quinta-feira, 31 de julho de 2008

Stalker



Os blogues e o poder

As áreas do poder que mais me interessam são, chamemos-lhe assim, as da pesada. Essas em que há alguma coisa que se pode fazer e nas quais se pode mudar. Portanto não é matéria sobre a qual eu reflicta, se acontecer aconteceu, se não acontecer não aconteceu. Uma coisa lhe digo: não tenho nenhum farol nem nenhum fundo do túnel a dizer "quando deixares de fazer aquilo que fazes, vais fazer outra coisa qualquer e isso significa um upgrade".

Pacheco Pereira, em entrevista ao DN de 27 de Julho, aqui na íntegra

Autopsicografia

O poeta é um fingidor, mas só porque o desencanto nunca é filosófico, mas poético, porque apenas a poesia é capaz de representar as contradições sem as resolver, compondo-as numa unidade superior, elusiva e musical, enquanto esse desencanto, ao mesmo tempo que corrige a utopia, moderando o seu pathos profético e finalista, reforça o seu elemento fundamental, a esperança, pois que a esperança não nasce de uma visão do mundo tranquilizadora e optimista, mas sim da dilaceração da existência, vivida e sofrida sem véus, que cria uma irreprimível necessidade de resgate perante o mal, o mal que é simplesmente a radical insensatez com que se apresenta o mundo, a mesma que exige que a perscrutemos em profundidade, o poeta é um fingidor, nada mais, porque não hesita em denunciar uma ferida profunda que lhe coloca dificuldades na realização plena, tanto mais que "ambicionar viver é coisa de megalómanos", como escreveu Ibsen, querendo com isto talvez dizer que só a consciência do árduo e temerário que é aspirar à vida autêntica pode permitir que nos aproximemos dela, tão completamente que até parece dor a limalha irisada que nos cobre, nesse momento, como que numa exclamação incontida de glória...

Momentos Zen - 45

Numa volta completa, esmaguei a grande vacuidade.
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terça-feira, 29 de julho de 2008

Leituras


Nete Verão, eis uma sugestão de cortar a respiração. Sabiam que o autor é, nada mais nada menos, do que o pseudónimo "policial" de Dinis Machado? Vá lá, cheguem-se! Primeiras páginas disponíveis aqui.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A cápsula

Mandaram-me uma série de emails acerca da uma cápsula do tempo ter sido lançada "aí na Guarda". Numa primeira impressão, pensei que era um brincadeira. Ao terceiro, lembrei-me então que o Américo Rodrigues já tinha falado no fenómeno, no "Café Mondego". Lida a notícia, percebi que a coisa só irá acontecer em 2011. A ideia parece interessante. Permite divagar. Ora, contece que, por estes dias, não estou na Oppidana. Não suporto sair de casa e ver umas barracas com quinquilharia saloia e os omnipresentes decibeis pimba on the air. Seja como fôr, quando chegar, tenho uma secreta esperança em encontrar a Guarda no futuro: festivais culturais de Verão de nível internacional, uma livraria, gente a saltar pelas ruas, políticos competentes, a PLIE a funcionar, uma classe média jovem e cultivada, um comércio de qualidade no centro histórico, com horários estendidos, bares nocturnos diferenciados... foi então que me acordaram do sonho, em pleno jardim de Santa Catarina, na Bica. Estava debruçado sobre a folha da peça "Platonov", de Tchekov, em cartaz no T.N.S. João, no Porto. Cápsula de quê?

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Ponto de ordem

And now, for something completely different

Uma visitinha ao Exotic Asia Market, amanhã, em Sacavém, vai ser um caso sério. Como o coração anda muito bem, obrigado, vou simplesmente levar o número de telefone de um psiquiatra amigo, para o que der e vier. Entretanto, para não ficar empenhado para o resto da vida, arranjei uma solução drástica, mas eficaz: só gastar até aquele plafond. Nem mais um cêntimo. Para o caso extremo de tal não resultar, vou levar uma cruz e água benta para afastar as tentações. No limite, usarei um chicote para me auto açoitar na casa de banho, para purificar os apetites. A propósito, lembrei-me daquela frase proverbial que se ouve dizer: tem que ser. Pois é, a frase é abaixo de cão. Mas nestas situações... tem mesmo que ser.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Apresentação "Mapa"

25 de Julho (21h30m)

Café-Concerto do Teatro Municipal da Guarda
Apresentação: Pedro Dias de Almeida
Leitura de poemas: Américo Rodrigues

manuel a. domingos é o autor deste livro de poesia agora apresentado. Uma recensão pode ser encontrada aqui. Infelizmente, não poderei estar presente, pois andarei pelas bandas de Sines, durante o fim de semana, no festival músicas do mundo. Espero que o Manuel me guarde um exemplar.

A Invisibilidade de Deus

(...)

o certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu


Al-Berto, em "O Medo"

Olh'ó passarinho!

(clicar para ampliar)

O Google Earth melhorou, por fim, a resolução com que era apresentado o distrito da Guarda. Ontem dei lá por lá uma volta e captei esta imagem da cidade. Vista do céu é uma maravilha, como diria o meu barbeiro. Olha olha, vejo perfeitamente a minha casa - mãe, estou aqui - mas não digo onde é. Não vá lá aparecer uma embaixada de coleccionadores em fúria, elementos da actual direcção do Aquilo-Teatro, o defunto Menezes, o vivaço Júdice, ou o vate Renca, o dos versinhos pagos pelo BES, dispostos a limpar-me o sebo.

Arrastinho

1. Acho piada à ralé esquerdalha: sempre com Guantanamo na boca. A "prisão sem lei" para aqui, "a prisão do imperialismo" para acolá. Já ninguém se lembra dos crimes do 11 de Setembro, como convém. Curiosamente ou não, esquecem-se também - ele há coisas! - da realidade confinante: Cuba. O que é esta nação caribenha senão uma gigantesca Guantanamo, onde um regime despótico e brutal encarcerou o seu povo sem julgamento prévio? A esta propósito, recomendo uma visita ao magnífico blogue Generación Y, de Yoani Sanchez. Uma voz censurada, mas não silenciada, cuja história já aqui contei.
2. Os ciganos aos tiros na Quinta da Fonte. Até podiam ser ETs. As balas não têm etnia. Neste país há leis. Iguais para todos. Todinhos. Ou por serem aplicadas aos ciganos já há discriminação? Confesso que já atingi o limiar da paciência com este discurso paternalista dos crybabies esquerdalhos do costume.

Menos um à solta

Radovan Karadzic, antigo líder dos sérvios bósnios, acaba de ser capturado pela polícia secreta sérvia. É visto como um dos responsáveis pelos crimes cometidos contra as populações bósnias/muçulmanas durante a guerra civil nos anos 90, incluindo genocídio. Com uma aparência completamente renovada (veja-se na notícia), "Ganhava a vida com a medicina alternativa e trabalhava numa clínica privada". Pelos vistos, o "Carniceiro de Srebrenica" sempre gostou de tratar da saúde aos seus semelhantes. Foi agora transferido, ficando à guarda do Tribunal Penal Internacional, onde será julgado.

Nota: é claro que continuo a ter muito mais medo dos filhos da puta engravatados e pais de filhinhos que aí circulam, caciques autárquicos, "revolucionários" de café, o Sousa do 5º Esquerdo, "uma jóia de pessoa", segundo a vizinhança, até aquele dia em que..., de um modo geral, gente estúpida, sem intensidade, ciganos que se poem aos tiros sem ser na brincadeira, escritores sem talento mas com muita água benta, intrujões de toda a espécie (os da cultura são os piores), claques de futebol, adeptos do FCP em forma de ajuntamento, desfiles de carros nos casamentos, quando as famelgas vão todas a apitar, enquanto o pai olha de soslaio para a Ivone, a prima do noivo, e manda calar a mulher para que mande "calar o garoto", grupos de emigrantes em férias, uma assembleia de curiosos depois de um acidente, etc.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Camellia sinensis (1)

"Bebe-se chá para esquecer o bulício do mundo", dizia há muitos séculos o poeta chinês T'ien Yi-Heng. Uma lenda bem conhecida diz-nos que o chá foi descoberto por mero acaso. Por volta do ano 3000 A.C., quando o mítico Imperador chinês Shen Nong se encontrava na floresta fervendo água para beber, algumas folhas de camellia sinensis cairam no pote. O inexcedível aroma produzido imediatamente cativou o imperador, pois bastou um gole para lhe ser revelado o "segredo do chá". Numa versão mais alargada da história, já antes Shen Nong experimentava com frequência provar infusões de ervas para identificar as que tivessem valor medicinal. Várias vezes ficou intoxicado. Mas eis que finalmente descobriu uma planta que ajudava a eliminar as toxinas do seu organismo: essa planta, veio-se a saber, era o chá. Que se tornou, desde então, parte integrante da medicina popular chinesa. Mais tarde, a preparação e o consumo do chá foram associados a um complexo ritual em todo o Oriente, especialmente no Japão. Por outro lado, a "espuma do jade líquido", como era cantado pelos poetas chineses da dinastia do Sul, foi objecto de um Chaking (ou Sagrada Escritura do Chá), obra do século VIII, onde Lu Yu, filósofo da época Tang, compila uma espécie de Código do Chá. Kakuzo Okakura, em "O Livro do Chá", obra que já aqui mencionei, faz-lhe uma abundante referência. Introduzido na Europa no séc. XVII, foi tema, logo em 1685, de um Tratado, da autoria de Philippe Dufour.
O chá é uma das minhas predilecções recentes. Um saber empírico com um sabor teórico, que se completam numa curiosidade e exigência crescentes.

Ainda o coleccionador

O coleccionador, essa figura ímpar da blogosfera, continua a exibir a sua sumptuosa ignorância, mascarada atrás de uma profusão de referências inesgotável. Será que ele ouviu, viu ou leu tudo aquilo que, assevera, pode alterar a existência de quem o faz? Não acredito. Até porque, ao contrário do coleccionador, quem realmente reflecte sobre o mundo em que vive, acaba por se deter na espessura dos objectos de cultura que consome. E usa-os como meios de transformação efectiva. E percebe que a sua única utilidade é uma fermentação sincera, poderosa da acção. O coleccionador, é bom não esquecer, não se detém em torno de uma resposta que não encontrou. Que ideia! Pelo contrário, para prevenir o embaraço, promove uma dúvida à certeza seguinte, continua e sistematicamente, numa voragem imparável. A diarreia de coleccionador é ilimitada. A cultura é o seu laxante: imagens atrás de imagens, coelhos a saírem sem parar da cartola, clips do you tube às resmas, discografias impensáveis... "As coisas que ele vai buscar!", soletram, com a boca escancarada, as costureirinhas e os gremlins da cultura. "O gajo deve ser mesmo culto!", proclamam os néscios urbi et orbi. Sem nunca suspeitarem, uns e outros, que o preclaro brilhantismo não passa de uma estratégia de instalação para um ego insuflado até à demência. Uma espécie de compulsão em afirmar ad nauseum que a sua pila é maior do que todas as outras do ginásio. O coleccionador é o copista dos tempos modernos. Só ele conhece, guardada às sete chaves, a côncava funda da sua efectiva e mesquinha ignorância do mundo. Só ele?

domingo, 20 de julho de 2008

Arte Postal


A ARTE POSTAL iniciou-se com a "Correspondance Art School" de Ray Johnson, nos anos 50. Esta forma de comunicação criativa teve origem na revolução científico - industrial que permitiu o funcionamento a nível universal dos serviços dos correios desde logo se assumindo como uma ruptura com a tradição artística que significaram os movimentos e escolas artísticas do ínicio do século e do pós-guerra. Dadaístas, futuristas e surrealistas como Schwitters e Duchamp aderiram à ARTE POSTAL para divulgar os seus pontos de vista e trocar mensagens criativas. Em meados dos anos 60, na América do Sul, desenvolveu-se uma intensa actividade criativa entre poetas e editoras. Eduardo António Vigo, o brasileiro Wlademir Diaz Pino e o chileno Guilhermo Deisler fizeram história. Através de revistas, fanzines e exposições a actividade dos creativos postais ganha forma pública. Em países como a Itália e a Suécia existem museus dedicados à ARTE POSTAL. Esta forma de arte reveste um carácter anti-comercial e anti-consumista, um carácter personalizado que se opõe aos fenómenos de massas que as tecnologias introduziram na difusão de certas formas de expressão artística. O circuito da arte postal convencionou que todas as obras recebidas serão exibidas na totalidade sem sujeição a uma selecção ou juri. Quem provoca a manifestação "obriga-se" a enviar uma catálogo aos participantes onde constem os seus contactos. As obras recebidas não podem ser comercializadas e não serão devolvidas. A liberdade de suporte e de técnica só é limitada pela possibilidade de envio pelos serviços postais. As propostas chegam ao destino enriquecidas pelos selos, tarjetas, carimbos do remetente, após uma viagem que acrescenta à obra criada signos e imagens, dando-lhes um cariz alternativo, renovando cada objecto, tornando-o mais tarde... em frente e verso.

Stalker

O poço

sinto que neste blogue falta metier, suor honesto, um tempero discreto mas poderoso, alçapões comunicantes, o estandarte do alferes cristóvão rilke, antepassado do poeta, os cavaleiros valorosos em repouso, as águas do levante, as linhas do levante no teu rosto, os outros mortos, os que resistiram até ao fim, as pequenas vitórias, o barro primordial, os anjos sussurrantes, as palavras em trânsito. não sei quão optimistas são os poetas e os amantes. mas eu nunca disse: mãe, olha, sem mãos!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ora essa!

entre outros acontecimentos editoriais da temporada, destaco a entrevista da escritora margarida rebelo pinto a carlos vaz marques para a revista ler, a tal que muitos consideram o expoente da chamada literatura light, que a páginas tantas chegou a desligar o gravador quando lhe subiu a mostarda, não aguentou a referência à polémica lançada por "couves & alforrecas: os segredos da escrita de MRP" (editora objecto cardíaco, 2006) de joão pedro george - que parte de um texto que publicou em 2005 no blogue esplanar, onde os expedientes criativos de mrp são dissecados de forma particularmente mordaz, retirado depois devido à publicação em livro, e graças ao qual a escritora e a editora oficina do livro interpuseram uma providência cautelar para impedir a sua venda - quando não conseguiu admitir que se repetia de uns livros para os outros, copy/paste afinal não é pecado na literatura que fala das coisas como elas são, mas não são, essa e que é essa, sem cedilha, as coisas nunca foram o que são, e a literatura nunca falou das coisas, mas que coisas, ora, para as semi-tias coisas são uma espécie de galeria de objectos bizarros, colecção almodôvar de carcavelos, escrever por necessidade, sei lá, ter sempre à mão uma colecção de situações comuns para pessoas comuns, guardar um ódio militante à misantropia cultivada pelos escritores, os tais que um dia se mandam pela janela, como o Sá-Carneiro e assim, diz ela, só que o Sá-Carneiro usou estricnina, manter as distâncias face ao cânone da crítica, ao pedigree da inteligentzia, mas bem, afinal somos todos mais parecidos do que parece, diz ela, então não somos?, esta impostura de uma burguesia urbana às voltas com a libertação dos costumes, mas ainda com o lastro do preconceito e da arrogância, ainda encarcerada no espartilho da culpabilidade católica, ainda tomada pelo quadro mental definido por António Ferro nos anos 30 para um Portugal do "folclore", dos "pequeninos" e da "paisagem" que é tudo o resto, a intérprete maior de uma metafísica em formato reality show, que não há maneira de descolar do solo ou do divã do psicanalista, que anda ali, e tal, um dia estamos cá, no outro já não, diz ela. pois, pois.

E ao anoitecer







e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

Al Berto

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Teste nuclear


Questão: o que está a fazer o homem da fotografia?
a) numa acção de formação sobre autoclismos, exemplifica como se puxa o manípulo;
b) demonstra como se deve viajar de pé e em segurança nos transportes públicos;
c) simula o procedimento correcto para defecar em caso de prisão de ventre;
d) reconstitui o célebre momento em que Scolari agrediu um jogador sérvio;
e) joga à moedinha numa tasca da margem sul.

Resposta certa: assevera que, "a haver qualquer inclinação" para a implementação do nuclear" no nosso país, o seu partido defende que deve ser "precedida de um grande debate" (Lusa). Ele há coisas! Será que nesse debate vão mostrar imagens de Chernobyl?

Stalker

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Festa a duas vozes

Entre os dias 3 e 7 de Agosto vai decorrer, em Alfarazes, mais um Festival de Ventríloquos. O maior acontecimento do género a nível europeu. Esperam-se convidados de luxo. O momento alto vai ser a apresentação a cargo de José Sócrates. Acompanhado do patusco Pedro Silva Pereira, o roberto que fará de duplo, virá explicar como na campanha eleitoral prometeu não aumentar os impostos e referendar o tratado constitucional europeu, e tentar dizer o contrário, ao mesmo tempo. São igualmente esperados Mário Lino, cujo duplo será um camelo; a Ministra das Educação, acompanhada de um pi; Louça fazendo de duplo dele próprio; Portas, acompanhado de um panda de peluche que encontrou na recepção do Anjo Azul, no Bairro Alto; Jerónimo de Sousa, que utilizará uma técnica nova: fazer três vozes em simultâneo, em homenagem à dialéctica marxista; Manuela Ferreira Leite, que jogará ao sério com o seu próprio boneco; Santana Lopes, que fará dupla com um mini Santana Lopes; Pinto da Costa, que usará uma peça de fruta, embora não se sabendo o tipo. Em resumo, a não perder.

Words, word, words... (2)

1. Palavras que detesto: enxabido, atoarda, famélico, paralaxe, portentoso, motejar.

2. Palavras que são música: anil, borbulhar, cume, embora, ventoinha, alçar, pomar.

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Sons do Verão


Estamos em plena época dos festivais musicais de Verão. Um bom negócio para quem organiza e uma maneira expedita de grande parte dos artistas arrecadarem algum pecúlio. Pois o mercado dos CDs anda pelas ruas da amargura. Todavia, se analisarmos bem, a esmagadora maioria funciona como mais do mesmo. Nada de verdadeiramente significativo, em termos musicais, se passa nessas concentrações propícias à alienação. Os festivais marcadamente pop são os piores. Aposto que os porta-vozes das bandas intervenientes dizem os mesmo em todo o lado, tipo "queremos agradecer a este público "maravilhosa" desta "fantástico" cidade", de Paredes de Coura à Zambujeira. No entanto, como em tudo, há excepções. Quer aquelas onde tenciono ir como as outras a que não posso. Infelizmente. Vou pois falar exclusivamente das primeiras. Devo dizer que programei a coisa para poder fugir às inenarráveis Festas da Cidade da Guarda, um arraial e pêras, que todos os anos enche a urbe com música pimba e cascas de tremoços. Aqui vai, então, o programa de festas:
Festival Músicas do Mundo, em Sines, que este ano comemora o 10º aniversário. A programação entre 24 e 26 constitui, provavelmente, o maior acontecimento musical deste Verão no nosso país.
Festival Intercéltico de Sendim, mais por tradição do que pela qualidade musical. Espera-se uma bebedeira monumental na Taberna dos Celtas.
Jazz em Agosto 2008, entre 1 e 8 de Agosto, na Gulbenkian.
4º Se possível, uma incursão ao Festival de Teatro de Mérida, edição nº 54.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Stalker

O Carmo e a Trindade

Só não muda de ideias quem nunca as teve. Nesta fórmula coexiste a crueldade da simplificação e uma espécie de brilhantismo espertalhaço com que se aliviou uma consciência a precisar de uns mimos extra. Todavia, a tirada é justa, mais do que correcta. "Tudo isto a propósito de quê?", já deveis estar a perguntar (isto é, a meia dúzia de moicanos que ainda me lêem). Ora bem, nada de sustos, pois trata-se de filosofia pura. Ou seja, da natural e saudável evolução do ethos, como diria JPP. Ou, trocado por miúdos, de como as ideias propulsionam e resultam de uma procura. Sinalizam os tempos fortes e os fracos. Instalam uma prática ou corrompem-na. São ensaios para a dúvida e sofás para o desconforto.
Portanto, nada melhor do que uma história. Na cidade onde vivo, existe um amigo com quem mantenho saudáveis divergências de pormenor, firmadas desde inflamadas campanhas políticas em comum, durante a juventude. Há pouco, percebi que, afinal, o pormenor tinha dimensões pantagruélicas. Claro que, do ponto de vista da defesa intransigente das liberdades e da rejeição das ortodoxias morais, nem uma dissonância. O problema está noutro local: do lado dele, o percurso óbvio de uma tarimba política de base, repetida ad nauseum, com as suas adaptações forçadas, o verbo fácil e automatizado, a subalternidade não assumida perante quem realmente dá as cartas, a inconsistência programática, a cristalização em meia dúzia de slogans mal digeridos, uma inocência barroca e provinciana. Pela minha parte, sempre cultivei um descomprometimento absoluto com a partidocracia, a preguiça cosseryana, a experimentação como a única pedra de toque, a mastigação lenta das ideias trazidas pelo poço do tempo. O resultado, naturalmente, manifestou-se. O meu amigo continua preso à política como uma espécie de acampamento amistoso de facções rivais, com um cheirinho conspirativo, mas pleno de animação colegial. Um meio termo entre as reuniões republicanas descritas pelo Eça em "A Capital" e a utopia sem esforço da acção determinada pelo cálculo. Tudo supervisionado por um Baden Powell que se quis, à força, banir. É este o seu cenário de eleição, onde reivindica as palavras de ordem de sempre. Pela minha parte, aconteceu a "desgraça": li abundantemente Nietszche, Hannah Arendt, Montaigne, Tocqueville. E levei-os muito a sério! Ora bolas! Claro que também comprava as revistas "Gina" e "Tânia", em pacotes de três exemplares, embrulhadinhas em plástico, num quiosque manhoso dos Restauradores. Mas essa é uma história que ficará, se calhar, para outro texto... Mantive-me pois afastado de qualquer hipótese de uma carreira política e muito menos partidária. Mas não do labor público, naturalmente. Enquanto o meu amigo, por seu turno, se ia "educando" nessas escolas de "virtudes" em que se tornaram os partidos políticos e sucedâneos.
É claro que a divergência acontecia não só na forma como no conteúdo. Há pouco tempo, publicou ele uma crónica num jornal local, a propósito de um comício onde participou e que juntou parte da esquerda conservadora no Teatro da Trindade. O tom era claramente aquele que eu chamo da esquerda sindicalista. Passo a explicar: eis que um intérprete da sofreguidão popular aparece e clama, em nome da clientela, isto é do "povo", ou dos "trabalhadores", por mais isto, mais aquilo, mais dinheiro, mais subsídios, mais regalias, mais assistência, mais polícias na rua, mais salários, quer criar um país constituído por 10 milhões de assistencializados, calimeros insuflados por um estado providência que ninguém quer pagar, que ninguém diz como pagar, que ainda por cima troçam da verdadeira, da magnífica e produtiva preguiça - a dos personagens de Cossery, aquela dos que realmente reflectem sobre o mundo em que vivem - que preferem cidadãos a quem é negada a iniciativa económica, a iniciativa artística, a iniciativa cívica, pastoreados à força por vanguardas de burocratas que tudo dizem assegurar e nada resolvem, sacerdotes do óleo usado, da tecnologia ineficiente, do falso debate, um mundo isolado, planificado, onde quem grita mais alto é atendido primeiro. Esta histeria suburbana, isolacionista, demagógica, nada tem a ver comigo. Hoje é preciso exigir menos, em vez de pedir mais. É necessário que os entraves à criação de riqueza sejam mínimos. Que os sistemas políticos existam para defender os indivíduos e não os grupos e as corporações. Que a cultura crie os seus próprios públicos. Que a liberdade de criação valha muito mais do que a reivindicação da continuidade. Percebi, nesse dia, a distância que me separa desse universo ferrugento, em desagregação. O tal que o meu amigo, e mais uns poucos, acreditam ainda ser o cenário do futuro.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Check up negativo

O recente debate sobre o Estado da Nação, na A.R., demonstrou as fragilidades dos diversos intervenientes. Sócrates trouxe na cartola umas série de medidas de carácter social inquestionáveis. Viu-se que está em forma naquilo em que alguém formado nos vícios de um aparelho partidário não pode falhar: a resposta pronta e afiada, o timing certo para a intervenção certa. Todavia, viu-se perfeitamente que as qualidades retóricas disfarçam mal as lacunas de um verdadeiro estadista. Os outros foram iguais a eles próprios. Jerónimo e a sua verve sindicalista e demagógica, Louça comportando-se como o tele-evangelista que sempre foi e Portas defendendo a Galp. Nota positiva para o novo líder parlamentar do PSD, Rangel, que soube gerir quanto baste a sua prova de fogo.

domingo, 13 de julho de 2008

Momentos Zen - 44

Dois pássaros que partilham a mesma asa

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sábado, 12 de julho de 2008

Stalker

O estranho caso dos quadros no ebro e do cardeal que sorri

Através do Américo Rodrigues, tive conhecimento de dois factos notáveis e que confirmam o provincianismo reinante na Guarda:

O pintor Rebelo pôs a circular a ideia de que trabalhos seus seriam expostos na Expo de Saragoça, no Dia de Portugal. Seguiram-se desmentidos por parte de quem aquele diz tê-lo convidado, a Associação de Amigos do Museu da Guarda. Mas nunca houve um esclarecimento cabal deste bluff.
O ex cardeal Saraiva de Melo, natural de Gagos, no concelho, aproveitando a passagem à reforma, acabou de editar a sua autobiografia: "Quando a Igreja Sorri, Biografia do Cardeal Saraiva Martins" (sic). A Câmara da Guarda, através do seu Presidente, quis logo associar-se ao evento, comprando mil exemplares da obra.

Em jeito de comentário, direi o seguinte: no segundo caso, há uma clara desproporcionalidade entre a relevância local do prelado e a sua quase beatificação em vida. Que lhe façam uma estátua na sua freguesia, vastos laudos nos jornais locais, ou que a autarquia, por hipótese, apoie a criação de uma casa-museu ou de uma fundação com o seu nome, nihil obstat. Agora que a Câmara participe numa campanha apologética sem o mínimo de distanciamento crítico em relação à obra, já me parece de censurar. Até porque há inúmeros criadores locais que aguardam em vão a atenção da autarquia. O primeiro caso remete para dois vícios recorrentes nos meios com pretensões artísticas da Guarda: a mitomania e a auto-complacência. Ou seja, a ausência de um crivo crítico exigente e universal, a leviandade com que muitos artistas sem formação técnica e académica encaram a sua obra, a inexistência de uma estratégia concertada de avaliação do mérito e apoio dos artistas radicados na cidade.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Três leituras e uma paixão de sempre: o Japão



Inazo Nitobe, Bushido, el código ético del samurai y el alma del Japón, Trad. prefácio e notas: José Javier Fuente del Pilar, Miraguano Ediciones, Madrid, 2005

Kakuzo Okakura, O Livro do Chá, Trad. Fernanda Mira Barros, Edições Cotovia, 2007

Murasaki Shikibu (ou Dama Murasaki), O Romance do Genji (Genji Monogatari), Trad., prefácio e notas: Carlos Corria Monteiro de Oliveira, Relógio D'Água, 2008
"nunca se escreveu nada de melhor, em nenhuma literatura" (Yourcenar); "depois de se ler Murasaki, nunca mais se sentirá de igual maneira o amor ou a paixão. Ela é o génio do desejo e nós os seus aprendizes" (Harold Bloom); "somente comparável aos grandes clássicos ocidentais como Cervantes ou Balzac" (Octavio Paz).

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O engodo

Há uns meses atrás, durante uma curta estadia na capital, fui apanhado por um daqueles telefonemas invulgarmente generosos que todos conhecem: "olhe, temos aqui uma semana no hotel x à sua espera. Basta vir levantar o voucher que podemos desde já passar em seu nome. A que horas poderá então passar no local y (geralmente hotéis tão anódinos quanto discretos)? E pronto, seis horas mais tarde lá estava eu, passante no dito local, aos saltinhos de alegria pela semana que me esperava num dos magníficos hotéis da cadeia y2. "Algarve, Madeira, dove dove, ma che cosa..." Meditações genuinamente metafísicas, enquanto pulava, com o mesmo ar de contentamento da Julie Andrews, quando esta debitava, nas montanhas do Tirol, aquelas cançonetas do "Música no Coração" que todos conhecem. Pois bem, após os ziguezagues habituais, lá cheguei a um salão onde foram dispostas várias secretárias, afim de os presenteados serem devidamente "esclarecidos" acerca da "oferta". Numa delas, esperava-me uma menina com pronúncia alentejana. Ao longo da entrevista vim a saber que era licenciada em psicologia e tinha um anel em fimo que já me estava a enervar. Basicamente, como devem estar a imaginar, tratava-se de um cavalo de Tróia comercial. Atrás do engodo da "oferta", havia a inscrição no clube de férias x, a inscrição no "parceiro" ACP e outras pérolas. De realçar, o esforço da rapariga em mostrar-me o catálogo com as "vantagens" da adesão: praias com palmeiras e mar turquesa, comme il faut, estâncias de montanha onde só faltava aparecer o James Bond, resorts turísticos em ilhas com nome impronunciável no Índico. Naturalmente, não mostrei qualquer interesse, a não ser por um hotel na Patagónia. Perante a minha falta de entusiasmo, lá me ia repetindo as vantagens de ser sócio do ACP e que havia "pacotes" para várias bolsas. Como estava numa de provocar a pobre rapariga, perguntei-lhe se também havia "pacotes" para gays, ou se podia levar o gato. O desespero dela já começava a ser evidente. Foi nessa altura que me resolveu contar alguns pormenores da sua vida pessoal. Para além da licenciatura referida, era de Serpa. "De Serpa?" E eu que pensava, até agora, que o melhor que lá havia era a tasca do Zé Lebrinha!", atirei eu. Percebi de imediato, num lampejo, que até nem desgostou da bazófia. Mas fez de conta que não existiu. Voltando logo à carga. Com novos folhetos, lugares de sonho, etc. Resolvi então por as cartas na mesa. Disse-lhe que compreendia o papel dela, mas não a valia a pena insistir. Por várias razões: 1º não sou do tipo de fazer férias convencionais, num hotel, etc. 2º gosto da errância e da descoberta, aproximando-me, nesse ponto, dos viajantes. 3º o meu modelo de férias tanto podia ser percorrer o caminho francês até Santiago de Compostela, como ir acampar para as ilhas Ciés, ao largo de Vigo, ou ir a uma capital europeia num vôo barato assistir a um espectáculo, fora da chamada época alta. Portanto, mais valia ficarmos por ali, pois não era, de todo, o cliente certo. E pronto, desta forma airosa e desconcertante me livrei do que se poderia ter tornado um pesadelo...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Second Life


O avatar do escriba, anteontem, a praticar Tai chi, muito bem acompanhado, no quadro Chillout Paradise.

Instantâneos

O verdadeiro louco é o que coloca a sua loucura ao serviço da loucura dos outros.

Nota: esta frase é dedicada ao Américo Rodrigues. Se ele pedir para retirar esta menção, vou pensar no caso.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Graffitis - 32


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A vida minimal e repetitiva - 7

As pessoas com um forte sentimento religioso nunca me decepcionaram. Talvez porque tenham percebido de perto como a vida é encantadoramente simples e trágica. Ou então, ao contrário dos revolucionários de café, levaram a peito a necessidade de uma concordância mínima entre a fé, a acção, e o estudo. Ou, pelo menos, entre aquilo em que se acredita e aquilo que se é. Ou, simplesmente, que intuiram o facto de o ter só existir para não ter. Por outro lado, conheço uma série de ideólogos inconsequentes, radicais gourmet com uma vidinha burguesa até ao vómito. Mas incapazes de tomar uma decisão corajosa ao longo das suas penosas existências. No entanto, apregoam com veemência as liberdades mais avançadas, cultivam um gosto cultural marginal que trazem sempre na lapela, troçam da cultura popular e do mérito. Mas só para adornarem a sua miséria interior. Na verdade, não sentem, não erram, não choram, não experimentam, não dão um passo em frente, não se apaixonam. Nada. Fazem lembrar aqueles caniches irritantes, que ladram por tudo e por nada, num desesparante tom agudo. E que depois vão a correr para o dono, triunfantes. Há um até que deixou de me falar porque a mulher o proibiu. Mediante uma lista negra que lhe pôs à frente, suponho. Um dos mais radicais, por sinal. Dos mais "avançados" e "revolucionários". Dos mais desprezíveis. Dos mais tristes.

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Momentos Zen - 43

Saber e não fazer, ainda não é saber.

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O anjo e o vilão

"O Conto do Vigário", ("Il Bidone"), 1955 - 109m

Esta obra, relativamente pouco conhecida de Fellini, encerra alguns dos momentos cinematográficos mais intensos que alguma vez experimentei. Reporto-me, por exemplo, à uma cena perto do final, onde o intrujão, vestido de cardeal, é chamado para abençoar a filha deficiente dos camponeses que estaram a ser vigarizados. Progressivamente, a presença angelical da rapariga acaba por impor-se. Perante o seu testemunho de fé e um despojamento tão pungente, tão arrebatador, tão luminoso, o outro apaga-se, envergonhado. Escondendo-se atrás de um discurso vazio, balbuciando desculpas, tentando deixar incólume o que lhe restava da consciência, preparando já a ruptura final. O filme, realizado um ano antes do mítico "La Strada", sinaliza a sua passagem pelo neo-realismo. A este propósito, escreveu Manuel Cintra Ferreira:
PARA FELLINI o neo-realismo foi uma etapa que lhe permitiu, a pouco e pouco, encontrar-se consigo próprio, fazendo emergir uma personalidade original e controversa, a que ninguém ficou indiferente, quer goste ou não dos seus filmes. E essa prática foi levada a cabo principalmente pela escrita, na colaboração de vários argumentos, depois de Roberto Rossellini o ter convidado para colaborar num documentário sobre o fuzilamento do padre D. Morosini pelos fascistas. O documentário passaria a filme de ficção e tornar-se-ia o estandarte do movimento que nascia:
Roma, Cidade Aberta (1945). O jovem caricaturista e jornalista, cujos contactos com o cinema se tinham limitado à criação de «gags» para um cómico popular, Macário, deixava, assim, o seu nome ligado à aparição do neo-realismo, o que talvez seja a raiz dos equívocos.Fellini, até ao fim da década de 40(no fim de contas a grande fase do movimento) vai continuar na mesma via, mas com algumas resistências (o referido Il Miracolo), assinando, em colaboração com outros argumentistas, alguns dos filmes mais famosos do neo-realismo e do cinema italiano daquele tempo. Colabora com Rossellini em Libertação (filme em 6 episódios sobre a libertação de Itália), L' Amore, São Francisco, o Santo dos Pobrezinhos e Europa 51. Os dois últimos são particularmente importantes porque muito do Fellini dos anos 50 se encontra ali já de corpo inteiro (a parábola cristã, a redenção pela fé e a sua manifestação suprema, o milagre, temas que percorrem A Estrada, As Noites de Cabíria e O Conto do Vigário). (À espera dos palhaços, revista do Expresso, Novembro de 1990)

domingo, 6 de julho de 2008

Crimes exemplares - 23

Um belo dia, G. Singh deixou o Punjabe, no sopé das montanhas do Norte da Índia. Debruçadas sobre os arrozais em socalco e a linha do Ganges no fio do horizonte. Era adepto da religião dos sikhs, uma espécie de meio termo entre o hinduísmo e o sufismo islâmico. Andou pela Europa, numa diáspora mercantil apanágio dos seus antepassados. A ausência dos gurdwaras, os templos sikhs, nunca foi para ele, ou para a sua família, motivo de preocupação. Como era um amritdhari, ou seja, um iniciado na ordem Khalsa, usava longas barbas e o tradicional turbante cor de laranja. Motivo pelo qual, depois do 11 de Setembro, era brindado frequentemente com insultos aqui irreproduzíveis. Não há nada pior do que a ignorância arregimentada pela estupidez. Numa bela tarde de Maio, Singh chegou a Portugal. Não demorou a instalar-se, com a família, numa pequena cidade de província. A vida não lhe estava a correr nada mal e o haumai estava cada vez mais longe. Num certo fim de tarde, circulava na sua carrinha em direcção a casa. Ia devagar, como habitualmente. Dessa vez, porém, atrás dele seguia um condutor que não se cansava de apitar, gesticular com veemência e lançar alguns impropérios. O outro prosseguia, imperturbável. Enquanto o frenesi do homem de trás aumentava de intensidade. Ao chegarem a um semáforo, Singh saiu do carro, mantendo a compostura de um príncipe. Acercou-se do outro e, sem uma palavra sequer, fez-lhe um profunda vénia. Perante o desassombro do acto, o frenético apitador deve ter ficado sem pinga de sangue. Pois arrancou de imediato, cabisbaixo e sem esboçar sequer uma reação.

NOTA: Este episódio foi por mim testemunhado há cerca de um mês atrás. Todo o enquadramento foi obviamente ficcionado.

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Stalker

Mais uma campanha alegre (1)

Os aprendizes de cacique com discurso provinciano são uma das minhas iguarias favoritas. É claro que não é difícil encontrá-los. Basta ir ao seu habitat natural: uma delegação partidária, uma direcção de uma associação de estudantes, à saída de uma assembleia municipal, no corropio famélico em busca de uma assessoria ou de uma sinecura partidária. Alguns podem mesmo ser encontrados nas colunas dos jornais locais. Depois de muito suor, conseguem alinhar dois parágrafos sem um único erro ortográfico. Um feito notável. Onde debitam resma e meia de lugares comuns para encher o olho (salvo seja) à populaça, naturalmente sequiosa de mais uns artistas que a salvem. Porém, há artistas e artistas. Alguns nem mesmo numa loja gourmet se encontrariam. Pois a fortuna veio em meu auxílio, trazendo-me o créme de la créme desta espécie. Nada mais nada menos do que a última estrela da política de veludo guardense (na feliz designação de Pacheco Pereira para a rede de interesses promíscuos de que se nutre a partidocracia local e autárquica), o apóstolo da nova trilogia: ouvir, dialogar, trabalhar (a parte do "diálogo" traz-me logo à memória não sei o quê, um dejá vu qualquer...bom... adiante!), a grande esperança do PS no distrito da Guarda, o homem que não deixa de frisar que está perto de Lisboa (ouviram bem, meninas e meninos, perto de Lisboa!)... Senhoras e senhores, convosco o camarada José Albano Marques!
I - Comecemos então pelo princípio: sabiam como é que este patusco conseguiu as assinaturas para se candidatar à Federação Distrital? Através do milagre do sangue comunitário. Passo a explicar. Desde Janeiro deste ano, entre os 400 novos militantes do distrito da Guarda inscritos no PS , contam-se "trinta dadores de sangue" e apareceram 18 "a morar na mesma casa". Em relação ao primeiro caso, vamos supor que uma onda de generosidade invadiu 30 cidadãos, que decidiram acampar junto à sede da associação de dadores, disponíveis para qualquer emergência. No entanto, desconheço se foram informados do facto de entre cada dádiva deverem decorrer três meses para os homens e quatro para as mulheres. Mesmo assim, louva-se a sumptuosa solidariedade manifestada por estes bravos. No segundo caso, das duas uma: ou esse grupo de 18 intrépidos cidadãos têm o mesmo grupo sanguíneo e resolveram acampar no mesmo local, para o que desse e viesse; ou são adeptos das experiências comunitárias anos 60 e 70, resolvendo implantá-las num recanto serrano da Beira, podendo tratar-se mesmo de um grupo de squatters criativos, também conhecidos por okupas, acabados de desembarcar num prédio devoluto da região. Mas porquê?, perguntareis vós. Aa razões não são exactamente deste mundo, meus caros: 400 cidadãos, em diferentes coordenadas GPS, receberam em simultâneo uma radiosa e inefável revelação do Divino. Era o Albano, envolto numa aura celestial cor de rosa, assessorado por um arcanjo menor, que servia de ponto. Insinuando a salvação eterna, lá ia indicando aos incréus o caminho da virtude e do futuro, ao mesmo tempo que disponibilizava a ficha de inscrição na congregação. "Milagre! Milagre!", gritavam os escolhidos pela Graça Divina. "Quando preencherem a fichinha, entreguem aqui ao Tony", ouviu-se sussurrar, por fim, com voz melíflua, o ditoso Albano. Por outro lado, 40 dos recém filiados militantes deram como "residência" o mesmo apartado postal, sendo os apartados mais vezes repetidos registados como pertencentes à Associação de Dadores de Sangue da Guarda e ao PS de Celorico da Beira. Para explicar este caso, aplicam-se as hipóteses referidas, podendo ainda tomar-se em consideração outras possibilidades: estes 40 "caloiros" afinal fazem parte de uma seita milenarista, tendo optado por cometer um suicídio em massa, aproveitando os bons ares da região; constituem um grupo de investigadores da lagarta dos pinheiros em trabalho de campo; um retiro espiritual de representantes do príncipe da Transilvânia, mais conhecido como o Drácula dos tótos; são simplesmente clones (ou hologramas) de José Albano Marques.
II - Pois bem, instalados e domiciliados os putativos apoiantes do Albano (seriam todos do tipo O, tipo AB? não se sabe) faltava o corropio habitual para a contagem das espingardas: 1º cativar os caciques de base; 2º trazer para si a inenarrável "J"S, para compôr a tribuna com carinhas larocas e carregar os pianos; 3º cheirar o rabiosque a um naipe escolhido de notáveis retirados ou no activo, bem como aos proverbiais assessores, situados muito pertinho, vá-se lá saber como, de Lisboa. Aliás, vendo bem, em Lisboa mesmo, diria até na zona de S. Bento, no gabinete do Sócrates mesmo mesmo (não é excitante?), a cheirar-lhe mesmo o cuzinho com regularidade, com sofreguidão canina, de modo a que esta cadeia de empatia olfactiva vença distâncias e embaraços, assegure "atenções" futuras, caucione promessas presentes e salvaguarde rabos de palha passados. Um mimo. (continua)

sábado, 5 de julho de 2008

Playlist da casa (11)

Escutar aqui as músicas do álbum em streaming

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Cinema Indy no Youtube

Excelentes notícias para os cinéfilos. O Youtube acaba de lançar o seu Screening Room. Trata-se de uma sala de cinema virtual, onde serão apresentadas produções independentes em alta qualidade (4 novos filmes a cada duas semanas). Para os produtores independentes a notícia não poderia ser melhor. Pois além da possibilidade de uma plateia mundial, parte das receitas publicitárias são distribuídas, pelo que cópias digitais ou mesmo DVDs poderão ser comercializadas. Os quatro primeiros filmes são The Danish Poet (vencedor do melhor curta de animação no Oscar 2007); Love and War (vencedor na mesma categoria no Los Angeles Film Festival); Our Time Is Up (indicado ao Oscar em 2006); e Are You the Favorite Person of Anybody? de Miranda July.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Stalker

Locatio

É sempre bom, de vez em quando, alguém me recordar o grau zero do pensamento. Apanágio da uma certa esquerda histriónica e conservadora, que se vai arrastando na ala geriátrica de um subúrbio qualquer. Desta vez, o tema fracturante dessa gente são os senhorios e a sua índole parasitária. O asinino escrevente bem se esforçou por exprimir uma ideia, uma que fosse, para uma discussão séria do tema. Em vão. Lembro então à alimária em epígrafe o seguinte: a esmagadora maioria dos senhorios são pequenos proprietários, que empregaram muitas vezes o produto do trabalho de uma vida inteira num investimento que julgavam seguro: o imobiliário. No entanto, devido ao carácter perpétuo do arrendamento, à impossibilidade de aumentar as rendas, às dificuldades no despejo (agora atenuadas com a nova lei), ao facto de estar ele, um privado, a assumir uma função social (rendas baixas) que deveria ser o Estado a fazê-lo, esse senhorio naturalmente abdicou da realização de obras e de quaisquer melhoramentos na casa. Alguns são mesmo obrigatórios, de acordo com a legislação em vigor. A mesma que impõe obras ao senhorio, dificilmente lhe permite aumentar as rendas. A nova lei foi um flop, pois em vez de incentivar o mercado do arrendamento, retraiu-o ainda mais. E são raros os senhorios que utilizaram o mecanismo dos aumentos, pois já perceberam que os procedimentos de avaliação prévios são uma armadilha para aumentar o IMI. Sei do que falo, por experiência pessoal e profissional.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O nó

Da longa entrevista de Manuela Ferreira Leite, ontem na TVI, conduzida por Constança Cunha e Sá, retirou-se o soundbite mágico: a líder do PSD quer discriminar as uniões gay. Imagino o coro de indignação nos "sindicatos" do sector, ainda a curtir a ressaca da parada de sábado. Os batalhões do politicamente correcto com expressão nos blogues e nos media tradicionais vieram imediatamente à liça, lançando vitupérios e aleivosias contra tal arcaísmo. O habitual. Em meu entender, a coisa é assim: dois indivíduos do mesmo sexo ou de sexo diferente decidem viver em comum. Bravo! No primeiro caso, se quiserem mesmo casar-se, imagino que por causa do décor e da adrenalina, tenham lá paciência, mas inventem outra coisa: uma mancomunidade a dois, uma sociedade em comandita, onde o parceiro activo seria o comanditário e o passivo o comanditado, uma associação de socorros mútuos, etc. Casamento é que não. No segundo caso, se os cidadãos envolvidos optarem pela vida em comum sem núpcias pelo meio, simplesmente decidiram sobre um modelo para a sua vida privada. Ninguém tem nada com isso. Sobretudo o Estado. Para quê, então pretender que este atribua efeitos onde os directamente interessados não quiseram? Para quê tornar artificialmente igual aquilo que não se quis igual? Por outro lado, é assim tão chocante admitir que a finalidade principal do casamento é a procriação? Nem é preciso ser antropólogo ou historiador para confirmar tal evidência. Para quê, então, tal tempestade?

terça-feira, 1 de julho de 2008

Aviso à navegação

Atenção, caras e caros leitores, muita atenção! Chegou o momento de falar de coisas muito sérias. Acaso alguém que me leia se sinta fodido e mal pago, e a torcer o nariz à situação de pré-falência a que chegou o país, como é o caso do escriba, nunca, mas mesmo NUNCA dêem ouvidos aos cantos da sereia do PCP e do BE. Alguém de boa fé acredita que o receituário despesista, demagógico e irresponsável da esquerda conservadora irá resolver os seus problemas, os do país? Mal por mal, que continue o Sócrates. Depois não digam que não avisei.

Yoani na terra do Big Brother


Yoani Sanchez é cubana, vive em Havana e é licenciada em Filologia. Mantem o blogue Generación Y desde Abril do ano passado. Neste caso, como em tantos e tantos outros, as autoridades cubanas têm levantado inúmeros obstáculos a Yoani ao exercício de um direito inexistente naquele país: o direito à livre expressão, o direito à crítica. Apesar de tudo, o blogue conquistou uma audiência cada vez mais ampla e globalizada. Recentemente, os esbirros castristas barraram o acesso ao servidor onde o blog está alojado, a partir de espaços públicos. Lembro que, em Cuba, possuir um acesso privado à net é uma prerrogativa exclusiva dos altos dignitários do regime. Mesmo assim, graças a uma rede de solidariedade impressionante - a red ciudadana - Yoani consegue colocar os seus textos no blogue, enviando-os por email para os seus amigos, que depois os editam. As postagens e comentários são gravados em cds, como na imagem, e distribuídos clandestinamente em Cuba. A história é contada pela própria autora. O blogue vai ter aqui, a partir de hoje, um justíssimo lugar de destaque.

Notícias da blogosfera

A blogosfera guardense está em fase estacionária. Não sei se por a web social lhe estar a roubar audiências. Não sei se por causa do abrandamento generalizado do boom blogosférico. Mais perto andaria da verdade se dissesse que a iliteracia funcional que paira sobre a cidade, o triunfo em toda a linha da "vidinha" e o absentismo em relação à acção individual publicamente determinada, ao debate, ao confronto de ideias, à crítica, prejudicam o aparecimento de uma blogosfera pujante, activa e capaz de se unir pontualmente em prol de causas comuns. Portanto, os destaques que aqui farei não se referem propriamente a novidades, mas a confirmações de propostas ou de evoluções positivas da mesma "marca". Pois bem, na área da divulgação cultural, o relevo vai todo para o incontornável "O Homem que sabia demasiado", da autoria de Victor Afonso. Um blogue para quem não quer perder muito tempo e manter-se informado sobre o que vai acontecendo, sobretudo no panorama audiovisual. Nota-se uma constância notável, medida ao longo do tempo. Um local onde a profundidade da análise cede lugar à pertinência, seguindo a tendência dos media tradicionais. Na área da política, saliento "O Egitaniense". Um espaço que me equivoquei ao encará-lo como credível. Sobre notícias com impacto local, destaco a regularidade e a fluidez do "Acidademaisalta". Por outro lado, juntando esses atributos à divulgação do património e das tradições, por via de um naipe de colaboradores de grande qualidade, aconselho o "Capeia Arraiana". Na categoria dos "clássicos", saliento o "Café Mondego", escrito por Américo Rodrigues. Que mantem a regularidade e a discrição a que nos habituou desde a primeira hora. Por outro lado, o "Filosofia de Curral", de Sérgio Currais, sofreu uma evolução francamente positiva. Ao transformar-se de um lugar tímido e esparso num espaço cheio de humor. Onde perpassam os temas favoritos do autor, por via do comentário curto, por vezes desconcertante, outras deveras incisivo, de uma pose nonchalant e do recurso ao absurdo.

Pinceladas

a mulher do cú monumental, denunciando uma ancestralidade rural darwiniana, a passear o carrinho de bébé, no momento em que veio ao centro comprar um sorvete pró garoto, ora ora pro bono, o grupo semi-ruidoso de amigalhaços, um deles inevitavelmente com bigode, que vieram ao café de referência beber um digestivo e deixam o calhambeque luzidio à vista da populaça, képráprenderem, pro bono pro bono, o grupo de jovens semi-analfabetos e boçais, nas raparigas nota-se mais, saídos das inevitáveis ese, na mesa do lado, pro bono, as famílias inteirinhas que se mostram depois do defeso, eis o quadro de uma esplanada nocturna na cidade onde vivo, ou seja, com o vago sabor ao início de uma história de terror com final infeliz.