sexta-feira, 30 de maio de 2008

Guarda Digital


Está disponível, a partir de hoje, o novo portal Guarda Digital. Fui fazer uma visita. O que vi agradou-me, embora se note que ainda há algum trabalho pela frente. Está organizado por sectores: notícias, directório regional, serviços, arte e cultura, pecados, desporto, jovens e uma galeria multimédia, para além dos destaques da página de entrada. Saliento, pela positiva, o segundo, que reúne informação relevante do sector dos serviços, comércio e indústria, profissões liberais, instituições, associações, etc. Nota positiva para a inclusão de um espaço onde podem ficar armazenados vídeos, fotografias e gravações audio sobre a região e também do link "Pecados": uma compilação de estabelecimentos e actividades lúdicas, incluindo as chamadas alternativas e de lazer. Dos 7 só estão representados a preguiça, a luxúria, a vaidade e a gula. Então e os outros? Será que a ira, a avareza e a inveja não contam? Algumas sugestões: na ira poderiam ser incluídos os ginásios, na avareza estabelecimentos bancários e na inveja - porque não? - as lojas de telemóveis.

NOTA: já quanto à acídia, o caso é outro. Este atípico pecado capital foi "substituído", durante a Contra-reforma, pela preguiça. Bosch ainda o incluía,
nos seus quadros, no cardápio das sete licenciosidades interditas. O termo significa, segundo tradução canónica, tristeza pelo bem espiritual, acidez, queimadura interior do homem que recusa os bens do espírito. Como se vê, trocou-se uma coisa séria por um pecadilho menor. Porquê? Quis-se adequar a moral à ordem capitalista do trabalho? A tristeza, enquanto afronta terrena à bem-aventurança eterna, é uma categoria demasiado subtil para ser sancionada liminarmente? Seja como fôr, com mais ou menos variantes, a acídia é a venialidade mais praticada na Guarda. Aqui sim, um pecado mortal.

Ganda taxa!

Foi divertido ver ontem António Costa no programa "Quadratura do Círculo", rebatendo as conclusões do recente relatório que aponta Portugal como o país da UE com maiores desigualdades sociais. A técnica argumentativa é conhecida: desvalorizar os dados principais, em função de estatísticas de segundo plano. No fundo, a utilização de uma técnica retórica conhecida como "declive ardiloso". Instruído pelos assessores do seu partido, Costa foi buscar uma coisa espantosa: o decréscimo de 7% para 6.8% da taxa da expectativa de depauperização, entre 2004 e 2006! Aleluia! Os portugueses estão cada vez mais pobres, é uma evidência. Mas com artistas assim, quem sabe se não dará para arreganhar a taxa?

Hoje, último dia!

O grande negócio

Uma leitora comenta o novo regime do divórcio, na parte em que a lei respectiva prevê que o cônjuge “que contribui manifestamente mais do que era devido para os encargos da vida familiar adquire um crédito de compensação que deve ser respeitado no momento da partilha”:

O problema das leis é, parece-me a mim, deverem ser suficientemente abrangentes. Claro que a maternidade e os cuidados com os filhos (ou com outros familiares doentes, idosos ou de qualquer modo dependentes) não tem preço. Assim, por exemplo, o que é que compensa uma mulher que abdicou da sua carreira, no todo ou em parte, devido à maternidade? Mas também, como se pode contabilizar isso? Para mim é perfeitamente claro que o casamento com filhos é uma situação que deve ser contemplada em particular e analisada segundo todas as vertentes.
Vejamos agora um casamento sem filhos, em que um dos cônjuges, oportunista, apenas se quer apropriar dos bens materiais do outro. Isto acontece! Todos sabemos!
Em caso de divórcio, parece-me que o ambos os cônjuges se poderão defender e definir o que pretendem, assim a lei o permita…
E nos casos de morte? Pelo que vejo, apenas para dar um exemplo, um casamento tardio e sem filhos continua a ser uma excelente maneira de enriquecer. Ainda hoje existem umas fadas do lar que sabem muito bem definir os seus objectivos a longo prazo.
A lei obriga a que, se pelo menos um dos cônjuges tem mais de 60 anos, o regime de casamento seja o da separação imperativa de bens,não permitindo sequer doações entre cônjuges. Aparentemente , pretende-se proteger o/a noivo/a incauto/a em relação aos seus bens e também os seus filhos, herdeiros mais que naturais. Mas na prática pode um dos cônjuges (o que tem os bens) vender o seu património e adquirir novos bens em nome dos dois. Ou fazer escrituras de venda (fictícia) a favor do cônjuge oportunista, que em geral o pressiona, invocando a sua absoluta dedicação. A mim parecem-me doações disfarçadas.
E, no caso de morte, é concedido ao cônjuge sobrevivo, apesar da separação imperativa de bens, o cargo de cabeça de casal, que fica assim com acesso a todas as informações, à casa de família (que era do outro), a tempos dilatados para apresentar contas aos herdeiros, a contratar a advogados e contabilistas (para o ajudar a ficar ainda com mais), com o pretexto de gerir a herança (e depois são todos os herdeiros a pagar…claro). O cônjuge sobrevivo pode ainda fechar as portas da casa aos filhos do outro, impedindo-os até de recolher simples recordações de família como fotos ou correspondência! Como se não bastasse, esse cônjuge, o oportunista, ainda é herdeiro privilegiado (nunca pode herdar menos da quarta parte da herança legítima) !!!
O que sobra para os filhos do falecido? A herança de conhecer a maldade humana, a possibilidade de gastar rios de dinheiro (se o tiverem) em advogados e custas de (in)justiça, a perda de tempo, o desgaste emocional de se aperceberem como ou seu pai (ou mãe) foi enganado , ludibriado e roubado por uma deliciosa fada do lar (ou por um gentil cavalheiro). Há muitas histórias destas, ainda hoje. A lei tem portanto de ser muito bem pensada e reflectida, do modo mais abrangente possível. Mas sobretudo, a máquina judicial tem de funcionar em tempo útil.
A acrescentar ao problema do divórcio, temos então a questão da morte/herança, que não deixa de ser relevante e perturba muitas pessoas, que nem o luto podem fazer em paz.

Maria Fernanda Coelho

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Imagens do Maio de 68 (5)




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A vida minimal e repetitiva - 5

A vidinha regressa, desta vez traz consigo o controlo remoto, impõe a mesmice, dirige a genuflexão, aconselha o gerúndio, a cabeça baixa, a vidinha, a crédito, a prestações, a espasmos, a sacudidelas, a repelões, a vidinha, sempre a vidinha, a que vai andando, a que vai fazendo, a que vai fintando, a que vai enganando, a que vai morrendo, a que nos transforma em suplicantes, a do fato que nunca está à medida, a prestamista das letras por descontar, a vidinha que faz promessas infindáveis, no meio do canto das sereias, a vidinha que empurra para as senhas de racionamento, que dá palmadinhas nas costas, que confunde, que divide, que falseia, que dá a ilusão do movimento, que mercadeia connosco como se nada se passasse, pois somos a sua mercadoria, a única.

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quarta-feira, 28 de maio de 2008

End games

Na sua última crónica semanal no "Jornal de Notícias", Mário Crespo propõe uma solução draconiana, mas eficaz, para a escalada dos preços dos combustíveis no nosso país: a (re)nacionalização do único operador existente, ou seja, a Galp. Os argumentos convencem. Até porque já ninguém acredita - excepto os accionistas da Galp - que, num regime de monopólio (aquele que, de facto, existe), sejam os mecanismos do mercado típicos que fazem disparar os preços da forma que, dolorosamente, os portugueses bem conhecem.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Eu queria encontrar aqui ainda a terra

foto: Tiago Rodrigues

Esta peça não é sobre a Guarda, mas paira sobre ela, sobre a sua memória recente, os seus fantasmas, as suas inquietações e os seus momentos felizes. O olhar é conduzido pelas narrativas cruzadas de duas figuras: Vergílio Ferreira e Eduardo Lourenço. Do encontro entre ambas emergem as reminiscências, os silêncios, as perplexidades, o sentir de uma mesma cidade, enquanto espaço iniciático e onírico. Às referências mencionadas segue-se a sua transgressão, por força do universo pessoal e necessariamente aleatório de cada personagem. Segue-se um segundo momento, mais próximo de um bestiário, onde são convocadas duas gárgulas, que assumem posições antagónicas, reflectindo de forma assertiva um confronto interior que antecede a criação artística. A peça desenvolve-se, numa terceira e última sequência, num cenário de ruptura em relação aos anteriores. A acção decorre no convés de um barco que cruza o oceano. Estão envolvidas duas personagens, que se encontram por acaso (ou talvez não). Ao longo da viagem, percebe-se que representam universos distintos, que precisamente naquele momento se tocam.
(os autores)

O espectáculo estreia hoje no TMG, pelas 21 30h. Mais informações, ver aqui e aqui.

Boa onda




A Rádio Oxigénio é a nova emissora oficial deste blogue. A selecção musical é superlativa. Na programação, destaque para rubricas como O2 Hi Fi, Oxigénio Elementar, Heróis no Ar, Jazz Café, Planeta Jazz, Last night a Dj saved my life, Madrugada Estado Líquido. Espaço também para o cinema, com Oxigénio Cinema, a web, com Oxigénio Internet, uma Agenda actualizada e o serviço Upload, um link directo para um servidor de notícias. De que é que estão à espera?

O terceiro mundo


A lusa feira cabisbaixa tem assistido ao napalm informativo acerca das atribulações da chegada de Cristiano Ronaldo, Deco, do contratempo de Pepe, das iguarias gastronómicas preparadas para os jogadores, as respectivas playlists em detalhe, o porquê de cinco capitães, os esquemas tácticos a seguir pelo "mister" Scolari, com a ajuda da Nossa Senhora de Caravaggio, o Ruas, eterno edil viseense (bimbo mais bimbo não há, embora recentemente alguém lhe tenha ensinado boas maneiras e como comportar-se à mesa, para a manobra de charme propagandística na Casa do Dão, louvando a "obra feita" na terrinha) afirmando a pés juntos que a taxa de disponibildade - o sucedâneo do aluguer dos contadores - que as autarquias querem fazer desembolsar aos consumidores está prevista na lei, o que fez o jogador x ao pequeno-almoço e quantos telefonemas fez o y, quem lá foi cumprimentá-los, se Nuno Gomes, o ponta de lança cataléptico que "joga bem de costas" e marcou três golos este ano, vai ou não ser titular, o patusco sempre em pé Madail a fintar os papalvos e encantar a populaça com a sua retórica de marisqueira, o "desenrolar" dos treinos, o "entusiasmo popular à volta da selecção das quinas", o bitaite avulso, o "indice físico" dos bravos, a ementa dos próximos dias, o circo, o circo, o circo ad nauseum. Entretanto, soube-se que Portugal é o país da U.E. com maiores desigualdades sociais. Mas enquanto houver bola e parola... não é Cesariny?

domingo, 25 de maio de 2008

Lido

Barak Obama parece finalmente às portas da nomeação. Mas o homem que está a chegar à meta não é o mesmo que vimos à partida. Devia ter ganho com entusiasmo – e vai ganhar matematicamente. Não devia haver a mínima dúvida acerca da sua vitória sobre um advogado da guerra no Iraque – e há. Nada o impede de ascender muito alto. Mas já percebemos que quanto mais subir, mais pequeno há-de parecer.

Rui Ramos, artigo do Público de 14 de Maio

Ler na íntegra no blogue Atlântico

Eu queria encontrar aqui ainda a terra

Foto: Tiago Rodrigues

À terceira é de vez. É já no próximo dia 28 que estreia a nova peça do Projéc~, uma produção do TMG para a Câmara Municipal da Guarda e Centro de Estudos Ibéricos. Trata-se do quinto trabalho da estrutura de produção teatral daquela instituição. O espectáculo é baseado no texto homónimo de manuel a.domingos e deste vosso criado. O qual procura situar vários encontros, intensos, irónicos e por vezes desconcertantes: da memória recente da cidade com dois passageiros ilustres: Eduardo Lourenço e Vergílio Ferreira; de duas gárgulas de granito que são o mesmo e o diferente, a matéria e o espírito; de duas personagens num ambiente exótico, cujas perguntas são maiores do que as respostas e estas provêm do inesperado. Encenação, dramaturgia, cenografia e figurinos de Luciano Amarelo. A interpretação está a cargo de Paulo Calatré e Pedro Frias. Em cena no Pequeno Auditório do TMG até 30 de Janeiro.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O turista acidental

Por uns dias na capital, conheci finalmente o espaço da Fábrica de Braço de Prata. As melhores expectativas cumpriram-se e o documentário sobre a "Sociedade do Espectáculo", de Debord foi a cereja no cimo do bolo. Hoje, uma visita ao Museu do Oriente e o primeiro espectáculo do Alkantara Festival, o acontecimento mais importante na área das artes performativas a nível nacional. Trata-se de "Tempest II", de Lemi Ponifásio" (Nova Zelândia). Seguem-se "Chácara Paraíso", de Stefan Gaegi+Lola Arias, "Bonanza", do colectivo Berlin e "The dialog series: iii. dinozard", de Faustin Linyekula. Ufa!

terça-feira, 20 de maio de 2008

A vil tristeza

Na cidade mais alta do país, não existe um estabelecimento de venda de livros, uma biblioteca pública em funcionamento, um local onde se possa ouvir Jazz à noite. É precisamente numa cidade fria, mais perto das nuvens, que fazem sentido muitos livros, muito tempo solto, algum sobressalto, o desenrolar de um fio dourado que aponte para outras latitudes, outras temperaturas. Conservar o calor não é só um tema fisiológico ou arquitectónico. Vai muito para lá de um ecossistema inteligente. Precisamente porque um ecossistema inteligente precisa de livros. De cumplicidades. Do trompete de Miles Davis pela noite fora.

Stalker

E não se pode exterminá-los?

A campanha interna do PSD, aparte a candidatura de Manuela Ferreira Leite, tem realçado algumas das patologias da actividade política em Portugal: 1º criação de candidatos underdogs, em volta de redes de interesses, numa lógica de cartelização; 2º total impreparação cívica, ética, cultural, das constelações de notáveis que vão dando à costa, com as habituais excepções à regra; 3º o triunfo do carreirismo, blindado à sociedade, às verdadeiras elites, a quem está em condições de criar dinamismo no tecido social; 4º o desfilar de notáveis, num corropio de sound bytes, contagem de espingardas, angariação de apoiantes, etc. Uma forma de fazer política que funcionava até aos anos 80. Agora esgotou. Mesmo para os novos velhos, ou os velhos novos, como Passos Coelho. A quem outro candidato já chamou "um líder para o séc. XXI". Mas o que é que estes senhores andam a tomar?

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Acordo Ortográfico? A luta continua!

Todos as razões válidas contra este, ou qualquer acordo ortográfico, podem ser encontradas neste texto magnífico de Luís Pedro Machado, "Legislar a Ortografia?". Grande parte dos argumentos trazidos já foram elencados neste blogue. Mas no texto citado são dissecados de forma superlativa. Um excerto:

"A imposição de uma ortografia à revelia do povo que a usa pode ter efeitos desastrosos. A quantidade de intelectuais e outras pessoas que se opõem a esta reforma ortográfica devia ser suficiente para que os nossos políticos fossem mais cautelosos. Na verdade, penso que não há nenhuma lei que obrigue à adopção por privados desta ou daquela grafia. Sendo assim, os escritores, as editoras, os jornais, os cidadãos em geral podem recusar-se a deixar de usar a grafia em que aprenderam a escrever e a ler. Podemos acabar por ter meio país a usar esta grafia artificial e a outra metade a usar a actual. A acontecer, seria preocupante. Mas talvez desse caos surgisse uma norma natural e livre. De qualquer modo, o que espero é que, quer por os políticos serem tomados por uma sensatez tantas vezes ausente, quer por pressão da sociedade, este Acordo não venha a entrar em real uso em Portugal. Se os nossos governantes insistirem na asneira, podemos sempre recorrer a uma espécie de desobediência civil, continuando a escrever e a publicar com esta grafia que é nossa."

Notas: Já depois da aprovação do acordo, tenho ouvido opiniões de gente séria, apelando à resignação. Como sou um "gajo de convicções" e sei de ciência certa que este acordo é uma asneira monumental, desculpem lá, mas não me resigno. Curiosamente, aprendi no budismo que, quanto maiores as resistências, mais a sério se deve tomar o desafio lançado.

Imagens do Maio de 68 (4)

Martine Franck, greve na fábrica da Renault, em Boulogne-Billancourt

Bruno Barbey, manifestação de estudantes, em 13 de Maio

Henri Cartier-Bresson, a Sorbonne sob ocupação estudantil

Henri Cartier-Bresson, Rue de Vaugirard*

* o slogan inscrito no tapume é retirado de um manifesto com 32 páginas, distribuído durante um boicote a uma cerimónia académica, por estudantes da Universidade de Estrasburgo afectos à Internacional Situacionista, em 22 de Novembro de 1966. O panfleto, cujo título abreviado é "De la misère en milieu étudiant", foi redigido por Mustapha Khayati e Guy Debord. Trata-se de um texto essencial, que sintetiza a crítica situacionista da vida quotidiana e do imperativo lúdico da revolução. Muitos vêm neste manifesto o prelúdio dos acontecimentos de 1968. A máxima "Vivre sans temps morts et jouir sans entraves" permaneceu como um hino dos soixant-huitards e de toda uma geração.

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domingo, 18 de maio de 2008

Lembrete

Ainda o coleccionador, esse capataz do espectáculo (na acepção de Debord), essa picareta cibernética que fala sobre tudo com a familiaridade de um demiurgo, esse grossista da produção cultural, que apresenta as suas escolhas por atacado, sem qualquer distanciamento crítico, esse case study essencial da blogosfera, não pára, não pode parar, quer espremer o seu não-ser até à demência, porque sabe que, ao voltar-se um momento que seja e com honestidade para dentro de si, não encontrará lá nada, a não ser fiapos viscosos de vaidade no meio do deserto, quer ser o primeiro a chegar, sempre o primeiro, enquanto ostenta os seus troféus como se fossem estandartes de um conhecimento que se resume a erudição wikipédica, circular, que nunca vai além da epiderme, que nunca toca na linguagem, que rodopia incessantemente numa vertigem autofágica, onde o silêncio não tem lugar, pois é o verdadeiro inimigo.

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Pinto da Costa recebido na A. R.

Se já tinha várias razões para relegar para o mais profundo desprezo a grande maioria dos deputados da Nação, a fortuna deu-me mais uma ajudinha. Vi outro dia na TV um conhecido dirigente desportivo, ligado ao ramo da fruta e souvenirs para árbitros, ser recebido por um grupo de deputados, fazendo as honras da casa. O tal senhor, que na altura vinha do Tribunal, foi condenado pela justiça desportiva, como é sabido, aguardando ainda o resultado das acusações que sobre ele pendem na justiça criminal. À porta, um batalhão de jornalistas. Como é possível um episódio destes? Será que os representantes do principal órgão de soberania nacional não poderão ser sancionados disciplinarmente por este escândalo? É que, expressando apoio público a uma figura que acaba de ser condenada e aguarda possíveis condenações, estão a desautorizar quem já o julgou e quem vai julgá-lo. Depois admirem-se que as pessoas - mormente os jovens - se afastem cada vez mais do lodaçal da política.

A paisagem do escritor

Criou-se a ideia de que, nos encontros literários, os escritores se aproximam do público, o público se aproxima da literatura e os livros se transformam num prato de amendoins no meio da cavaqueira. Por sua vez, cre-se que os escritores supostamente despem a sua áurea de inacessibilidade - "até falam de futebol", disse-me uma prima minha que esteve num encontro desses, há uns anos -, fazem esquecer epopeias misantrópicas e trocam acaloradamente os respectivos cheiros a sovaco. Alguns não se importam mesmo em subir a saia e deixar escapar algumas inconfidências acerca da sua próxima obra. Outros, são já profissionais da "coisa". Misturam-se no milieu como agentes infecciosos oportunistas. Nunca escreveram nada que se aproveitasse, mas o seu esforço penetro-insinuante acaba por dar frutos sumarentos. Estão quase sempre. São vistos. E se são vistos, algum editor acaba por convidá-los para. Neste caso, a chamada endurance do croquete, com final feliz. Já agora, por falar em croquete, vou dizer o que, para mim, representa a maioria dos encontros literários: sessões de punhetas colectivas. Nem mais. Isto porque os verdadeiros encontros literários passam-se, digamos, noutra frequência hertziana, noutro filme: é o escritor, quando se encontra a si próprio, ou seja, o seu terreno. Alguns exemplos: Malcolm Lowry e o México, Duras e a Indochina, Rilke e os anjos, Kafka e as sombras, Yourcenar e as ilhas gregas, Camus e o sol do Mediterrâneo, Nabokov e o exílio, Borges e os labirintos, Faulkner e Yoknapatawpha.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Acordo ortográfico? A luta continua!


Este blogue está de luto. Tal como deveriam estar todos aqueles que amam a língua portuguesa e se sentem ultrajados com expedientes de realpolitik rasteira. Foi aprovado na A.R. o segundo protocolo do Acordo Ortográfico. A reboque dos interesses comerciais e diplomáticos do estado brasileiro, meia dúzia de deputados acaba de trair oitocentos anos de história e o maior activo da cultura nacional, a língua. E fizeram-no contra a vontade da larga maioria do povo português e dos especialistas. Espero agora que todos eles, deputados, malacas casteleiros, carlos reis, pintos ribeiros, epifânios e os "multiculturalistas" de catálogo habituais, peguem na trouxa e vão passar umas férias ao país a quem fizeram o frete. Só com bilhete de ida, é claro! Este acordo irá levantar sérios problemas técnicos, científicos, sociais, económicos, que nunca foram discutidos publicamente com seriedade.
Pela parte que me toca, NUNCA irei escrever uma palavra que seja de acordo com a novilíngua sub-brasileira. Irei invocar - e já estou a trabalhar nisso do ponto de vista jurídico - o estatuto de objector de consciência. A desobediência civil estará na segunda linha. Uma coisa é certa: enquanto estiverem em funções ou forem candidatos os deputados que votaram a favor, nunca mais irei votar em eleições legislativas. É claro que vou apurar o nome de toda essa colecção de coliformes fecais nas actas da A.R.

Nota: Manuel Alegre, mais uma vez, e Zita Seabra, com alguma surpresa, destoaram da apagada e vil traição.

Graffitis - 31


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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Acordo Ortográfico? Não, obrigado! (6)

1º Ao contrário do que dizem os defensores do Acordo, discordo que haja letras que não servem para nada. No caso das consoantes mudas, elas existem precisamente para "abrir" a vogal imediatamente seguinte ou anterior. O seu desaparecimento vai levar a absurdos, do ponto de vista fonético.
2º Por outro lado, é verdade que a reforma de 1911 eliminou muitos arcaísmos. Mas fê-lo numa perspectiva de aperfeiçoamento linguístico e não como um trunfo político e diplomático, ou mera cedência a interesses comerciais.
3º No mundo da informática, já se instalou a norma da existência de duas variantes do português, pois a maioria dos programas e dos sistemas operativos dispõe dessa opção.
4º A convergência dos CPLP é desejável, mas não acredito que seja uma prioridade para a comunidade, a não ser para o Brasil, por razões geo-estratégicas.
5º Por outro lado, existe um exemplo paradigmático - o inglês - que desaconselha a unificação por via administrativa. Os EUA, pelas razões que se conhecem, cimentaram a posição dominante do inglês como língua global. O léxico e a ortografia dos dois lados do Atlântico apresenta diferenças assinaláveis. No entanto, num feliz exemplo de pragmatismo anglo-saxónico, encarou-se tacitamente o facto como uma oportunidade de enriquecimento e expansão, da língua, sem a desvirtuar. Até porque, a norma culta continuará a ser sempre a britânica. Algo que o as editoras sabem muito bem.

Tertúlia blogosférica

Diamantes de sangue

A recente campanha promovida pelos factotum ao serviço da cleptocracia angolana, no "Jornal de Angola", é mais do que intolerável. Os alvos vão desde Mário Soares ao "Público e ao "Expresso", passando pelos comentadores do programa "Eixo do Mal". O regime de partido único vigente naquele país é comparável à situação anterior no Zimbavué, pelas atrocidades e pela depauperização a que votou a esmagadora maioria da população. No entanto, resolveu agora condicionar a liberdade de expressão e a opinião pública no nosso país, na sequência das declarações de Bob Geldof. Lembro que este afirmou recentemente, numa conferência promovida pelo BES, que Angola era "um país governado por criminosos". A ausência de reacção oficial, por parte do Governo, é de registar, pelas piores razões. Mesmo assim, podemos ficar descansados, pois Jerónimo de Sousa, em visita àquele país, há dois meses atrás, assegurou que a corrupção em Angola não é um problema.

Vai um niquitin?

José Sócrates anunciou ao país que vai deixar de fumar. Eis uma decisão plena de sabedoria, senhor primeiro-ministro. No entanto, devia tê-lo feito (porque não ?), no dia de Ano Novo. Sim, na data em que entrou em vigor a polémica lei anti-tabágica. Para prime time seria difícil escolher melhor ocasião. Além disso, um bom charuto também pode ter mais encanto na hora da despedida. O mesmo é dizer, tudo aconselharia a ter saboreado um último cohiba na companhia do director da ASAE, no reveillon do Casino Estoril. Ano novo, vida nova. Assim, não haveria dúvidas acerca da sua determinação em abandonar o vício. Se isso o incentiva nesta luta que se avizinha, informo que no dia 19 vai fazer precisamente um ano que abandonei a confraria dos apaniguados de Nicot. Fazer jogging também ajuda, como é sabido. No entanto, sobre isso não precisa dos conselhos de ninguém.

Adenda: O seu a seu dono. Sócrates tem toda a razão em acusar certa oposição de o ter criticado por ter fumado durante o voo Lisboa-Caracas. O termo empregue é "calvinismo moral radical", embora as três palavras juntas me pareça formarem uma redundância desnecessária. Podia ficar pelo simples "calvinismo", quando muito juntar-lhe o "moral", ou então, "moral radical" também não ficaria mal. De evitar, absolutamente o "calvinismo radical", pois estaríamos face a um pleonasmo grosseiro. É bom não esquecer que o primeiro-ministro viajou num voo fretado. Não me parece que as preocupações de saúde pública, as mesmas que justificaram a proibição, se apliquem neste caso com a mesma acuidade. Além disso, convem avivar a memória: Sócrates foi-se encontrar com Hugo Chavez. O que significa que um cigarrinho antes para acalmar seria perdoado até no Julgamento Final.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Menos que zero


Finalmente, chegou ao seu termo mais uma "Semana Académica" na Guarda. Estive a ver o programa de festividades. Como devem calcular, surpreendeu-me a originalidade e o fino recorte dos eventos: Quim Barreiros, Enterro do Caloiro, Noite das Tunas, Desfile Académico, etc. Repare-se, nem sequer uma referência, por mais ténue que seja, a uma actividade onde apareçam os 40 anos do Maio de 68. Ora bem, nos dias que correm, uma academia em festa quer dizer, basicamente, o seguinte: para lá do limite, as urgências dos hospitais alerta com os níveis de alcoolemia; dentro do limite do embrutecimento alcoólico, muita "irreverência" e uma quantidade de virgindades, reais ou imaginárias, desaparecidas num combate tosco e, acredito, desajeitado (sim, porque até nestas coisas tem que haver classe, muita classe); os papás e as mamãs embevecidos com os rebentos pré dótores; os rebentos pré-dótores a fazerem contas ao medo do futuro que, por instantes, brilha no fundo de um copo de cerveja, mas que, por enquanto, deitam para trás das costas; a cidade maravilhada com tanta juventude em festa, tanta côr, tanto pólen volteando no ar, mas sem ninguém a apanhá-lo, a elevá-lo bem alto, a rodopiar com ele, acreditando nele, agarrando o trapézio, gritando aos quatro ventos: "Não! Isto pode ser de outra maneira! Isto pode ser de outra maneira"; as associações de estudantes, estruturas intermédias apaparicadas pelo poder, garantes de um ecossistema de vícios, facilitismos, vaidades, genuflexões presentes e futuras, quando chegar a hora, sim, por que tudo se paga, as tais que continuam a receber subsídios generosos para promover, impunemente, nos respectivos associados, um estado mental pré-cataléptico, uma acefalia mansa, bovina, com uns fuminhos, só uns fuminhos, de prevaricação, em datas certas, arrumadas dentro do espectáculo, adornadas com uma irresistível jovialidade, a exaltação de uma segunda oportunidade para o "bom selvagem", pensando naqueles que a falharam na infância, sim, o trocadilho é elementar, mas está a pedi-las: "as novas oportunidades", olha o elixir da má consciência, olha como a generosidade se expande, alastra como uma pandemia mental, esbarra com o entendimento nestas alturas de folias em rede, suscita uma irresistível vontade de emigrar, durante uma semana, para uma sonda submarina, um satélite, uma aldeia remota, um sítio qualquer onde ainda não abriu as portas nenhuma coisa que dê azo à criação de mais uma academia, ou seja, um pretexto para mais um electroencefalograma anual...

Stalker

Auto do Juiz de fora

Um oportuno reparo de João Tunes, quanto à impunidade disciplinar dos médicos que, sistematicamente, não cumprem os horários de atendimento nos Centros de Saúde, transportou-me para uma realidade similar, que conheço bem: os tribunais. Contam-se pelo dedos de uma só mão os julgamentos onde participei que começaram à hora marcada. As causas são as mais variadas: sobreposição de diligências, agendamento "por lotes" (isto é, marcam-se sessões para x processos, num determinado período, manhã ou tarde; depois, funciona tipo lotaria), atrasos ostensivos dos magistrados, falta de salas disponíveis, etc. Já aconteceu começar um julgamento, onde intervim, com três horas de atraso. No total, havia ali cerca de 12 pessoas à espera. No entanto, não só não se ouviu um simples pedido de desculpas por parte do juiz, como ainda parecia que estava a fazer um favor em estar ali. No entanto, note-se, as custas processuais continuam a subir escandalosamente. Mas há um caso particular que gostaria de relatar. Deparei-me por por diversas vezes com um juiz que compunha um personagem digno de um livro do Camilo Castelo Branco. Barafustava com toda a gente, sem excepção: com os magistrados do MP, porque deviam ter apresentado o requerimento x e não o fizeram; com os advogados, porque orientavam as respostas das testemunhas, ou porque falavam de mais, ou porque se tinham esquecido de alegar "em tempo", ou até porque, simplesmente, existiam; com as testemunhas porque não sabiam que o dia 1 de Dezembro era o dia da Restauração, ou porque tinham as mãos nos bolsos, ou porque falavam baixo; com os arguidos, porque sim; com o público, se alguém tossia com mais força. Ao princípio, achei piada. Num meio árido, viscoso, onde prospera a arrogância bem educada, o ressentimento embrulhado em salamaleques, é sempre bem-vinda uma nota de humanidade. Mesmo que o mensageiro se julgue, pelas funções que exerce, o representante de Deus na Terra. A certa altura, comecei a achar menos piada ao personagem, pois à benigna excentricidade somou-se uma nota de grosseria, que em nada ajudava o "toque de boca" final. Um belo dia, porém, numa conferência de partes, protestei vivamente porque não tinha sido notificado de determinado requerimento. Foi então que o inesperado aconteceu: o "monstro" pediu desculpa, com uma humildade que me deixou boquiaberto. Sem no entanto abandonar o registo beligerante. Noutra ocasião, chamou-me à parte, propondo que sugerisse a aplicação um determinado mecanismo processual penal, pouco utilizado, mas extremamente útil em casos de pequena litigância, como tive oportunidade de comprovar. Ao qual, obviamente, não levantaria qualquer reserva. Resumindo, estava-me a dar o tom para eu "brilhar". Resolvi arriscar: lembrei-lhe que tinha acabado de escrever um guião para um espectáculo de rua, na parte em que intervinha um juiz. Agradeci-lhe, então, poder ser ele agora a "escrever" a minha parte, naquele ponto. Pela reacção que se seguiu, foi óbvio que o sentido de humor triunfou em toda a linha. Por outro lado, notei uma qualidade jurídica e linguística nas sentenças da sua lavra muito acima da média. Percebi então, em definitivo, o que fazia mover realmente aquele juiz: a irritação incontida contra as rotinas paródicas dos tribunais, um dos poucos lugares onde os mais caricatos estereótipos ainda são a realidade.

Acordo Ortográfico? Não, obrigado! (5)

Continua a recolha de assinaturas na PETIÇÃO / MANIFESTO on-line contra o acordo ortográfico. As primeiras 17.300 assinaturas foram entregues em 8/5/2008 ao Presidente da Assembleia da República.

Os amigos são para as ocasiões...

Diário de um tolo

Nunca me arrependi de ter tomado aquela, ou esta, ou outra qualquer decisão. Desde que tenha implicado uma escolha entre várias possíveis, é claro. Porque era a que estava certa, naquele momento. Era essa, e só essa, a que a minha natureza profunda não pôde suster. Ou que um impulso vigoroso projectou para a ribalta. Ou, quando o gesto amplo que se lhe seguiu, acabou por cegar a hesitação e a dúvida que se lhe opunham. Ou quando a tibieza, não poucas vezes, impôs o seu catecismo. Ora, todas elas estão certas, porque todas se resolveram naquele momento, foram produzidas para aquelas circunstâncias, utilizando um termo caro a Ortega y Gasset. Outra questão, muito próxima, mas avaliada por outra unidade de medida: será que esses momentos de liberdade conduziram a resultados certos ou errados? Ir por aí é um caminho ingrato. E porventura inútil. Se um resultado se apresenta como negativo, nada a fazer. A não ser alterar as causas, para que outros semelhantes não se produzam.

terça-feira, 13 de maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O adeus de um campeão

Depois de vinte e cinco anos de mentira, corrupção e provincianismo que invadiram o futebol em Portugal, a decisão sobre o "Apito final" parece uma anedota. Por muito menos, o AC Milan foi despromovido de divisão. De qualquer forma, o "sistema" como rede organizada de favorecimentos, tráfico de influências, corruptores, corruptos e salada de "frutas" da época, já nem precisa existir. Foi substituído, com êxito, por um desfilar de automatismos, um ecossistema informal onde o silêncio e as habilidades acabam por ser premiadas, mais cedo ou mais tarde. A Bem da Nação azul e branca, pois claro.
Outro assunto, nos antípodas do anterior, mesmo correndo o risco da redundância: refiro-me à enorme classe de um jogador. Que dispõe de um toque de bola reconhecível à distância. Embora sem o poder atlético de Cristiano Ronaldo ou a técnica de Figo no um para um. Mas com um poder de explosão, uma precisão nos passes de ruptura e um domínio de bola que compuseram um virtuosismo que vai deixar saudades no futebol. Fez ontem o seu último jogo oficial. O seu nome é Rui Costa. Só lamento não ter lá estado para o aplaudir de pé.

domingo, 11 de maio de 2008

A Fábrica

De megafone em punho, recomendo uma visita ao novo espaço da Fábrica do Braço de Prata, ao Poço do Bispo, em Lisboa. Trata-se de um "projecto conjunto das Livrarias Eterno Retorno e Ler Devagar", que originou uma livraria com 12 salas (com nomes como sala Nietzsche, Kafka, Visconti e Arendt, entre outros) e 3 ateliers, numa área total de 700 m2. Todavia, mais do que uma simples livraria, é um conceito aplicado a um espaço onde os livros, mais do que uma mercadoria, são a matéria-prima. Como se divulga no site, aí se pode "jantar entre livros, ouvir música, divagar pelos amplos corredores com livros na mão ou espreitar as exposições. Mas também se pode assistir a concertos e debates ou ver um filme". Aceitam-se propostas de lançamentoa de livros e/ou revistas e projectos artísticos. A programação propriamente dita é um mimo. Não ver os filmes que vão ser projectados em Maio, sob o tema "Ciclo Revoluções", até dói. E falo de todos eles. Mas só para abrir o apetite, lembro que, no dia 21, será exibido o filme "La Société du Spectacle", de Guy Debord. Quanto à música, comecei mesmo a subir pelas paredes por não poder assistir ao concerto da "Kronstadt Big Band" - comemorações dos 40 anos do Maio de 68, uma congregação de músicos capitaneada por Carlos Zíngaro. É o que dá viver numa cidade onde as principais notícias têm a ver com as urgências do Hospital e a necrologia (ou, vá lá, quando o Tony Bacoco, descompensado dos medicamentos, se transforma em vários, qua andam por aí a insultar toda a gente, a que é e a que não é). Quanto às conferências, meus amigos, aí o nível baixou um bocadinho. Acontecerão sob a forma de um seminário, cujo tema é "Pensamentro crítico contemporâneo", com sessões todos os sábados. A primeira promete. No entanto, convidar para a última o monolítico Nuno Ramos de Almeida (com aquele discurso estafado da velha "esquerda") é de gosto duvidoso. Toda a informação está disponível no site. Onde os visitantes são recebidos com a música do filme "O Olhar de Ulisses", de Theo Angelopoulos, composta por Eleni Karaindrou. Quem estiver interessado, poderá também inscrever-se na mailing list, para se manter actualizado sobre o que vai acontecendo neste espaço de eleição.

Aqua criativa


Estreou no passado dia 5 no TMG o espectáculo de teatro infantil "Os Duendes do Lago". Inserido no projecto "Aqua criativa", do Serviço Educativo da instituição, irá manter-se em cena até dia 28, com duas sessões diárias. O texto é deste vosso criado, a encenação é de Élia Fernandes e a interpretação a cargo de Inês Mexia (com voz off de Américo Rodrigues). Conta ainda com música original de Victor Afonso e vídeo de Américo Figueiredo. Na altura em que escrevo este texto ainda não vi o espectáculo, tendo assistido, no entanto, a um ensaio, uns dias antes da estreia. A reacção tem sido, ao que julgo saber, entusiástica. Parabéns aos participantes. Termino com um apontamento pessoal e, quiçá, surpreendente. Escrever este texto foi o desafio mais difícil com que me deparei na criação de guiões para espectáculos teatrais. Escrevi várias histórias sucessivas, mas nenhuma delas me agradou. Só à quarta é que o resultado me satisfez. E em todo este processo houve um fascinante apelo de um regresso à infância. Não como um eldorado perdido, mas como um local onde, mesmo por trás da mais delirante fantasia, tudo acaba por ter um sentido. Precisamente aquele que lá não está.

Duas visões de maio de 68


Forget 68, de Daniel Cohn-Bendit, ed. L'Aube, 128 pgs, Maio de 2008
(conversas com Stéphane Paoli et Jean Viard)


O Maio de 68 explicado a Nicolas Sarkozy, de André e Raphaël Glucksmann,
trad. Rui Santana Brito, ed.Guerra & Paz, Maio de 2008

Nota: recomendo a leitura da entrevista de ambos, pai e filho, a Kathleen Gomes, publicada no suplemento P2, do "Público de 2 de Maio.

Toma lá dá cá

Resolvi dedicar-me, neste domingo, à cirurgia dos transplantes na área do hardware. O mesmo é dizer, "autopsiar" dois computadores, um para ser usado e o outro como reservatório de componentes. De modo a retirar de um tudo o que possa aumentar a performance do outro. Uns chamam a isto "artilhar" a máquina, outros um exemplo de reciclagem. No fundo, trata-se da aplicação à informática da célebre teoria das vantagens comparadas, um princípio de economia política desenvolvido por David Ricardo, em Inglaterra, nos princípios do séc. XIX.

Playlist da casa (10)



O novo arquipélago gulag

O PCP é uma das únicas excrescências fúngicas do século XIX que sobreviveram no hemisfério ocidental. Representa, de forma excelsa, o mundo das trevas, do ressabiamento, da demência ciclotímica, da demagogia mais descarada. Para sobreviver além da ala geriátrica da História, não hesita em capitalizar "descontentamentos", alguns legítimos outros nem por isso. Dizem representar os trabalhadores, essa "vanguarda" convertida ao euromilhões, mas nunca os vi denunciar a ausência de sindicatos na China, o actual "farol" do socialismo. São os vendedores de time sharing da espontânea indignação e criação de movimentos sociais por parte dos cidadãos. O modelo económico e social por que uivam na rua e no Parlamento é o de uma nação totalmente assistencializada pelo Estado, só com "direitos", o "emprego para toda a vida" como norma, despedimentos só no caso de desvio à ortodoxia estalinista, os sacrossantos direitos dos trabalhadores repetidos na missa todos os domingos, um delírio burocrático e irresponsável, a regressão a um mundo arcaico, uma nova Albânia, um regabofe pago não se sabe por quem, pois para os comunistas isso é o que menos interessa.
Depois da revolta dos professores, faltava algo na "agenda de luta" dessa choldra. Pois bem, eureka, a reforma do Código de Trabalho veio resolver a aflição. Acolitados pela esquerda-caviar do BE, criaram uma moção de censura, destinada exclusivamente ao show off. Forças que representam 12% do eleitorado pretendem subverter a vontade da esmagadora maioria dos portugueses, em nome de ícones e fanfasmas. Talvez seja por isso que tanto abominam a "democracia burguesa". A vontade do povo só atrapalha.
O que nos traz este projecto de reforma do C.T.? Muita sensatez, mexendo nalguns tabus para aqueles que só defendem o emprego dos apaniguados e não a criação de emprego efectivo. Por outro lado, combate-se a precaridade dos vínculos laborais, mediante uma penalização da taxa contributiva para quem recorre aos (falsos) recibos verdes e incentivos fiscais à contratação efectiva. Não vou aqui analisar ponto por ponto a proposta do Governo. Quero no entanto acrescentar mais uma razão que acentua a risibilidade desta onda de contestação promovida pelo PCP. Quando estive um ano no sector informativo de uma delegação da Inspecção Geral do Trabalho, a atitude recorrente dos trabalhadores que acorriam aos serviços era simplesmente "fazer contas". Qualquer esclarecimento suplementar sobre outras possibilidades de actuação ou de consciencialização da sua cidadania, qualquer resultado não expresso numa máquina de calcular, caíam em saco roto. Será que são estes trabalhadores que o PCP e o BE dizem defender? Por outro lado, assisti a situações caricatas em que os próprios sindicatos induzem em erro os seus próprios associados, informando-os, em caso de litígio, dos níveis salariais do CCT para o sector onde eles fossem mais elevados e não, como seria normal, daquele que era efectivamente aplicável no caso concreto.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Começar e acabar (2)

Como atrás referi, a American Book Review recenseou as 100 melhores frases de início e fecho de romances. Após ter destacado três começos memoráveis, cabe agora fazer o mesmo com os finais. Aqui vão então as escolhas:

1. "A way a lone a last a loved a long the"
James Joyce, Finnegans Wake
2. "…tenho de continuar, não posso continuar, vou continuar."
Samuel Beckett, O Inominável, Assírio & Alvim, 2002
3. " - Tudo isso está certo - respondeu Cândido -, mas é preciso cultivar a nossa horta."
Voltaire, Cândido, Guimarães Editores, 2005.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A longa marcha

Em dia de aniversário, é justo falar dos espectros e das correrias sem destino. Das arrumações enganosas, mas infalíveis, onde o amor nos coloca. Acerca dos primeiros, a imprevisibilidade da sua aparição assusta mais do que comove. O que está mal. É a razão febril, é certo, mas ainda a razão. Ou seja, muito mais do que a razão. Uma grandeza por momentos privada do oxigénio da esperança, quando a solidão real, fora de qualquer tentação lírica, bate nas vidraças. E que, num ambiente rarefeito, acaba por reformular a sua lógica ferida à luz desse instantâneo. Podia ser algo como: "O pior fez-se anunciar, portanto vou ter de abandonar o medo de ver o pior acontecer". Por outro lado, os aniversários são também lugares sem tempo. Projectos arrumados no meio da correria. Retomo aqui o que então escrevi por alturas do novo ano. "Algures na vida chega o lugar da gratidão. Por aqueles que nos amaram - poucos, após esticar o balanço com honestidade - por aqueles que não o souberam ou eu não soube, pelos erros que tão bem denunciaram o caminho, pelos outros que não passaram de hesitações, por aqueles que esperaram, divididos entre o orgulho e a queda, pelo consolo da ronda à volta do claustro, pelo fogo que triunfou, por vezes, no cume da insurreição e das sombras, pelas cinzas que foram ficando, pelos caminhos só ainda depois caminhos, pela assembleia de convidados que o vento trouxe e o vento dissipou, pelo orgulho que tudo rasgou, pelos céus de van gogh, pela poeira onde tudo se irá resumir. E brilhar."

Nota

Exprimi aqui a minha estranheza por nunca ter sido convidado para fazer uma crónica para a Rádio Altitude. Na resposta, embora não tendo que o fazer, o seu director remeteu um simpático e cabal esclarecimento acerca do modo de funcionamento dessas crónicas. O qual agradeço, embora tenha dúvidas em aceitar. O que implica, naturalmente e para encerrar a questão aqui, a supressão do post original.

Imagens do Maio de 68 (2)

Quartier Latin, Paris


Praga

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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Começar e acabar (1)

Há dois anos atrás, a American Book Review recenseou as 100 melhores frases de início de romances. A esta iniciativa seguiu-se, recentemente, como seria lógico, o seu contraponto, i.e., as 100 melhores frases de encerramento de romances (pdf). A título pessoal, destacaria, de entre as primeiras, três momentos raros:

1- "Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira."
Lev Tolstoi, Anna Karénina, Relógio D'Água
2- "Através da cerca, por entre os intervalos das pétalas encaracoladas, eu via-os a dar tacadas."
William Faulkner, O som e a fúria, Dom Quixote, 1999
3 - "Alguém devia ter difamado Josef K., pois, certa manhã, sem que tivesse feito qualquer mal, foi preso"
Franz Kafka, O Processo, Assírio & Alvim, 1999

Acordo Ortográfico? Não, obrigado! (4)

Mais de 15.000 assinaturas constam do Manifesto/Petição Contra o Acordo Ortográfico, documento que quinta-feira será entregue ao presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, por uma delegação dos signatários do documento. Ver aqui notícia completa.

A este propósito, mais uma vez, convém lembrar o óbvio:
1º Esta reforma foi feita ao arrepio da etimologia do português, do seu padrão europeu.
2º Ao contrário das reformas anteriores, nomeadamente a de 1911, feitas a pensar na eliminação de arcaísmos, esta destina-se exclusivamente a adaptar a grafia do português padrão à grafia brasileira.
3º A esmagadora maioria dos especialistas, mesmo que por razões não coincidentes, tem vindo a a recusar este acordo.
4º As alterações propostas têm um impacto real e dramático na vida de toda a gente, uma realidade ignorada pelos promotores do acordo.
4º A míngua de argumentos dos defensores do protocolo degenerou na patética acusação de neo-colonialismo e outras pérolas do politicamente correcto, dirigidas aos que tomaram posição contra o acordo.
5º Esta luta envolve realidades mais profundas do que à partida se julga: é a realpolitik dos que usam a língua como instrumento diplomático e a ligeireza que sempre impuseram na discussão pública do problema. A língua não é propriedade de ninguém, mas uma marca indissociável da nossa história e da nossa cultura.

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Stalker

Momentos Zen - 40

Só encontrará a sua vida aquele que a perdeu.

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terça-feira, 6 de maio de 2008

Estudos para um ódio de estimação perfeito

O arquétipo generosamente esculpido do espertalhaço, que arrecadou uns fundos na formação no "bom tempo", o suburbano da roulotte na Caparica, o tal da sardinha assada, o tal que fala alto na tasca mas baixa as orelhinhas com o Senhor Doutor, o tal que montou uma empresa de sondagens, depois de alguém lhe ter explicado que não eram furos artesianos, o tal que se mexe no "meio" sindical, cujo patois vai soletrando, à mistura com um arremedo de discurso tecnocrático que copiou dos "empresários", que sempre invejou secretamente, o tal que tem um primo no Ministério, o tal que sabe umas coisitas de relações de trabalho, que agitou umas bandeirinhas na era do aquário, o bacano que se vai safando, que manda uns bitaites esclerosados, que defende as suas cores, que exibe uma langue de bois desconcertante... ecce homo!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Contraponto (5)

Edições Tinta-da-China, 2008
PVP Lojas Fnac: 16.02 €
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A obra recolhe entrevistas a Luiz Pacheco, publicadas entre 1992 e 2008, com introdução e organização de João Pedro George. Foram entrevistadores: Baptista-Bastos, Carlos Quevedo, Cláudia Galhós, João Paulo Cotrim, João Pedro George, Mário Santos, Paula Moura Pinheiro, Pedro Castro, Pedro Dias de Almeida (sim, é mesmo o Pedro da "Visão"!), Ricardo de Araújo Pereira, Ricardo Nabais, Rodrigues da Silva, Rui Zink e Vladimiro Nunes.

O Luiz Pacheco criou uma personagem, contribuiu voluntariamente para levantar uma lenda à sua volta, ou fomos nós que a criámos? As duas coisas. Luiz Pacheco sempre foi um crítico arrojado e um tipo singularmente divertido, um trocista desbragado, com um desplante e uma sem-cerimónia invulgares. Um homem que não levava a sério as regras consuetudinárias nem os convencionalismos da moral. Em suma, alguém que não fazia parte da normalidade social, aquilo que as sociedades consideram um indivíduo «extravagante» ou «excêntrico». Ora bem, por via de regra, todos os grupos humanos têm, sempre tiveram, o seu quinhão de excêntricos, necessitam mesmo deles. O excêntrico é algo que se deve ter, um adorno que fica bem, mais a mais no mundo das artes e das letras, que necessita mostrar a sua diferença relativamente aos outros meios sociais (mais «vulgares»), e cujo prestígio assenta, em grande medida, numa retórica da originalidade e da transgressão. O excêntrico, como no passado os bufões ou os bobos — aqueles que diziam «cousas loucas e cousas acertadas» (Manuel Laranjeira) — é alguém que tem por função divertir, provocar, surpreender, ou seja, aliviar a tensão que nos provocam as exigências dos compromissos sociais.
(ler aqui na íntegra)

do prefácio "Cousas loucas acertadas", por João Pedro George

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sexta-feira, 2 de maio de 2008

Imagens do Maio de 68 - 1


Clamor



Tudo bem ao chamamento
Noite após noite o que dissemos e
O que nunca diremos - a viagem
Com uma giesta de algodão presa nos cabelos e
A sensação fresca de um sulco de aves na pele

Tudo vem ao chamamento- os lobos
Os anões as fadas as putas as bichas e
A redenção dos maus momentos - enquanto te barbeias

Vês no espelho o homem
Cuja solidão atravessou quase cinco décadas e
Está agora ali a olhar-te - queixando-se da tosse
Da dor de dentes e do golpe que a lâmina fez
Num deslize perto da asa do nariz

Não sei quem é - sei porém que vai afogar-se
Naquela superfície clara quando dela se afastar e
Abrir a porta para sair de casa murmurando: tudo
Vem ao chamamento
Por dentro do clamor da noite.

Al Berto