segunda-feira, 31 de março de 2008

Words, word, words... (1)

  1. Palavras que detesto: fac-símile, tergiversar, lobotomia, parafernália, logomaquia, esfolar, antitético, arremeter...
  2. Palavras que são música: oxalá, maresia, fumegar, janela, azul, todavia, vaguear, lume...

Preces atendidas - 24

Janet Leigh

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Galinhas e lagartos

Passei a manhã inteira no Tribunal. Mais concretamente, num julgamento relativo a uma questão onde uma velhota era acusada de ter proferido uma chusma de impropérios aos seus vizinhos, de um quintal para o outro. E tudo se deu por causa da disputa por uma galinha. Que se tornou no representante dos galináceos mais badalado do distrito, um ano e meio depois. Na ocasião, aproveitei para actualizar o meu léxico, no que ao calão diz respeito. E percebi, definitivamente, que as palavras, ao serem ditas fora do contexto e repetidamente, perdem qualquer significado. Sobretudo se este se traduz na chamada "troca de mimos". Ocorreu-me também, já agora, em virtude do caudal de palavrões, que estaria no Estádio de Alvalade, logo a seguir ao duomilionésimo seiscentésimo octogésimo terceiro penalty não assinalado a favor do clube dos Viscondes. Que mais ninguém viu, é claro, a não ser os adeptos desta simpática agremiação excursionista.

domingo, 30 de março de 2008

A doce mentira

E se de repente as pessoas começassem a dizer sempre a verdade? Podemos imaginar que seria o caos. Ao nível da comunicação, das regras sociais, das crenças, religiosas ou não, do comércio, da política, das relações amorosas. Seria como desligar os faróis do carro durante a noite, numa estrada à beira da falésia. Assustador.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Graffitis - 29


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Reflexões sobre política cultural (1)

Detectores de ruído ultra-sensíveis tem tentado captar, em vão, o mais ténue sinal de vida por parte do novo Ministro da Cultura, António Pinto Ribeiro. Os ponteiros continuam a zero, quer na Av. da República, quer para as bandas do Palácio da Ajuda! Será que foi raptado pela Alcaida? (é mesmo assim que se escreve, segundo apurei no "Livro de Estilo") Será que foi para retiro espiritual? Frequentará umas sessões de brainstorming, promovidas por Jack Lang? Certo certo é que ninguém mais o ouviu, desde a tomada de posse, quando declarou que queria "fazer mais e melhor, com menos meios". Um sacramental sound byte que já aqui comentei. Tal como Augusto M. Seabra, temo que aquele venha a ser mais um gestor de clientelas. Mas enquanto o país permanece na incerteza acerca da estratégia do Ministro, aqui vão algumas achas para a fogueira.
O modelo francês de acção cultural oficial tem sido aquele que mais fortemente inspirou o que se tem feito em Portugal nessa matéria. Na origem do conceito de cultura que informa essas políticas está a concepção alemã de Kultur, identitária, radicalmente subjectiva e romântica. E também o conceito anglo-saxónico, que a toma como um conjunto de artifícios, mediante os quais se organiza a sociedade e se protege de uma natureza hostil. Dessa soma desapareceram, na versão francesa, as referências a uma natureza humana, com a qual a cultura se deveria identificar e de que seria resultado. E também essa ideia de conflito de representações entre as várias sociedades, ou no seu interior. Pelo contrário, não só a paisagem urbana, como também a própria natureza, foram apagadas debaixo do rótulo omnívoro de "cultura". Estes modelos buscam não só diferentes tipos de público, como remetem para valores e entendimentos diferentes no que se refere à batalha em defesa do humanismo. Quanto à primeira questão, a Kultur "à francesa" (Malraux e Jack Lang) optou por fabricá-lo, simplesmente. Criando um público pré-fabricado e, no fundo, apático. O processo começa por a administração cultural decidir, em abstracto, quais as necessidades. Em seguida, dar-lhes resposta, em forma de livros, filmes e exposições. O essencial não é a qualidade, ou o interesse, mas a etiqueta. Este procedimento nasceu com a necessidade de difundir uma cultura orientada para opor ao fluxo americano, na vertente cultural e de mercado. Sobretudo no cinema, o tema tornou-se obsessivo e originou erros enormes. Abstracta e estéril, a cultura "da política cultural" é a máscara insinuante do poder e o espelho onde ele se revê. Em alternativa a este panorama, que premeia uma presumível mediocridade, qualquer política cultural deveria ter em conta, também, a procura do público que realmente ama a cultura e se interessa por ela, sem lhe impor nada, nem empenhar-se em convocar quem não quer ser convocado. Deveria igualmente respeitar e manter nas melhores condições as bibliotecas, os arquivos e, na medida do possível, os museus. Deveria facilitar as iniciativas de grupos culturais afins, sem pôr em causa a sua independência, embora favorecendo a sua institucionalização e fomentando a divulgação de qualidade. Em suma, saber conservar com rigor e facilitar, por todos os meios, o acesso ao património cultural da nação e à sua história. Passando, necessariamente, pelo reforço do estudo das Humanidades e criação de um standard cultural nacional, na melhor tradição universalista. Os grandes nomes da literatura e da arte é nesse magma que crescem, como um resultado espontâneo, e não de uma política cultural deliberada. Segundo este entendimento, o mais importante para uma democracia liberal é preservar a singularidade cultural de cada um, na sua diversidade. Uma singularidade baseada no amor ao conhecimento, em geral, e também a um saber específico, por muito modesto, raro, ou especializado que seja. Um saber que se alimente da reflexão, da solidez e da profundidade dos conhecimentos que cada um manifeste, e não da capacidade para o espectáculo. (continuação)

quarta-feira, 26 de março de 2008

Stalker

Twingly

O site do PÚBLICO passou, desde ontem, a permitir uma maior ligação entre os blogues e o conteúdo editorial, através de uma ferramenta nova, que assinala as referências na blogosfera sobre os artigos publicados no site. Segundo um comunicado da empresa" a ferramenta, chamada Twingly, disponível até agora em alguns jornais europeus – como o “Politiken”, na Dinamarca, ou o “Dagbladet”, na Noruega – permite que no próprio artigo do PUBLICO.PT apareça uma referência a todos os blogues que comentaram a notícia, aumentando a interactividade com os cibernautas e alargando as ligações do jornal com a comunidade que serve." Como funciona? Uma pequena caixa, colocada exactamente por baixo da notícia, que contem uma lista dos blogues que a referiram e para os quais é feita uma hiperligação. Mais esclarece a empresa que "o Twingly procura referências aos artigos do jornal em toda a blogosfera e cria ligações automáticas para esses artigos. Ao visitar uma notícia do PÚBLICO, o cibernauta sabe o que o jornal escreve sobre o assunto e também, ao mesmo tempo, o que o resto da comunidade está a escrever sobre o tema, sem necessidade de andar à procura em motores de pesquisa." Ler aqui a notícia.

terça-feira, 25 de março de 2008

Gavotte (4)


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Prosseguindo a leitura em voz alta de "As Benevolentes", de Jonathan Littel, é fundamental responder ao seguinte: quem era Max Aue? Tomo como fiáveis as impressões que recolhi durante a leitura do livro. A história familiar do protagonista confunde-se com a génese do próprio nazismo: o pai fora um herói militar na Grande Guerra e um membro da aristocracia prussiana. Era o símbolo de um heroísmo inquestionável, mas algo anacrónico, segundo o cânone nacional-socialista. Acontece que ele desaparece, sem deixar rasto, logo após o conflito. O livro é equívoco quanto baste em relação ao seu paradeiro. A mãe acaba por refazer a família, voltando a casar com um homem de negócios francês. Situação que Max nunca irá aceitar e que está na base da sua fuga e adesão à Action Française e, depois, ao nacional-socialismo. Agora tracemos um paralelo com as condições humilhantes impostas pelos vencedores da Guerra de 14-18 à Alemanha, a bancarrota, a busca desesperada de referências colectivas, a restauração de uma ordem mítica, pré-iluminista, a dimensão inimaginável de uma hubris retaliadora e expansionista. O que significa que Max não corresponde de todo ao estereótipo do factotum nazi. Ele adere ao Volkstürm com toda a força das suas convicções, mas as suas referências intelectuais são europeias, fora do habitual cardápio dos autores "recomendados" pela ortodoxia. É bom não esquecer que Aue discutia apaixonadamente sobre Rameau e Couperin com o seu cunhado, compositor e músico. Defendia Kant perante Eichmann. Detestava Wagner. Revelou um profundo conhecimento do marxismo-leninismo, num tête à tête com um comissário político soviético recém-capturado, durante o cerco de Estalinegrado, e fuzilado passadas umas horas. Quis (re)encontrar Léon Degrelle, o incansável mentor do Rexismo belga, após a tomada do norte do Cáucaso, quando este comandava uma brigada que lutava ao lado da Wermacht. Nesse período, teve um breve contacto com o escritor Ernst Jünger, muito popular entre as tropas alemãs. Portanto, Aue era sobretudo um intelectual, a quem agradaria acima de tudo uma carreira académica tranquila, na área do direito internacional, mesmo que com algum proselitismo associado. Enquanto serventuário do regime, revelou uma "correcção" a toda a prova, mesmo quando dava o tiro de misericórdia aos judeus que eram atirados para as valas comuns, durante as execuções em massa de Kiev. Ou quando se insurgiu com os excessos de um oficial, numa aldeia perto de Karkhov, pois agredia "desnecessariamente", e sem ordens superiores, as mulheres judias, antes de serem fuziladas. Que lhe retribui com uma série de intrigas que determinaram a sua transferência para o fim do mundo: Estalinegrado. Como oficial superior das SS com funções burocráticas, revelou sobretudo a preocupação em tornar o sistema mais eficiente, mesmo que a sua missão fosse racionalizar o extermínio e o aproveitamento da mão-de-obra "disponível". Não creio que Aue mentisse, no sentido normal do termo. Em grande medida, deixou-se apanhar numa teia que o protegia de si próprio e que só dentro dela existia plenamente. Senti-me compelido a simpatizar com ele, com a sua tragédia pessoal. Acredito que a maioria dos leitores tenham igualmente sido presas desse impulso. Mas foi aqui que Littel revelou a sua mestria, de modo particularmente brilhante. À semelhança de Kafka, não se coibiu de desenrolar a narrativa com todos os detalhes possíveis - por vezes obsessivamente - sabendo que é nos pormenores que o Mal se esconde. No centro do campo de visão esteve sempre Aue. O que quer dizer que, em princípio, só sabemos o que ele nos conta. E o seu relato é de tal forma credível que, nem mesmo após os elementos reunidos na investigação das mortes da mãe e do padrasto, ocorre ao leitor que o autor foi mesmo ele. Permanece unicamente uma vaga suspeição. A dúvida só se desvanece no final, quando mata, a sangue frio, o seu único amigo, Thomas Hauser, depois de este lhe ter salvo a vida. Com o propósito de usar os meios de que este dispunha para adquirir uma nova identidade e fugir para o exílio francês. Até aí, Aue fora simplesmente um passageiro tranquilo e diligente, um oficial exemplar, alguém em busca da sua identidade. Mas percebe-se que é também um homicida. Mais frio e isento de escrúpulos do que aqueles que descreve no teatro de guerra e nos campos de extermínio. Percebe-se, então, que Max escondeu sempre algo, por trás do horror e da barbárie que descreve sem pestanejar: a sua própria natureza. Mas sempre acreditando - e disso querer convencer o leitor - que a verdade inimaginável que conta consome a mentira mesquinha dos seus crimes privados. Portanto, Aue não mentiu, mas omitiu as razões profundas da sua participação naquilo que descreve. Passou em claro a sua íntima natureza amoral. A qual determinou, afinal, a sua adesão inconsciente a um inferno gigantesco, que encobrisse convenientemente o seu inferno particular. Todavia, Max Aue em momento algum teme o destino. E isso aproxima-o da imponderabilidade e da incerteza. Ao mesmo tempo que o coloca muito para lá da censura ou da condenação. E da culpa. Como se, à semelhança do herói da tragédia, a única punição que o destino lhe reservou fosse ter sobrevivido. Por isso, o único facto que ele não confessa - o duplo homicídio - é, digamos, a razão de ser de uma confissão com 900 páginas. Um buraco negro. (continuação)

segunda-feira, 24 de março de 2008

O "Público" errou

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Momentos Zen - 37

Quando um homem comum alcança o conhecimento, torna-se um sábio. Quando um sábio alcança o conhecimento, já é um homem comum.

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Gavotte (3)


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O universo desvelado por "As Benevolentes", de Jonathan Littel, é de tal forma vasto, que alberga com muita dificuldade intenções historicistas, alegóricas ou psicanalíticas. Não é que uma obra literária desta envergadura não possa - bem pelo contrário - suscitar leituras transversais e povoar os fóruns de discussão. É certo que um ensaio controverso sobre um tema "quente" como o nazismo faria emergir, debaixo do tapete, todo o tipo de poeiras e de fantasmas. Situação de que não faltam os exemplos. Só que "As Benevolentes" é um romance. E um romance é um artifício que modela uma possibilidade de conhecimento. De tal forma que ninguém fica imune à leitura de uma obra que não pretende demonstrar, mas desenhar um labirinto. O livro, é sabido, dividiu a crítica e o público. Particularmente na Alemanha, como seria de esperar. Foi precisamente aí que, há semanas e pela primeira vez, Littel falou sobre o livro. Foi no lendário "Berliner Ensemble", em Berlim, perante uma plateia cheia até às costuras. Na sessão, respondeu a algumas questões lançadas por um soixant-huitard bem conhecido: Cohn-Bendit. O registo da entrevista poderá aqui ser lido na íntegra. Littel avança algumas das ideias-chave sobre as quais edificou o livro: o nacional-socialismo não foi só uma construção e uma aspiração política alemã, mesmo encarando-o à luz de uma perversão do romantismo e do idealismo filosófico germânicos; implicitamente, o nazismo foi e é uma questão que diz respeito à Humanidade e não só à Alemanha; o desenho da obra decalcado da "Oresteia" não é um tributo gratuito à tragédia grega, mas a ilustração do facto de a tragédia ter funcionado como referência fundamental para esses românticos, como Kleist, Hölderlin, Schiller, ou para filósofos como Heidegger; que o nazismo era uma linguagem comum para a sociedade, onde cada um se posicionou de acordo com as suas referências ideológicas e éticas e sobretudo com as respectivas ambições sociais e políticas; que a Europa moderna nasceu das cinzas do III Reich; também a frase que foi cacha no dia seguinte na imprensa alemã, quando questionado se os horrores que descreve não tolheram o escritor : "Quando se escreve, pensa-se nas vírgulas, nos subjunctivos, nos imperfeitos, não se pensa nos cadáveres. Cadáver é uma forma gramatical, quando escrevemos. A escrita é um trabalho com a linguagem"; por último, o papel que Littel destinou a Max Aue enquanto narrador: "Queria uma narrador que pudesse ser lúcido, desprendido, distanciado em relação a todos os outros. Uma parte do trabalho, para mim extremamente importante, foi precisamente os outros. Os leitores focalizam-se bastante em Max. Mas, para mim, todos os outros, todos os que Max descreve são igualmente importantes. Fossem eles Eichmann, ou Rebatet, ou ficcionados, tentei mostrar toda a gama de nazis que tenham existido. Do pequeno nazi de base até Himmler. E Max, enquanto personagem, serviu-me perfeitamente para isso, pois estava numa posição chave como observador. Li um artigo de historiador francês que avançou a ideia, assaz interessante, que Max mentia. Pois eu nunca tinha pensado nisso. Um nazi que não era anti-semita, que não lia Rosenberg e que prefere Flaubert e música barroca francesa será credível? É possível que ele minta, ou que seja sincero. É uma possibilidade do texto, absolutamente plausível, creio". Sim, é uma possibilidade do texto. Que requer uma análise suplementar. Littel, ao que parece, não gosta muito de falar sobre esta obra monumental. Mas quando o faz, não deixa dúvidas acerca do que pretendeu ao escrevê-la. Mesmo os silêncios também contam. (continuação)

sábado, 22 de março de 2008

Acordo Ortográfico? Não, obrigado!


Sobre as razões da recusa do Acordo Ortográfico de 1990, está tudo praticamente dito nesta postagem no "Livro de Estilo". Essas razões são também as minhas, como já expressei publicamente. É que este instrumento nada vai resolver. Pelo contrário, vai originar uma ruptura enorme e completamente desnecessária na norma linguística. Chegou a altura de nascer na blogosfera um movimento de oposição ao Acordo. Para já, circulam on line duas petições. Uma "Contra a implementação do acordo ortográfico da língua portuguesa de 1990" e outra dizendo "Não ao Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa".

sexta-feira, 21 de março de 2008

Equinócio poético

Comemora-se hoje o... ora deixa cá ver... Dia Mundial da Poesia. Confesso que me comovem estas efemérides piedosas, execelentes para os apresentadores dos blocos noticiosos da rádio fazerem um brilharete, tipo: "hoje comemora-se em todo o mundo o dia mundial da poesia, não é assim Felismino Girabolhos?" E o Felismino Girabolhos, coçando os tomates, confirma (é mesmo verdade, meus amigos!!!), confirma a cacha que o outro lhe estendeu! 2-0! E para que não haja dúvidas, o pivot repete o que o repórter acabou de dizer, ipsis verbis. Talvez pensando no público com deficiências auditivas, ou quiçá imaginando-se numa sessão de brainstorming para atrasados mentais...3-0! Aposto já aqui que a notícia seria qualquer coisa como: "Hoje comemora-se em todo o mundo o Dia Mundial da Poesia, por iniciativa da UNESCO. Entre nós, o CCB associou-se à efeméride. Onde, no sábado, a poesia vai ser o centro das atenções. Não é assim, Anastárcio Formiguinha?" O resto já sabem... Adiante. O dia, mesmo assim, é sumamente apropriado para vos falar de um grande poeta: Mário Cesariny de Vasconcelos, de sua graça. Ou melhor, para vos falar de um filme sobre ele. Trata-se de "Autografia", de Miguel Gonçalves Mendes (2004), distribuído pela Atalanta Filmes. Uma obra premiada no Doclisboa 2004 com o galardão "Melhor Documentário Português", e que aqui se recomenda sem reservas. Seguindo o autor, "Com este documentário pretende-se retratar não o poeta e pintor Mário Cesariny mas sim a sua vida, o seu percurso e a sua individualidade. Como espaço de acção privilegiou-se o seu quarto, por ser este actualmente a base da sua criação e da sua intimidade. É aqui que resiste tudo o que não se perdeu."
A propósito de poesia, meus amigos, felizes daqueles que a comemoram. Todavia, não os invejo por nada deste mundo. Sobre o outro, falaremos noutra ocasião. Porque não no próximo Dia Mundial dela?

Resistir

Eis um belo exemplo de esquerda arteriosclerótica. Esperneia, vocifera, mexe-se convulsivamente, acende umas velinhas em honra de criminosos e genocidas. Percorre, impávida e serena, a inefável hagiografia do erro mais colossal da história: o comunismo. São os inimigos da liberdade.

E ao anoitecer



e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

Al Berto

quinta-feira, 20 de março de 2008

Stalker

A ler

quarta-feira, 19 de março de 2008

O novo belvedere

Finalmente, a Torre de Menagem da Guarda vai ser requalificada, segundo anunciou a Câmara Municipal. O objectivo é tornar a área a futura "sala de visitas " da cidade. Precisamente no seu ponto mais alto (1056 m). As obras deverão estar concluídas até Setembro deste ano e irão custar cerca de um milhão de euros. O projecto é co-financiado pela União Europeia através do Programa Operacional da Cultura. A zona necessitava urgentemente de atenção, de modo a alargar o âmbito do centro histórico da Guarda, pois outrora a Torre de Menagem encontrava-se integrada na Alcáçova (estrutura militar) da cidade. Segundo a arquitecta autora do projecto - Margarida Carvalho - a Torre de Menagem "funcionará como ponto de partida para uma visita a todo o concelho", garantindo que está a ser realizada "uma intervenção muito minimalista de forma a não ferir muito o monumento". Será também criada uma "uma rede de percursos na paisagem" com miradouros, zonas de estadia, contemplação e repouso. No futuro centro de recepção, os visitantes poderão visualizar uma exposição permanente referente ao património histórico, cultural e natural do concelho, numa sala de exposição com vitrinas interactivas. Os três pisos do interior do monumento também serão intervencionados. No primeiro andar irá ser feita a apresentação do foral da cidade através de um sistema de projecção. No âmbito das obras, também está prevista a abertura do terraço, de onde se pode ver toda a cidade e região envolvente. No piso térreo será criado um pequeno auditório, onde será projectado continuamente um pequeno filme acerca da evolução da malha urbana da Guarda "ao longo dos mais de oito séculos de história". Ver aqui notícia detalhada.

Lido

"A grande literatura é sempre intrinsecamente marginal, na sua visão do mundo e uso da linguagem. E isso não depende das anedotas biográficas."

Pedro Mexia, em "Da Marginalidade", a propósito de Luiz Pacheco e Gabriela LLansol

Nota: ver aqui uma resenha da polémica que o texto suscitou.

Até quando?

Concentração e Vigília, frente à Embaixada da República Popular da China, 4ª feira, 19 de Março, a partir das 18.30 (R. de São Caetano à Lapa)

Está on-line uma Petição para que a Assembleia da República aprove, de acordo com os princípios fundamentais consagrados na Constituição, uma moção de censura à sistemática violação dos Direitos Humanos e das Liberdades Política e Religiosa no Tibete, por parte do Governo Chinês. A petição já recolheu, numa semana, 5800 subscrições, tendo excedido as 4000 que a lei exige para a discussão ser agendada na A.R.

O regresso de Tarantino


Aguardava com alguma expectativa a estreia entre nós do badalado We're all Sisters (Somos Todas Irmãs), o último filme de Quentin Tarantino. Depois de Death Proof (Prova de Vida), saído no ano passado, o realizador continua a apostar forte na estética trash movie, com que parece dar-se bem. Como, de resto, se poderá confirmar através da leitura de uma curiosa entrevista, em que reage às críticas negativas a este seu car chase movie. Desta vez, pega em ambiências apocalítpticas, com muita violência à Kitano, e um humor escatológico a que já nos habituou. Revelando algum apego à tradição, desta vez recorreu a actores que já participaram em criações suas: Valeria Golino e Sammi Davis, de Four Rooms (Grande Hotel), 1995; Ernest Liu, de From Dusk Till Dawn (argumento), 1996; Michael Madsen e Steve Buscemi, de Reservoir Dogs (Cães danados), 1992; Bridget Fonda, de Jackie Brown, 1997. Por sua vez, o argumento foi escrito em parceria com Robert Rodriguez, uma colaboração que já vem de Four Rooms. A fórmula que, a meu ver, melhor resulta no cinema de Tarantino é a diversão pela diversão, o recurso permanente a certa iconoclastia pós-cinematográfica. Quando não se leva a sério, e não é declaradamente para se levar a sério, Tarantino consegue, com um humor negro hardcore, produzir momentos que já fazem parte da história do cinema. Aconteceu, por exemplo, com Pulp Fiction e volta a acontecer com We're all Sisters. O típico filme-zombie, que toma de assalto alguns clássicos do género, como Escape From New York ou Dawn of The Dead. O filme parte do velho cliché da experiência bio-química que corre mal, espalhando uma nuvem esverdeada que zombifica todos aqueles a quem a ela são expostos e originando uma onda de criminalidade gratuita. A partir do momento em que a mutação dá lugar, não é preciso dizer que a narrativa se torna secundária, perante um verdadeiro banho de vísceras e membros decepados. A salvação acaba por chegar através da audição prolongada de um espécie de top ten dos hits de rhythm'n blues dos anos 70, enquanto se exercita uma sequência de movimentos de artes marciais. Tarantino continua a levar a melhor nesta brincadeira a que chamam cinema.

NOTA: não é, mas podia ser. Um tributo a Borges e às suas críticas a livros que nunca existiram.

As mãos pressentem



As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar

ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada

Al Berto

terça-feira, 18 de março de 2008

Visões - 6

Entoloma sinuatum (muito tóxico)

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Magister dixit

Ontem, na Antena 1, emissão regional de Coimbra, foi entrevistado um Professor daquela Universidade, creio que geógrafo. A tese trazida pelo académico era, basicamente, a refutação da existência de qualquer fenómeno de aquecimento global, devido a causas não naturais. Segundo ele, as estatísticas demonstram que as condições climáticas sofrem alterações cíclicas e relativamente duradouras; que o eixo da Terra não é fixo; que os vikings povoaram a Gronelândia numa altura em que havia ali um clima temperado, após o que tiveram de abandonar o território, devido à chegada de um período de glaciação; que o nível do mar subiu somente 25 cm no último século; que há notícia de as calotes terem derretido em épocas geológicas distantes; que o aquecimento se centra nas cidades, etc. Segundo o eminente professor, podemos estar pois tranquilos. E as imagens dos ursos polares a afogarem-se por falta de gelo, o avanço dramático do mar em certos pontos da costa e os níveis alarmantes de CO 2 na atmosfera? Bah, tudo não passa, segundo ele, de um fait divers de ignorantes para entreter outros ignorantes. Porque o arauto da verdade, de toda a verdade, é ele, a sumidade coimbrã, com aqueles típicos tiques escolásticos que ditam a genuflexão e ordenam a reverência da populaça. Confesso que esta postura, se fica bem no imaginário e na tradição, é irreconciliável com a ciência. Adiante. Sobre esta polémica, gostaria de dizer o seguinte. Não sou cientista nem possuo informações que permitam uma posição consistente. Mas sou por natureza um duvidador metódico. Sei que a existência do aquecimento global não é consensual na comunidade científica. Trata-se de uma hipótese séria e perfilhada, com várias nuances, pela generalidade dos cientistas. Não é ainda uma certeza, mas anda lá perto. Curiosamente, segundo li no Courrier International, praticamente todos os investigadores paladinos do negacionismo são financiados pelas multinacionais a quem o negócio já começou a "correr mal". Precisamente por causa destas "insignificâncias" lançadas pelos ecologistas. Perceberam, ou é preciso fazer um desenho?

segunda-feira, 17 de março de 2008

Como se diz liberdade em tibetano?

A fealdade

Provavelmente, nunca mais voltarei a bater nesta tecla. Mas a rejeição estética que o PCP me provoca vai muito além da mera opinião ou do posicionamento político. Ontem, estava tranquilamente a ver um bloco noticioso na SIC N e deparo com uma manif informal do PCP. Ou seja, uma decoração preparada para o seu secretário-geral brilhar no prime time. Fixei-me sobretudo no cenário e na pose. Jerónimo parecia um boneco articulado, destilando ressentimento por todos os poros. A pose e a linguagem gestual convulsiva eram exactamente as mesmas de um inflamado pastor evangélico, diante da sua assembleia. Que a espaços se aproximava mesmo de um arteriosclerótico e, no limite, do estertor de um zombie, exactamente como nos filmes. A coisa metia medo. A alucinação devia-se ao embalo proporcionado pela recente contestação de rua, que aquela força política já começou a contabilizar a seu favor, inflacionando-a até à demência. Pergunto: o que pode levar estas pessoas a culpar tudo à sua volta, sem sequer lhes passar pela cabeça que elas também são responsáveis? Esta gente padece de uma disfunção social básica que nunca irá admitir. Dizem subestimar a individualidade, mas é no pathos manifestado por cada um que se encontra a resposta para tanto ódio. Os comunistas são incapazes de integrar com normalidade uma sociedade plural, onde o bem comum é uma tarefa partilhada e sujeita a correcções permanentes. As bizarras manifestações de paroxismo que exibem são a imagem perfeita não só da sua falência ideológica, mas sobretudo humana.

domingo, 16 de março de 2008

Stalker

E que tal mudar de figurantes?

Ontem passou um documentário no Discovery Channel sobre os Descobrimentos portugueses, intitulado "Naus e Caravelas". A produção era norte-americana, como é norma naquela estação. O programa apresentou-se bastante equilibrado, quer do ponto de vista narrativo, quer do rigor histórico. Incluía depoimentos de historiadores e investigadores nacionais, bem como figuras ligadas à oceanografia. A que se juntaram declarações de investigadores indianos, japoneses e um luso-descendente de Malaca. A informação centrou-se na tecnologia marítima e militar desenvolvida pelos portugueses nos séculos XV e XVI, e sobretudo na construção naval. Até aqui, nada a apontar. Todavia, há um aspecto que, infelizmente nada tem de insólito, mas já começa a ser anacrónico. Trata-se da reconstituição dos ambientes da época, com figuração própria. Os marinheiros portugueses eram apresentados como um grupo de façanhudos com ar aciganado, briguentos, pouco mais do que homens de Neanderthal manejando astrolábios, quadrantes e levantando padrões por onde passavam. O próprio infante D. Henrique mais parecia um ayatollah do séc. XV. Imagino que se mostrassem as portuguesas, decerto não faltariam bigodes farfalhudos e peitos de fazer inveja à Ursula Andress.

sábado, 15 de março de 2008

O divino cordeiro

Em tempos, durante um fim-de-semana que passei numa vila do Alto Minho, a certa altura houve um jantar em casa da família dos meus anfitriões. Antes do repasto, como convém, perguntaram-me se gostava de anho, pois estava a assar. Fiquei em pânico. Ocorreu-me que, por aquelas bandas, usassem na gastronomia espécies venatórias incomuns. Ou que tudo não passava de uma praxe. Pois acreditem que mantive a presença de espírito suficiente para ir à casa de banho estimular os neurónios, até dar com uma pista que me fizesse chegar até ao malfadado anho. De repente, foi-se chegando uma hipótese, como quem não quer a coisa. Quando olhei para ela, ali, à minha frente, reconheci a solução: AGNUM! Eureka! O latim, isso mesmo, caros amigos! Foi através do latim que lá cheguei! A meias com uma expressão bíblica bem conhecida: agnus dei, o cordeiro de Deus. E como no norte a tradição ainda é o que era, dizem, a corruptela não andaria longe do étimo. Trocando por miúdos, eis que se aproximava, a passos largos, um borrego assado. A interjeição que se seguiu deve ter sido audível em toda a casa, pois alguém foi à porta saber se alguma coisa não estava bem. Passados uns minutos, fui ter com os convivas e, com o ar mais natural deste mundo, atirei: "Anho? Adoro! Com batatas assadas ou com arroz no forno?" Confesso que arrisquei. E se fosse mesmo um unicórnio? Para outro momento ficarão algumas histórias em que não me saí tão bem, para compensar. E também porque me ocorre sempre um excerto do "Poema em linha recta", de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, (aqui na íntegra):
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana / Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;/ Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! / Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. / Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? / Ó príncipes, meus irmãos, // Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?
Por falar no heterónimo, o repasto foi devidamente acolitado com um verde alvarinho tinto (ou pedral, na Galiza). Nem podia ser de outra maneira. Ah, e o anho estava realmente celestial.

O coleccionador

Começo assim: há um género de blogues que me irrita particularmente. Ou não será que particularmente me irrita? A resposta não é tão óbvia como parece. A primeira possibilidade afere um estado de humor, digamos, privado, circunspecto. Tem a ver sobretudo com o sujeito, com uma idiossincrasia para além do manto da razão. Uma desforra íntima que não se expõe demasiado e cuja satisfação auferida é proporcional à reserva com que se manifesta. A segunda hipótese, o advérbio antes do pronome - particularmente me irrita - ao invés, diz respeito a um atributo específico do objecto. Qualquer coisa que ele possui, nem de propósito, para me tirar do sério. É aquela coisa, aquela e só aquela, pelo menos naquele momento. Que, por um acaso, ou porque possui um dom especial, impressiona desfavoravelmente o sujeito, causando-lhe uma perturbação, uma alteração especial dos seus humores. E acontece que este não esconde essa urticária. Pelo contrário. Busca mesmo, nessa particular causalidade, mais um pouco de sal para a sua hubris. E tudo isto a propósito de quê? Ah, dos tais blogues que... Passo então a explicar. No "Vermelho e o Negro" consta uma tipologia dos blogueiros, onde se arrumam as várias categorias de acordo precisamente com o seu karma blogosférico. A essa classificação já aqui fiz uma breve referência. Ora, pegando na lista, podemos e devemos combinar as várias categorias, criando híbridos decerto mais próximos da realidade. Existe um especial, que é o tal que irrita. Resulta da mistura básica entre o aristocrata culto e o especialista. Juntemos-lhe um pozinho do wikipedista e mais um cheirinho do narcisista. Dissolver bem e levar ao forno. Chamemos-lhe, à falta de melhor, o coleccionador. Como poderei defini-lo? Um cibernauta que se vê a si próprio como muito culto. E essa suposição confere-lhe a justificação para o seu hermetismo, a sua secura, o seu ar esquivo, a sua superioridade. O coleccionador é sobretudo um depositário de informação. Que a vaidade obriga a desenrolar num blogue, incluindo os respectivos artefactos, como quem exibe uma caderneta de cromos ou um profuso curriculum. E que a consciência obriga a diluir num meio como a blogosfera, que para a maioria é interactivo, haja ou não comentários, menos para o coleccionador. Que não está de todo interessado em descobrir com os outros, em pôr o seu saber à prova. Que força uma desigualdade fundamental, que impede a ironia e a possibilidade do erro. No fundo ele já sabe tudo, ele sempre soube tudo, e o único que espera dos outros é o temor reverencial perante tantos nomes, tantos discos, tantos espectáculos, tantos filmes, tantos livros, tanta, tanta, tanta informação que um ego sobrecarregado é incapaz de digerir com alguma consistência! E nessa medida, só lhe resta a fuga para a frente, a vertigem autofágica, a deriva relativista. Para o coleccionador, manter um blogue é sobretudo uma questão de afirmação e expansão territorial do ego. Criando um espaço que parece um carrossel, mas no fundo é um deserto. Um local onde não há espessura, densidade, tempo. Onde não existe espanto com o que não se conhece e humildade com o que se conhece. Não! Ele compraz-se em mostrar a sua galeria de ressonâncias dilectas. E os gostos que exibe são invariavelmente definitivos e circulares, usando um tom insuportavelmente directivo, quase totalitário, na forma como mostra a sua colecção. Nunca a dúvida ou a hipótese experimental se deixam ver. O coleccionador acaba por tornar indiferentes os objectos e personalidades do mundo da cultura que refere, pois revela-os a todos da mesma maneira: num tom vagamente elegíaco, que se faz passar por objectivo. Mas não esqueçamos que ele é um arquivador nato. Faz questão de nos mostrar as suas paisagens, mas nunca sai do seu habitáculo, nunca arrisca um milímetro. Faz questão de nos impressionar com a vastidão do seu conhecimento. Mas cedo se percebe que aquilo que tem para exibir é somente a sua colecção de lápides. É que não basta colocar a assistência de boca aberta com a imensidão de objectos que saem da cartola. É fundamental - acaso se leve a honestidade intelectual com alguma seriedade - ligar o improvával, relacionar o impossível! É esse passe, esse voltear à beira do abismo, que distingue o feirante do mágico. O coleccionador conhece muitas coisas, tem muitas ideias, se é que se pode falar assim. Mas ter muitas ideias é exactamente o oposto de ter um pensamento. No fundo, o coleccionador não passa de um arquivo morto. É esse o seu drama.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Momentos Zen - 36

Não compreendo. Não posso compreender.

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quinta-feira, 13 de março de 2008

Playlist da casa (6)

Miles Davis & John Coltrane, "The Complete Columbia Recordings, 1955-61"
(box set, 2000, 6 CDs)






Fotografias obtidas durante as gravações

Divórcio na Hora

Recebi há pouco um email que reza assim: "O mandatário judicial português Januário Lourenço, em conjunto com uma empresa de tecnologias da justiça sediada na Inglaterra, acaba de lançar o portal Divórcio na Hora, dando início a uma nova era de desmaterialização do requerimento de divórcio tradicional em papel." E mais à frente: "O Divórcio na Hora consiste num requerimento electrónico de divórcio que permita a dois cidadãos requerer o seu divórcio por acordo, por via electrónica e fazendo uso das tecnologias já existentes e do CC (Cartão do Cidadão), com igual valor legal que o requerimento em papel com assinaturas a caneta." É claro que o sistema só funciona não havendo acordos de regulação do poder paternal, alimentos ou partilha de bens. Mais à frente esclarece-se que o autor do projecto é especialista em direito do ciberespaço. Olha que bem! Também quero! Mas em verdade vos digo, meus irmãos: fiquei deveras impressionado. De tal forma que estou a pensar em casar, só para ver se este simplex funciona. Em tempos já me passou pela cabeça essa ideia peregrina. Na altura, o móbil do crime era vir a beneficiar da ADSE para arranjar os dentes, sistema de que a putativa noiva era utente. Mas na manhã seguinte olhei para o lado e desisti.

E agora, algo completamente diferente

Aquele amanhecer foi mesmo penoso. De bom, só havia a reconfortante vaga canora dos pássaros. O ruído de fundo da eternidade. Podia ser. Essa de que o tempo é a imagem móvel. Poesia pura, o melhor de Platão. Mas pronto, devia andar sempre com um bloco de notas directamente ligado às impressões sem data. Ao fulgor de certas paisagens que nunca existiram, porque demasiado reais. Todavia, estão ali, com uma luz impossível, ao alcance de uma lágrima, de uma pequena obscuridade lançada pelo desejo. Mas acontece que essa rudimentar tecnologia poética só aparece na medida em que nada se espere dela, pois nada garante. A não ser, talvez, o sobressalto de não saber o que se pode deixar para trás.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Preces atendidas - 23

Deborah Kerr

A implosão

O Dr. Menezes, conhecido chefe da banda vindo de Gaia, assessorado pelo Engº. Ribau e mais umas luminárias, já anda a trabalhar no arame, tentando fazer durar o seu deslumbramento com a ribalta até as pilhas acabarem e o anedotário nacional se enriquecer. O coelho agora saído da cartola é uma espécie de arranjo de secretaria para futuras chapeladas internas, just in case. E, já agora, criar um sucedâneo de ANP informal, formada pela nomenklatura do momento. Capucho já bateu com a porta e Rui Rio foi chamado ao gabinete do reitor. Pelos vistos, a fúria desmanteladora do Dr. Menezes já começou no seu próprio partido. Precisamente para acabar com ele.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Um grande passo

A Rádio Altitude acaba de entrar na era do podcast. O serviço, ainda em versão experimental, está em funcionamento desde o início deste mês. Ficam assim disponíveis para o grande público os programas de grande informação, crónicas e debates transmitidos nesta estação. Basta aceder à página e descarregar os ficheiros pretendidos, ou escutá-los em streaming, a partir do próprio site. Existe um spot publicitário no início de cada ficheiro, da responsabilidade do servidor de alojamento. Com o hábito, ignora-se. Segundo anuncia a estação, "Este conceito de self-media – o que o utilizador quer ouvir; quando quiser ouvir – será, de resto, a matriz da nova página da Rádio na Internet, actualmente em construção, na qual o cada vez mais rico arquivo multimédia se encontrará disponível e também devidamente indexado para motores de busca." Uma boa notícia para os mais distraídos, os mais ocupados, ou os que não vivem na região, mas querem acompanhar o que aqui se passa.

Stalker

Praia do Alvolião, Zambujeira (Agosto 2007)

O novo soviete

Por muitas razões que os professores possam ter nas suas acções de protesto, Eduardo Pitta não deixa de ter uma certa razão, quando escreve que "50 mil manifestantes terão abdicado de pensar pela sua cabeça". Só uma leitura superficial veria nesta asserção um ataque à justeza das aspirações, ou às qualidades intrínsecas e à dignidade dos docentes. O que se passa é que muitos, sem o saber, delegaram o seu protesto numa estrutura que recebe ordens directamente do Comité Central do PCP: a FENPROF. Ou alguém tem dúvidas acerca de quem manobra nos bastidores, de quem interpreta as reivindicações corporativas de modo a integrá-las na sua agenda política? Ou alguém acha que Mário Nogueira anda a dormir em serviço? Portanto, esta onda de protesto só teria alguma credibilidade na medida em que se demarcasse, politica e programaticamente, do PCP e dos sindicatos que este controla.

domingo, 9 de março de 2008

Graffitis - 28


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sábado, 8 de março de 2008

Uma contra não sei quantos mil

Muitos milhares de professores têm participado em manifestações por todo o país, em protesto contra a reforma da Educação. Parece que não gostam de ser avaliados, ou coisa assim. De qualquer forma, não gostam é mesmo nada da ministra respectiva. É claro que a FENPROF - essa simpática coutada estalinista - exulta em catadupas de orgasmos múltiplos, num movimento que já deixou de controlar. O Daniel Oliveira já se colou a mais uma causa de ocasião. O Comité central do PCP já nomeou um escultor para o novo herói do realismo socialista: o professor em luta. Este é um assunto que não me interessa por aí além. O que me preocupa é o preço que o país vai pagar por três décadas de "eduquês", de facilitismo e pedagogias "inovadoras". Sobre as razões concretas dos protestos, vou primeiro falar com alguns professores meus amigos, para ter uma opinião fundamentada sobre o assunto.

Ah! Pois é!...

Ontem, pelas 22 00h, decorreu um encontro/debate no Café Concerto do TMG, sendo tema "O que é isso do humor português?". Os animadores de serviço eram Nuno Markl e Ricardo Araújo Pereira. A sessão estava inicialmente marcada para dia 27 de Fevereiro, tendo sido adiada por indisponibilidade de um dos apresentadores. Cheguei por volta das 21.15h, sendo que o espaço só abre no período da noite às 20 30h. O café estava já com lotação completa. Não é que os ocupantes efectivos estivessem nos lugares, mas algo convenientemente lá deixado os ocupava por eles. Como estava à espera de uns amigos com quem tinha combinado assistir à sessão, esperei mais um bocado. Entretanto, não paravam de chegar mais espectadores. Como eu, eram cada vez mais os presentes revoltados com a situação. Por fim, na hora da verdade, as alternativas eram: 1º assistir de pé, o que não faz sentido num espaço daqueles; 2º ir embora, de preferência para um local com rede wireless. Com uma despedida à francesa, demandei pois outras paragens. Esta situação merece alguns comentários. Para já, não é admissível a permissividade com a ocupação de lugares "com um casaquinho" enquanto não vêm os ocupantes reais. Pode dar jeito, não tenho dúvidas, mas impede que outros, que legitimamante querem asistir, o posssam fazer. Mais uma questão de civismo, ou de falta dele, em suma. Por outro lado, a um outro nível, o TMG é o grande responsável pela situação. O mais elementar bom senso aconselharia duas soluções, em alternativa: 1º que as entradas fossem pagas; 2º que a sessão decorresse no Grande Auditório, atendendo à previsível afluência de público. Nesse caso, a entrada estaria sujeita à aquisição de bilhete, mesmo que a custo zero. O que garantiria lugar marcado, maior envolvência, distribuição dos espectadores sem atropelos nem correrias e, sobretudo, evitaria surpresas desagradáveis. Poderão objectar que o café concerto tem características mais apropriadas para este tipo de eventos. Ou que, nesse horário, estava a decorrer um espectáculo teatral no Pequeno Auditório. Aceito a primeira objecção, desde que o público não excedesse a lotação do espaço. Em relação à segunda, creio que nada obstaria à coexistência de dois espectáculos distintos, quer do ponto de vista técnico, quer logístico.

Nota: em conversa com o Director do TMG, este informou-me que o Teatro concluiu que o Café era o espaço adequado para uma sessão informal como esta, pois num auditório desapareceria a necessária proximidade, com a consequente descaracterização do resultado pretendido num debate. Alteração essa que, provavelmente, nem os convidados aceitariam. Percebo e aceito as razões, na perspectiva de quem organiza. Mas que dizer do público que está disposto a esperar à porta uma hora antes de abrir a sala, para marcar um lugarzinho para si e para os amigos que chegam mais tarde? Pessoalmente, se tiver que me prestar a esses números, que seja no Posto Médico, para a senha da consulta. De qualquer maneira, da próxima vez já sei o que faço: levo uma cadeira de tripé, daquelas de campismo. Ou então, melhor ainda, fico em casa. A ler um bom livro.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Ilusões - 4

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O choque

Há uns dias atrás, encontrei um amigo que esteve uma temporada na Índia. Tinha chegado no dia anterior. A primeira coisa que me relatou foi a sua primeira impressão quando regressou. "Parecia que não havia gente nas ruas", foram, grosso modo, as suas palavras. É claro que esta referência deve ser entendida em termos puramente quantitativos. E melhor esclarecido fiquei acerca deste espanto sincero, quando me descreveu alguns troços da realidade quotidiana naquele imenso país. Na grande maioria das cidades indianas, os níveis de ruído são inimagináveis. Durante praticamente todo o dia. O movimento nas ruas é frenético, de uma intensidade que esmaga. Mas é a escala que impressiona, sendo que a densidade populacional nas áreas urbanas é elevadíssima. Das maiores do mundo. De tal forma, que o jet lag ambiental deve ser enorme e a reacção deste meu amigo torna-se perfeitamente compreensível.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Parabéns!

O "Público" acabou de atingir a maioridade. Foi ontem. Com todo o merecimento, diga-se. Que continue, por muitos anos, a ser a referência incontornável do jornalismo independente no nosso país. O momentum foi celebrado com a pompa da circunstância: uma edição especial, sendo director "por um dia" Pacheco Pereira, que vale a pena ler: as crónicas de Rui Ramos (Homem ao Mar, um texto memorável, sobre o naufrágio de L. F. Menezes) Helena Matos e Rui Tavares, o artigo de Miguel Esteves Cardoso sobre o que mais odeia no jornal e a reportagem sobre o dia de JPP como director. O qual faz questão de contar a "anatomia de um casino e a história de um Ferrari". Ah, e também o número especial da revista P2 (ainda sem a versão online) com um grafismo completamente renovado e conteúdos sumarentos. Fotografias dos "Objectos e situações que mudaram a nossa vida nos últimos 18 anos" (resultado de uma votação online), entremeadas por crónicas, à propos, de alguns colunistas residentes, era o prato forte da publicação. Louva-se também que, por um dia, os artigos de opinião estivessem disponíveis para não assinantes.

terça-feira, 4 de março de 2008

A grande marcha

O PCP organizou uma manifestação intitulada "bifanas à jerónimo". Agora a sério, chamava-se "Marcha Liberdade e Democracia". Mais a sério ainda, esta força política deveria especializar-se em turismo sénior, na modalidade "pacote manif liberdade e democracia", sendo destinos preferenciais Cuba, China, Irão, Coreia de Norte, Líbia e Bielorrússia. Tudo incluído, é claro. Mesmo uma estadia prolongada custeada pelos respectivos Estados, num local convenientemente resguardado e à sombra. Isto sendo optimista, é claro. Segundo os organizadores, foram 50 000 os desfilantes. Suspeito que, desta vez, valeu tudo. Até os coxos e os mendigos foram requisitados. Os lares da 3ª idade da margem sul ficaram vazios. Alguns proverbiais professores "em luta" foram também vistos. Parece que os celebrantes mostraram os seus cartões, en passant. E o chefe do coreto bramiu umas palavras de ordem contra a "ofensiva aos direitos dos trabalhadores", o "grande capital", "as políticas de direita" e outras frases evangélicas. O rebanho acatou, ergueu o punho, agitou umas bandeiras, entoou vários hinos, fez as genuflexões da ordem em honra dos "partidos irmãos" e das "lutas contra o imperialismo" (FARC incluída) e... bom, para já, não me ocorre mais nada. Desde Novembro de 1975, era eu um puto, que assim dou conta da força do PC.

O emplastro

Este homem é pior do que uma dor de dentes ambulante. Este homem causa efeitos secundários fora de toda a posologia. Este homem não tem uma única ideia para o país. O seu princípio de Peter é ser um mediano autarca suburbano. Mais do que isso, é uma afronta à inteligência e à res publica. Este homem é, afinal, um subúrbio de si próprio. Este homem é uma mistura de vendedor de banha da cobra e contorcionista. Onde chega, manda um soundbyte para o pagode. Que ninguém leva a sério, a não ser ele próprio. Este homem quer desmantelar, seccionar, despublicizar, descasinar, desmedicinar, descomentarizar, desnaturalizar. Num dia quer salvar o "Estado Social", no outro quer desmantelá-lo. Este homem é um vendedor de enciclopédias que não sai do bairro que votou nele. Um líquido fefrigerador em circuito fechado, esquecendo-se que o país existe. Que precisa de alternativas. Que tem problemas complexos para resolver. Que precisa de seriedade. Que está farto de tacticismo e de faz de conta. Este homem está quase a chegar ao prazo de validade. Para muitos, seria 2009. Todavia, o mais certo é nem sequer lá chegar. Assim, já não vamos saber por quantos iria perder contra Sócrates. Os barões do seu partido já andam impacientes. Uns lamentam abertamente o investimento. Outros já vão coçando os tomates, enquanto esperam sentados que o homem caia, como diz JPP. As "bases" da carne assada, por sua vez, não vêm o seu lugarzinho ao fundo do túnel, como lhes foi prometido. Este homem, porém, cometeu um feito notável: conseguir ser o pior desastre da vida pública nacional, desde que me lembro. Pior ainda do que Santana Lopes. É obra!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Delfos

Não há que ser demasiado ambicioso com a dor. Não esperar cânticos de redenção. Deixemo-la simplesmente entrar. Como uma visita persistente e incómoda. Que forçou a porta e pôs os cães das redondezas a ladrar. Nada a fazer. Deixá-la entrar. É ela que nos faz levar a sério. É ela que nos reenvia para dentro de uma lucidez circunspecta, exacta. É através dela que nos chegam os sinais de uma natureza que simplesmente nos reflecte. A que diz: "eu sou e tu estás", "podes usar-me como quiseres, mas tudo o que fizeres terá consequências".

domingo, 2 de março de 2008

Stalker