segunda-feira, 31 de julho de 2006

Sonho de outra noite de Verão


Man Ray

sexta-feira, 28 de julho de 2006

A selva

Para rematar o caso da transexual Gisberta, o Ministério Público decidiu alterar a acusação de homicídio na forma tentada para ofensas corporais agravadas pelo resultado. Como se a vítima perdesse a qualidade de sujeito e se tivesse tornado uma coisa. Tudo bons rapazes, é o que parece depreender-se deste desvario. Que, no desiderato, mais não fizerem do que uma comissão de vigilantes populares teria feito, para limpar as ruas do vício e da aberração. Preocupante. Sobre o tema, remeto para a excelente crónica de Ana Sá Lopes na edição de hoje do DN, que me chegou por via do "Da Literatura". Já antes se tinha lido um impressivo texto de Fernanda Câncio em "Glória Fácil", intitulado "Maldita Gi".

Crimes exemplares - 6

Nessa manhã, parecia que uma improvável conspiração tinha remetido todos os meus gestos à inutilidade, à insignificância, à esfera do risível. Apetecia-me desaparecer sem deixar rasto, deixando uma tabuleta Volto Já para enganar os tolos e os repórteres. Abracadabra! Foi no supermercado que a coisa se deu. Estava na secção das frutas. Às tantas escorrego não sei em quê e caio no chão, com estrondo. Juntou-se imediatamente um coro de gargalhadas à volta. As mais irritantes vinham da empregada que estava nas pesagens, ao que juntava certas graçolas para quem quisesse ouvir. Mas era a voz, uma voz aguda e estridente, o que mais odiei. Recompus-me. Agarrei num coco e fiz pontaria à testa. Caiu redonda no chão, conseguindo-se ainda ver, por momentos, as cuecas às bolinhas.

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quarta-feira, 26 de julho de 2006

A Pimba do Pimba

Já não me ria tanto desde a chegada do homem à lua. Andava a passear pela blogosfera e não é que descobri esta pérola satírica no "Gato Fedorento". Sujeito: o site oficial da cantora ANA MALHOA. Predicados: vão lá e vejam. Não se arrependem. Para o ano que vem, quero fazer parte de uma comissão de festas de uma merdaleja qualquer para convidar a senhora átuarpróvivo.

Imagens de Portugal romântico - 5

Valença do Minho, com Tui ao fundo

Lisboa, Torre de Belém

Sintra


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Da linguagem - 2

A maioria dos homens é muito simples. Já as mulheres não, as mulheres complicam.Uma mulher nunca tem um namorado que não lhe liga, tem um namorado com traumas de infância que o impedem de comunicar. Uma mulher nunca tem um colega que não lhe liga, antes um ser torturado entre o afecto e o dever e não sabe o que fazer. Não tem um bandalho traidor e mentiroso, tem uma alma sensível com medo da intimidade e síndrome de Peter Pan e uma desgraçada de uma história de vida traumática que lhe explica os comportamentos menos ortodoxos. Para as mulheres é impossível aplicar o princípio de Occam, de eliminar o mais complicado para chegar à verdade. As mulheres, no geral, passam horas em análise depois de um encontro, depois de uma discussão, quando têm uma relação complicada. Reúnem as amigas em conselho de guerra e analisam, esmiúçam, dissecam cada palavra, cada gesto, cada atchim até lhes dar um sentido oculto e complexo. As mulheres são exímias intérpretes de sinais não verbais e de desejos subliminares, quer eles estejam lá, quer não. É a desvantagem de usar o lado direito e o lado esquerdo do cérebro. Os problemas de entendimento entre os sexos devem-se a questões de diferentes processos mentais e não só a educações e culturas diferentes para ambos os sexos. É verdade que muitos homens são complexos, mas no geral, quanto a emoções (não confundir com comoções), são claros como a água. Como diz um personagem do filme O Declínio Do Império Americano: "quando amo sinto desejo, e quando não desejo, não amo". Mainada. No geral, muito poucos homens fazem jogos mentais. Quando são opacos, esfíngicos, esquivos, é porque simplesmente não estão interessados. Só as mulheres conseguem ser tortuosas nestas coisas, porque os homens vão directos ao ponto de forma clara, mesmo que achem os seus esquemas subtis e elaborados.
Até aqui há uns anos, os homens eram educados para não mostrar emoções, serem frios e distantes. A minha geração foi a primeira que já não foi educada assim. Demonstrar emoções é coisa que não perturba. Se não as demonstramos, uma de três coisas pode acontecer: a) não estamos interessados; b) estamos interessados noutra pessoa; c) não estamos para nos dar ao trabalho, que mulheres há muitas, por isso esperamos até vir uma menos exigente. And that's all folks! Se um homem se esgueira a falar muito sobre emoções é porque ou não quer entrar ou quer muito sair da relação e não sabe bem como. Não nos incomoda a nega propriamente. Mas como elas pensam que ainda nos vemos como heróis de capa e espada prontos a servir a sua donzela, ou uns Steven Seagals prontos a andar à porrada por elas - o que no fundo até desejam, mas não admitem - detestamos ser desmancha-prazeres e dar más notícias directamente. E por isso adoramos tanto E-mails e SMS, formas ideais para acabar relações. As mulheres escreveriam cartas, debateriam semanas se era a atitude certa. Nós não, simplificamos ao telemóvel ou no MSN, evitando uma cena emocional. Nenhum homem que eu conheço sente uma necessidade inadiável de ir ter com os amigos e desabafar sobre a última discussão (será que ela ainda me ama ou a nossa relação está num marasmo?) ou dissecar aquilo que ela disse/fez/terá pensado/queria dizer (quando ela disse és um querido estava a ser simpática ou a dizer que gosta de mim de uma forma indirecta?). Estas coisas são puramente femininas. Até ver.

terça-feira, 25 de julho de 2006

Da linguagem

O Homem sabe que existem na alma matizes mais desconcertantes, inumeráveis e anónimas que as cores de um bosque outonal. Crê, apesar disso, que tais matizes, em todas as suas combinações e metamorfoses, podem ser representadas com precisão, por um mecanismo arbitrário de grunhidos e guinchos.

Chesterton, citado por J.L. Borges

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Os Idiotas


(via "Blasfémias")

Desde os anos oitenta que já nos tinhamos habituado a isto: manifestações dos
utilíssimos-idiotas-à-procura-de-causas-de-capa-de-jornal-agora-a-paz-amanhã-
logo-se-vê-os
-maus-estão-sempre-de-um-lado-desta-vez-os-bons-são-aqueles-
rapazes-adoráveis-do-hezbollah
-que-tanto-gostam-de-fazer-campanhas-de-
desinfestação-em-bairros-chiques-uns-amores-os
-maus-são-os-israelitas-e-
seus-aliados-oh-pá-foi-tão-gira-a-manif-amanhã-saímos-no-jornal...

Haja paciência para esta tropa. Ainda não se deram conta do mundo em que vivem. Não obstante, o delírio seria somente divertido, se a condescendência com o terrorismo associada não fosse imensamente perigosa, quase suicidária.
Pensar não é ter causas fáceis. A minha solidariadade está com quem defende a liberdade e o indivíduo, contra o fanatismo e a barbárie. Israel defende a sua sobrevivência como Estado soberano. É tudo. Como já diziam os romanos, às vezes é necessária a guerra para ter a paz. É o que afirma, por outras palavras, Amos Oz, o grande escritor israelita. Ver aqui.
Em relação ao abaixo-assinado que anda aí a circular, promovido pelo Movimento pelos Direito do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, onde pontificam nomes de proa da intelectualidade nacional, nada melhor do que as pertinentes questões lançadas por Eduardo Pitta, em "Da Literatura".

Para acabar de vez com as dúvidas acerca do que é e do que pretende o Hezbollah, obrigatório ir a este post, referente a um documentário exibido na Sic-Notícias sobre esta sinistra organização.


Retrato do artista enquanto jovem matraquilho

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Diga 333

O programa SIMPLEX, recentemente lançado pelo Governo, traduzido na agilização dos procedimentos adoptados pela Administração, no seu relacionamento com os cidadãos e empresas, é naturalmente de aplaudir. Especialmente num país como o nosso, conhecido pelas práticas arcaicas seguidas pelos organismos públicos, que parecem mais servir-se a si próprios do que estar ao serviço da res publica. No entanto, hellas, a simplificação estendeu-se às conhecidas nomeações políticas de assessores, adjuntos e afins. Antes, ainda havia algum decoro na publicitação destes actos, aparecendo a fundamentação curricular, ou outra, a amparar a coisa. Agora é assim. Atente-se à sobriedade do estilo: simples, clássico, audaz...




Fragmento Dois

lágrima a lágrima
o sol da terra destila
a respiração das pedras

a inquieta passagem
do vento
por entre as áleas:

aparição fugaz
a da hera
quando abraça a árvore

in "Labirintos"

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Perdições

Montezinho, Bragança

Ifanes, Miranda do Douro

Constantim, Miranda do Douro

domingo, 16 de julho de 2006

Diário de um tolo - 4

Ontem fui, como em todos os sábados, fazer o rotineiro jogging até ao Parque Municipal. Estava já na fase das distensões, junto ao lago, quando me pareceu ouvir alguém a chorar. Num primeiro momento, pensei que a sugestão viesse do chilreio dos pássaros. Pouco depois, os soluços chegaram com uma clareza lapidar. Olhei para o lado de onde provinham. Num banco de madeira, a cerca de 30 metros, estava uma rapariga sentada no sentido contrário, encostada ao espaldar. Chorava convulsivamente. Os sons ecoavam pela copa das árvores, pelos muros de pedra, pela superfície das águas. E eu ali, num ritual atlético que de repente se tinha tornado patético. Após alguma hesitação, parei e ia dirigir-me para ela, sem saber sequer o que dizer. Felizmente, nesse preciso momento, parou de chorar. Não sei o que parou mais dentro dela. Fosse o que fosse, agora nada justificaria uma pergunta, um sinal. Por muito breves que fossem, tinham o significado de uma invasão. Continuei. Foi só quando cheguei a casa que os diques ruiram. É que o choro da rapariga tinha ressoado para além do mundo físico. Tinha-se tornado o espelho perfeito da minha vida: a incerteza e a solidão extremas à procura de um talento inconcebível que delas nasça e ascenda, como uma grande música. Ruiu tudo. Exactamente como as torres gémeas no 11 de Setembro. A dor é certa e não tem fundo. É uma tocha que arde silenciosa sobre as ruínas do passado.


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sábado, 15 de julho de 2006

Ganda Fezada!

Em Portugal há um fenómeno sem paralelo, na importância e no relevo mediático: as juventudes partidárias. Autênticos programas de ocupação de tempos livres para ilustres debutantes, que um dia, se tudo correr de feição, se tornarão peças de estimação da tralha partidária. É irresistível: os dirigentes séniores não descansam enquanto a sua aura mediocritas não for ultrapassada, num mecanismo compensatório. Para isso, lá estão as jovens inutilidades à espreita de um lugar ao sol. É um padrão estatístico, por muito que custe aos analistas de serviço. Mas nada, mesmo nada, poderá suplantar a solene nulidade de um António José Seguro ou de um Manuel Monteiro, ou de um Pedro Duarte, ou da melancia Heloísa Apolónio, miniaturas de típicos caciques partidários e conhecidos ex-dirigentes jotas. Autênticos case studies à espera dos politólogos.
Esta introdução serve para um apontamento acerca do Congresso da JS, que decorre este fim de semana aqui na Guarda. Terra tradicionalmente pêésseira, onde pontificam os boys mansos, devidamente pastoreados por uma nomenclatura de patuscos "sempre em pé". Ora, segundo informações que me chegaram através do "Corta fitas", os meninos portaram-se à altura. De registar algumas pérolas do pensamento político contemporâneo, encontradas numa das moções votadas. Espero que o Gato Fedorento dê conta deste filão. Estão preparados? Ora aqui está:

"Dificilmente um grupo de 25 jovens brancos, todos homens, produzirá ideias realmente inovadoras."
"Vamos abandonar as frases feitas e os jargões (a começar pela palavra jargão!).
"Vamos juntar JS e uau na mesma frase!"
"Pensamos que já ninguém questiona que o mundo está a mudar e depressa. E já há algum tempo, perguntem ao Camões!"
"Podemos falar de cegonhas ou do lince ibérico, ainda é assim é política!"
"Aos jovens cabe escolher entre a JS e o ginásio. JS ou Morangos com Açúcar?"
"A Europa é um conteúdo, não um continente."
"Precisamos de aumentar a natalidade."
"Temos que nos livrar da dependência do petróleo."
"Devemos racionalizar, diversificar. A aposta num só cavalo não parece uma estratégia acertada."
"A opção pelo nuclear não deve ser negligenciada."
"O potencial da energia solar é igualmente imenso."
"Ninguém é dono das nuvens."
"Cérebros tristes não produzem."
"Acabou o sexobofismo e o secretismo. Tabus já eram."
"Todos somos sexuais."

Baril, não é? Mas por favor deixem o Camões fora disto, está bem? E já agora, quando for para natalizar, não usem a camisinha, vale?

Publicado no jornal "O Interior"

A comédia dos enganos

Diz o artigo 251º do Código Civil, sob a epígrafe "Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio": o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável...
Ora, se na Austrália a lei fôr semelhante, quero ver como vão anular este "negócio" (sim, com o mesmo significado do conhecido tema do Quim Barreiros). Foi assim que a coisa se deu: Estava escuro. Abriu a porta errada. Teve sexo com colega de casa da companheira. Mas, para grandes males, grandes remédios. Veja-se aqui porquê.

sexta-feira, 14 de julho de 2006


Manuel Portela, "Boca de Incêndio", nº 3, Dez. 2005

O Riso de Céline

«A razão! É preciso ser louco. Assim, com tudo castrado, não é possível fazer nada. Dão-me vontade de rir. Veja-se aquilo que os contraria: nunca ter havido quem conseguisse fazer um filho "racionalmente". Não há remédio. Para haver criação é preciso haver um momento de delírio

Louis-Ferdinand Céline, Ele, Rabelais, Falhou o Golpe

O particularismo da voz megalómana, voz delirante, de Céline, está em mostrar o absurdo que há em não termos fé nos sentidos, fé nas emoções. A grande idolatria que é o termos medo das sensações... medo de sentir. Com o seu delírio megalómano, procurava Céline esmagar o medo no próprio lugar em que ele mais facilmente se insinua, medo que se apodera das sensações, medo que erradamente tomamos por a verdade das sensações, medo da voz que nelas julgamos pressentir. Precisamente a tirânica voz do Verbo, essa voz que era já o demónio de Sócrates e aquela que foi depois o instrumento do poder sacerdotal dos evangelistas, esses homens capazes de mudar a «direcção do ressentimento». Mas também a voz dos gramáticos encartados e a voz presente nas boas orações literárias de todos os dias santos.

Lírico como jamais houve, homem-pássaro sem igual, Céline recusava a idolatria, e a do Verbo mais do que qualquer outra. Se escrevia era para se poder vingar da falsa «eloquência natural», para se desforrar do palavreado insidioso com que o Diabo se disfarça de bom Deus. «Temo que não nos libertemos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática», escreveu um dia Friedrich Nietzsche. Céline, esse, poderia ter dito: «Temo que não nos libertemos da gramática enquanto continuarmos a acreditar no Verbo». Eis uma equação que o sr. doutor Destouches não enjeitaria.

Escrevendo para «ganhar a vida», Céline cantava. Céline assobiava. Para isso dispunha ele de uma técnica incomum, técnica forjada numa gaguez incomparável com a qual torcia as boas maneiras da língua. Rabelaisiano, desconfiado que era das “boas sensações”, das sensações conformes ao Verbo, ninguém como ele, larápio e fugitivo, atacou tanto os poderes instalados no edifício central da sua língua materna. Ninguém como ele desarmou todas as manhas e perfídias que denunciam o outro lado do seu bom-tom: «Um tom igual ao dos liceus, um tom igual ao do jornal de todos os dias, um tom igual ao das discursatas, um tom igual ao das declarações do Parlamento, ou seja, um estilo verbal, talvez eloquente, mas em todo o caso nada emotivo». «Words, words and words»... «tics, tics et tics»...

Foi sobretudo pelo modo como empregava o argot, pelo modo como passava o «falado» a «escrito», pelo modo, enfim, como nessa transposição encontrou a única forma possível de exprimir a emoção (para ele a fonte de onde brotam os actos essenciais da vida), que Céline se tornou conhecido. Conhecido, sim, mas jamais amado: «La gloire ne va qu’aux morts, n’est-ce pas. Les vivants n’arrivent qu’à l’Académie». Sob este aspecto, Céline era profundamente mal-educado, obsceno até, ele que, exigente, cruel, vigilante, submetia as palavras a uma intensa tortura de parto. Mas Céline nunca quis contar, ele quis apenas fazer SENTIR... Eis a fórmula para o seu generoso conceito de estilo. Com ele, é a própria emoção que se transforma imediatamente em carácter. Não se pode pedir muito mais...

Se, por acaso, Céline leu Beckett deve ter rido e sofrido com a imaginação do irlandês. E se a grande crença de Kafka – e o que, por meio dela, permite ligar o judeu de Praga ao jesuíta de Dublin – é a consciência de que há uma «culpa» que nos é exigida em troco do saber que «há qualquer coisa em nós que é indestrutível», ou, dito à maneira do irlandês, que subsiste, apesar de tudo, «um continuar quando não se pode continuar», para Céline a paciência é uma virtude de beatos. De beatos cansados das emoções que apenas a vida – e não o Verbo – pode justificar. Precisamente a Santa Paciência do Verbo que ensina às ovelhas a boa maneira de balir... «“No princípio era o Verbo.” Não! No princípio era a emoção. O Verbo veio depois, para substituir a emoção, tal como o trote substitui o galope, mas o galope é que é a lei natural do cavalo; ao trote obrigamo-lo nós».

São conhecidas as birras de Céline contra a dialéctica. Contra o arrazoado. Contra as ideias. Contra a propaganda. Neste aspecto, o seu lirismo é o avesso aristocrático do sermonismo democrático e universal de Saúl de Tarso. Também por isso é Céline contra tudo aquilo que não incarna. Contra si-próprio, contra Céline, o histrião preciso. Clínico, conhecedor, quente, eis Céline, o construtor de emoções. Nada, em suma, que nas profundezas da língua se agitasse, lhe escapava: nenhuma maleita, nenhum pus, nenhum micróbio, nenhum tumor, nenhum cancro. Prosa natural e impressiva, prosa também homeopática, a do doutor Louis-Ferdinand Destouches, prosa contra o Verbo de um médico obcecado com a saúde das emoções, pluma lírica emotiva de um naturalista empenhado em curar aquelas infecções da língua que tornam doente a sensação da palavra.

Puritano como era, quando Céline ria, ria para aliviar a garganta, para desgaguejar a emoção, para lhe apagar, por instantes, as reticências. Para evitar o bem e o mal. Para recusar o bem e o mal do Verbo, para recusar, no fundo, o Pecado Original, «não é verdade?», diria ele. Emoção Plena. Inteira. Capaz. Viva.

António Bento, "Boca de Incêndio" nº3, Dez. 2005

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Syd Barrett (1946-2006)


Co-fundador dos Pink Floyd em 1965, com Waters, Mason e Wright, compôs muitos dos temas da banda nos seus primórdios. O album "The Piper at the Gates of Dawn"(1967) — praticamente criado por Barrett - colocou os Floyd no centro da cena musical psicadélica londrina.
A crescente instabilidade de Barrett, exacerbada pelo consumo de LSD, levou-o a abandonar o grupo em 1968, sendo substituído como guitarrista por David Gilmour.
Posteriormente, lançou ainda dois albuns a solo — "The Madcap Laughs" e "Barrett".
Nos anos 80 retirou-se para a sua cidade natal - Cambridge - dedicando-se à pintura e abdicando de qualquer aparição pública.
Apesar da brevidade da sua carreira, as frágeis e delirantes composições de Barrett influenciaram vários músicos, de David Bowie — que produziu um cover de "See Emily Play" — à formação posterior dos Pink Floyd, que dedicaram o album "Wish You Were Here" ao seu antigo colega.

Sobre Barrett, veja-se este artigo da BBC News e sobretudo este post, ou este, que vale pelos 2 vídeos incluídos: Syd Barrett sob LSD + «Interstellar Overdrive»

Único - 2


A minha causa é a causa de nada”, é a expressão com que Stirner anuncia o seu programa, para depois acrescentar “Há tanta coisa a querer ser a minha causa! A começar pela boa causa, depois a causa de Deus, a causa da humanidade, da verdade, da liberdade, do humanitarismo, da justiça, do meu povo, da minha pátria, a causa do espírito e milhares de outras. A única coisa que não está prevista é que a minha causa seja a causa de mim mesmo!” Significará este auto-declarado egoísmo um bluff para espantar os incautos, um solipsismo ingénuo? Não, é a afirmação da soberania absoluta da singularidade de cada indivíduo, do único, contra todas as formas de dominação, incluindo a Revolução, o “Homem”, o sagrado, a consciência e o Direito. A começar pela fascinação, pela obsessão que os indivíduos sentem pelos espectros, as formas mais insidiosas de revelação do tal espírito. Que a dialéctica hegeliana desembocou numa servidão ainda mais tirânica: o materialismo histórico e a sociedade perfeita no seu termo, segundo Marx.
Quando o livro saiu, em 1844, foi como uma bomba de efeito retardado. Os censores bem hesitaram em conceder o imprimatur, por fim autorizado porque “demasiado absurdo para ser perigoso”. Logo após a sua publicação, Marx encarou Stirner como um alvo a abater, tendo escrito uma crítica demolidora, por sinal mais extensa do que o livro, e que permaneceu inédita até à sua morte: São Max.
O “estranho individualismo” de Stirner foi abundantemente citado e absorvido por gerações de estudiosos e artistas, mas raramente entendido na sua profética genialidade e quase sempre recalcado como um passageiro clandestino do pensamento. É que o tempo dele ainda mal começou.

Único - 1

Em Março de 2004, a editora Antígona publicou O Único e a sua Propriedade, de MAX STIRNER, Trata-se da sua primeira edição nacional, com tradução de João Barrento e posfácio de Bragança de Miranda, justamente intitulado” Stirner, o passageiro clandestino da história”. Aí pode ler-se que "nem é tanto Stirner que é um autor maldito; o seu livro é que foi amaldiçoado, uma e outra vez, ao longo dos anos, e das modas. (...) Trata-se de um livro extremo; mal se abre e se começa a ler, uma voz argumenta, seduz, insulta, combate e provoca"...
Em 1841, Stirner havia aderido ao Die Freien (os livres) um grupo de jovens hegelianos de esquerda, que tinha como figuras de proa Ludwig Feuerbach e Bruno Bauer A ideia base que os unia era a crença de que a dialéctica implicava que a História percorreu duas épocas absolutamente distintas: o materialismo intuitivo dos antigos (o mundo das coisas) e o mundo do espírito, próprio do cristianismo, cabendo encontrar uma nova síntese.
Feuerbach afirmou que a reverência que temos por Deus é antes pelo género humano, isto é, “a essência do homem é o ser supremo do homem”, ao que Stirner responde que o é, “precisamente por ser a sua essência, e não ele próprio”, sendo indiferente “ver a essência em mim ou fora de mim”. Para Stirner, o cristianismo situou sempre o ser supremo num duplo além, o interior e o exterior, sendo que o “espírito de Deus” é, ao mesmo tempo, “o nosso espírito” e “mora em nós”. Então “nós, coitados, somos apenas a sua “morada” e quando Feuerbach destrói a morada divina do espírito e o obriga a mudar-se de armas e bagagens cá para baixo, nós, a sua morada terrena, vamos ficar muito superlotados”. Para depois concluir que, afinal, “Os nossos ateus são pessoas devotas”.

A Coisa

Acabou a euforia patriotico-futebolística - algo entre o histriónico e o cinemático - vivida durante a quadrianual jornada épica. Desta vez rematada com um pedidozinho de benefícios fiscais para os heróis. Melhor era impossível. Ora, avesso que sou à combustão induzida, preferindo a espontânea, e membro convicto da maioria silenciosa aqui retratada, remeto-vos para a última crónica de António Sousa Homem, intitulada "A Pátria, eufórica". Para que conste, tudo o que pudesse afirmar agora, ou no futuro, sobre o assunto, já lá está.
Já agora, digam lá se a antiga bandeira, anterior à República, não era bem mais interessante. Esqueçam, como eu, as afinidades políticas. O que aqui importa é a estética e a fidelidade à história. Agora comparem-na com a actual... Quid juris?

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Para acabar de vez com a vergonha

várias esquerdas e direitas, como é sabido. Há uma esquerda troglodita, que pontifica no mundo sindical e autárquico e que reclama, por exemplo, aumentos insensatos na GM da Azambuja. Para depois se queixar quando a empresa decidiu deslocalizar-se para onde os custos de produção são mais baixos. Pelos vistos, nada aprendeu com o caso exemplar da Autoeuropa. A idade mental desta esquerda ainda não saiu do PREC. Do outro lado, temos uma direita neta do antigo regime, a direita dos privilégios, retrógrada, marialva por excesso e hipocritamente paroquial por defeito.
Todavia, há uma questão por resolver no nosso país, a despenalização do aborto. Como muito bem diz Rui Tavares no seu blogue, o referendo que tarda em aparecer é uma causa paradigmática, onde toda a esquerda pode convergir no mesmo sentido. Com efeito, seguindo o articulista, é necessário confrontar os lideres da direita e os movimentos "Pró-vida" com factos e não com projecções: as inúmeras mulheres que efectivamente já foram humilhadas e condenadas por alegadamente terem praticado aborto. A lei existe, é bom não esquecer, sendo que a pena prevista pode ir de 2 a oito anos. E a triste realidade do aborto clandestino - desde as clínicas de luxo da fronteira espanhola até aos vãos de escada - também! Não metam a cabeça na areia! Não venham com subtilezas jurídicas, distinguindo descriminalização e despenalização! Alterar a legislação vigente - artigos 140º e seguintes do Código Penal - é uma condição para colocar este País no séc. XXI. Aliás, a Igreja, se tivesse uma réstea de pudor, deveria permanecer em silêncio, neste caso. E rezar pela memória das centenas de milhar de almas que condenou na Santa Inquisição.
É pois tempo de acabar com discussões bizantinas na AR e recolocar o referendo no centro da agenda política. O que irá requerer toda a mobilização possível, uma efectiva coordenação funcional e programática, como é referido no artigo. Vamos a isso!...

Leia-se também este texto, que assinala a alteração da posição do autor desde o referendo de 1998.

terça-feira, 11 de julho de 2006

Bolas, isto é cultura...


Diariamente, é difundida, a partir da RDP-Centro, a rubrica "Centro Cultural", apresentada pelo inefável Sansão Coelho. Trata-se de uma versão minimalista e radiofónica do saudoso "Acontece", onde são divulgadas as realizações culturais na região Centro. Mas entre a intenção e o resultado a distância é abissal. Para já, fica-se sempre com a ideia que quase tudo acontece em Coimbra. O resto é paisagem. Por exemplo, quem não dispusesse de outras fontes, pensaria que aqui na Guarda nada se passaria em termos culturais.
Depois, a locução do mítico Coelho resulta num meio termo entre a célebre caricatura do Herman do repórter da rádio e um apresentador de uma casa de fados para turistas. O homem só não declama um poema logo ali, em louvor do Penedo da Saudade ou do Choupal, porque o tempo é escasso. O fraseado rebuscado, tipicamente coimbrão, não engana ninguém.
Mas o que é pior, ao ouvir este programa, fica-se com a sensação de que a cultura serve exclusivamente para passar os "tempos livres". Que a cultura do evento é rainha, revelando-se como uma melíflua e prosélita epifania, na voz anasalada de Sansão pós-desbaste capilar. Como uma conveniência apaziaguadora das fundamentais diferenças, das tensões éticas. Como o carrocel da indiferenciação acrítica. Tudo o resto, a cultura como fermento de novos modelos de vida, de diferentes percepções do mundo, fica de fora da canónica agenda. Em nome, claro está, das louvaveis iniciativas para matar os "tempos livres". Não vá o diabo tecê-las.

Publicado no jornal "O Interior"

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Fragmento Um

Lembro-me ainda mal dos dias,
como era difícil chamar os mistérios,
os inumeráveis obscuros lugares

sair dos campos gelados e
tocar de perto a palpitação
dos lábios demorando-se no fogo:

era o uivo dos cães
confundindo-nos com a própria noite

eram nomes puros
nomes duros
nomes cúmplices
revelando transparente refúgios abertos.

vieram então as primeiras chuvas,
longínquas as notícias da neve
- esse imenso cortejo das aves
buscando o chão da terra.

erguido como um arco de fogo
num canto da memória
ficou porém um retrato:

da moldura pendem ainda
os lugares matinais onde
as vozes se procuram,
o aroma das algas,
uns sapatos para os caminhos
que ninguém percorre,

mais além as vestes de um anjo
ardendo na berma do asfalto...

é fácil pois a contagem dos dias,
esse exíguo espaço
entre dois rastos de um sonho
ou duas libélulas sacudindo o orvalho

eis como surge
num relance
a fase das águas:

para o rio continuarei a atirar pedras.
por necessidade.

in "Labirintos"

domingo, 9 de julho de 2006

Perdições

Ontem fui dar a uma das aldeias sui generis da serra da Lousã: Catarredor. Resultado: sessão de chill out até às 4 da matina.
Esta povoação e duas outras ( Vaquerinho e Talasnal) - conhecidas por serem, há muito tempo, as «aldeias dos hippies», pelo facto de terem recebido nas décadas anteriores muitos jovens urbanos à procura de modos alternativos de vida - estão a ser palco, neste fim de semana (7, 8 e 9 de Julho), de vários concertos com grupos de música de vários estilos, desde o punk até ao reggae passando por sonoridades mais electrónicas.

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Imagens de Portugal romântico - 4

Porto, visto de V. N. Gaia

Setúbal

Colosseum


Vale a pena ler este post de João Pinto e Castro, em "Blogo Existo", intitulado "Fome de Bola". No seguimento, surgiu-me a seguinte suposição: e se a malograda realizadora alemã Leni Riefenstahl fosse viva? Será que não desprezaria produzir um remake do célebre Triunfo da Vontade? A prova de que o poder absoluto requer uma estética única ao seu serviço. Que se quer a si própria inultrapassável. Mas não só. O cenário perfeito seria agora, indubitavelmente, um estádio de futebol durante uma partida do Mundial de Futebol. Nada há de tão cenicamente evocativo de um poder globalizante e tendencialmente totalitário. No entanto, esse totalitarismo já não seria o das encenações nazis, de Honnecker, de Ceausescu ou de Kim-il-Sung. Estaríamos, isso sim, em presença do espectáculo difuso, nas palavras de Guy Debord. O mais persuasivo e letal de todos, acrescente-se.

quarta-feira, 5 de julho de 2006

O soccer, o futebol e o clister.

Chegou-me este artigo publicado num jornal online norteamericano. A propósito da inclusão de Portugal no top four do futebol mundial e que, pelos vistos, incomoda muita gente. Fiquei obviamente chocado. Não por razões patrióticas. Mas porque gosto de ser português, o que acredito ser incompatível com a condescendencia e a ignorância boçal manifestada nesta inqualificável redacção. Aqui, ao contrário de Oscar Wilde, não penso que falar mal de nós seja lamentável e não falar de todo seja trágico. Este "argumentário" claramente xenófobo do articulista não é gratuito. Uma opinião vale o que vale, é certo. Mas este desprezo cavernícola traduz de facto uma ignorância mais próxima do cidadão médio americano e cuja dimensão estava longe de imaginar. Corresponde a uma tendência cultural e sociológica caracterizada pela soberba.
O bom senso dos "founding fathers" da nação americana sempre me fascinou. Um bom senso de pequenos proprietários, num momento histórico em que a tecnologia ainda não tinha separado irremediavelmente o homem da compreensão e do domínio de facto dos objectos com que lida no seu dia a dia. Um bom senso que erigiu um sistema de poderes que se fiscalizam mutuamente e que da política retirou o fundamental: os factos resultam da acção e não de intenções. Sobre eles rege a lei e nada mais. Esse sistema tem impedido que o mundo se tenha tornado um local perigoso e fanatizado. Que esta identificação fique clara.
Mas existe o reverso da medalha. O imperialismo americano não é só retórica. Há uma ignorância irresponsável, uma insuportável arrogância que lhe subjazem. Que alimentam um discurso onde a verdadeira diversidade se reduz ao tipicismo uniformizador e hollywoodesco. Que demoniza quaisquer argumentos que questionem a sua superioridade (veja-se o ostracismo a que Noam Chomsky foi relegado após o 11 de Setembro). E que, finalmente, numa verborreia chauvinista, procura ridicularizar as nações de menor dimensão.

Sobre o assunto, leia-se o apropriado texto de Pedro Martins, em "Sesimbra e Ventos". Aqui

Não te levantarás!

A informação chegou-me através do suplemento "Fugas" do "Público" do passado sábado. A etnia dos Dogon habita ao longo da falésia de Bandiagara, no leste do Mali. Aí se refugiaram há séculos e desenvolveram uma cultura sem paralelo na África subsariana. Incluindo uma cosmogonia e uma arquitectura deveras singulares. Mas há uma construção que não posso deixar de realçar: os tugunas. São espaços destinados às assembeias onde os homens de cada comunidade discutem as questões de interesse colectivo. Com uma particularidade deliciosa: o tecto é tão baixo que obriga a quem lá permanece a sentar-se. A razão é simples: quem se exalta tem tendência a pôr-se num plano superior, o que no caso equivaleria a dar uma valente cabeçada no tecto. Ui! Desta forma impera a discussão serena e tranquila dos assuntos. Senhores arquitectos, querem aproveitar tão sábia definição do espaço? Na AR, por exemplo...

segunda-feira, 3 de julho de 2006

O teste


Pasme-se. Este mapa constava do enunciado da Prova Nacional de História do 12º ano, sob o título "A Europa das Ditaduras (1919-1939)"

Note-se a mais que subtil classificação da União Soviética como simples "regime comunista", não como ditadura ou regime autoritário. Por outro lado, se o mapa se refere ao período entre guerras, ignora completamente o regime republicano espanhol, que durou cerca de 8 anos. Ou será que também era autoritário? E os países bálticos não tinham regimes parlamentares? Será que estes senhores nunca ouviram falar da Républica de Weimar na Alemanha, que só colapsou face ao avanço do nacional-socialismo, em 1933? E já agora, será que a I República não existiu neste luso rectângulo?
A Fenprof tem funcionado de modo contínuo como mais uma testa de ferro do Partido Comunista. Facto que ninguém ignora. Agora que a influência ideológica se estenda desta forma ao próprio Ministério da Educação e aos conteúdos dos próprios testes, é assustador.

Sonho de outra noite de Verão

Vermeer, Vista de Delft

domingo, 2 de julho de 2006

Crimes exemplares - 5

Gosto muito de cinema. Mais filmes de acção, alguns a puxar para o sentimental. Desde que haja pancadaria e amores trocados, lá estou eu! Antigamente ia ver as fitas com a Paulinha "ruiva", na altura a minha namorada. Sempre de mãos dadas. Uma vez, durante o intervalo, aviei o Silvino com dois crosses, só porque fez um aparte rasca sobre as pernas dela.
Ora bem, aqui há uns meses aconteceu aquilo. Ah, não sei se já vos disse, mas detesto duas coisas: qua façam comentários fora de tempo durante as fitas e que me calhe um cabeçudo na fila da frente. Naquela noite ia ver, pela quinta vez, o "Casablanca". Aquilo sim, é que era um filme! Até já sabia algumas cenas de cor e salteado. Só que, na cadeira da frente sentou-se um sujeito que parecia uma torre. Pra chatear ainda mais, era ele sempre a mexer-se no assento, a coçar o cu ou sei lá o quê. E não parava de fazer comentários alarves por dá cá aquela palha. Numa cena em que estava a Ingrid Bergman em grande plano, o tanso gritou: "andas a pôr os palitos ao outro, sua badalhoca!". Não aguentei mais. Saquei da navalha que tinha no bolso e espetei-lha bem na garganta. Na assistência, houve quem se tivesse rido dos soluços dele, até esticar. Se calhar, pensavam que tinha a ver com o filme! Idiotas!
Amanhã vão-me dar as tais injecções. "Vais ficar de vez sem a tosse ", disse-me um guarda durante a revista. Não importa. Espero que haja matiné.

Ver anterior

Fresco

eis a exaltação das rosas
à passagem da luz:

apenas a terra só prometida,
como palavras talvez verdadeiras
como barcos talvez clandestinos.

eis a recordação de outro lugar,
a doçura das romãs,
as cidades adormecidas,
as oferendas de luz
ao recolhimento dos olhos:

apenas movimento sem destino
na intimidade das sombras

apenas uma aldeia. um sinal.


in "Labirintos"