terça-feira, 31 de outubro de 2006

Acabou de sair mais um número da revista Atlântico. Trata-se, quanto a mim, da melhor publicação sobre temas de actualidade política - e não só - existente em Portugal. A maioria dos articulistas são igualmente bloguistas activos, notando-se uma desenvoltura e um discurso escorreito muito próprios da blogosfera. É claro que as análises efectuadas nem sempre merecem a minha concordância. Mas habituado que estou à ideia de que o bem-comum é uma categoria necessariamente partilhada, sei reconhecer quando ela é feita com pertinência. O que é o caso.
Neste número, de realçar o excelente artigo de Enrique Pinto Coelho intitulado Espanha-Portugal: de costas voltadas?, acompanhado de um pequeno glossário dos grandes equívocos entre os dois países. Como por exemplo, o fantástico artigo definido "lo" utilizado no "portunhol" ou "espanholês" corrente, o "Juanito Camiñante" e outros lugares-comuns, aqui desmistificados. Destaque também para os artigos Pacto para a Injustiça, de Nuno Garoupa - uma análise crítica do que falhou no recente pacto entre o PS e PSD - bem como O Aborto: um dilema Liberal, por Rui de Albuquerque - uma breve recensão bem enquadrada e plural do problema, numa perspectiva liberal.

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Every leaf is a flower

domingo, 29 de outubro de 2006

Êxodus

Fui ver a última produção teatral do Aquilo. A peça chama-se "Êxodo Rural: Rural Industrial", com encenação de Bernhard Bub. Um espectáculo visualmente poderoso, graças a uma complexa estrutura cenográfica, em metal, onde foram acoplados vários maquinismos, instrumentos de percussão e adereços mecânicos. Decerto se pretendeu reproduzir um estaleiro de obra pós-industrial, onde as funcionalidades cénicas se multiplicassem. De realçar igualmente a banda sonora, que conseguiu evocar as ambiências pretendidas.
No entanto, notam-se aspectos menos conseguidos. Desde logo, ao nível da direcção de actores, sendo notório que estes, em alguns momentos, deambulassem de forma errática pelo espaço, numa completa descoordenação de movimentos. Dando a entender que não havia marcações específicas para esses períodos.
Por outro lado, o espectáculo enferma de um problema estrutural que já havia detectado nas últimas produções dos Fura del Baus: uma sucessão de efeitos - espectaculares, é certo - mas sem qualquer fio narrativo que os enquadre, como se o artifício valesse por si próprio. Ora, no teatro, o artifício só é entendível se ao serviço da naturalidade. De outra forma, o actor desaparece, substituído por uma série de automatismos de ordem técnica.
Mas há ainda um equívoco fundamental na arquitectura desta peça: uma ingenuidade tributária de Rousseau, que inquina definitivamente qualquer suposto propósito pedagógico associado. No texto que acompanha o espectáculo pode ler-se: Nós próprios, perante a onda industrial do progresso, temos a sensação que este desenvolvimento nos divide em duas partes e que nos poderá custar as nossas origens, a nossa cultura e até a nossa própria existência. (...) Por entre o barulho da "máquina" os humanos ainda procuram a sua sorte. Como se poderá depreender, este discurso sinaliza um retorno de 200 anos, transportando-nos aos luddites - um movimento nascido da Inglaterra, no início do séc. XIX, contra a mecanização da indústria têxtil e que promovia a destruição pura e simples das máquinas - e ao inefável bom selvagem. Ignora-se completamente a modernidade - com a sua apologia da máquina, a descentralização do objecto artístico, o nihilismo como condição moderna por excelência - propondo-se um retorno a uma naturalidade que a própria peça desmente, enquanto proposta artística.
Dois pormenores ainda.
Em primeiro lugar: a colocação da palavra Pátria, em letras gigantes, no topo da estrutura, como instância repressiva, é de um mau gosto inqualificável. Faria sentido há 30 anos atrás, no contexto da época. Hoje é um simples erro grosseiro de casting. Não é a "Pátria" que oprime, mas a avidez, a impunidade, a mediocridade sufragada, a desresponsabilização generalizada, os micro-medos que tomaram conta de nós, que infantilizam e armadilham o desempenho da cidadania.
Em segundo lugar, e como não podia deixar de ser, o "politicamente correcto" faz a sua aparição triunfal, neste excerto do texto atrás mencionado: Até que um muro de arame farpado cercou a Europa, fingindo a salvação do status quo e impedindo a entrada de outros povos, outras culturas mais pobres. Repare-se que não está só em causa a entrada de "outros povos" , mas também de "culturas mais pobres", assumindo-se um irresponsável e piedoso - embora camuflado - eurocentrismo assistencial, produto da mesma má-consciência que leva a relativizar o terrorismo, por exemplo, ou a desculpabilizar a hostilidade dos tais povos que não admitem a "diferença" da Europa.

Publicado no jornal "O Interior"

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Crimes exemplares - 10

Aquela manhã tinha todas as condições para acolher uma vida pouco exaltante, previsível, em que os acontecimentos se empilhassem como maçãs numa caixa. Mas há sempre que contar com a música do acaso, ou melhor, com a cacofonia ensurdecedora do desconhecido. Que, de repente, baralha todo o cálculo, dinamita toda a previsão, esmaga toda a certeza. Saí de casa acompanhado do meu irmão, com destino a uma loja de material informático. O objectivo era comprar alguns consumíveis a preço de revenda, após o que iria apanhar o comboio à estação central. Estava tudo a correr bem, até chegarmos perto do centro comercial. Mas eis que, por causa de umas obras na estrada, esta encontrava-se vedada ao trânsito. O que obrigou a um "desvio" por "mares nunca dantes navegados", durante cerca de vinte minutos. Nesse périplo, houve de tudo um pouco: circulação pela via reservada aos transportes públicos, inversões de marcha pouco ortodoxas, pedidos de informação aos chamados transeuntes - sendo que um deles era gago - passagem de semáforos no limite, etc. Por fim, lá chegamos. Num ápice, voámos até à tal loja. Mal entrei, apercebi-me do insólito: o empregado, num vagar oriental, contava dezenas de parafusos minúsculos no interior de uma caixa, alheado da nossa presença. Dissemos então ao que vínhamos. Por fim, lá se dignou a atender o nosso pedido. Dirigiu-se ao local onde estavam os artigos e, após um minuto de reflexão - presumo que de ordem metafísica - lá trouxe o que pretendíamos. O pior foi o pagamento. Num ritmo de fazer envergonhar uma lesma, introduziu no PC os dados para as fichas de cliente. Quando ia para pagar com cartão multibanco, informou que o terminal respectivo não estava operacional. Corri até ao andar de cima, onde, numa caixa MB, esperei durante cerca de 10 minutos que dois idosos fizessem uma transferência bancária. Por fim, contas feitas, rumo à estação. Naquele momento, faltavam 15 minutos para o comboio partir. Entretanto, no percurso até ao carro, a embalagem contendo as caixas de DVD rompeu-se. Imagine-se! O que obrigou a uma recolha caricata no meio do trânsito. Já no carro, começou uma corrida louca até ao comboio. Que contou com uma troca de mimos com um taxista num semáforo, várias ultrapassagens impossíveis, um desesperante camião de recolha do lixo pela frente, etc. Por fim, chegámos. Exactamente em cima da hora. A custo, "teletransportei-me" com a bagagem até à linha respectiva, rogando algumas pragas pouco recomendáveis a pessoas sensíveis. Só que, comboio nem vê-lo. Pelos altifalantes chegou então a canora mensagem, naquele som característico semelhante à celebre cena das "Férias do Senhor Hulot": por motivo de inundações, a circulação nessa linha estava suspensa. O transporte era assegurado por autocarros até à próxima estação. O meu já tinha saído, é claro. Lindo! Nesta altura, ultrapassados os limites do razoável, fui tomado por uma estranha impassividade. Telefonei ao meu irmão, contando-lhe o que se estava a passar. Deu meia volta e veio buscar-me. Não foram precisas mais do que meia dúzia de palavras. Dirigimo-nos à loja, manietamos o empregado e metemos-lhe a cabeça dentro da caixa dos parafusos. Ainda hoje estou para saber como os peritos forenses explicaram a existência, no seu estômago, de dezenas de objectos metálicos com 5mm de comprimento.

Ver anterior

Imagens de Portugal romântico - 10

Porto, Ponte das Barcas
Vila Nova de Milfontes

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Notícias da blogosfera

Dois blogues portugueses estão nomeados para a edição deste ano dos BOB Awards. Diário de um Quiosque concorre na categoria de blogwurst, que premeia os mais criativos, e Podcomer na de melhor blogue. Os Best of the Blogs Awards (BOB) são organizados desde 2004 pela rádio alemã Deutsche Welle.

«Conheça as novidades, a facturação, as despesas, as dívidas, as histórias e os gamanços. Tudo ao pormenor. Saiba o que vende mais. Leia, comente e participe na gestão de seis metros quadrados. Aproveite, é inédito», escreve o autor do Diário de um Quisque como sendo o lema do blogue, que tem o objectivo de descrever o quotidiano de um ponto de venda de imprensa.

No Podcomer são apresentadas receitas de culinária em formato de podcast. Como diz o autor na apresentação, "Aqui, além de ver as imagens e ler as receitas, podem ouvi-las. Coloquem as receitas no vosso leitor de MP3 e vão para a cozinha! Podem parar a emissão à vontade ou repetir e não ficam com papel espalhado por todo lado." Sugestivo, não acham?

Em 2004, Portugal trouxe um BOB Awards, ganho pelo Ponto Media do jornalista António Granado. Os vencedores são escolhidos pelo público no site The Bobs, onde se pode votar até ao dia 11 de Novembro, de entre os 150 nomeados nas 15 categorias.

Fonte: Diário Digital

Sinais

Há uns dias atrás pude dar conta de algo nunca visto na Guarda: um arrumador de carros. Os mais cínicos poderão dizer que tal ocorrência é mais um sintoma de urbanidade, que tardava em chegar a uma pequena cidade ainda marcada por uma ruralidade degradada. Para mim, o fundamental é ter percebido de imediato que esse arrumador é exactamente igual aos que invadiram Lisboa ou Porto. O olhar é o mesmo. O estado de necessidade idem. O mesmo se diga da suave extorsão com que angariam os meios para sutentar a sua adição, promovendo, sem o saberem, uma espécie de taxa consuetudinária destinada a satisfezer fins próprios de quem a recolhe. Uma espécie de imposto do vício, da mesma forma que certos grupos terroristas utilizavam o célebre "imposto revolucionário" - pagamento exigido às empresas e comerciantes, em troca de protecção - para se financiarem. Retomando a ideia inicial, a espantosa identidade de procedimentos destes arrumadores provém de um único factor: a necessidade. Ela vence o medo, a conveniência. Triunfa sobre qualquer barreira geográfica ou sociológica. É assim.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Minha cabeça estremece com todo o esquecimento

Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa,
uma só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.

Sei que os campos imaginam as suas próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos de rosas.
E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente eu pudesse acordar.

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino do pensamento.

Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.

- Era uma casa - como direi? - absoluta.

Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metia as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.

Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.

As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
--- Era húmido, destilado, inspirado.

Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.

Era uma casabsoluta - como direi? -
um sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.

- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem para amar e ruminar.
O leite cantante.

Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.

Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda melancolia,
com furibunda concepção.
Com alguma ironia furibunda.

Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete.
Sou alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.


Herberto Helder, Poemacto II

A pergunta

D.R., 1.a série—N.o 203—20 de Outubro de 2006

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Resolução da Assembleia da República n.o 54-A/2006

Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, a Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.o e da alínea j) do artigo 161.o da Constituição da República Portuguesa, apresentar a S. Ex.a o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Aprovada em 19 de Outubro de 2006.

Notas:
1. Não acham que isto tem vírgulas a mais?
2. Sobre o assunto, já aqui tomei posição.

domingo, 22 de outubro de 2006

Dogville

Ao que tudo indica, o blogue "Guarda Mal" acabou os seus dias. Muitos guardenses, nos quais me incluo - e não só - tinham-se habituado a reconhecer neste espaço uma lufada de ar fresco no quietismo acrítico que domina a vida da cidade. Um autêntico serviço público. Num exercício atento e informado, o blogue foi dando a conhecer aos cidadãos aquilo de que uma imprensa local geralmente domesticada e medíocre não fala. Nas pequenas cidades como esta, existe frequentemente um pacto social invisível, que vai preservando a mentira até onde pode. Mais: dá azo a que essa mentira paire como um manto regulador, como a única estratégia de sobrevivência, como um dogma, como uma regra a que não se pode fugir. Esta espécie de suave omertá tem efeitos devastadores para o verdadeiro crescimento da cidade.
A medida da importância do blogue pôde ser medida pelo tipo e intensidade das reacções adversas que desencadeou e que acompanhei: de casta, corporativas, de feudos, etc. Comum a todas elas, o ódio à existência de um verdadeiro espaço público, um fórum transparente, um denominador mínimo comum e tendencialmente neutro onde as questões respeitantes à urbe se discutam com clareza e com coragem. No fundo, o ódio à tal inscrição de que falava José Gil, em "Portugal, o medo de existir".
Por ele passaram em revista questões incómodas como a mediocridade generalizada e a falta de qualidade do ensino no IPG, as tentações populistas da "classe" política local, a ineficiência e amadorismo do NAC, o completo desnorte e incompetência da actual direcção camarária em matérias como o investimento público, a captação do investimento privado, de modo a fazer frente aos baixíssimos níveis de ocupação da economia local, a ausência de uma estratégia turística e de imagem para a cidade, a debilidade política do actual presidente, subalternizado às agendas políticas dos seus congéneres de Viseu e da Covilhã, o patético site da CMG, a inacreditável exposição das T shirts de Alves Ambrósio, a fulminante elevação de Luís Filipe Reis a símbolo da cidade, a insólita endogamia ao nível dos funcionários da Câmara, etc.
Pela minha parte, embora pontualmente em desacordo com algumas análises, e admitindo a existência de uma hidden agenda por detrás, insisto que foi com todo o mérito que o blogue se tornou uma referência no débil espaço público da cidade. Cuja efemeridade se lamenta, embora se compreenda.

All that sheet

Existem alguns autores por essa blogosfera com livre curso para lançar areia aos incautos. Um deles é João Miranda, escriba de serviço no Blasfémias. JM, como muitos "liberais", detesta a verdadeira liberdade e quem a reivindica. Para ele, "liberdade" significa unicamente não interferência do Estado na esfera económica. Só que ela tem que ser associada necessariamente ao aprofundamento da democracia e da igualdade. O núcleo duro das liberdades negativas tradicionalmente reivindicadas pela escola liberal aparentemente pouco lhe interessa. O que a autêntica liberdade (de criação e não só de consumo) realmente acarreta - livre arbítrio, coragem, criatividade, empatia com a vitalidade interior - são incomodidades descartáveis. Agora, a propósito da ocupação do Teatro Rivoli, lançou nova cruzada contra os "parasitas" da cultura, que criam para as "elites" com o rico dinheirinho de todos nós e, sobretudo, dos intrépidos liberais como ele. Ver aqui, aqui, aqui e aqui.
Por cá, já tinhamos detectado alguns intelectuais "desenvolvidos" com discurso semelhante. No propósito de todos, faltava criar mais uma linha da frente, esta traumática para os "liberais": a cultura. No fundo, temem as grandes criações do espírito. Temem-nas porque procedem de uma instância que, digamos, não podem quantificar. E além disso põe em causa a base com que construíram a sua vida. Sem o crivo do "divino" mercado. Suspeito que JM, como os seus correligionários, leram muito à pressa autores como James Buchanan. Para este autor, o problema político fundamental consiste em averiguar até que ponto o interesse particular pode ser limitado em função do bem comum. Segundo ele, tal restrição só pode admitir-se mediante um acordo derivado de uma decisão comum. Esta ligação umbilical entre democracia e individualismo, bem como a ideia de que, num mundo sem conflitos não haveria necessidade de delimitar direitos, procede de Hobbes, em quem o autor se inspirou grandemente. A ideia da "eleição pública" é boa, mas demasiado ingénua e praticamente fora de questão para além do universo anglo-saxónico e escandinavo.
No caso concreto da ocupação do Rivoli, é claro que o timing escolhido pelos ocupantes foi desastroso. Acabaram por dar um tiro no pé e, como efeito secundário, mobilizaram os sectores mais atávicos contra a "subsidiodependência". Parece-me óbvio, depois de analisar os números em causa, que o Teatro Plástico beneficiava de uma situação de privilégio, num equipamento público de uma grande cidade, e cuja reabilitação custou muito caro. Uma média de 30 espectadores por sessão, na sua última apresentação, é avassalador. Para além de que os resultados artísticos apresentados deixavam muito a desejar. Mesmo assim, deveria ser o MC a corrigir estas situações, penalizando os grupos subsidiados que não atingissem determinados objectivos, qualitativos e quantitativos. E intervir directamente no modelo de gestão que vier a ser escolhido para este, como outros equipamentos culturais, em consonância com a autarquia portuense. Mas é claro que JM e afins esfregaram as mãos de contentamento, perante este episódio. Fazendo dele o que não decididamente não é: uma bandeira.

PS: leiam-se as caixas de comentários dos posts mencionados. O pior da sociedade lusa está lá: a inveja, o provincianismo, o ressentimento ou a arrogância de classe ou de casta, as "tias" desocupadas e intriguistas, os grunhos do costume, com títulos académicos ou não. Enfim, uma mostra exemplar e edificante, um caldo que deveria merecer a atenção de politólogos e sociólogos.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Crimes exemplares - 9

Ao acordar, foi imediatamente tomado por uma nostalgia impossível de reconhecer. Aos poucos, numa manobra de diversão, concentrou-se no dia que tinha pela frente. Para ele, a esperança começava a ser um bem escasso, intermitente. Um adiamento de si própria. Foi então que a névoa se começou a dissipar, lentamente. Ao primeiro raio de sol, o quadro apresentou-se aos seus olhos de tal forma que quase vacilou: o mar. Era o apelo do mar, o apelo de um local sem memória. O epílogo luminoso do desconhecimento de si mesmo. O cume onde tudo haveria de arder, numa festa pagã. As nuvens dissolveram-se completamente. Era o mar à sua espera, a memória fora da carne, a memória que nada sabe de si própria. Afinal, era tão simples: agora ele era o rio que iria percorrer o seu caminho natural. Nada mais. Mas agora não havia tempo a perder. Deixou alguns recados. Vendeu a colecção de miniaturas. Doou a biblioteca à escola local. Fez alguns telefonemas. Um deles para o local de trabalho, dizendo que ia de licença de parto. Pensaram que tinha enlouquecido. Por fim, compôs uma improvisada bagagem e fez-se ao caminho. Era o início da grande viagem. Sem partidas falsas. Aquela cuja conclusão é incerta, aquela cujo olhar inventa e nos inventa.

Ver anterior

Proust segundo Botton

O ponto de partida de How Proust can change your Life é o de que um grande romance é um poderoso agente de transformação da vida. Esta é uma reivindicação pouco habitual: embora o mérito do romance seja largamente reconhecido, raramente se investiga porquê. How Proust can change your Life utiliza Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, enquanto base de uma pesquisa sustentada em torno do poder e importância da literatura. Este romance, aparentemente um périplo obscuro e risível, emerge como uma inestimável fonte de discernimento acerca do amor, da sociedade, da arte e do significado da existência.
O livro revela as reflexões de Proust de como fazer reviver uma relação amorosa, escolher um bom médico, gozar umas férias, fazer amigos e reagir a um insulto. Um retrato vívido do excêntrico, mas profundamente compassivo autor, construído graças a extractos de cartas, ensaios e ficção, acompanhados de um comentário sobre a faculdade de a literatura poder alterar as nossas percepções fundamentais.
Alain de Botton tem-se distinguido como o mais sofisticado dos autores naquele sector do mercado editorial que é normalmente apelidado de auto-ajuda. Neste caso, e como se perceberá, a singularidade reside em a literatura ser usada como instrumento saneador. Num claro desvio à regra neste tipo de edições, cujo cardápio inclui invariavelmente, em alternativa, ou combinados: psicologia comportamental rudimentar, microeconomia aplicada, uma vaga metafísica de cariz holístico, histórias edificantes, algum darwinismo social à mistura, ciências aplicadas q.b., etc.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

A Torre de Babel

No mundo editorial actual, escritor não é aquele que escreve, mas o que escreve e é publicado. Portanto, é a edição o que, em primeira instância, homologa a identidade do escritor, ao recair nela a pertinência necessária - ainda que não suficiente - para poder ser investido como tal. Ora, numa economia de mercado, a edição requer capital e alguém que o detenha - o publisher - no sentido que a palavra adquire em inglês: o que dispõe de meios para converter um discurso privado num discurso público. A outra figura tradicional da actividade editorial - o editor - pode reunir a condição de publisher, mas a sua função é outra: selecciona, prepara e revê os textos, funcionando por vezes como uma espécie de conselheiro-interlocutor para o autor.
Sobretudo para aqueles que ainda não encontraram o seu lugar ao sol no mercado editorial, mantem-se o sonho de publicar os seus textos sem depender da decisão do publisher. E é um sonho razoável, pois não parece justo que o filtro do que é editável dependa de uma figura pautada por critérios económicos, ainda que lhe seja reconhecida alguma idoneidade artística. No entanto, não tenhamos dúvidas: nos dias que correm, por muito que os nostálgicos insistam em encarar o livro como um simples diálogo entre o autor e o leitor, essa comunicação nunca é directa. Entre ambos existe um espaço onde é o publisher que fala mais alto. Sendo a sua voz cantante e sonante. O sonho de pôr de lado o publisher já vem de há muito. Contudo, recentemente levou um empurrão considerável. É que a Internet propiciou um espaço ao alcance de todos os orçamentos: o ciberespaço.
Há quem delimite à partida este novo espaço de publicação, afirmando que acabará por não passar de um depósito intersubjectivo, onde a ilusão de publicar não passa de uma ilusão plurinarcisista. Não obstante, é evidente que a edição digital tornou-se um sério suporte de publicação de conteúdos. Ainda que, não é difícil imaginar, seja o capital - por via dos grandes portais ou domínios - o que acabará por regular e hierarquizar o tal sistema de homologações. Deste modo, a ciberedição concentrar-se-ia nas mãos dos novos publishers digitais, naturalmente coadjuvados pelos editores para as tradicionais tarefas editoriais. No entanto, a afirmação desse sistema de edição ciberespacial talvez clarificasse alguns mal-entendidos que têm vindo a ensombrar a tradicional e aparentemente inquestionável identidade dos escritores. Ora, do ponto de vista económico, na verdade não é o publisher quem paga ao autor, mas sim este quem paga ao primeiro, pelos serviços prestados ( impressão, promoção, distribuição, gestão), mediante contratos nos quais o autor cede à editora até 90% do que produziu, conformando-se em reter somente 10%, ou menos, sob a forma de direitos, com ou sem o correspondente adiantamento. A referida confusão é provocada pelo tempo económico em que o intercâmbio se produz: o autor, que não dispõe de capital, paga antes e cobra depois. No cenário aqui traçado para o futuro, não antevejo que venha a acontecer qualquer alteração significativa a este esquema de homologação editorial. No qual, aparentemente, é o capital que cria trabalho, quando, na realidade, sucede precisamente o contrário.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

O que um gajo descobre

No "Novas aventuras em mim" desembarquei nesta pérola, qual esclarecimento definitivo sobre o eminente significado teleológico e meta-histórico do título do blogue deste vosso criado. Dúvidas? Leia-se esta passagem: Em muitas tradições a boca e o fogo estão associados, com dragões a vomitarem fogo, o deus-Sol, daí que Jung (um dos fundadores da moderna psiquiatria) admita uma ligação sinestésica, uma relação profunda entre boca e fogo. Como, por exemplo, as expressões “boca de incêndio” como “boca de água”. Que representam duas das características do homem: o uso da palavra e o uso do fogo. O simbolismo da boca tem a sua origem nas mesmas fontes do simbolismo do fogo e apresenta igualmente o duplo aspecto do deus indiano da manifestação, Ágni, criador e destruidor.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Basta!

Ouvi agora Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, em declarações à Antena 1. Para justificar o agravamento do IRS para quem é solteiro, contemplado no Orçamento de Estado, lá perorou sobre o que ele apelida de injustiça fiscal, pelo facto de os solteiros ficarem beneficiados no IRS face aos casados. Vendo bem, o assunto podia-se resolver através de uma boa futebolada. Os que ganhassem, em vez da receberem a Taça, que per sua mao menor coomya ou coleyta peyten, como diriam sumariamente os bravos monarcas afonsinos.
Ora, diz ele que esta alegada carga fiscal imposta aos casados funciona como um desincentivo à criação de família. Atente-se à linguagem. Se em vez de família dissesse emprego, ou empresas, ou pecuária, o enunciado mantinha-se. O economicismo no seu esplendor. Portanto, para este senhor, a família "cria-se" através de incentivos fiscais. Nada mais. Tudo o resto são ninharias. Em última análise, os cidadãos dever-se-iam matrimoniar (a palavra não existe, mas eu gosto) para terem a suprema e inefável satisfação de entregar uma declaração fiscal mais levezinha. Se os tais incentivos não existissem, haveria um colapso demográfico, as Conservatórias e os registos paroquiais ficariam às moscas, provavelmente o tal cometa mudaria de direcção e já estaria a caminho, e pior, muito pior, triunfaria a união. De facto.
Estas derivas funambulescas de quem não tem mais nada que dizer já saturam. Há tempos foi a ideia peregrina do Governo em agravar a taxa contributiva para quem não tivesse filhos. Agora o mesmo Governo vai penalizar cidadãos por via do fisco, exclusivamente devido ao seu estado civil. Vão bardamerda! Em sociedades democráticas e abertas, o Estado dever-se-ia abster, definitiva e absolutamente, de interferir na esfera privada dos cidadãos: o que consomem ou deixam de consumir, onde investem ou deixam de investir, com quem e onde vivem ou deixam de viver, etc. Quaisquer que sejam as decisões lícitas que os indivíduos tomem no que se refere à condução da sua vida pessoal, o seu estatuto perante a lei é rigorosamente igual. Este moralismo de cariz socializante que estes arautos papagueiam é tão perigoso quanto delirante.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

A cena do queijo

Ontem fui ao Serra Shopping na Covilhã. Não em passeio domingueiro, mas por razões bem precisas: comprar uma placa de expansão USB 2.0 para o PC. By the way, aproveitei para trabalhar. Trabalhar? Perguntarão os mais imprevidentes. Sim, observar os outros. Começando pelas famílias completas, com prole, às praticamente, ainda sem ela, às em vias, com ou sem reservas à vista. Depois o típico cinquentão de bigode, agarrado discretamente a uma brasileira a quem o bacano ofereceu trabalho em "serviços domésticos", tratou da papelada no SEF e na IGT, sustenta com uns chequezinhos passados sobre a conta da empresa, para pasmo do fisco, e a moça, claro está, não se fez rogada: "fominha como lá no sertão é qui não, cara". Também alguns vagamente conhecidos do Liceu da Guarda, agora convenientemente circunspectos na sua roupagem conjugal, mas deixando escapar um ar enfastiado quando ela não resiste a mais uma montra, seguindo-se um olhar implorativo ao pobre diabo, literalmente preso pela braguilha, para, num assomo magnânimo, liberal, aligeirar a carteira em troca de mais um trapinho para a sua "Lurdes". Os grupinhos de mulheres de meia idade a admirar os electrodomésticos na Worten, numa acesa disputa a ver quem descobria a maior pechincha, numa excitação muito semelhante à da assistência a um show de strip tease masculino. Alguns representantes da burguesia local, tradicionalmente estúpida e arrogante. Os pestaninhas serranos, com penteado à jogador de futebol (esqueçam o Paulo Bento), lançando a fateixa, muito, mas muito discretamente, ao mulherio mais desprevenido. Uma loira (?) irritante a fazer boquinhas ao namorado, tipo criança mimada e encantadoramente perversa, à minha frente numa fila onde fui obrigado a permanecer durante 10 minutos para a tômbola dos prémios. Mas também gente com ar urbano e despreocupado, que vai "ali", mas não é "de ali", que cintila de outra forma e cujas noites deverão ser muito mais interessantes do que os dias. E pronto, lá me despachei. Foi mesmo divertido.

sábado, 14 de outubro de 2006

Diário de um tolo - 11


a devastação tornou-se um manual de sobrevivência


Passeando na blogosfera - 5

Em "Um mundo imaginado" o post perfeito para um dia imperfeito:
setembro é outro lugar. nunca parti para setembro como para abril. chego a setembro. frequentemente, é de noite. não sei quem chegou, quem dorme ainda. em setembro esperam de mim uma rentrée e eu caminho devagar. sei que estás em festa, pá. mas eu caminho devagar. porque setembro é outro lugar. outra estação.
("Sepetember is not a pleasant country")

O poder não está nesta rua

Foram muitos os milhares de funcionários públicos que, graças à manif convocada pela CGTP, entupiram Lisboa na Sexta-Feira. Mobilizados pelos profissionais do agit prop de Partido Comunista, transmitiram ao País uma mensagem precisa: "não queremos mudanças". São o rosto de um Estado gigantesco que tudo invade, porque tudo quer controlar. E a máquina necessária para o fazer, que se alimenta dela própria, tem gente por trás. Quem pagará o Estado providência? "Logo se vê", parece ser a resposta dos manifestantes. Ora, a medida da resistência dos funcionários públicos sinaliza a maior ou menor pertinência das reformas empreendidas pelo Governo. Tanto mais necessárias quanto maior for a contestação de determinados sectores. É que, vendo bem, manifesta-se quem pode. Quem vive realmente no limiar da pobreza - ou sobretudo quem não se enquadra nos perfis tradicionais da "luta de classes", ou da cartilha mediática - não tem quem pense por si. O mundo sindical, ao serviço das agendas partidárias, só quer saber do seu umbigo. As novas e inorgânicas formas de exclusão são-lhe completamente estranhas.
Este ano, no exercício da minha actividade profissional, já intervi em cerca de quarenta nomeações no ambito do apoio judiciário. Os honorários por este serviço não são pagos desde Dezembro do ano passado. Isto é, quer eu quer os meus colegas estamos a financiar antecipadamente um serviço que incumbe ao Estado assegurar. Que retribui desta forma. Portanto, se os cidadãos se manifestassem pelas SUAS razões e não por colagem às conveniências partidárias ou corporativas, talvez a história fosse seguramente outra.

Pró ano há mais

Ao turco Orhan Pamuk foi atribuído o prémio Nobel da Literatura. É sempre bom saber que os académicos de Estocolmo estão atentos a tão ilustres desconhecidos. E que o politicamente correcto, muito mais do que a literatura, é a pedra de toque da difícil escolha. Parece que o escritor - adicto de Istambul como Kavafis o fora de Alexandria, embora este não tenha sido nobelizado - tentou ligar o romance clássico europeu com o imaginário de cariz oriental. E que já tem uma vasta obra publicada, embora só duas obras o estejam em Portugal, "A Cidadela Branca" e "Os Jardins da Memória" (ed. Presença). E que se tem notabilizado por declarações polémicas sobre a repressão dos arménios pelo estado turco. Todavia, esta atribuição, como outras recentes, dá a ideia que obedece a um sistema de quotas - de género, étnicas, religiosas, geo-políticas - assaz estranhas ao mérito intrínseco da obra contemplada. Banalizando-se o prémio e o premiado. A Literatura, essa, está de saúde e recomenda-se.

PS. Bastante mais estimulante foi a atribuição do Nobel da Paz a Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e criador do famoso micro-crédito, que já contemplou 2,4 milhões de clientes em todo o mundo.

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Spam

Precisamente neste momento, algures no planeta, alguém lança na web milhões de mensagens de correio electrónico. Que graças a informações recolhidas através de spyware, se transforma em biliões. Estudos recentes concluíram que, mensalmente, 60% dos e-mails trocados são spam. E que, em média, passamos 5 minutos de cada hora on-line a livrar-nos dele. Pelos vistos, esta rapaziada não desiste de pensar no nosso bem estar. As propostas por vezes são mirabolantes. Desde dezenas de métodos infalíveis para melhorar a performance sexual, até viagens exóticas a terras do sol posto, passando por anúncios de gadgets capazes de relegar o Tv shop à vulgaridade. Para retribuir tão grande atenção, para não dizer filantropia, seguem-se alguns exemplos tirados da minha caixa de correio:
Exemplo 1.
How are you bro ? Why don't you tell your girl you're not among all these short-lasting losers? Choose Extra-Time for a reliable comprehensive method that really cures you. Want to make your intercourse lasting and rewarding than ever before? Check up:
http://ranterti.com/gall/get/ She won't want to get out of your bedroom, hoping other girls don't find out about you.
Portanto, garanhões do hemisfério ocidental, tomem nota: vão ao site do Extra-Time e a vossa namorada já não vos deixará sair da cama, com medo que as outras dêm conta do vosso excelso desembargo.
Exemplo 2.
Hello my friend, Lots of men deal with this daily not knowing there's a comprehensive solution to the problem. Extra-Time - the name says it. It gives you extra time of pleasure and extra confidence. Many of us know the bitter feeling of not being able to deliver longer acts of mutual pleasure. See our shop:
http://ranterti.com/gall/get/ You will envy yourself as you see her eyes burning with adoration.
Como se poderá imaginar, graças ao misterioso artefacto, qualquer Zéquinha da Buraca se transformará num John Holmes. De tal forma, que a felizarda manteúda do contemplado não possa perder d'elle vista e desejo, como dizia Fernão Lopes.
Exemplo 3.
Good day my friend! Go and tell her you're not among those who try to combat this for years. Not just stopping it, but curing - Extra-Time conquers all reasons for the premature finish. Want to make your intercourse lasting and rewarding than ever before? Check up:
http://ranterti.com/gall/get/ You will envy yourself as you see her eyes burning with adoration.
O meu palpite para esta 8ª maravilha é que se trata de um esconjuro sacado a um druida, cuja utilização, com efeitos deliciosamente contra natura, vai retardando o mais possível a inevitável petite morte. As maravilhas do sexo tântrico ao alcance da mão. Gostaram do trocadilho? Basta pois clicar no site. A inefável recompensa vem então: ela olhará o atleta, de repente príncipe desejado em toda a paróquia, através de duas tochas acesas. Eis finalmente o romance, cuja história poderia acabar assim, usando as palavras do cronista: de guisa que por aso de tal achegamento, com longa affeiçao e falas ameude, se gerou entre elles tal fructo, que veiu elle a acabamento de seus prolongados desejos. Não é emocionante? Vendo bem, deve ser aqui que o Pedro Abrunhosa se vai inspirar para as letras das suas baladas...

Zambujeira nights

O Autor, num irresistível impulso dadaísta, tentando acasalar com um guarda-fatos rústico, algures no litoral alentejano

O admirável mundo novo

Via "5 dias" chegou-me esta antevisão de um futuro próximo, onde os jornais, tal como os conhecemos hoje, desaparecerão. Epic 2014 é um pequeno filme de animação em flash- que poderá ser visto através do link - feito por Robin Sloan para o Museu de História dos Media. Os actores são os gigantes da Web - Google, Amazon - que criam uma plataforma imaginária chamada Googlezon e que declara guerra ao New York Times. Este acaba por desaparecer no formato papel, subsistindo apenas online. Ficção? Nem por isso...

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

A importância da Leitura

a propósito da Comunidade de Leitores do Teatro Municipal da Guarda

As Comunidades de Leitores, com esse nome ou com outro, mas com fins idênticos, têm-se multiplicado em Portugal de há uns anos para cá. Inicialmente, constituíram-se em livrarias – na Barata, na Ler Devagar, na Almedina (a do Atrium Saldanha tornou-se referência), p.ex. – depois em Associações e Sociedades Literárias, sobretudo em Lisboa e Porto. Posteriormente o modelo tem vindo a ser adoptado por instituições culturais como a Culturgest (outra referência incontornável), bibliotecas públicas e escolas. Há também comunidades de leitores orientadas para domínios específicos, de que é exemplo a relativa a textos filosóficos, na Universidade do Minho.
Conforme se pode ler na apresentação da comunidade organizada na livraria Almedina, a razão fundamental para a existência destes eventos pode resumir-se ao seguinte: Porque ler é uma forma de resistência...Porque ler é uma forma de partilha...Porque cada leitor tem direito à comunhão com outros leitores e com os autores... Acrescentaria que essa partilha aberta é necessariamente igualitária na forma e desigual no conteúdo. Onde o objectivo não é assegurar uma mera troca de preferências literárias, ou de subjectividades, mas a criação de uma imperceptível narrativa, partindo daí. Não obstante, ainda que o cenário sejam as preferências dos leitores, o motivo é uma leitura transfigurada, filtrada pela paleta de um impressionista e revelada como uma epifania. Não se trata de uma descrição narcísica, mas de uma inscrição onde a linguagem é um pano cheio de buracos. Uma comunidade de leitores pode ser a prova de que não se lê unicamente "para", mas também "por causa", como um corsário sem bandeira, numa bárbara demonstração de um apetite de abordagem ou do abandono de uma condição demasiado humana, que não revela "boas pessoas", mas pessoas que querem pensar noutro lugar, na língua crepuscular de Sherazade. Neste ponto, seria interessante encarar uma comunidade de leitores como um retorno a um tempo onde a leitura era efectuada em voz alta – até ao séc. XVIII – adivinhando-se a sua fruição colectiva, sem perder a sua qualidade intrinsecamente íntima, bem como a presença regular dos autores.
Tenho participado regularmente na Comunidade de Leitores organizada pelo TMG desde praticamente o seu início. Uma iniciativa estimulante e inspiradora, assim creio, para quem nela participou. No entanto, à semelhança do que acontece noutras realizações similares, seria interessante convidar um autor para algumas das sessões, bem como suscitar a discussão colectiva de uma obra previamente determinada na sessão anterior.

Publicado na revista “Hora TMG”, Outubro/Novembro/Dezembro de 2006

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Imagens de Portugal romântico - 9

Estremoz
Coimbra
Mértola

Chegou a rádio interactiva

De entre as ferramentas criadas a pensar na web 2.0, destacam-se os sistemas de recomendação de temas musicais. São também chamados os novos criadores de gostos, ou seja, funcionam como os principais representantes de uma corrente que combina as redes sociais com a rádio através da internet.
O funcionamento destes sistemas é simples. Em primeiro lugar, haverá que proceder à subscrição no serviço escolhido. Na respectiva página, dispomos de uma aplicação ou plug-in, que permite que tudo o que ouvimos com frequência a partir do disco duro fique registado. Essa informação é enviada ao servidor do projecto, que a junta ao ao restante feedback que é recolhido dos restantes utilizadores. Com esses dados são iniciados uma série de processos, nos quais a inteligência artificial (mas também a humana) intervêm para estabelecer relações lógicas e intuitivas. Por último, a partir destas, o sistema oferece uma série de recomendações que podemos escutar em directo (a partir de uma radio online integrada), ou podemos aceder ao serviço de venda associado. Os métodos são vários: os filtros colaborativos e a social recommendation, através das redes sociais; a análise musical a partir da experiência de profissionais especializados, que obtém as características de um tema para a relacionar com outras sismilares; finalmente, os resultados aparecem segundo a lógica de um motor de busca, sem outra intervenção.
A ideia é simples: trata-se de praticar o conhecido princípio de pedir uma opinião a amigos ou familiares sobre música ou filmes antes do passo seguinte, isto é , escolher. Estes sistemas são similares, embora levados ao extremo, pois baseiam-se numa comunidade de utilizadores que manifesta os seus gostos e um filtro selecciona somente aquelas ofertas que nos irão satisfazer.
Os sistemas recomendados são três. O Last.fm, talvez o melhor, integra uma emissão de rádio personalizada. O que já não acontece com o MyStrands, embora o sistema esteja organizado de forma mais criteriosa e intuitiva. Por último, temos o Pandora, o primeiro a aparecer. A resposta é imediata, pois os primeiros minutos deste sistema são preenchidos com os temas das emissoras que personalizamos, muito idênticas às que pedimos na origem.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

O novo czar



A jornalista russa Anna Politkovskaya foi assassinada em Moscovo no passado sábado. Trabalhava no “Novaia Gazeta”, onde denunciava sistemáticamente os atropelos aos direitos humanos praticados pelos russos no Cáucaso e, em particular, na Tchetchénia. Publicou vários trabalhos de investigação em forma de livro, como "A Dirty War" e "Putin's Russia - Live in a failing democracy". Depois de 1989 e após alguns anos em que a liberdade de expressão foi relativamente salvaguardada na Rússia, a situação mudou um pouco após a primeira campanha do Cáucaso (1994-96). Com a chegada de Putin ao poder, em 2000, foi o que se sabe. Recentemente, a pretexto das tensões com a Geórgia, e para desviar as atenções da cleptocracia que tomou conta do país, o Kremlin tem vindo a legitimar uma onda xenófoba como nunca se tinha visto. Afinal, a vocação imperialista da Rússia continua a manifestar-se quando necessário. No blogue "Geopolítica" aparece um artigo de Nsousa, com data de Outubro de 2003, bem a propósito intitulado "A Ascenção do Czar Putin fere de morte a independência da comunicação social russa". A história está lá toda.

domingo, 8 de outubro de 2006

Passeando na blogosfera - 4

Passado/Presente : um excelente blogue, da autoria de Rui Bebiano (coordenador, que já havíamos lido com agrado em "A Terceira Noite"), Miguel Cardina e Tiago Barbosa Ribeiro, centrado em temas de história contemporânea. Como se poderá ler no editorial deste espaço, "O objectivo de Passado/Presente é produzir e manter um espaço de informação, de crítica e de debate centrado na compreensão da história do mundo actual, mas aberto a diferentes saberes e acessível a um público diversificado de investigadores e de interessados. Nele se procurará divulgar e cruzar notícias, documentos, opiniões, comentários ou apontamentos relacionados com os diversos processos e tendências da observação contemporânea do passado recente, principalmente aquele que se desenvolve, em dimensão planetária, desde os finais da 2a. Guerra Mundial até à actualidade. Passado/Presente manter-se-á igualmente atento à integração dinâmica, na experiência actual, das leituras contemporâneas do passado."

Parede de Betão ao fundo do Túnel, um blogue irresistível, pelo humor arrazador e qualidade dos textos, embora inactivo deste o final do ano passado. É editado por Lhasa Loretto, uma enigmática bloguista que agora integra a equipa do Puta que Pariu. Destaca-se uma fabulosa entrada, sob o título "Descoberta Cidade Lendária no deserto do Pamir", uma blague bem ao jeito de Borges.

Estação Central, de JSA, um espaço generalista, organizado de forma original, escrito sem displicência, ironia q.b. e bem informado. Recomenda-se. É claro que não cumpro, escrupulosamente, um dos mandamento do blogger, aí consagrado: "Não blogarás aos fins de semana. Estes devem ser reservados para obter material para a semana".

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Notícias do interior - 2

Bem sei que é a economia o que comanda o mundo. Mas a aversão que lhe dediquei desde a Faculdade tornou-se uma imagem de marca que irei preservar. Basta dizer que as duas cadeiras com que acabei o curso de Direito foram precisamente Economia Política e Direito Comercial. O estado de espírito com que fui fazer os exames era muito semelhante ao que deveriam ostentar os aristocratas franceses durante o Terror, ao ajoelharem no cadafalso. É claro que o detestado "Manual de Economia Política" do Martinez e a "Introdução à Economia" do Samuelson - um calhamaço com edição da Gulbenkian - foram prontamente despachados na Feira da Ladra. Transformando-se numa noitada inesquecível no Bairro Alto, nesse mesmo sábado.
Esta narcísica introdução serve para falar de uma outra realidade, esta mais premente, que me chegou recentemente ao conhecimento: a absoluta necessidade da conclusão da Plataforma Logística na Guarda. Pensava eu, como aliás muita gente mal informada sobre esta matéria, que a Plataforma seria uma coisa semelhante a um terminal TIR e pouco mais. Recentemente, alguém me alertou para a sua verdadeira dimensão e operacionalidade. Trata-se, grosso modo, de uma estrutura apta a assegurar a fluidez e a racionalidade ao nível da distribuição de bens e serviços. Com inegáveis vantagens para as empresas - independentemente da sua dimensão - para o mercado e, claro, para o desenvolvimento da Guarda e região envolvente. Ao que parece, graças à inércia da Administração central e insuficiente vontade política, o processo está parado e os investimentos - públicos e privados - ainda não estão assegurados. Até quando? Terão pois que ser os responsáveis políticos locais a aumentar a pressão sobre o Governo e CCDRCentro. Para que, de uma vez por todas, a Guarda não fique condenada à asfixia, hipotecando definitivamente o seu crescimento.

Notícias do interior - 1

Anteontem fui uma vez mais a Fuentes de Oñoro, cumprindo o ritual da compra de revistas sobre literatura, arte, actualidade política ou informática. O mercado espanhol, nesta matéria, é imenso, diversificado e com uma qualidade impressionante. Publicações como a "Revista de Libros", a "Leer", a "PC actual, a "Cañamo" e outras são aquisições habituais. A saudosa "Ajoblanco" desaparecida há alguns anos, não deixou sucessor à altura. A "Viejo topo", na linha da esquerda tradicional e imobilista, não é, nem de perto nem de longe, opção. Eis pois a consolação "possível" por não conseguir encontrar aqui na Guarda um número sequer da "Atlântico", a melhor revista nacional sobre política e estudos sociais.
E pronto, de caminho enchi o depósito de combustível, como já é hábito. Só para fazerem uma ideia do nível comparativo de preços, em Espanha a gasolina sem chumbo 95 custa menos 30 cêntimos do que cá. Ainda pensei em dar um salto a Ciudad Rodrigo e rever com calma a exposição de arte sacra Las Edades del Hombre, em exibição na magnífica catedral. Todavia, optei por lá ir durante a próxima semana, num horário menos congestionado.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Liturgias - 2

Ontem à tarde fui a um desses extraordinários encontros com a paisagem de Outono, que um encadear feliz de circunstâncias torna único: um dia luminoso, sem a agitação do Verão, em que o labor incansável da Natureza se torna mais nítido e, finalmente, aquela disponibilidade interior para a fantasia e a redenção.
Desci até à barragem do Caldeirão, continuei até Videmonte e aí apanhei a estrada para Linhares. Em plena serra, virei por um caminho florestal cujo terminus é a Penha de Prados, a 1250 metros. Trata-se de uma formação rochosa granítica disposta como uma fortificação natural, uma escarpa de onde se disfruta uma vista estonteante. À direita a Guarda voltada a poente, e o início do vale de Famalicão. Depois, com dimensões ciclópicas, o Vale do Mondego, cavado a seguir aos Trinta, distinguindo-se a Faia e Cavadoude e, no cimo, o Tintinolho. Lá ao fundo o cume da Marofa e, mais longe ainda, a serra da Peña de Francia, já em Espanha. A norte espreita a linha ténue do Penedo Durão, em terras durienses. O anfiteatro do planalto beirão estende-se a perder de vista, no sopé da serra: as terras de Trancoso e de Pinhel, a Velosa, Vila Franca das Naves, a Lageosa, uma infindade de aldeias distribuídas até Celorico, que consegue distinguir-se no ponto mais à esquerda, com Fornos de Algodres a espreitar. Cá em cima, chegava o som dos badalos dos rebanhos, as vozes dos que trabalham lá em baixo nas tapadas, o silvo peculiar das pás a girar nas torres de captação de energia eólica...
A seguir desci até Prados e continuei por um troço não asfaltado - rodeado de castanheiros pejados de ouriços, nogueiras e lameiros - que vai desembocar na Rapa. Transposta a serra, eis-me com o Vale do Mondego aos pés, até Aldeia Viçosa. Um quilómetro depois, a cereja no cimo do bolo: paragem na Quinta da Ponte - um solar barroco onde agora se faz turismo de habitação, mas que foi bastante maltratado pelas tropas de Junot durante as Invasões Francesas - precisamente nas margens do Mondego. No local, passada a ponte medieval que dá o nome ao local, do lado direito, para o lado da Faia, fiz um pequeno percurso a pé até chegar ao melhor local para se disfrutar o rio, a mon avis. Trata-se de uma série de lajes dispostas sobre a água, que ali é represada graças a um pequeno dique a jusante, adquirindo assim profundidade suficiente para uns bons mergulhos e umas boas braçadas. Parte do percurso é feito por uma via em pedra que julgo ser um antigo caminho dos almocreves. Que desemboca numa magnífica cosntrução em pedra que já foi azenha. O cheiro da humidade, destilada pela terra e pelo coberto vegetal, é omnipresente nesta altura. Ali fiquei por um bocado, sentado numa laje, a ouvir a água correr, o vento a atravessar a copa das árvores, observando o rasto dos aviões cruzando-se no céu. Não é preciso mais para um pôr-do-sol de luxo, garanto-vos.
No caminho de volta, meti pelo verdejante vale acima, até à ponte romana da Mizarela. Mas antes, à beira do caminho, dei conta de uma macieira Bravo de Esmolfe, a rainha das maças. Bingo! A travagem foi de tal ordem que até uns cães que iam a passar se assustaram. Acontece que grande parte dos frutos estava tombado. Peguei num saco de plástico e, respigador improvisado, meti mãos à obra. Passados cinco minutos já estava o saco cheio. O perfume inebriante dos frutos não demorou a invadir o carro, que uma paragem na nascente do Caldeirão para encher o cantil só veio intensificar. E que tão cedo não se vai dissipar.
O perfume foi como um recado, uma marca indelével, um sinal de doçura que lentamente abriu um feixe de luz nos corredores sombrios das ruínas e da devastação. Pouca coisa, poderão dizer. Talvez não, talvez não...
PS: devido a um anormal esquecimento, não levei a câmara fotográfica. Por isso, snif, não há imagens a acompanhar este mini-périplo. Mas há males que vêm por bem: obrigou-me a trabalhar a linguagem de outra forma.
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quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Diário de um tolo - 10

Ser ainda como se já não fosse. Claro. Todavia, cada dia que passa estou mais certo de que cresci, digamos, por distracção. Consentindo que o estado das coisas se transformasse, a pouco e pouco, em estado(s) de alma. E de que, neste ponto, como em quase todos, a vida não permite partidas falsas. Mas sobejou ainda uma tarefa incompleta: como pôr de acordo a arte de viver com a minha forma de viver a arte? Como tornar as razões do êxtase alavancas de salvação (ignorando, para já, as outras, afinal tão aptas como estas)? Ora, como se sabe, a vida não é propriamente linear, mas também não é determinada pelo caos. E se a arte é o que fornece alguma inteligibilidade a esse caos, foi também lá que encontrei algumas pistas. Há mais ou menos dez anos, quando adaptava para teatro "Os Passos em Volta" de Herberto Helder, num poema seu pude ler "pensar com delicadeza, imaginar com ferocidade". Na altura, percebi que o começo da resposta estava aí. Mas faltava a pedra de toque para uma tríade imaginária, faltava o cume onde tudo ardesse. Encontrei-o numa das "Crónicas" de Lobo Antunes, lidas há pouco tempo - "amar com elegância". Et voilá! O puzzle estava agora completo...

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É obra!

Ora diz lá, é verdade que este blogue acabou de atingir os 5000 visitantes?
Não cominto nem desfirmo, mas é capaz de ser.
Houve algum prémio para o quinquilhanésimo incauto?
Sim, um convite para ir ver a exposição das T shirts museológicas do Alves Ambrósio no Paço da Cultura, válido para três pessoas.
Três pessoas?
Sim. Um é para o representante da Taschen em Portugal e o outro para a Margarida Rebelo Pinto.
Porquê?
O primeiro irá entregar uma menção ao A.A. de melhor cliente do hemisfério ocidental. A escritora ir-me-á explicar em detalhe de onde vem a suposta apetência das mulheres modernas por "carninha fresca", segundo a sua última crónica no "SOL". Até pode ser que a "mostra" a inspire para o seu próximo folheto.
Tu és mesmo complicado. Adiante. Que dificuldades tens sentido, agora que já és um bloguista encartado?
Muntas, a bem dezer. Mas nunca hei-se superar o desgosto por a Letícia não me ter comunicado pessoalmente que o nascituro infante burbónico vem a caminho, por supuesto.
E projectos para o futuro?
Olha, tens lume?

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Vida e opiniões de um liberal

Muito se tem falado ultimamente na blogosfera acerca de uma das transferências mais "caras" de sempre: PEDRO ARROJA assinou pelos blasfemos. Exactamente. O "think tank" do luso liberalismo mais a norte. É difícil qualificar Arroja. Para alguns terá piada. Para outros não passa de um coleccionador de soundbytes ultraliberais. Há ainda quem o leve a sério. Mais certo será encará-lo como um cromo. Um cromo com tendência para o misreading e que caiu no caldeirão errado quando era pequenino. De vez em quando delira, mostra uma irreprimível propensão para a excentricidade, atingindo um ponto em que a desrazão confina com a poesia. Para degustação, apresento-vos um vintage: a entrevista que lhe fez Fernanda Câncio para a revista "Grande Reportagem" em 1993. Que poderá ser aqui lida na íntegra.
A partir de ontem, o PÚBLICO on line reabriu o acesso gratuito à edição impressa, com excepção das colunas e artigos de opinião. As alterações contemplam igualmente novos serviços para os assinantes e melhorias na pesquisa de textos. Ver aqui notícia completa.
Loomis Dean

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Uma aventura no país do Simplex

Recentemente, chegou-me ao conhecimento mais um caso insólito, demonstrativo de como a Administração Pública lida com os cidadãos. Um amigo meu, desempregado, após consulta das acções de formação disponíveis no IEFP, inscreveu-se num curso intitulado Gestão de Instituições Sociais, destinado a ACTIVOS qualificados, note-se. Passados uns meses, recebeu uma convocatória para se deslocar ao Centro de Emprego da Guarda, referente ao mencionado curso. Pois bem, à hora marcada apresentou-se e, após uma breve apresentação, fez uns testes psicotécnicos. Passados uns dias, foi lá novamente, para uma entrevista que concluía o processo de selecção e entregar uma declaração em falta. Foi-lhe dito que reunia todas as condições para frequentar o curso, que começaria em Outubro. Três dias depois, é informado por telefone que, afinal, já não podia ser admitido, uma vez que, embora dado como desempregado, tinha actividade aberta nas finanças. É claro que o meu amigo ficou estupefacto, pois a sua actividade profissional habitual é residual. Por outro lado, após ter questionado os serviços, foi informado que o curso, embora estivesse previsto na modalidade pós-laboral, tal não fora contemplado para este Centro. Parece mentira, não parece? Gostava então de saber para que é que existe o IEFP? Pelos vistos, em vez de dar conta das condições reais dos utentes que a ele acorrem, faz uso de práticas e de regras absurdas, privando as pessoas que REALMENTE precisam, de se valorizarem para o mercado de trabalho. Que graças a umas habilidades estatísticas, se vai tornando num mero agente de propaganda dos Governos, manipulando os números para parecerem mais pequeninos e cada vez mais próximos da ficção.


Publicado no jornal "O Interior"

A biblioteca de Tamegroute

Os livros são ainda os testemunhos por excelência da memória. Correspondem a uma das poucas características universais, comuns a qualquer cultura: a necessidade de registar os sonhos, os pensamentos, as fantasias. Borges relatou numa das suas obras que o mesmo Imperador que mandou construir a Grande Muralha da China foi o mesmo que mandou destruir todos os livros existentes no Império. Como se, por causa disso, o tempo começasse a correr de novo e a memória se apagasse.
Ora, o encontro, o verdadeiro encontro de civilizações começa por pequenas coisas. Algumas irrisórias. A biblioteca de Tamegroute podia ser um exemplo. Tamegroute é uma pequena aldeia marroquina no sopé do Atlas, rodeada de jardins e de uma terra cor de argila. Mas é sobretudo o local de uma das mais prestigiadas zaouïas de toda a África do Norte.
Fazendo parte do mesmo edifício onde funciona uma confraria religiosa e um centro de estudos teológicos, a biblioteca encerra tesouros imemoriais. Foi fundada por Mohamed Abu Nasr no séc. XVII, a partir de obras adquiridas ao longo das suas várias peregrinações a Meca. Cada uma das suas viagens transformou-se num périplo de vários anos: Egipto, Etiópia, Arábia, Iraque, Síria, Pérsia…
O acervo contempla desde manuscritos com nove séculos, tratados científicos, obras religiosas da idade do ouro do Al Andaluz, exemplares do Corão gravados a ouro, sendo o mais antigo do séc. XIII, iluminuras em pele de gazela e, sobretudo, uma tradução de Pitágoras para árabe, com 600 anos, numa época em que esta ainda era a língua das ciências. Em Tamegroute, os autores persas e gregos repousam em paz. E foi graças às traduções árabes que o seu saber foi transferido para o Ocidente, via Andaluzia, como se sabe. Filosofia, mística, direito e história do mundo muçulmano estão igualmente presentes em abundantes compilações.