawford e Sterling Hayden nos principais papéis.
A obra-prima deste realizador é uma alegoria demolidora da Comissão das Actividades Anti-Americanas e do clima de suspeição e denúncia que se instalou em Hollywood neste período. Ver aqui porquê. Em Portugal, desconheço se existe edição em DVD, pois tive a sorte de encontrar um exemplar em Fuentes, numa das costumeiras incursões à fronteira. Ver Joan Crawford (Vienna, dona de um casino) vale bem qualquer esforço. Existe uma versão magnífica do tema musical que dá nome ao filme - Johnny - interpretada por Marlene Dietrich. Poderão escutá-la no last fm.

Curtas

O Posto de Escuta é "um diário de leituras da blogosfera", ou seja, uma espécie de portal de recortes especializado. Recentemente, elegeu os 50 recortes mais interessantes de 2006. A ver com atenção.

Imagens de Portugal romântico - 13

Mafra
Pombal

Sem título

Santiago, tomada do palácio presidencial La Moneda, 1973

A morte de Pinochet vem recordar à opinião pública o significado da realpolitik praticada pelos EUA um pouco por todo o mundo. A História colocará o ex-torcionário no seu lugar próprio. Fica a vergonha da sua impunidade, caucinada pelo Governo inglês, deixando-o escapar ao juiz espanhol Baltazar Garzon. Fica o apoio entusiástico de Milton Friedman e seus Chicago Boys, os gurus do neoliberalismo económico. Ficam os responsáveis da diplomacia americana que financiaram e deram cobertura ao golpe que derrubou Allende...
A propósito, quando estudava da Faculdade de Direito de Lisboa, recordo-me de um episódio assaz impressionante. Inscrevi-me para frequentar um workshop de expressão corporal, promovido pelo Grupo Cénico, de que na altura fazia parte. Reparei logo na pronúncia do orientador e, sobretudo, na sua enorme capacidade de comunicação, na vastidão do seu conhecimento. Vim a saber, por terceiros, que era o antigo director de um departamento da Universidade de Santiago do Chile. Exilado em Portugal por motivos políticos e cujos únicos rendimentos provinham de acções de formação como esta na área do teatro. Em momento algum alguém o ouviu referir o que quer que fosse acerca da situação no seu país. Passados alguns anos, em 199o, encontrei-o no Estádio, no Bairro Alto. Apresentei-me, lembrando-lhe o teatro. Convidou-me a beber uma cerveja. Disse-me então que tencionava regressar ao Chile, pois a situação política tinha mudado e foi convidado a reassumir as suas funções. Mas que tinha um medo enorme do que iria encontrar. Melhor, do que talvez não encontrasse: amigos, familiares, ex-alunos. Era um homem cruelmente dividido. A sua imensa generosidade, o seu entusiasmo, a sua determinação, tinham agora um preço. Estaria ele disposto a pagá-lo? Pessoalmente, continuo a acreditar que, na semana seguinte, desembarcou no aeroporto de Santiago. Sem chuva.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Borat

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Os amigos de Alex

Sobre o terrorismo jihadistaaqui expus o meu pensamento. Ao que parece, no Líbano, o Hezbolah continua armado até aos dentes, desafiando tudo e todos. A generosidade do irmão sírio, traduzida em armas e dinheiro, está de pedra e cal. Por cá, a ecuménica malta do costume, sempre disposta a atirar pedras aos americanos e aos israelitas, e a condenar a "heresia" dos cartoons dinamarqueses, vai assobiando para o ar. Mas o radicalismo islâmico, e o rasto de ódio e de morte que lhe está associado, nunca será compreendido se não se tentar perceber a motivação específica do terrorista. Ao contrário do que os relativistas pensam, não são as razões ideológicas, emergindo do sub-desenvolvimento crónico do mundo islâmico, ou a falta de perspectivas para muitos jovens, o que empurra determinado "soldado de deus" para uma carnificina. É bom lembrar que os actos terroristas mais sanguinários nos últimos anos foram perpetrados por jovens confortavelmente instalados na classe média. Que antes são recrutados para um tirocínio no Iraque ou no Afeganistão, lugar para o brainstorming final. Existe pois uma motivação autónoma, auto-suficiente, alheia a factores sociais, para a violência. Que rompe com as restrições decorrentes da própria fé islâmica e afirma-se como missão redentora e inquestionável. A jihad é o ópio que tranquiliza o último vestígio de humanidade. Esse terrorista está mais próximo de Alex - o protagonista psicopata do filme Clockwork Orange - que do Corão.

Publicado no jornal "O Interior"

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Crimes exemplares - 13

Na loja de ferragens e utilidades do Sr. Augusto, deu de caras com ele. Era mesmo o antigo professor de História no Liceu! Baixinho, barba espessa, voz possante, nada condizente com a estatura. Imediatamente foi assaltado pelas recordações trazidas pela presença do magister. Foi seu professor durante dois anos, já no final do secundário. Quando chegou, era um estreante na docência. Um porreiraço que concedia mais meia hora nos testes, se preciso fosse, e ainda dava boleia aos retardatários. Um ano depois, a coisa mudou. A vã glória de mandar subiu-lhe à cabeça. Certo dia, durante um teste, ignorando tal metamorfose, escreveu um comentário crítico à forma como determinada pergunta era feita, um bocado a armar ao pingarelho. Foi quanto bastou para que o barbudo o tomasse de ponta, penalizando-o nas notas. Já no final do ano, recordou-se, tinha na ideia distribuir no Liceu uma revista prafrentex, editada por jovens da localidade e na qual colaborava. Pelo que foi ter com o "barbas", que na altura exercia funções directivas, dando-lhe conta do incendiário propósito. Afinal, para coisa tão inocente, pensava ele, bastará esta formalidade, ditada pela cortesia. "Não permito!", foi a resposta do animal. Acontece que o dito cujo estava agora à mão de semear. "Ocasiões como estas não aparecem duas vezes", pensou. Dito e feito: agarrou numa moto-serra que estava exposta e pediu para experimentar. Como um raio, aproximou-se do ex-professor e, simulando que tinha perdido o controle, largou-a. Em segundos, a perna do outro já tinha sido atravessada pelos dentes do maquinismo. A parte do osso é que resistiu mais. Quando os presentes acorreram, aproveitou para desaparecer. Ainda olhou para trás, desejando ao recém-amputado uma longa docência sobre a história dos piratas. De preferência, ouvindo-se o ruído de um taco de madeira a bater no soalho...

Ver anterior

Imagens de Marte - 4


Meridiani

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Da castanha, da alquimia da tradição e outros folguedos

Na passada sexta-feira fui a Aldeia do Bispo, no concelho da Guarda, tendo como pretexto a inauguração do Museu da Castanha, que aí teve lugar. A ironia do tema é um pouco amarga. Os extensos soitos que povoavam aquela freguesia hoje mais mais não são do que memória, torsos enegrecidos pelos incêndios que devastaram a zona na última década. O espaço museológico propriamente dito é composto por dois sectores distintos. Uma parte dedicada à arte sacra local e outra em que o fruto da Fagaceae ocupa o centro das atenções. Neste propósito, são exibidos vários utensílios usados na produção, armazenamento e conservação da castanha, acompanhados de informação quanto baste sobre o ciclo natural do fruto, sua importância na alimentação, na economia e no imaginário local.
Como seria de esperar, a aldeia adquiriu uma animação suplementar, incluindo grupos musicais e um pequeno buffet numa colectividade local.
Permanece todavia uma questão com a qual me tenho debatido de há uns tempos para cá: qual a melhor estratégia, em termos criativos, para a tradição popular nas zonas rurais? Que alternativas para a dignificação de uma cultura popular enquanto meio identitário por excelência? Ora, sabe-se que, no nosso país, o mundo rural foi praticamente desmantelado a partir da década de sessenta. O processo, embora desigual e não linear, dá-se vinte anos depois por praticamente concluído. Por isso mesmo, o tema adquire particular importância. Porque as respostas poderão ser várias e nenhuma delas é inocente:
  • A restauração etnográfica pura e simples de uma realidade cultural engolida pela História. Embora útil, se rigorosa, deverá ser encarada como um meio e não um fim em si. E além disso complementar de medidas de ordem ambiental. É que a motivação para a recriação de um tipicismo inócuo é quase sempre suspeita. Porque aquilo que realmente se pretende é reconstituir um modelo ideal, um arquétipo do qual as contradições e as injustiças são convenientemente expurgadas.
  • Por outro lado, aparece a reconstituição diferida, museológica. Aqui, a identidade cultural procura-se por via da catalogação, do registo, do estudo. Já não se procura uma identidade à custa de um passado salvífico, mas o recurso a ele com fins pedagógicos.
  • Mas há ainda uma outra via, esta sem dúvida a mais ousada e exigente: a recriação da tradição. Pode combinar as duas anteriores, mas em vez de um restauro, encara as tradições do mundo rural como ponto de apoio, como inspiração para uma nova linguagem, um novo fôlego criativo. Neste ponto, poder-se-ia afirmar que a tradição já não seria o que era, mas outra coisa que talvez nunca foi. Com o benefício da dúvida, é claro.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Vá, meninos, ou se portam bem ou chamo a TLEBS

Lembram-se daquela coisa que dá pelo nome de Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, criada por excelsos linguistas, inimigos da literatura e da língua como um corpus vivo, em permanente mutação? Pois bem, a coisa está para durar, até ser esquecida - espero - numa qualquer gaveta de uma repartição obscura do Ministério da Educação. Algumas figuras bem conhecidas do mundo literário - de que EPC é exemplo - já denunciaram esta fúria sistematizadora e cega à língua portuguesa. Os autores, como seria de esperar, reagiram enquanto casta iluminada. Faltava pois um estudo demolidor, escrito por quem sabe. Encontrei-o, assinado por João Andrade Peres, Linguista e professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Por favor leiam-no.

domingo, 10 de dezembro de 2006

Borat veio à Serra

Esta é a chamada época alta do turismo de montanha. Observar os forasteiros que visitam a Guarda neste período proporciona uma série de registos deveras interessantes.
Desde logo, ressalta o aparato algo excessivo dos veículos "todo o terreno", equipados como se participassem numa expedição ao Ártico. O mesmo se diga do vestuário. Excessivo para o verdadeiro rigor do clima. Que justifica um agasalho suplementar, é claro, mas não uma autêntica mostra das últimas novidades das lojas da especialidade. É como se o desconforto que se adivinha no rosto dos forasteiros exigisse uma diferenciação "normalizada", defensiva. Aquela de quem está perto dos centros de decisão e consumo, face ao exotismo inóspito de um lugar que se calcorreia, mas não se escuta. Como um descargo de consciência sazonal, dos ricos em relação aos pobres, da agitação em relação ao silêncio, tanto mais episódico quanto mais se pressente que a matéria esmaga e é infinitamente exigente de tempo e de mistério. No fundo, vêm reivindicar uma imagem que já lhes foi vendida. E por nada deste mundo abdicariam dela. "A percepção é a realidade", dizem os gurus do marketing. Nem mais.


Publicado no jornal "O Interior"

sábado, 9 de dezembro de 2006

Ao menos ninguém se engana...

Curtas

Manuel A. Domingos, professor e poeta de Manteigas, é autor do blogue Meia Noite Todo o Dia. Descoberta recente e cúmplice. Trata-se de um espaço essencialmente literário, onde o Manuel publica textos seus, pequenas recensões, crítica de espectáculos e divulgação de edições e eventos literários. Além disso, remete para um outro blogue do mesmo autor -Versões - onde são publicados poemas traduzidos pelo próprio, a partir sobretudo de autores hispânicos e anglo-saxónicos. Destaco este belíssimo excerto de A luz surge onde nenhum sol brilha, de Dylan Thomas (1914-1953):

A luz surge onde nenhum sol brilha…
A luz surge em lugares secretos,
Nos limites do pensamento, onde o seu aroma surge sob a chuva;
Quando a lógica morre,
O segredo da terra cresce através dos olhos,
E o sangue jorra do sol;
Sobre os campos destruídos, a madrugada detém-se.

Mais um favorito, a partir de agora, no Boca de Incêndio. O gosto será nosso.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Diálogos no Olimpo -3

B: Olá. A: olá. B: tudo bem? então andas por onde? A: a mandar uns emails. e tu? B: na oppidana. A: lx. Longe. B: de quê? Lol. A: de mim. B: mas tu não és o centro...o centro é onde estamos no momento. A: certo. B: Sou o João. E tu? A: Sofia. B: por momentos os impulsos eléctricos através das fibras ópticas cruzaram-se algures...lol. A: tens visão infra-óptica? J B: numa próxima vida...A: J parece-me q todas as mulheres estão em Lx e todos os homens fora desta cidade mirciana. B: todas as mulheres sempre estiveram em Lisboa, especialmente qd os barcos partiam...A: lol. B: sabes qual é a diferença entre 1 pessimista e 1 optimista? A: hoje sinto-me assim: como se um barco tivesse partido e eu tivesse ficado. Qual é a diferença? B: é k um pessimista sabe que 1 situação, por muito má que seja, ñ pode ser pior. um optimista sabe que pode...lol. A: ah! Percebo agora a diferença. Por isso os optimistas querem partir e os pessimistas ñ! A: és hetero ou bi? B: vendo bem sou mais tri: primeiro a foto, depois o email e por fim o telefone. Lol A: J B: e o que te traz por estas exóticas paragens? A: a sede pelo que vai na mente das pessoas. B: eu sei que ñ vais acreditar, se te disser que foi a melhor resposta que alguma vez recebi por aki, mas digo à mesma...:) A: mas é a + pura verdade. aki aprendi algumas coisas…B: então suponho que deves estar preparada para tudo, se é que ainda alguma coisa te poderá surpreender, o que, nos tempos k correm, é difícil. A: no princípio fiquei embasbacada, mas aos poucos fui aprendendo. B: olha, o k as pessoas aqui revelam é exactamente aquilo k são, com a cobertura do anonimato. ñ achas? A: algumas perdem-se e revelam mais, outras dizem o que lhes vai na alma e outras o que pensam e nunca dizem. B: sim. todas essas variantes são possíveis. E muitas mais. Afinal, quais são as tuas palavras? J. A: as minhas são várias, conforme as respostas ou as perguntas. e quais são as tuas? B: já reparaste k aqui só existem palavras atrás de palavras. na época a imagem tomou conta de tudo, isso obriga as pessoas, pelo menos, a organizarem-se interiormente e trazer as suas palavras cá para fora, mesmo que só digam disparates...A: sim. Espera, conheço o teu nick! ñ tclm já, há muito tempo? B: a sério? não me recordo...A: eu recordo…o teu nick é diferente e também tivemos uma conversa diferente, falamos de palavras e também de sonhos…B: então vamos recomeçar o que ficou interrompido...A: sim. B: sabias que as palavras nasceram como metáforas. Quase toda a gente se esquece disso. P.ex., a palavra verso vem do latim versum, que os romanos usavam para a linha do sulco que o arado deixava na terra e depois recomeçar logo à frente...não é fascinante? A: sim é. B: e a tua sede tem sido recompensada? A: tem, mas também ficado desiludida. por x dá vontade de gritar com o q se diz. B: o pior é o que ñ se diz. Lol…Olha, estou a pensar escrever a 1ª cybernovela portuguesa, k terá como título "Nâo me chates" e como prato forte as conversas do irc. Se quiseres, em 2 linhas conto-te a história. no final vai buscar 1 lenço..lol. A: mas chorava de riso ou de tristeza? J B: as 2 coisas…há um casal suburbano miseravelmente normal. 1 dia ela descobre os chats...e em seguida o seu príncipe virtual...acontece que ele, ao mesmo tempo, descobriu igualmente a sua ofélia cibernética...A: lolol. já estou a ver o fim! B: acontece que o príncipe era ele e a ofélia era ela, mas nem ele nem ela poderiam imaginar tal coisa...A: pois. até ao dia....fatídico. B: vai daí há uma série de diálogos virtuais entre ambos, 1 belo dia marcam um encontro e ela é atropelada. ele nunca soube a sua identidade verdadeira. depois há um amigo comum que sabia da situação e continua a estória, mas como um apêndice, pois o prato forte são mesmo as conversas...A: bolas, que volta deste à história…B: estás a rir a ou a chorar? A: a rir. B: repara k isto até seria possível acontecer, mas mesmo k ñ fosse, as pessoas facilmente imaginam essa possibilidade...A: o engraçado é k já aconteceu. Imagina a mulher e marido estarem a tcl., ele sabendo quem era ela, mas ela não saber quem era ele. B: A sério?. A: Verdade. depois ele tenta saber como é ela, já q sabe q ela anda no mirc…B: em diálogos entre marido e mulher ninguém mete a colher, um excelente ditado pré - chats...lolol. A: o engraçado é q ele tentou uma aproximação mais ousada e levou por tabela quando chegou a casa…começou-se a falar de certas e de determinadas coisas, o mirc veio a baila, ela falou como tinha decorrido o dia, com quem tinha tcl e… falou no dito cujo k tentou algo mais. Então olhou para a cara do marido viu-o morto de riso e percebeu tudo. B: um final feliz...resta saber se o marido ñ gostaria secretamente que ela tivesse sido + receptiva...lolol. Claro que isso se passou contigo, cerrrto? A: o k achas? B: então espero k também o tenhas atropelado na tua história. Lol. A: não nesta, mas noutra…ahahaha! B: tens que contar essa…

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Revista

Edição dupla (nº 4 e 5), Dezembro de 2006

No dia 27 deste mês, pelas 18h00, será apresentado mais um número da revista Boca de Incêndio. A sessão terá lugar no Café Concerto do TMG, a cargo de Pedro Dias de Almeida, natural da Guarda, editor de cultura da revista "Visão" e colaborador da revista.
Nesta edição, a componente visual será bastante vincada, pois os trabalhos gráficos recebidos suplantaram as colaborações em forma de texto. O que veio a conferir a este número uma originalidade que, embora prevista, ultrapassou as expectativas dos editores.
Como sempre, para além dos critérios de qualidade, procurou-se assegurar a continuidade e a diversidade. A primeira, mantendo colaborações de autores reincidentes. A segunda, juntando novos contributos.
A distribuição irá ser alargada a locais específicos no estrangeiro – Universidades com departamentos de Estudos Portugueses, Associações Culturais, entre outros – para além de uma criteriosa cobertura nacional.

Edição: Aquilo Teatro
Direcção:
Américo Rodrigues, António Godinho, Maria Lino
Concepção gráfica e paginação:
Alexandre Gamelas
Colaborações (neste número)
: António Bento, António Godinho, Barbara Spielmann, Barbara Assis Pacheco, Claire Moreau, Edmundo Cordeiro, Carlos Alberto Machado, Doris Cordes-Vollert, E. M. de Melo e Castro, Joan Lazeanu, João Camilo, José Oliveira, Jorge dos Reis, José Manuel Gomes Pinto, Kerstin Franke-Gneuss, Susann Becker, Tiago Rodrigues e Vítor Pomar.

pedidos para:
aquilo.teatro@sapo.pt bocadeincendio@gmail.com
ou Livraria Leitura

Graffitis - 5



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quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Curtas

O Supremo Tribunal da Califórnia decidiu, no último dia 21 de Novembro, que os proprietários de sites na internet estão isentos de responsabilidade sobre os comentários difamatórios postados por terceiros nas suas páginas. Entendimento contrário ao de "gigantes" como a Google ou a AOL, que agora vêm a sua posição enfraquecida. A decisão engloba também a blogosfera, pois não pode ser imputada responsabilidade aos proprietários dos blogues pelo teor dos comentários colocados pelas pessoas que visitam a sua página. Neste sentido, o Tribunal deliberou, por unanimidade, que os queixosos por difamação só podem processar o autor do comentário, e não as empresas que os publicam ou distribuem. A decisão é válida no Estados Unidos, mas em tempo de globalização, acaba por afectar muita da comunidade de bloggers em Portugal, dado que muitos ISPs têm os seus servidores nos Estados Unidos.
O caso em concreto envolvia uma firma de manutenção de páginas Web que recebeu e publicou um e-mail criticando um determinado médico.
Uma boa notícia, sem dúvida.


quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Perdições - 2




Discografia:
Love's a Lonely Place to Be EP (UK Why Fi) 1982
From Gardens Where We Feel Secure (UK Happy Valley/Rough Trade) 1983
Promise Nothing (Bel. les disques du Crépuscle) 1983
Hope in a Darkened Heart (Geffen) 1986
Had I the Heavens
All Shall Be Well

Website
Página no Last.fm

sábado, 2 de dezembro de 2006


sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Diário de um tolo - 13

Não, não é cansaço, tal como o Álvaro de Campos. É tropeçar na memória, numa paisagem onde a incerteza já não me espantasse, dançar em jardins de fogo e entrever a inocência plantada na obstinação das pedras. Não, não é só cansaço, mas sobretudo cansaço. De tanto se resumir a tão pouco. De a realidade não desmentir o pesadelo. Afinal, não tenho visto ninguém a abrir uma frente nova na sua vida e abraçar o desconhecido. Dar importância a quem a merece. Muitos sorrisos e promessas ruidosas, resplandecentes, e que, já se sabe, nunca irão ser cumpridas. No final, as piedosas desculpas do costume. Julga-se encontrar alguém e encontra-se um saco de justificações. Há para todos os gostos e feitios. Em comum, a tibieza e o pavor dos grandes gestos. É cansaço, sim, um cansaço do tamanho do mundo. No final, a única e fundamental descoberta: estamos sós. Sós perante Deus. Sós perante o que conseguimos ser. E o que não conseguimos. Perante a luz decapitada.

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Cesariny - 3

Welcome, onde quer que estejas, em Elsinore, só pode ser, a morada certa para um príncipe em terra de plebeus, que acendeu as palavras como barcos. Graças a ti, muitas das que quase deixaram de esperar por nós, teimosamente ainda esperam.

Cesariny - 2

Despe-te de verdades
das grandes primeiro que das pequenas
das tuas antes que de qualquer outras
abre uma cova e enterra-as
a teu lado
primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
e não possuías mácula senão a de um nome estranho
depois as que crescendo penosamente vestiste
a verdade do pão a verdade das lágrimas
pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrela
depois as que ganhaste com o teu sémen
onde a manhã ergue um espelho vazio
e uma criança chora entre nuvens e abismos
depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
quando lhes forneceres a grande recordação
que todos esperam tanto porque a esperam de ti
Nada depois, só tu e o teu silêncio
e veias de coral rasgando-nos os pulsos
Então, meu senhor, poderemos passar
pela planície nua
o teu corpo com nuvens pelos ombros
as minhas mãos cheias de barcas brancas
Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
e um silêncio de morte à nossa passagem.

Discurso ao príncipe de epaminondas, mancebo de grande futuro, in Manual de Prestidigitação, Assírio & Alvim, 1981

Cesariny - 1

Sem Título, técnica mista sobre platex

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Monólogo do Anjo

Estais aí. Desse lado da luz. Quis sempre descobrir-vos, sabeis? Surpreender-vos devagar nesta terra feroz e sumptuosa. Escutar as vossas preces. Comover-me com a doce fragilidade da vossa esperança. Adivinhar-vos os pensamentos. Beber-vos as emoções. Mesmo as mais secretas. Sobretudo as mais secretas. Para mim, cada dia é um caminho diferente. Uma palavra guardada que me espera. Sempre acompanhado do gracioso sussurro das aves, respondendo-vos quando o vosso campo se recusa encher-se de papoilas...
Às vezes, a luz esmorece. Porque as palavras que me procuram são palavras de crianças presas no tempo. Mas deixai-me sentar numa nuvem e dar pontapés na Lua, pois era como eu devia ter vivido a vida toda: dar pontapés até sentir um tal cansaço nas pernas que elas já não me deixassem voar.
Às vezes tenho tonturas. Quando olho para baixo, vejo sempre planícies muito brancas, intermináveis, povoadas por uma enorme quantidade de sombras. Sentado numa nuvem, na lua, ou em qualquer precipício, eu sei que as minhas asas voam para vós e as tonturas que a planície me dá são feitas por mim, de propósito, para irritar aqueles que não sabem subir e descer as montanhas geladas. Mas não quero que me ofereçam sombras. Não quero que me contem as vossas aventuras. Não quero que me escondam a vossa monstruosa inocência. Pois se fordes tocados por toda a beleza do mundo, conhecereis então a imensa crueldade que ele encerra.
Sou um desconhecido movendo-se constantemente no deserto, onde cada pegada deixa bem marcada na areia a imagem dessa outra existência em que a morte e a memória já nada significam. Mas as asas, as asas que sinto bem presas, seguras, essas, ficai a saber, podem ainda esmagar com cuidado, com extremo cuidado, dilacerar suavemente, pois nos olhos está o amor, o misterioso voo das aves que partem para o desconhecido.
Eu sei que para todos vós há um lugar por descobrir, um lugar tenebroso e cantante. Simples como é a claridade, torna-se a coisa mais difícil de encontrar. Talvez porque a distância que nos separa, longa, muito longa, seja a torre de chumbo do vosso próprio isolamento, talvez porque sentir o aparecimento da madrugada seja a origem da música onde a palavra se apaga. Criem-na. Sem medo. E agora, outros mais longe me chamam. Adeus, meus amigos. Estarei sempre, sempre convosco.

(Texto incluído no guião da peça teatral Guarda, Paixão e Utopia, apresentada no TMG nos dias 26 e 27 de Novembro)

Imagens de Portugal romântico - 12

Amarante
Portimão, foz do Arade
Lisboa, torre de Belém

terça-feira, 28 de novembro de 2006

O apito das aves

(clicar para ampliar)

Diálogos no Olimpo -2

B: assim ninguém chateia. podes desligar o canal…alô! A:-))) já desliguei! B: o tal canal? A: sim, esse. E então aí pela lancia oppidana? B: nem imaginas o perfume q por aqui vai...A: alguma nova ETAR? B: não, o perfume é outro: umas trocazinhas de favores entre as famílias do costume e amigalhaços…A: mas isso não acontece em todo o lado? B: aqui é + à descarada. perante o fenómeno os antropólogos dividir-se-iam entre considerá-lo um potlach invertido, em q todos põem mas só alguns tiram para si e para oferecer aos afilhados, ou uma variante mansa e benigna de compadrio à siciliana, naturalmente sem ofertas q ñ se podem recusar e senza il capo di tutti capo, enfim, uma coisa mole, discreta, acolitada por serranas pancadinhas nas costas, lol…A: mas é assim tão mau? B: impede que a região se desenvolva, sendo q o mérito e a excelência fogem daqui como o diabo da cruz…A: ñ estás a exagerar? B: antes fosse…A: o livro k vais escrever fala de k? B: já lá vamos...mas antes, o q causou o teu momento de felicidade? pode-se saber? A: ñ sei…B: talvez o vento...lolol…A: não havia vento…aliás havia pq eu estava a dançar, mas era só esse…B: então talvez as notícias de um país distante e q teimas em ignorar...A: por momentos deixei de ignorar talvez tenha sido por isso…mas foi mt bom! B: exactamente. eram os teus a chamar-te. os hobbits...ñ é que esteja a chamar-te baixinha...lol. A: pois. :)). k são hobbits?? B: ñ viste o senhor dos anéis? A: vi, mas ñ tou a ver os hobbits…B: eram aqueles habitantes da aldeia de onde saiu o herói: pequeninos, rechonchudos e sempre felizes...A: ahh, tipo duendes! adoro duendes…B: já falaste com algum? A: adorava! dizem k ainda existem e q era parecida com um. k achas? B: pela foto q mandaste, tens bastantes semelhanças...A: J)), tb acho. B: só q não andas aos saltinhos, excepto em ocasiões especiais, lol…A: só qd ponho tacões altos…B: já sei o q foi. é o Outono que está a chegar...A: ñ gosto do Outono, costumo ficar deprimida. B: errado. a época das depressões é a primavera...aquele verde, aquela positividade obrigatória, é como ter de recitar o hino na escola primária...A: isso é paranóia. B: ñ, é só nóia, lol. já topaste a quantidade de cores q agora há? A: por aki nota-se pouco, mas vai dos vermelhos aos castanhos, a variedade é pouca. B: aqui nota: as uvas a serem recolhidas, as folhas a descreverem o último voo antes de encontrarem o chão, os soitos a abarrotar de castanhas, um cheiro novo q paira...A: pois e as pessoas a recolherem toda a lenha k podem para depois se fecharem em casa. é triste. B: como a cigarra...A: pois, estás a ver!!! depois vem a tempestade e lá vai a cigarra e a formiga na maior. B: achas isso triste? É só mais uma página se quer virar! o Outono é esperança pura...A: o Outono é esperar pelo Inverno. :-) hoje estou no contra. B: ñ! é esperar simplesmente. A: escolhi uma boa ocasião para ter um ataque de felicidade, amanhã gostava de me sentir assim outra vez. B: como vês é fácil. e não há contra-indicações...A: a sério q sentiste o mesmo ontem? B: sim, pq vejo uma série de projectos a concretizar-se, mas só os meus olhos os vêem...A: ainda ñ posso dizer o mesmo mas vou no bom caminho. B: sim, a passo de caracol e a assobiar para o ar, mas tenho a certeza que vais...:)) A: as cigarras são assim…B: há um haikai japonês q diz: "Silêncio: as cigarras escutam o canto das rochas". então já vais? A: vou tomar banho. adorei este bocadinho aki ctg. B: eu tb. então esfrega bem as costas...lol…

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segunda-feira, 27 de novembro de 2006

The day after

Ontem foi a estreia do espectáculo Guarda, Paixão e Utopia, uma co-produção TMG/ACERT, integrada nas comemorações do 807º aniversário da cidade e já aqui anunciada. A peça foi muito bem recebida pelo público, como espero o venha a ser também hoje. Como tive oportunidade de escrever na folha de sala do espectáculo, a propósito da concepção do guião, a opção seguida foi a criação de uma ideia “da” Guarda “para” a Guarda: uma narrativa não documental, diacrónica, baseada no “real”, mas colocando-o ao serviço das finalidades próprias de um espectáculo teatral, com forte componente musical e coreográfica. Arquitectada segundo uma tensão dialéctica entre um discurso optimista e outro pessimista – o Anjo da Guarda e o Velho - resolvida num clímax final absolutamente surpreendente. Concluída a apresentação, algumas reflexões:
  • desde logo, o próprio processo de produção. Esta é uma obra colectiva por excelência, com cerca de 250 pessoas envolvidas, a grande maioria pertencente a colectividades locais. Mas nem por isso as dificuldades inerentes à reunião, num projecto artístico, de tanta gente, se pareceram sentir. É simplesmente espantoso observar o resultado produzido com os mais diversos contributos artísticos, técnicos e logísticos, como se de uma só voz se tratasse. Grande parte do mérito, há que reconhecê-lo, vai para a direcção artística do projecto. Mas nada disto seria possível sem um prévio e demorado trabalho de apoio e consolidação das colectividades envolvidas.
  • esta peça pode muito bem marcar uma nova etapa na consciência cívica da Guarda. Não é impunemente que se congregam vários grupos de teatro, ranchos, filarmónicas, coros, fanfarras, actores, etc., ao serviço de uma proposta teatral única, talvez a nível nacional. Como se a generosidade e o talento de tanta gente tivessem brilhado com uma magnitude imprevista. Mas sinaliza sobretudo a afirmação da cultura como agente primeiro de qualificação e desenvolvimento. Aqui como em qualquer outro local. Talvez aqueles que negavam esta evidência reconsiderem as suas posições. Há batalhas que se vencem aos pontos. Até todos perceberem que ninguém perde.
  • o meu contributo, para além da co-autoria do guião, passou também pela representação: o poeta que inaugura a luz. Foi, sem dúvida, das experiências mais gratificantes em que tomei parte neste cidade.

O regresso de Tom Waits

Acabou de sair o último trabalho de Tom Waits: Orphans. Trata-se de uma recompilação de material gravado para albuns anteriores e não utilizado, aqui alinhado em três partes distintas: Brawlers, Bawlers e Bastards. Ao longo de 56 canções e 3 discos, foram capturados os poderes "xamânicos" de Tom Waits como vocalista, poeta, melodista, arranjador e pioneiro de ambientes sonoros únicos.
Esta edição limitada, assinada e produzida por Waits e sua mulher, Kathleen Brennan, contém 30 novas gravações, nunca antes escutadas , e ainda temas raros retirados de colaborações com vários artistas em filmes, livros e música — completado com um booklet de 94 páginas manuscritas com as letras e fotos nunca vistas.
Cada um dos CD’s está arranjado separadamente, com os títulos referidos, de modo a assegurar uma perspectiva tão completa quanto possível da variedade de estilos musicais experimentados por Tom Waits.
Brawlers é apresentado como o roadhouse Waits... Que explode, assobia e grita. São os primitivos e surreais blues, convocados os Stones, Beefheart, Muddy Waters e T-Rex.
Bawlers – Baladas intimistas sobre a tristeza no final da estrada são emolduradas por delicadas canções sobre a inocência e uma esperança jovial.
Bastards – explora o lado estranho e pouco comum de Waits. Encontramos aqui os seus temas mais experimentais e estórias bizarras. Há diversões inclassificáveis neste lado sombrio. Que atravessa e cidade com longos discursos, spoken words, ritmos vocalizados, um cover dos Ramones e uma versão de Daniel Johnston, “King Kong,” uma perturbante história de embalar e um poema de Charles Bukowski.
Imprescindível.

domingo, 26 de novembro de 2006

Imagens de Marte - 3

Sandia
Fonte: Nasa

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sábado, 25 de novembro de 2006

Crimes exemplares - 12

A festa durava há horas e parecia ter atingido o seu auge. Os convivas iam abandonando aos poucos uma espécie de formalidade transportada do quotidiano e difícil de romper. Onde a polidez calculada dava lugar ao inesperado. Todavia, ele sentia-se perdido no meio de tudo aquilo. Não que negasse uma parte ínfima do mundo - no centro da qual se encontrava - um mundo cujo poder e forças experimentava. Não que lhe fossem estranhos os perfumes inconfundíveis trazidos pela noite. Tudo se devia à sensação de não ver senão o vazio, onde esperava encontrar o esquecimento. De repente, deixou de entender o que os outros diziam. Parecia que falavam uma língua misteriosa e exótica, a que lhe era vedado o entendimento. Parecia que tudo aquilo tinha deixado de fazer sentido. Parecia que havia sido escolhido para uma provação que até ali tinha sempre partido de si. O desconforto paralisava-o. Saiu. No hall de entrada, mal reparou no olhar da rapariga do bengaleiro. Pensou convidá-la para dançar, mas limitou-se a recolher o casaco. Ainda a ouviu dizer: "Só é nosso o que esquecemos". No exterior, o ar fino por momentos tranquilizou-o. Morava no mesmo quarteirão, duas ruas à frente. Mas a cidade parecia decidida a contar-lhe os seus segredos mais funestos. Logo à frente, deparou-se com um rasto de armaduras gigantescas, ensanguentadas, espalhadas pela rua. Um coro de gemidos acompanhava as proporções desumanas do cenário. Desembocou numa praça cheia de gente, como se fosse já de dia. Percebeu que estava perdido. Perguntou a alguém o caminho para casa. Que, afinal, era logo "ali", numa rua perpendicular. Só que as coisas não eram assim tão simples. Mal saiu da praça, deu conta do aspecto bizarro das casas. As cores tendiam para o escuro. As pessoas confluiam para uma espécie de túneis entre os edifícios. Entrou num deles. A passagem era estreita. Parecia destinada a contorcionistas e não a pessoas comuns. Por fim, a custo, conseguiu chegar ao outro lado. Percebeu que estava ainda na parte alta da cidade e que precisava de descer, para chegar ao destino. Viu então uma espécie de corrimão que serpenteava pelas casas da encosta, com assentos individuais, que faziam um barulho arrepiante ao serem accionados. Como um funâmbulo, tomou lugar num desses assentos, iniciando a descida. À medida que a velocidade aumentou, deu logo conta que não conseguiria deter o mecanismo. Ouvia os risos dos "companheiros " de viagem, os ruídos próprios da cidade, mas agora ampliados até atingirem uma cacofonia monstruosa. As imagens sucediam-se a uma velocidade vertiginosa. Já nem pensava "como" aquilo iria acabar, mas "quando". Foi então que acordou, dentro do sonho. E só acordou fora dele quando, olhando para o lado, na penumbra adivinhou a presença da rapariga do bengaleiro.

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sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Animações


Já havíamos descoberto, graças ao Peopleware, o Animator vs. Animation, uma sensacional animação em Flash, assinada por Alan Becker. Tudo se passa num desktop de um PC em que corre o flash. Uma figura, farta de ser manipulada, revolta-se e riposta. No seguimento, surgiu o Animator vs. Animation II, do mesmo autor. A história é semelhante, só que desta vez a figura torna-se um ninja que desestabiliza todo o PC que o hospeda. Bom para um fim de semana de temporal.