quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Sempre a Amante Ultrapassa o Amado

O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A sua dificuldade reside no que é complicado. A própria vida, porém, tem a dificuldade da simplicidade. Só tem algumas coisas de uma dimensão que nos excede. O santo, declinando o destino, escolhe estas coisas por amor a Deus. Mas que a mulher, segundo a sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, isso evoca a fatalidade de todos os laços de amor: decidida e sem destino, como um ser eterno, fica ao lado dele, que se transformará. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior do que o destino. A sua entrega quer ser sem medida: esta é a sua felicidade. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: exigirem-lhe que limitasse essa entrega.

Rilke, in "As Anotações de Malte Laurids Brigge"

Diário de um tolo - 14

Ontem estive em Sintra, mais propriamente no Tribunal, onde tinha marcada uma intervenção num julgamento. Apresentei-me no enorme edifício com pontualidade britânica. Pois bem, duas horas e meia depois, e após ter verificado que todos os intervenientes se encontravam presentes, sou chamado à sala. Onde a juíza me informou ter havido uma sobreposição de marcações e que, por esse motivo, a audiência se realizaria na segunda data marcada - quinze dias depois. Fê-lo de uma forma especialmente atabalhoada, defensiva. Pois não ignorava a dimensão do seu erro. Quando dei conta do que se estava a passar, numa primeira fase adoptei a pose b-428: de pé, olhar fuzilador, queixo levantado. Mas percebendo que, embora o movimento possa ter resultados saudavelmente intimidatórios, poderia haver danos colaterais e mesmo "fogo amigo", passei imediatamente para a pose f-5119.2: a chamada lânguida-assassina, resultado de uma ira elaborada, apresentada sob as vestes de um impulso genuinamente sedutor, mas terrivelmente destrutivo. Lembrei então a meritíssima que percorreria 700 km para estar presente na sessão. E que, sabendo que nenhum dos motivos previstos na lei impediria a realização da audiência, posteriormente iria consultar a justificação para o adiamento consignada em acta. Já com a pose citada no máximo da intensidade (e com uma jovialidade extra) acabei por dar o tirinho final: estava a pensar mudar de ramo e abrir uma agência de viagens.
Cá fora - saturado de tanta displicência, tanto desperdício, tanta falta de respeito da Justiça pelos cidadãos, e de um Tribunal pelo patrocínio forense que, segundo a Constituição, é um "elemento essencial à administração da justiça" (art.º 208.) - lembrei-me que estava em Sintra. E não hesitei em dar um pulo até Seteais, um local da minha especial predilecção. E também de Marguerite Yourcenar, que aqui chegou a passar algumas temporadas. Após uma breve digressão, dirigi-me ao miradouro, por trás do grande arco. E sem esperar, vivi um momento único. Algo próximo de uma visão doce, magnânima, inexplicavelmente próxima do que não se conhece, do que se teme, do que se espera, do que se ama. A plenitude intocada da vida mesmo ali, ao meu alcance, devolvendo-me a paisagem transfigurada.

sábado, 27 de janeiro de 2007

Manual de instruções

Curtas

Afinal, a campanha desencadeada pela opinião pública e meios especializados contra a famigerada TLEBS surtiu efeito. Segundo o "Público", o Ministério da Educação anunciou que irá emitir uma Portaria que suspende a aplicação da terminologia . Mas com efeitos só no próximo ano lectivo. Entretanto, quer o alunos quer os professores envolvidos no processo ficarão a saber que estão a ensinar e a aprender algo que para o ano que vem será outra coisa. Acreditam? Mas o assunto não se esgota aqui. Um dos membros designados para a recém-criada comissão de revisão tem interesse directo na actual terminologia. A promiscuidade é a palavra de ordem em todo este processo. Os contornos desta história são contados no "Da Literatura".

Partida

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

A náusea

Tenho percorrido alguns blogues que, explicitamente, convocam ao voto no "Não", no próximo referendo. Li coisas inacreditáveis. Falácias puras. Destinadas unicamente a baralhar e distorcer o debate em curso. A mensagem é, muitas vezes, apocalíptica. Acenam-se fantasmas como o da "liberalização do aborto", a sua "inscrição como direito fundamental", o aumento catastrófico do seu número, em caso de vitória do "sim", o "genocídio" que vem aí, o apelo à desobediência civil, não pagando impostos que financiem a "matança", etc. A criação de um cenário angelical faz parte do programa: basta ver a profusão da amostragem de bebés, com músicas de fundo em defesa de uma "vida" onde aqueles que a geram não têm qualquer possibilidade de decidir. Pois o assunto já está sentenciado pelos que querem manter esta lei iníqua, exclusivamente em favor das suas convicções particulares. E logo num domínio interdito: a auto-determinação do corpo e da reprodução. A evidência é esta: a possibilidade legal de a mulher interromper a sua gravidez até às dez semanas, sem riscos e sem medo não faz aumentar o número de abortos. Basta ver as estatísticas de países onde o enquadramento legal nesse sentido já existe há muito. Para além do que, acreditar no contrário, é não querer entender a penosidade e as circunstâncias que levam a mulher a tomar a decisão de abortar. Todavia, mantendo-se a lei actual, como querem os defensores do"não", tal significa que essa mulher, nas mesmas circunstâncias, pode ser condenada pela prática de um crime. É esta a diferença abissal entre o reconhecimento pelo Estado de os cidadãos poderem exercer uma faculdade, em condições dignas, e a imposição de um estigma moralmente inaceitável, com os efeitos perversos - aborto clandestino - que se conhecem. Negando estas evidências, numa demonstração inequívoca de má-fé, os adeptos do status quo passam ao lado do que é fundamental, optando pelo mais fácil: baralhar, confundir, branquear, mascarar a desumanidade que querem manter com propósitos salvíficos.
Entretanto, fiquei hoje a saber no Público que o blogue "Pela Vida" tem links direccionados para outros blogues notoriamente de inspiração fascista e nazi. Como exemplos: Fascismo em Rede, o Pasquim da Reacção, Kombat Mortal, Império Lusitano, Alma Pátria, Jovem NS, Estado Novo, PNR Aveiro e Último Reduto. Todos incansáveis defensores do "Não", como já devem ter adivinhado. E todos filiados em correntes ideológicas que muito prezam a "Vida", como se sabe. Não eram os franquistas que gritavam "Viva la muerte"? Todavia, acredito que esta circunstância seja meramente conjuntural e tem a importância que merece. Mas, organicamente, deu-me um sinal precioso: BASTA!
Este debate assinala uma recomposição do país que cai muito para além da política. Reacende arcaísmos, preconceitos de classe, atavismos fundamentados em crenças religiosas e filosóficas, diferenças profundas de ordem sociológica, demográfica ou cultural, colocando o pior do país "antigo"e o pior do país "moderno" num destaque imerecido, mas útil. E o que vi já chega. Já anunciei o sentido do voto. Já dei o correspondente contributo para o debate. Mas agora impõe-se o silêncio. A vida é realmente um mistério e uma das formas de a venerar é não contrabandear com a dor que ela encerra. Fica assim encerrada, pela minha parte e neste espaço, a discussão sobre o tema. Voltarei para a regulamentação da futura lei. Essa sim, uma questão em que as opções políticas de gestão de meios se tornarão mais prementes.
PS: Vou abrir uma única excepção em relação ao silêncio prometido. A razão é desculpável: o líder do PSD, Marques Mendes, foi "apanhado" em Aveiro pela comunicação social, por "mero acaso", como "cidadão", num conclave dos medievalistas pró-não. Sabem que mais?: o deputado, com a boca na botija, disse precisamente o mesmo que o Bispo de Viseu. Ipsis verbis. De perna aberta, quis agradar sobretudo a gregos, mas acenar com o lenço aos troianos. Uau! Que triste intermezzo para a penosa tragi-comédia quotidiana dos políticos!

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

O Grande Português

Toda a gente já ouviu falar no programa da RTP "Os Grandes Portugueses". Recentemente, foram eleitos 10 "finalistas" de entre os 100 que maior votação recolheram. Entre eles está Salazar e Álvaro Cunhal. É nestas alturas que me apetece dizer, num assomo à Almada Negreiros, "então quero ser espanhol!"
Mas a história não fica aqui: nesses 90 que ficaram de fora figuram Catarina Eufêmia (não é por nada, mas quanto a mitos prefiro a padeira de Aljubarrota), um tal Hélio Pestana (nem sei quem é o vate), essa figura exemplar da fruticultura, de sua graça Pinto de Costa e, por último, Alberto João Jardim (palavras para quê?).
Tudo isto seria unicamente paródico se não fosse um verdadeiro insulto a alguns grandes portugueses que nem sequer foram mencionados: os emigrantes, Fernão Lopes, Martim Moniz, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Sá de Miranda, Pero Vaz de Caminha, Amadeo de Souza Cardoso, Amato Lusitano, Teixeira de Pascoaes, José Matoso, Jorge de Sena, Bartolomeu Dias, Vieira da Silva, Emmanuel Nunes, Oliveira Martins, Domingos Bomtempo, Infante D. Pedro, Garcia da Horta, José Cardoso Pires, Venceslau de Moraes, Paiva Couceiro, Agustina Bessa Luís, Manoel de Oliveira, Mário Cesariny, José Régio, Nuno Gonçalves, Garcia de Resende, Sophia de Melo Breyner, Luísa Tody, Emídio Santana, Alexandre O'Neill, Pedro Nunes e tantos, tantos outros.

Por tudo isto, o meu voto de pesar por esta farsa de mau gosto fica expresso na minha escolha: um sólido e sugestivo exemplar da genuína loiça de Caldas, devidamente adornado.

Os capatazes da mentira

Fui dar uma vista de olhos pelo "blogue do não". Pelo que li, parecem um grupo de escuteiros agitando a bandeira de que os contraceptivos "resolvem" tudo. Na grande maioria dos casos "resolvem". Mas e quanto àqueles em que, por desconhecimento, por coacção, por defeito de fabrico, por qualquer circunstância imprevisível não "resolve"? É precisamente nos limites que os grandes desafios e as grandes opções se tomam. E onde a lei deve proteger a liberdade reprodutiva da mulher é precisamente nesses casos. Se fossem realmente coerentes, nem mesmo esta lei admitiriam, com as suas excepções. Mas até uma explicação para esse paradoxo já descobriram. Onde vive esta gente? O que leram? Foram todos à catequese? Por que não visitam certos locais deste país que nunca sonharam existir? Em que acreditam realmente?

O sofisma como uma das belas-artes

Como já aqui se tinha previsto, o desespero dos defensores do "Não" em trazer novos soundbytes para a discussão pública vai-se tornando mais notório. Agora, não hesitam em recorrer à chantagem, à contabilidade de merceeiro, ao populismo mais rasteiro. Só falta aparecerem os milenaristas para ajudar à festa. A última novidade é o anúncio de um catastrófico aumento dos impostos, se ganhar o "sim". Sobre o tema, leia-se esta excelente desmontagem em "O Cachimbo de Magritte".
Noutro plano, ainda deste mundo, mas já com letra sacada sobre o outro, apareceu ontem o Bispo de Vijeu em homilia televijiva. Soube-se que o prelado descortinou três perguntas numa só: aquela que vai ser submetida à apreciação dos portugueses. Dessas três, jurou a pés juntos que votaria a favor na 1ª - a despenalização da mulher - e contra nas outras duas. Ao princípio, pensei que estaria com problemas de audição: um representante da Igreja Católica vir dizer que despenaliza a mulher é o grande acontecimento desta instituição desde o Concílio de Niceia! Mas o entusiasmo logo arrefeceu, às mãos da real politik. Afinal, este clérigo, em três minutos, conseguiu uma proeza hercúlea: condensar a habilidade, a teologia e a retórica. Senão vejamos: primeiro divide o que é uno (que outra coisa não fez o cristianismo?); acto contínuo, santifica uma parte e demoniza a outra; no final, para compor a contabilidade, concede a parte mais pequena e guarda a maior, numa genial operação aritmética. Desse modo, aquilo que já se defendia e se quer continuar a defender continua intocado, mas dando a ilusão que se "cedeu" em qualquer coisa. Ou seja, é preciso que alguma coisa pareça que mude para que tudo fique na mesma. Brilhante! À atenção de homens de negócios, correctores da Bolsa, políticos em tirocínio e advogados rebarbativos. Entretanto, sua Excelência "despenalizou" as mulheres. O que indicia duas coisas: 1º que as mulheres que sofrem lesões graves por via do aborto clandestino vão começar a aparecer miraculosamente curadas; 2º que o direito penal ainda não é disciplina leccionada nos seminários.

Publicado no jornal "O Interior"

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Do interior das rosas

Ontem passou no TMG o filme "A Flauta Mágica", de Ingmar Bergman (1975), baseada na famosa ópera de Mozart, a mais alegre e, ao mesmo tempo, mais profunda obra lírica do compositor. Trata-se, em grande parte, de uma reconstituição simbólica dos rituais de iniciação maçónica, a que se submete o príncipe Tamino, com vista à Opus Magnum. No seu caso, o amor de Pamina. Comandam a acção Sarastro, que preside ao círculo solar, e a Rainha da Noite, a mãe vingativa de Pamina. Todo o enredo é pautado pela fantasia e o maravilhoso. (Sobre o tema, ver aqui e aqui mais informação).
Como noutras ocasiões sucedeu na obra de Ingmar Bergman, nesta adaptação de "A Flauta Mágica - ópera por si amada - é notória a busca do autor pelo rigor formal, sem abdicar dos cenários fantasiosos e coloridos, com uma rara delicadeza e simplicidade, colocando a sua marca indelével na primorosa obra musical. Da mesma forma que Bergman nos transmite a sua particular leitura cinematográfica da ópera, apresenta-a como uma finíssima transcrição visual do original.

Pois não ouves a minha alma vestida de silêncio?

Recuso os sonhos que te ignoram e os desejos que não possas despertar. Não quero fazer um gesto que não te louve, nem cuidar uma flor que não te efeite; não quero saudar as aves que ignorem o caminho da tua janela, nem beber em ribeiros que não tenham acolhido o teu reflexo. Não quero visitar países que os teus sonhos não tenham percorrido como taumaturgos vindos de fora, nem habitar cabanas que não tenham abrigado o teu repouso. Nada quero saber de quem te precedeu em meus dias, nem dos seres que aí permanecem.

Carta de Rilke a Lou Andreas-Salomé

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Cenas das Arábias


Auto de notícia - 1

- Meteste-te num sarilho inominável.
- O verdadeiro sarilho vem depois do inominável e antes do indizível.
- Já sei então porque é que gaguejas.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Oxalá

Começou agora a nevar. Chegou "esse imenso cortejo das aves buscando o chão da terra". É bom que assim continue. Quero ver tudo branco logo à noite.

PS: afinal foi um tiro de pólvora seca. A ver se hoje...

O Vigilante

Paulo Portas quebrou recentemente o jejum mediático. Está-lhe no sangue. O seu chá no deserto tem consistido no programa "O Estado da Arte", transmitido pela SIC Notícias. Através do qual tem gerido um cativante low profile, num exercício táctico preliminar ao assalto final. Não ao "seu" Partido, mas à "sua" Direita. O PSD que se cuide. O ex-ministro da Defesa apareceu pois na praça pública, barafustando e com o dedo a apontar a procuradora Maria José Morgado. Os media, é claro, não se fizeram rogados. O assunto foi prime time em todos os telejornais. Mas porquê tanta agitação? Segundo PP, a magistrada teria infringido o Estatuto do Ministério Público, ao ter participado num debate sobre o aborto, promovido pelo Partido Socialista. A disposição em causa é o art. 82.°, nº 1, quando, sob a epígrafe "Actividades político-partidárias", refere que é vedado aos magistrados do Ministério Público em efectividade de serviço o exercício de actividades político-partidárias de carácter público. Será o preceito aplicável à intervenção de MJM no debate? A resposta é claramente negativa:
  1. Do espírito e da letra da lei resulta que é vedado aos magistrados a participação continuada na vida partidária, independentemente de inscrição em determinada força política. Desde que, naturalmente, essa participação seja expressão de uma tomada de posição puramente partidária, em nome e no interesse do partido em questão. De outra forma não se compreenderia o alcance da expressão "exercício", utilizada na lei.
  2. O núcleo duro dos direitos liberdades e garantias - que compreende a liberdade de expressão e de participação na vida pública - só poderá ser restringido em casos devidamente justificados. Um deles é precisamente o exercício de determinados cargos públicos, que, pela sua natureza, exigem imparcialidade e circunspecção. Mas nem por isso os visados deixam de ser cidadãos plenos.
  3. A questão do aborto, em breve sujeita a referendo, porque tem a ver directamente com um conflito de direitos fundamentais, não é de todo uma questão partidária, mas de consciência. Toda a participação em debates com informação relevante se torna assim um imperativo de cidadania. A intervenção de MJM no colóquio decerto o enriqueceu, ao juntar um ponto de vista qualificado pela experiência obtida na sua actividade profissional.
Portas voltou pois ao seu melhor estilo. O charme e o saber enciclopédico exibidos no seu programa poderão ter enganado os mais distraídos. Mas por mais que envolva o seu proverbial cabotinismo num exercício cosmopolita à la Fradique, a verdade é mais forte. E, como se diz, acaba por vir sempre ao de cima.

domingo, 21 de janeiro de 2007

Crimes exemplares - 14

No momento em que acordou não aconteceu nada. Como sempre, esperaria que os instantes seguintes o devolvessem à realidade. Cujos contornos se iriam tornando cada vez mais familiares e previsíveis. Desta vez, nada disso sucedeu. Uma luz ténue e espectral iluminava um pequeníssimo compartimento, no qual se encontrava. Reconheceu o que pareciam ser uns painéis, com botões e luzinhas a piscar. Por todo o lado, objectos metálicos incorporados, que produziam um zumbido constante e uniforme. Naturalmente, já se tivera apercebido da inexistência de gravidade no cubículo. "Desta vez a Joana esmerou-se", pensou. Fazia já algum tempo que ele e sua mulher mantinham uma espécie de jogo de alto risco. Consistia em, alternadamente, um proporcionar ao outro uma situação inesperada, radical, absolutamente realista. Criada ao pormenor, com recurso a uma empresa que ambos criaram, para que as emoções fortes não faltassem. Nessa altura avistou a Terra, lá em baixo, envolta no seu halo atmosférico. "Desta vez, pelos vistos, não olhou a meios". "Meteu-me num satélite durante umas horas. Nem sei como conseguiu isto". Mas desde o início havia qualquer coisa que lhe estava a escapar. Algo que transformara o que seria mais um lance do jogo a dois num pesadelo sem explicação. "Esta era a minha vez de jogar!!!", gritou. E tinha-o feito: a sua mulher deveria neste momento estar a ser transportada num contentor empilhado num cargueiro em pleno oceano Pacífico. Que a certa altura seria deitado ao mar. E nada mais aconteceria. Ninguém levantaria suspeitas. Seria esse o seu último lance neste jogo. Foi então que entendeu tudo: ela tivera a mesma ideia que ele. Antes ou depois? Teria sobrevivido? Um pavor indizível paralisou-o. O jogo tinha acabado. E quando a reserva de oxigénio do seu fato espacial se esgotasse, começaria a eternidade...

Ver anterior

The stuff that dreams are made of

Humphrey Bogart ( 1899-1957)

Nem grego nem troiano

Foi penoso assistir ontem ao concerto de Sérgio Godinho no Teatro Municipal da Guarda. Precisamente graças ao apreço em que tenho a sua obra e o seu percurso. No palco do Grande Auditório, o compositor/intérprete limitou-se a apresentar uma espécie de karaoke de si próprio. Sem chama, sem rasgo, sem energia, mais parecendo o "avô cantigas" a recordar as suas musiquetas a uma assistência em grande parte desejosa que o acto "cívico" acabasse. "Lembram-se desta?" "E desta?" "Vá, tomem lá mais uma chalaça política para me verem a acreditar que ainda estou em forma"... Por falar nisso, a componente especificamente musical esteve sofrível. A cargo de uma banda constituída por jovens desconhecidos, que se limitou a instrumentar o alinhamento trazido pelo "chefe". O qual se mostrou previsível, banal - com a inclusão de alguns standards ao lado de temas menos inspirados. E deixando de fora muito do que melhor o autor fez, incluindo trabalhos recentes, como por exemplo "O Irmão do Meio". SG dispôs, mesmo assim, de uma oportunidade soberana para marcar a diferença: quando apresentou dois temas a solo, com a sua guitarra, poderia ter prolongado a prestação, forçando um registo mais intimista. Sem entrar na nostalgia, sem correrias pelo palco, sem arranjos duvidosos, mas recorrendo a uma liberdade criativa plena e despojada, ao poder de algumas das suas melhores canções. Seria o momento da epifania, a razão por que este concerto seria por todos recordado com emoção. Não o fez, e, desse modo, deitou tudo a perder.
SG tem um problema sério que, ao que tudo indica, é incapaz de resolver. Ele é o produto, em termos artísticos, de determinadas circunstâncias políticas contra as quais lutou e de outras que ajudou a criar. (Por falar nisso, ainda me recordo de ter participado numa das manifestações realizadas em frente à embaixada do Brasil, quando o cantor foi detido naquele país, em 1982). De há vinte anos para cá tem tentado outros caminhos, é sabido. Mas quanto mais se tenta demarcar da sua imagem de marca, da sua matriz criativa, mais para ela é reenviado. Como se tudo o que produziu depois de "Era Uma vez um Rapaz" adquirisse o sentido de um devaneio desculpável, mas medíocre. Outros músicos da sua geração e cúmplices das mesmas lutas souberam lidar com o desgaste e a usura do tempo de modo diferente. Criando um percurso original, reafirmando a sua singularidade, ampliando a força das suas propostas, mas nunca tentando passar por aquilo que não são. No caso de SG, o seu esforço para inovar tem resultados desastrosos, mais parecendo uma fuga para à frente. Todavia, conseguiu um feito espantoso: não agradar a gregos nem a troianos...

sábado, 20 de janeiro de 2007

Cara ou Coroa?



Ao contrário do que acontece no sistema político português, o desenho dado pela constituição francesa ao poder executivo torna-o claramente bicéfalo (P.R./Primeiro-Ministro). Ou melhor, a dinâmica de poderes criada traduz-se num sistema de geometria variável, onde a primazia presidencial na condução do Executivo está condicionada ao apoio parlamentar. Isto é, à existência ou não de duas maiorias da mesma côr política.
Acaso fosse cidadão da pátria de Montaigne e Victor Hugo, teria sérias dificuldades na escolha do candidato à Presidência, nas eleições que se avizinham. Reduzidas definitivamente a uma corrida entre duas estrelas - Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy - tais os sinais contraditórios ou convergentes das propostas e do perfil de ambos, ou as dificuldades na antevisão do que o seu desempenho iria ter no país e na UE. Porquê?
A primeira tem a seu favor o facto de assumir a sua condição de outsider em relação à classe política tradicional. De romper com os tabus dos socialistas, como a intangibilidade do welfare state, o jacobinismo e as jogadas de poder florentinas. No entanto, nota-se um certo populismo reconhecível no seu discurso. Na ânsia de captar simpatias, uma indefinição estratégica em relação à integração europeia e a uma política de defesa comum. O mal estar, a perda de influência, a redefinição do papel do Estado, os anacronismos vividos por uma das grandes nações da Europa, são temas aparentemente ausentes do seu programa.
O segundo, que finalmente viu o caminho desimpedido e sem concorrência na sua área de influência, tem inegáveis qualidades pessoais e políticas. Não é refém do politicamente correcto. Enquanto Ministro do Interior, tomou medidas corajosas, embora impopulares. Assume-se como candidato da ruptura, da inovação, das reformas ao nível da economia e do aparelho produtivo, de uma estratégia europeia para a França, expurgada definitivamente dos fantasmas gaulistas. Segundo deu a entender, rejeita a entrada da Turquia na U.E., em meu entender uma posição bastante sensata. Por outro lado, temo que uma retórica nacionalista apareça, à última da hora, durante a campanha. E que a ruptura com o calculismo e o isolacionismo da direita francesa seja simples táctica eleitoral.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

De que falamos quando falamos de amor

Recapitular, arrumar as bandeiras, separar o trigo do joio, é sem dúvida um utilíssimo exercício em favor da clareza. O que me proponho agora fazer é enumerar, de forma exemplificativa, de entre aqueles temas mais recorrentes, quais os que neste blogue se têm notabilizado num sentido e noutro.
  • Assim, de um lado, temos a defesa intransigente da possibilidade da IVG até às 10 semanas, da liberdade de expressão contra todas as tentativas de a restringir, da eutanásia, da reforma do Estado de modo a que fique menos pesado, da flexisegurança, da língua portuguesa, do investimento público nas actividades culturais, da renovação profunda da esquerda, da alteração da legislação laboral, da restrição à circulação automóvel dentro das cidades, da partilha e cópia de ficheiros na net e de bens culturais em geral sem quaisquer restrições, do aprofundamento real da democracia.
  • No segundo caso, estivemos e estaremos na linha da frente contra: os malefícios do politicamente correcto, o "eduquês", o relativismo filosófico, o arcaísmo do mundo sindical, os fundamentalismos venham eles de onde vierem, o casamento de pessoas do mesmo sexo, a tlebs, a eurodeputada Ana Gomes, a boçalidade em geral, o caciquismo, Margarida Rebelo Pinto, a nomenklatura do futebol nacional, o preço dos livros, as infinitas comissões e taxas praticadas pelos bancos, a Floribella, a esquerda tradicional, Clara Ferreira Alves, a prepotência dos juízes, Pinto da Costa, os iogurtes com sabor a morango, Alberto João jardim, a burocracia, o empobrecimento galopante do interior.
Já sei que os mais atentos vão dizer que a realidade não é a preto e branco. Pois não. É que as maiores subtilezas, porventura os maiores antagonismos, residem em tonalidades quasi-semelhantes da mesma côr. São elas o pano de fundo de qualquer opinião ou análise aqui veiculada.

Gadgets - 2



Ver anterior

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

O padre incendiário

O pároco de Castelo de Vide, de dedo em riste, anda a distribuir panfletos inflamados pelas suas ovelhas, a propósito do referendo que se avizinha. O mais ousado continha um rol de sanções para os votantes no "sim" e ainda para as mulheres que praticaram ou venham a praticar o aborto. Assim, para os primeiros reserva a excomunhão pura e simples. Com tarifa incluída. Para as madalenas que abortaram, isso constitui pecado mortal, sem apelo nem agravo. Não podendo sequer ser enterradas em solo sagrado. A não ser que mostrem um arrependimento "sincero", acompanhado de várias penitências para ajudar. Aos que se abstiverem estará reservada uma pena mais ligeira. Certo é que, implicitamente, estão a ajudar o "mal". Mas o pecado é simplesmente venial, podendo ser redimido com algumas avé-marias e umas esmolas substanciais. O edictum terribilis é omisso em relação aos putativos pais das crianças. Pois é, o seguro morreu de velho: sabe-se lá se algum deles não se chama Amaro e veste de preto?

Publicado no jornal "O Interior"

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

A lista

A época festiva já voltou ao limbo da memória. Agora, só há que abater aquele kilito a mais dos excessos pantagruélicos da quadra. No entanto, em primeira mão, vou aqui revelar alguns pedidos - há que ser optimista - que então enviei ao Pai Natal. São eles:
  1. Que a eurodeputada Ana Gomes ingresse na Ordem das Carmelitas e faça voto de silêncio. Assim nos pouparia a mais dislates semelhantes aos que nos vem habituando e o divino ganharia uma adepta fervorosa.
  2. Que ao sair de manhã possa dizer "Bom Dia!" às pessoas e elas devolvam o cumprimento, com um sorriso a rasgar a face. Sem que me tomem por pedófilo, testemunha de Jeová, vendedor de time-sharing, arguido do Apito Dourado, apresentador dos "Apanhados", adepto do Dr. Manuel Monteiro, inquiridor de uma sondagem para a Marktest, ou um potencial serial killer.
  3. Que as mamãs e os papás que vão buscar os filhinhos à escola ao fim da tarde não estacionem "mesmo ali" à entrada, às vezes em terceira fila, por cima de qualquer passeio, obstruindo o caminho e criando sérias dificuldades à circulação, mesmo de peões. (Sugestão: deixem o popó a um quarteirão de distância. No trajecto podiam contar uma história, ou várias, aos vossos filhos. Ficariam todos a ganhar).
  4. Que os apresentadores dos flashes informativos da rádio deixem de repetir as notícias ad nauseum, como se os ouvintes fossem atrasados mentais.
  5. Que os matraquilhos sejam elevados a modalidade olímpica. Assim já teríamos uma medalha garantida.
  6. Que a Floribela seja despachada numa mala de cartão para a Coreia do Norte.
  7. Que ao longo do ano possa ir fazendo um upgrade da listagem.
Adenda: Está prometido. Em 2010 pedirei que o Projecto Polis seja finalizado na Guarda.

Revista

(clicar para ampliar)
Claire Moreau, in Boca de Incendio, nº 4/5

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

A cena do queijo - 2

Ontem fui mais uma vez ao Serra Shopping, na Covilhã. Já aqui tinha dado conta das impressões recolhidas no local, numa outra incursão. Como nessa ocasião, embora mudando o objecto da procura, o meu propósito era bem preciso: comprar uma camisa branca, umas calças e um queijo de mistura. As segundas-feiras são o dia ideal para este tipo de actividades nos grandes espaços comerciais. O corropio das famílias acabou. As lojas estão vazias. As pessoas têm um ar vagamente nostálgico dos excessos do fim-de-semana. Nas mulheres pesa mais o corpo do que a direcção do olhar. A deriva tem o sabor do retorno à infância. Existe um vagar nos gestos, na atenção concedida aos outros, propícios a grandes negócios. Comecei então pelo vestuário, ao que visitei várias lojas especializadas. Em todas elas aconteceu o insólito: não encontrei nada que me agradasse. Sobretudo porque as "clássicas " Levi Strauss eram objecto desconhecido nas prateleiras. Em contrapartida, abundavam calças pseudo usadas, pseudo remendadas, de marcas com nomes impronunciáveis. Ainda perguntei numa delas, num acesso de curiosidade, se tinham fatos de macaco. Enfim, sempre teriam alguma utilidade. O mesmo se diga das camisas. Resmas delas. Algumas até interessantes, pelo design apresentado. Só que as brancas, para além de raras, primavam pela ausência no tamanho pretendido. Parecia uma conspiração. Não diria de mau gosto, mas de um gosto pouco prático, que atribui uma importância exagerada aos consumidores juvenis de todas as idades. Decidi então ir comprar o queijo. Que encontrei, tal como esperava, numa loja de produtos tradicionais, produzido com leite de cabra e de ovelha. Um regalo. Em seguida, passei pela livraria, desafiando a circunspecção e o saber com o odor honesto do queijo. O que lá encontrei ocasionou mais uma decepção: destaque excessivo dado às edições de ficção "histórica" (que, em rigor, deveria ser arrumada na secção de astrologia, ou de jardinagem), pouca variedade nos títulos apresentados, com algumas editoras pura e simplesmente ausentes e, sobretudo, o nível de preços praticados. Como exemplos, “A Ronda da Noite”, de Agustina Bessa-Luís, custava 19 Euros; "As Origens do Totalitarismo", de Hannah Arendt, 32 Euros; "Uma História da Guerra", de John Keegan, 33 Euros... Nada mau para um país onde o salário mínimo equivale a 403 Euros. Decidi imediatamente fazer uma visita a alguns alfarrabistas de Lisboa, quando lá for. Ou à Livraria Cervantes, em Salamanca, já que a qualidade, o atendimento, a variedade e o preço valem o esforço. Entretanto, encontrei algumas pessoas conhecidas, quer no estabelecimento, quer fora dele. Por fim saí, acompanhado do fiel lacticínio. Devidamente acolitado por 6 garrafas de "Sá de Baixo", Douro Tinto, reserva de 2003. Eleito como um dos melhores nectares nacionais pela crítica especializada. Que encontrei a um preço tão inacreditável que tenho vergonha em dizer aqui. Moral da história, se é que podemos encontrar alguma: é quase sempre mais importante o que se encontra do que o que se procura. E pronto. Ala, que se fez tarde.

Gadgets - 1


domingo, 14 de janeiro de 2007

Raskol

Dia 22 de Dezembro de 1849. Na praça Semenov, em S. Petersburgo, os pés dos transeuntes enterravam-se na neve. Vários regimentos guardavam a praça, entre os quais a Guarda Imperial do Regimento de Infantaria de Moscovo, pois um dos homens condenados à morte nesse dia aí fora oficial. O pano negro que recobria o cadafalso salpicava-se dos flocos brancos. Sobre ele esperavam 21 homens, 16 dos quais entregues ao carrasco. Entre estes contava-se Dostoievski.
Voltemos atrás. O grande escritor havia nascido em 1821, numa altura em que o ímpeto reformista do czar Alexandre II, revelado quarenta anos depois, aproximando a Santa Rússia da Europa, era uma simples quimera que se pagava com a vida. Falamos de um mundo em que a prosperidade se media pelo número de “almas”, servos em regime de escravidão, ao dispor de uma aristocracia burocratizada e domesticada por um czar paternalista e sobre-humano. À boa maneira asiática, a sociedade russa daquele tempo estava rigorosamente estratificada: nobreza, clero, negociantes, cidadãos, camponeses e mais alguns grupos intermédios. A classe culta compunha-se de nobres, oficiais e funcionários públicos. Desde o tempo de Pedro o Grande cada nobre era compelido a “servir”. Tal “serviço”, porém, era de duração curta: permitia-se que se resignasse o cargo a favor de indivíduo de classe mais baixa e se levasse o resto da vida liberto de ambições públicas. Os oficiais dividiam-se em 14 patentes e cada nobre poder-se-ia inscrever em 6 registos!
Em Janeiro de 1838, Dostoievski ingressou na escola militar de engenharia de Petersburgo. Aí encontrou algumas das afinidades e círculos de influência que haveriam de o perseguir para o resto da sua vida. A publicação de Pobre Gente tinha-lhe garantido a entrada nos meios literários da capital. Entre eles, encontrava-se o círculo conspiratório animado por Petrashevski. Que houvera criado um grupo de seguidores, inspirados por Fourier, dispostos a introduzir reformas liberais na Rússia. O movimento chamava-se A Primavera dos Povos. Numa dessas reuniões, leu uma carta de Belinski a Gogol, refutando as suas afirmações monárquicas e religiosas. Tal leitura e a participação no ambiente conspiratório do grupo custaram-lhe a condenação à morte.
Encontramos o escritor novamente em frente do pelotão de fuzilamento. Sabe-se que, no último momento, chegou um emissário pessoal do czar. Com instruções para a sua e as outras penas serem comutadas entre o degredo perpétuo para a Sibéria, até uns "simples" quatro anos num centro de detenção naquelas gélidas paragens. Foi este o no seu caso.
Desse tempo em Omsk, nasceu uma das obras-primas da literatura, justamente intitulada Recordações da Casa dos Mortos: o pan-eslavismo cristão e uma cruel análise psicológica, lado a lado numa fascinante “reportagem” jornalística, mas sobretudo literária.
Ao longo da sua obra, para acentuar as diferenças entre as suas personagens, o escritor optou sempre por uma completa semelhança. Como se pretendesse demonstrar que a maior diferença existe, não entre duas cores diferentes, mas entre duas tonalidades muito aproximadas da mesma cor. Por exemplo, no julgamento do parricida, em
Os Irmãos Karamazov o promotor não acredita que o réu – Dmitri – seja culpado, ao passo que o advogado do acusado se convence profundamente do contrário. O leitor não duvida que a defesa triunfará, mas o Tribunal reconhece o réu culpado. Nesta caricatura das relações perversas entre as instituições públicas e a verdadeira natureza humana, Dostoievski, inconscientemente, confessa-se um anarquista, resguardando, sob as vestes de Deus e do Czar, a sua própria anarquia.

Publicado no jornal "O Interior"

PS: Sobre o romancista, ver também o que aqui e aqui neste blogue já se escreveu.

Os melhores livros de 2006

Por iniciativa de Francisco José Viegas, no programa "Escrita em Dia" - que apresenta na Antena Um - decorre uma votação para escolha do que melhor se publicou no nosso país no ano passado. A lista - provisória - que compreende as categorias "Poesia", "Ficção Portuguesa", "Ficção Estrangeira" e "Não-ficção", poderá aqui ser consultada. Quem quiser participar nas escolhas, deverá fazê-lo no mesmo local. Os resultados serão divulgados a 25 de Janeiro. E já agora acrescento, como diria um amigo, "valem o que valem. É tudo uma questão de fé." Destaque especial para a edição de “Quatro Visões Memoráveis”, de William Blake e “O Espírito da Comédia", de Antonio Escohotado, pela Antígona.

Blogossário - 1

A-list - uma espécie de top ten, correspondendo ao patamar superior da blogosfera, constituído pelos blogues com maior audiência e que maior influência exercem num determinado universo.

Aggregator - sistema de software destinado a recolher e reunir informação de vários web feeds, previamente seleccionados, e que exibe as actualizações - novas postagens - que vão sendo feitas aos mesmos. Existem servidores afectos a esta actividade, que tornam disponíveis novos conteúdos - ou um resumo dos mesmos - em qualquer terminal, no browser, ou, mais simplesmente, na página respectiva, sem necessidade de visitar o website original. Alguns exemplos de desktop aggregators mais populares:
Feed Reader
Feed Demon
NetNewsWire (Mac)
Bloglines
Newsgator

Anonoblog - um blogue desenvolvido por autor(es) anónimo(s). Embora possa conter informação acerca do autor - um nickname, um pseudónimo, etc. - não revela a sua verdadeira identidade ou qualquer informação pessoal.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Stalker

Uma torre se erguerá do fundo

Não: uma torre se faça do meu peito
e eu próprio seja posto à sua beira:
onde nada mais há, haja ainda uma vez dores
e inefabilidade, mais uma vez mundo.

Mais uma coisa só no desmedido.
que se faz escura e de novo se ilumina,
mais uma última, ansiosa face,
que no exílio nunca se apaziguará,

mais uma extrema face de pedra,
perante a sua gravidade curvada,
que as amplidões, que serenamente a aniquilam,
obrigam a ser sempre mais feliz.


Rainer Maria Rilke (tradução: Paulo Quintela)

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Imagens de Portugal romântico - 14


Faro

O embuste

Acerca do debate sobre a despenalização do aborto, escrevi há tempos o seguinte: "o aborto é um tema em que as respostas não são, por regra, lineares. E as perguntas não deveriam também sê-lo. Está em causa a forma como o Estado irá regular a esfera pessoal dos cidadãos. Aqui, as opções de regulação não se medem em quantidades e os interesses envolvidos são difusos. Trata-se, sobretudo, de valores fundamentais que podem ser defendidos ao mesmo tempo pela mesma pessoa. Sendo que a ciência ainda não deu resposta a algumas questões que poderiam atenuar os diferendos ao nível da opinião pública."
A minha posição sobre o tema é inequivocamente pela despenalização. Pelas razões básicas aqui apontadas. Ora, o debate em curso é igualmente revelador da verdadeira matriz ideológica e cultural de muitos participantes. Leia-se então este argumentário de João Gonçalves no Portugal dos Pequeninos, tal Gulliver num exercício de desprezo pelos habitantes de Lilliput. Para o autor, os defensores da despenalização do aborto são "meia dúzia de causalistas" impondo mais um método contraceptivo com o atributo da correcção política. Que vão criar mais uma fonte de despesa, financiada com os "nossos" impostos - "dele", é claro - com o "nosso rico dinheirinho". A seguir podia vir o "vão trabalhar, malandros!", sem mudar de tom. Mais à frente, antecipando a vitória do "não", refere que essa é a única forma daquilo a que chama "as excepções legais à criminalização da prática da ivg" - que, tecnicamente, mais não são do que causas de exclusão da ilicitude - previstas na lei actual poderem ser condignamente praticadas nos hospitais públicos. Num exercício táctico oportunista, JG mistura aqui um economicismo próprio de um liberal, que ele não é, com um conservadorismo atávico de que, efectivamente, é tributário. Em aberto fica a iniquidade da responsabilização criminal de mulheres cuja decisão foi já suficientemente penosa. Mas o que interessa isso a João Gonçalves? O que lhe interessam as questões das pessoas em concreto - e das mulheres em especial - o domínio de facto sobre o seu próprio corpo? É precisamente o não reconhecimento do direito de opção o que caracteriza os defensores do "não". Que pretendem, neste caso, a continuidade da imposição, por via legal, de valores e crenças exclusivos de um sector da população.
Lendo-se ainda este post de JG, desaparecem as dúvidas acerca da vastidão da sua ignorância acerca do país real, a sua enorme arrogância, o seu profundo desprezo pelas mulheres, a sua matriz ideológica saudosa do autoritarismo, do privilégio e da opressão. Eis o típico defensor do "não", cuja combatividade não se deverá desprezar.
É de prever que, neste campo, a demagogia suba de tom na proporção inversa da qualidade dos argumentos. Como diz Vasco Rato, num artigo publicado no penúltimo número da revista "Atlântico", aos que condenam o aborto por razões puramente morais, seria exigido que o fizessem em todas as circunstâncias, sem excepção. No entanto, acrescento eu, preferem manter e lei actual, que o Estado tem vergonha em cumprir e a maioria dos cidadãos em aceitar.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Curtas

Chamo a atenção para o artigo Blogging, the nihilist impulse, publicado no sensacional Eurozine. Um excelente texto do holandês Geert Lovink, teórico da comunicação e internauta activo, com uma vastíssima carreira académica. Existe uma versão printable em inglês, em formato pdf. Que poderão descarregar aqui. O autor formula uma construção teórica dos weblogs - um género de blogues que funcionam como um diário jornalístico - que vai além da retórica habitual do "jornalismo dos cidadãos", estabelecendo que a importância dos blogues se deve ao declínio generalizado da "Crença na Mensagem". Uma análise atenta e inspiradora.

Compre uma indulgência pelo "Não"

Ainda não começou a campanha para o referendo sobre o aborto e já a minha paciência com uma parte deste país engravatado que, por descuido, se assoa à gravata ( não é, O'Neill?) começa a esgotar-se. Há um mês atrás, expus aqui essa relação perversa entre o pânico vivido por muitas mulheres trabalhadoras em serem despedidas, em caso de gravidez, e certos defensores do "não". Quando estive um ano no sector informativo de uma delegação da Inspecção Geral do trabalho, deparei-me com essa situação dramática repetidas vezes. Em que muitas foram realmente despedidas por essa razão. Na maioria dos casos por desgaste promovido pela entidade patronal. Acontece que aqueles que as despedem, de facto, são os mesmos que - públicas virtudes - defendem o "não". Enquanto as respectivas mulheres dão um "pulinho" até Espanha. E não é para comprar caramelos. A produtivididade a todo o custo do capitalismo - na sua versão de patrão tiranete luso - aliada ao beatério é um dado que me escapava. Até agora. Eis senão quando leio hoje um post de João Villalobos no Corta-Fitas, atráves do qual fiquei a saber que a Igreja, a propósito do "não", anda a publicitar rosários pagos mediante «donativos a 10 euros». Pelo vistos, esta campanha vai ser dura. Como o foi a luta contra as indulgências, há quinhentos anos.

PS: eis mais um exemplo do desespero pela míngua de razões revelado pelos defensores do status quo.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

A blogosfera em 3D

Representação em 3D da blogosfera e suas diferentes constelações. Um gráfico obtido com base no método dos connected component. O centro da imagem é ocupado pelas ligações ao DailyKos. A mancha azul composta por pontos situados mais abaixo à direita corresponde à comunidade socio-politica. Em cima, à direita, está a blogosfera "tecnológica", sinalizada com o BoingBoing - esfera branca. A blogosfera como uma partícula atómica, ou uma galáxia. Com buracos negros, sóis, meteoritos, cometas, planetas e respectivos satélites, etc. Não serão já os blogueiros autênticos blogonautas?

A lógica do absurdo

Estreia amanhã no Teatro Municipal a segunda produção do Projec~, com encenação de Américo Rodrigues e interpretação de Rui Nuno. O texto é de Roland Topor, um polivalente desenhador de origem polaca. Sobre o autor, ver aqui mais informação.

Curtas

À blogosfera lusa chegou mais um autor de peso. Desde Novembro do ano passado que João Barrento irrompeu no ciberespaço, com o seu Escrito a Lápis. Um excelente monoblogue, como diria Carla Quevedo, onde Walter Benjamin é referência omnipresente. Acompanhado de crónicas saídas no suplemento "Mil Folhas", notas de viagem, um estudo atento sobre a obra do arquitecto Gonçalo Byrne, a propósito da exposição no CCB e muito mais.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

O tempo cobre-se de musgo

O tempo cobre-se de musgo.
Mas reconhecerei as ruínas daquilo que amei, daquilo que nomeei para entender o mundo. A vida já ali não estará, e eu lembro-me: nenhum recanto dos gestos me era desconhecido. Nenhuma sedução me era estranha.
A noite foi-se tornando cada vez mais pesada sobre os ombros.
As roupas deixaram de estilhaçar debaixo das carícias.
Os olhares foram-se fixando, horas a fio, por entre os papéis amachucados, atirados ao chão. A máquina de escrever parou.
Os livros encheram-se de poeira, fecharam-se para sempre com a nossa história dentro deles. Não voltaram a abrir-se.

Al Berto, O Anjo Mudo

O despacho

O direito de petição está previsto no art. 52º da Constituição. Na parte final do nº 1, pode ler-se que os cidadãos apresentantes têm o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação. O nº2 remete para regulamentação por lei ordinária quanto às condições em que tal direito se processa, relativamente à Assembleia da República e Assembleias Legislativas das regiões autónomas. A prática seguida pela A.R. tem demonstrado um completo desprezo pela discussão plenária das petições apresentadas, as quais são sistematicamente relegadas para o esquecimento. Recentemente, agendou um debate sobre diversas petições apresentadas por grupos de cidadãos, em que são reservados poucos mais de 2 minutos para discussão de cada uma! Ver notícia no Público. Sabe-se que, no Parlamento inglês, todo e qualquer deputado reserva uma parte da sua agenda para dar conta das exposições e reclamações que os eleitores do respectivo círculo eleitoral lhe apresentam. E não há nenhuma disposição constitucional que imponha esta prática. Pela razão muito simples de que naquele país não há... Constituição. Mas em que o Parlamento é, ao lado da Coroa, a instituição política mais prestigiada. Como é óbvio, não se pretende decalcar a organização do poder político, tal como existe no Reino Unido, para a realidade portuguesa. O que está em causa é a valorização de um órgão de soberania que tanto dela precisa. O exemplo apresentado é sintomático do défice de cultura democrática no nosso país, que o órgão representativo por excelência deveria ser o primeiro a contrariar.

Graffitis - 7


Ver anterior

domingo, 7 de janeiro de 2007

Jef

Jacques Brel, no álbum "Ces gens-là", deixou-nos o maior hino à amizade que conheço:

Non Jef t'es pas tout seul/Mais arrête de pleurer/Comme ça devant tout le monde/Parce qu'une demi-vieille/Parce qu'une fausse blonde/T'a relaissé tomber/Non Jef t'es pas tout seul/Mais tu sais que tu me fais honte/A sangloter comme ça/Bêtement devant tout le monde/Parce qu'une trois quarts putain/T'a claqué dans les mains/Non Jef t'es pas tout seul/Mais tu fais honte à voir/Les gens se paient notre tête/Foutons le camp de ce trottoir/Allez viens Jef viens viens// Viens il me reste trois sous/On va aller se les boire/Chez la mère Françoise/Viens il me reste trois sous/Et si c'est pas assez/Ben il me restera l'ardoise/Puis on ira manger/Des moules et puis des frites/Des frites et puis des moules/Et du vin de Moselle/Et si t'es encore triste/On ira voir les filles/Chez la madame Andrée/Parait qu'y en a de nouvelles/On rechantera comme avant/On sera bien tous les deux/Comme quand on était jeunes/Comme quand c'était le temps/Que j'avais de l'argent//Non Jef t'es pas tout seul/Mais arrête tes grimaces/Soulève tes cent kilos/Fais bouger ta carcasse/Je sais que t'as le cœur gros/Mais il faut le soulever/Non Jef t'es pas tout seul/Mais arrête de sangloter/Arrête de te répandre/Arrête de répéter/Que t'es bon à te foutre à l'eau/Que t'es bon à te pendre/Non Jef t'es pas tout seul/Mais c'est plus un trottoir/Ça devient un cinéma/Où les gens viennent te voir/Allez viens Jef viens viens//Viens il me reste ma guitare/Je l'allumerai pour toi/Et on sera espagnols/Comme quand on était mômes/Même que j'aimais pas ça/T'imiteras le rossignol/Puis on se trouvera un banc/On parlera de l'Amérique/Où c'est qu'on va aller/Quand on aura du fric/Et si t'es encore triste/Ou rien que si t'en as l'air/Je te raconterai comment/Tu deviendras Rockfeller/On sera bien tous les deux/On rechantera comme avant/Comme quand on était beaux/Comme quand c'était le temps/D'avant qu'on soit poivrots//Allez viens Jef viens viens/Oui oui Jef oui viens.

Coisas estranhas

A eurodeputada Ana Gomes continua a brindar-nos com amostras do agit-pro decalcadas da esquerda jurássica que tão bem conheceu na juventude. Desta vez, a senhora foi à Base das Lages, para, ao que parece, observar in loco as condições de trabalho dos funcionários nacionais. By the way - ele há mesmo coincidências felizes - sussurralham-lhe ter visto e ouvido umas "coisas estranhas", envolvendo aviões americanos de passagem na calada da noite, carregados de prisioneiros com grilhetas. Que correu, célere, a relatar à comunicação social. Se já nem no partido a que pertence a levam a sério, esperará a ex-diplomata que alguém o faça, para além de meia dúzia de "educadores do povo" e adeptos de ficção científica? Proponho então que, doravante, o Parlamento Europeu nomeie a insigne deputada para dirigir comissões de investigação às "aparições" do Entroncamento, às casas assombradas que enxameiam o país e ao "mistério" do esvaziamento súbito das carteiras dos portugueses. Decerto ficaria bem na fotografia.

Publicado no jornal "O Interior"

sábado, 6 de janeiro de 2007

A passagem

Barragem de Montargil, ao fim da tarde, na véspera do Ano Novo.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Ainda há pastores? - 2


Trailer

Ainda há pastores? - 1

O documentário/reportagem Ainda há Pastores?, de Jorge Pelicano, tem vindo a ser divulgado pelas televisões e exibido em salas, por todo o país, de há dois meses para cá. Passou inclusive na SIC-Notícias, em versão integral, no dia de Natal. Entretanto, tornou-se um dos grandes acontecimentos cinematográficos do ano, eleito pelo público e destacado pela crítica especializada. O filme, rodado inteiramente nos Casais de Folgosinho, em plena Serra da Estrela, conta com a participação da população local e relata a história singular de um pastor de nome Hermínio. Uma experiência única. Está programada a sua apresentação no Teatro Municipal da Guarda no dia 17 deste mês.

Stalker

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Revista do Ano 2006

Toda a História do Ano Velho, que já passou na Rádio Altitude ( 90.9 FM) nos dias 31 de Dezembro e 1 de Janeiro, repetirá ainda amanhã, Quarta-feira (3), às 09h30. Como anuncia aquela rádio, "evocará factos, ideias e causas que marcaram a Guarda e a Região, num trabalho de Grande Informação, com produção de Rui Isidro e António Ribeiro. Duração: 3 horas e 10 minutos. Um ano de notícias - numa Grande História". A não perder, dizemos nós também.

PS: entretanto, fui informado de que a Revista será transmitida, de novo, no próximo Domingo, dia 7, às 9h30.

Selecção Musical TMG

"Songs from Movieland" - a música no cinema
(playlist TMG, Janeiro de 2007)

1. Ryuichi Sakamoto - Feliz Natal Mr.Lawrence (Nagisa Oshima)
2. Vários -
As Asas do Desejo, Até ao Fim do Mundo (Wim Wenders)
3. Brian Eno -
Music for Films
4. Wim Mertens -
A Man of no Fortune and with a Name to Come
5. Michael Nyman -
Os Livros de Próspero, O Contrato (Peter Greenway)
6. W. Carlos -
A Laranja Mecânica (Stanley Kubrick)
7. Vangelis -
Blade Runner (Ridley Scott)
8. Yann Tiersen –
Amelie (Jean-Pierre Jeunet)
9. Vários -
Classic Hollywood (antologia)
10. Laurie Anderson -
Home of the Brave
11. Michael Nyman -
O Piano (Jane Campion)
12. Angelo Badalamenti, outros -
Mulholland Drive, Twin Peaks (David Linch)
13. Eleni Karaindrou -
Music for Films
14. Goran Bregovic -
Le Temps des Gitans (Emir Kusturica)
15. Ry Cooder -
Paris,Texas (Win Wenders)
16. Alberto Iglesias -
Hable con ella (P. Almodôvar)
17. Miles Davis -
Ascenseur Pour L'échafaud
18. John Zorn –
Godard / Spillane
19. Ry Cooder, outros -
Buena Vista Social Club (Win Wenders)
20. Vários -
Direct From Hollywood (antologia)
21. Alberto Iglesias -
Má Educação (P. Almodôvar)
22. Anton Karas -
The First Man of the Zither Plays
23. John Lurie -
Fishing with John
24. Vários -
Kill Bill, Vol. 2 (Q. Tarantino)
25. Herbie Hancock, outros -
Blow-Up (M. Antonioni)
26. Ennio Morricone -
Movie Masterpieces
27. Marlene Dietrich –
Remember
28. Vários -
Movie Killers (antologia)
29. John Lurie -
Down by Law, Stranger than Paradise (Jim Jarmush)
30. Vários -
Movie Classics (antologia)