- Palavras que detesto: fac-símile, tergiversar, lobotomia, parafernália, logomaquia, esfolar, antitético, arremeter...
- Palavras que são música: oxalá, maresia, fumegar, janela, azul, todavia, vaguear, lume...
segunda-feira, 31 de março de 2008
Words, word, words... (1)
Galinhas e lagartos
domingo, 30 de março de 2008
A doce mentira
sexta-feira, 28 de março de 2008
Reflexões sobre política cultural (1)
O modelo francês de acção cultural oficial tem sido aquele que mais fortemente inspirou o que se tem feito em Portugal nessa matéria. Na origem do conceito de cultura que informa essas políticas está a concepção alemã de Kultur, identitária, radicalmente subjectiva e romântica. E também o conceito anglo-saxónico, que a toma como um conjunto de artifícios, mediante os quais se organiza a sociedade e se protege de uma natureza hostil. Dessa soma desapareceram, na versão francesa, as referências a uma natureza humana, com a qual a cultura se deveria identificar e de que seria resultado. E também essa ideia de conflito de representações entre as várias sociedades, ou no seu interior. Pelo contrário, não só a paisagem urbana, como também a própria natureza, foram apagadas debaixo do rótulo omnívoro de "cultura". Estes modelos buscam não só diferentes tipos de público, como remetem para valores e entendimentos diferentes no que se refere à batalha em defesa do humanismo. Quanto à primeira questão, a Kultur "à francesa" (Malraux e Jack Lang) optou por fabricá-lo, simplesmente. Criando um público pré-fabricado e, no fundo, apático. O processo começa por a administração cultural decidir, em abstracto, quais as necessidades. Em seguida, dar-lhes resposta, em forma de livros, filmes e exposições. O essencial não é a qualidade, ou o interesse, mas a etiqueta. Este procedimento nasceu com a necessidade de difundir uma cultura orientada para opor ao fluxo americano, na vertente cultural e de mercado. Sobretudo no cinema, o tema tornou-se obsessivo e originou erros enormes. Abstracta e estéril, a cultura "da política cultural" é a máscara insinuante do poder e o espelho onde ele se revê. Em alternativa a este panorama, que premeia uma presumível mediocridade, qualquer política cultural deveria ter em conta, também, a procura do público que realmente ama a cultura e se interessa por ela, sem lhe impor nada, nem empenhar-se em convocar quem não quer ser convocado. Deveria igualmente respeitar e manter nas melhores condições as bibliotecas, os arquivos e, na medida do possível, os museus. Deveria facilitar as iniciativas de grupos culturais afins, sem pôr em causa a sua independência, embora favorecendo a sua institucionalização e fomentando a divulgação de qualidade. Em suma, saber conservar com rigor e facilitar, por todos os meios, o acesso ao património cultural da nação e à sua história. Passando, necessariamente, pelo reforço do estudo das Humanidades e criação de um standard cultural nacional, na melhor tradição universalista. Os grandes nomes da literatura e da arte é nesse magma que crescem, como um resultado espontâneo, e não de uma política cultural deliberada. Segundo este entendimento, o mais importante para uma democracia liberal é preservar a singularidade cultural de cada um, na sua diversidade. Uma singularidade baseada no amor ao conhecimento, em geral, e também a um saber específico, por muito modesto, raro, ou especializado que seja. Um saber que se alimente da reflexão, da solidez e da profundidade dos conhecimentos que cada um manifeste, e não da capacidade para o espectáculo. (continuação)
quarta-feira, 26 de março de 2008
Twingly
terça-feira, 25 de março de 2008
Gavotte (4)
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Prosseguindo a leitura em voz alta de "As Benevolentes", de Jonathan Littel, é fundamental responder ao seguinte: quem era Max Aue? Tomo como fiáveis as impressões que recolhi durante a leitura do livro. A história familiar do protagonista confunde-se com a génese do próprio nazismo: o pai fora um herói militar na Grande Guerra e um membro da aristocracia prussiana. Era o símbolo de um heroísmo inquestionável, mas algo anacrónico, segundo o cânone nacional-socialista. Acontece que ele desaparece, sem deixar rasto, logo após o conflito. O livro é equívoco quanto baste em relação ao seu paradeiro. A mãe acaba por refazer a família, voltando a casar com um homem de negócios francês. Situação que Max nunca irá aceitar e que está na base da sua fuga e adesão à Action Française e, depois, ao nacional-socialismo. Agora tracemos um paralelo com as condições humilhantes impostas pelos vencedores da Guerra de 14-18 à Alemanha, a bancarrota, a busca desesperada de referências colectivas, a restauração de uma ordem mítica, pré-iluminista, a dimensão inimaginável de uma hubris retaliadora e expansionista. O que significa que Max não corresponde de todo ao estereótipo do factotum nazi. Ele adere ao Volkstürm com toda a força das suas convicções, mas as suas referências intelectuais são europeias, fora do habitual cardápio dos autores "recomendados" pela ortodoxia. É bom não esquecer que Aue discutia apaixonadamente sobre Rameau e Couperin com o seu cunhado, compositor e músico. Defendia Kant perante Eichmann. Detestava Wagner. Revelou um profundo conhecimento do marxismo-leninismo, num tête à tête com um comissário político soviético recém-capturado, durante o cerco de Estalinegrado, e fuzilado passadas umas horas. Quis (re)encontrar Léon Degrelle, o incansável mentor do Rexismo belga, após a tomada do norte do Cáucaso, quando este comandava uma brigada que lutava ao lado da Wermacht. Nesse período, teve um breve contacto com o escritor Ernst Jünger, muito popular entre as tropas alemãs. Portanto, Aue era sobretudo um intelectual, a quem agradaria acima de tudo uma carreira académica tranquila, na área do direito internacional, mesmo que com algum proselitismo associado. Enquanto serventuário do regime, revelou uma "correcção" a toda a prova, mesmo quando dava o tiro de misericórdia aos judeus que eram atirados para as valas comuns, durante as execuções em massa de Kiev. Ou quando se insurgiu com os excessos de um oficial, numa aldeia perto de Karkhov, pois agredia "desnecessariamente", e sem ordens superiores, as mulheres judias, antes de serem fuziladas. Que lhe retribui com uma série de intrigas que determinaram a sua transferência para o fim do mundo: Estalinegrado. Como oficial superior das SS com funções burocráticas, revelou sobretudo a preocupação em tornar o sistema mais eficiente, mesmo que a sua missão fosse racionalizar o extermínio e o aproveitamento da mão-de-obra "disponível". Não creio que Aue mentisse, no sentido normal do termo. Em grande medida, deixou-se apanhar numa teia que o protegia de si próprio e que só dentro dela existia plenamente. Senti-me compelido a simpatizar com ele, com a sua tragédia pessoal. Acredito que a maioria dos leitores tenham igualmente sido presas desse impulso. Mas foi aqui que Littel revelou a sua mestria, de modo particularmente brilhante. À semelhança de Kafka, não se coibiu de desenrolar a narrativa com todos os detalhes possíveis - por vezes obsessivamente - sabendo que é nos pormenores que o Mal se esconde. No centro do campo de visão esteve sempre Aue. O que quer dizer que, em princípio, só sabemos o que ele nos conta. E o seu relato é de tal forma credível que, nem mesmo após os elementos reunidos na investigação das mortes da mãe e do padrasto, ocorre ao leitor que o autor foi mesmo ele. Permanece unicamente uma vaga suspeição. A dúvida só se desvanece no final, quando mata, a sangue frio, o seu único amigo, Thomas Hauser, depois de este lhe ter salvo a vida. Com o propósito de usar os meios de que este dispunha para adquirir uma nova identidade e fugir para o exílio francês. Até aí, Aue fora simplesmente um passageiro tranquilo e diligente, um oficial exemplar, alguém em busca da sua identidade. Mas percebe-se que é também um homicida. Mais frio e isento de escrúpulos do que aqueles que descreve no teatro de guerra e nos campos de extermínio. Percebe-se, então, que Max escondeu sempre algo, por trás do horror e da barbárie que descreve sem pestanejar: a sua própria natureza. Mas sempre acreditando - e disso querer convencer o leitor - que a verdade inimaginável que conta consome a mentira mesquinha dos seus crimes privados. Portanto, Aue não mentiu, mas omitiu as razões profundas da sua participação naquilo que descreve. Passou em claro a sua íntima natureza amoral. A qual determinou, afinal, a sua adesão inconsciente a um inferno gigantesco, que encobrisse convenientemente o seu inferno particular. Todavia, Max Aue em momento algum teme o destino. E isso aproxima-o da imponderabilidade e da incerteza. Ao mesmo tempo que o coloca muito para lá da censura ou da condenação. E da culpa. Como se, à semelhança do herói da tragédia, a única punição que o destino lhe reservou fosse ter sobrevivido. Por isso, o único facto que ele não confessa - o duplo homicídio - é, digamos, a razão de ser de uma confissão com 900 páginas. Um buraco negro. (continuação)
segunda-feira, 24 de março de 2008
Momentos Zen - 37
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Gavotte (3)
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O universo desvelado por "As Benevolentes", de Jonathan Littel, é de tal forma vasto, que alberga com muita dificuldade intenções historicistas, alegóricas ou psicanalíticas. Não é que uma obra literária desta envergadura não possa - bem pelo contrário - suscitar leituras transversais e povoar os fóruns de discussão. É certo que um ensaio controverso sobre um tema "quente" como o nazismo faria emergir, debaixo do tapete, todo o tipo de poeiras e de fantasmas. Situação de que não faltam os exemplos. Só que "As Benevolentes" é um romance. E um romance é um artifício que modela uma possibilidade de conhecimento. De tal forma que ninguém fica imune à leitura de uma obra que não pretende demonstrar, mas desenhar um labirinto. O livro, é sabido, dividiu a crítica e o público. Particularmente na Alemanha, como seria de esperar. Foi precisamente aí que, há semanas e pela primeira vez, Littel falou sobre o livro. Foi no lendário "Berliner Ensemble", em Berlim, perante uma plateia cheia até às costuras. Na sessão, respondeu a algumas questões lançadas por um soixant-huitard bem conhecido: Cohn-Bendit. O registo da entrevista poderá aqui ser lido na íntegra. Littel avança algumas das ideias-chave sobre as quais edificou o livro: o nacional-socialismo não foi só uma construção e uma aspiração política alemã, mesmo encarando-o à luz de uma perversão do romantismo e do idealismo filosófico germânicos; implicitamente, o nazismo foi e é uma questão que diz respeito à Humanidade e não só à Alemanha; o desenho da obra decalcado da "Oresteia" não é um tributo gratuito à tragédia grega, mas a ilustração do facto de a tragédia ter funcionado como referência fundamental para esses românticos, como Kleist, Hölderlin, Schiller, ou para filósofos como Heidegger; que o nazismo era uma linguagem comum para a sociedade, onde cada um se posicionou de acordo com as suas referências ideológicas e éticas e sobretudo com as respectivas ambições sociais e políticas; que a Europa moderna nasceu das cinzas do III Reich; também a frase que foi cacha no dia seguinte na imprensa alemã, quando questionado se os horrores que descreve não tolheram o escritor : "Quando se escreve, pensa-se nas vírgulas, nos subjunctivos, nos imperfeitos, não se pensa nos cadáveres. Cadáver é uma forma gramatical, quando escrevemos. A escrita é um trabalho com a linguagem"; por último, o papel que Littel destinou a Max Aue enquanto narrador: "Queria uma narrador que pudesse ser lúcido, desprendido, distanciado em relação a todos os outros. Uma parte do trabalho, para mim extremamente importante, foi precisamente os outros. Os leitores focalizam-se bastante em Max. Mas, para mim, todos os outros, todos os que Max descreve são igualmente importantes. Fossem eles Eichmann, ou Rebatet, ou ficcionados, tentei mostrar toda a gama de nazis que tenham existido. Do pequeno nazi de base até Himmler. E Max, enquanto personagem, serviu-me perfeitamente para isso, pois estava numa posição chave como observador. Li um artigo de historiador francês que avançou a ideia, assaz interessante, que Max mentia. Pois eu nunca tinha pensado nisso. Um nazi que não era anti-semita, que não lia Rosenberg e que prefere Flaubert e música barroca francesa será credível? É possível que ele minta, ou que seja sincero. É uma possibilidade do texto, absolutamente plausível, creio". Sim, é uma possibilidade do texto. Que requer uma análise suplementar. Littel, ao que parece, não gosta muito de falar sobre esta obra monumental. Mas quando o faz, não deixa dúvidas acerca do que pretendeu ao escrevê-la. Mesmo os silêncios também contam. (continuação)
sábado, 22 de março de 2008
Acordo Ortográfico? Não, obrigado!
sexta-feira, 21 de março de 2008
Equinócio poético
E ao anoitecer
e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
quinta-feira, 20 de março de 2008
A ler
- "Decálogo do bom esquerdista contemporâneo", por Pedro Correia, no "Corta-fitas";
- "Sai da frente", por Helena Matos, no "Blasfémias";
- "A claustrofobia no PSD", por Rui Ramos, no "Público" de 4ª feira, via "Blogue Atlântico";
- "Linguagens seculares e blogues", por Isabela, em "O Mundo Perfeito";
- "Foge!", por Rui Bebiano, no "A Terceira Noite".
quarta-feira, 19 de março de 2008
O novo belvedere
Lido
Até quando?
O regresso de Tarantino
NOTA: não é, mas podia ser. Um tributo a Borges e às suas críticas a livros que nunca existiram.
As mãos pressentem
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As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar
ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada
terça-feira, 18 de março de 2008
Magister dixit
segunda-feira, 17 de março de 2008
A fealdade
domingo, 16 de março de 2008
E que tal mudar de figurantes?
sábado, 15 de março de 2008
O divino cordeiro
O coleccionador
sexta-feira, 14 de março de 2008
quinta-feira, 13 de março de 2008
Playlist da casa (6)
(box set, 2000, 6 CDs)
Divórcio na Hora
Recebi há pouco um email que reza assim: "O mandatário judicial português Januário Lourenço, em conjunto com uma empresa de tecnologias da justiça sediada na Inglaterra, acaba de lançar o portal Divórcio na Hora, dando início a uma nova era de desmaterialização do requerimento de divórcio tradicional em papel." E mais à frente: "O Divórcio na Hora consiste num requerimento electrónico de divórcio que permita a dois cidadãos requerer o seu divórcio por acordo, por via electrónica e fazendo uso das tecnologias já existentes e do CC (Cartão do Cidadão), com igual valor legal que o requerimento em papel com assinaturas a caneta." É claro que o sistema só funciona não havendo acordos de regulação do poder paternal, alimentos ou partilha de bens. Mais à frente esclarece-se que o autor do projecto é especialista em direito do ciberespaço. Olha que bem! Também quero! Mas em verdade vos digo, meus irmãos: fiquei deveras impressionado. De tal forma que estou a pensar em casar, só para ver se este simplex funciona. Em tempos já me passou pela cabeça essa ideia peregrina. Na altura, o móbil do crime era vir a beneficiar da ADSE para arranjar os dentes, sistema de que a putativa noiva era utente. Mas na manhã seguinte olhei para o lado e desisti.
E agora, algo completamente diferente
quarta-feira, 12 de março de 2008
A implosão
segunda-feira, 10 de março de 2008
Um grande passo
O novo soviete
domingo, 9 de março de 2008
sábado, 8 de março de 2008
Uma contra não sei quantos mil
Ah! Pois é!...
Nota: em conversa com o Director do TMG, este informou-me que o Teatro concluiu que o Café era o espaço adequado para uma sessão informal como esta, pois num auditório desapareceria a necessária proximidade, com a consequente descaracterização do resultado pretendido num debate. Alteração essa que, provavelmente, nem os convidados aceitariam. Percebo e aceito as razões, na perspectiva de quem organiza. Mas que dizer do público que está disposto a esperar à porta uma hora antes de abrir a sala, para marcar um lugarzinho para si e para os amigos que chegam mais tarde? Pessoalmente, se tiver que me prestar a esses números, que seja no Posto Médico, para a senha da consulta. De qualquer maneira, da próxima vez já sei o que faço: levo uma cadeira de tripé, daquelas de campismo. Ou então, melhor ainda, fico em casa. A ler um bom livro.
sexta-feira, 7 de março de 2008
O choque
quinta-feira, 6 de março de 2008
Parabéns!
terça-feira, 4 de março de 2008
A grande marcha
O emplastro
segunda-feira, 3 de março de 2008
Delfos
Não há que ser demasiado ambicioso com a dor. Não esperar cânticos de redenção. Deixemo-la simplesmente entrar. Como uma visita persistente e incómoda. Que forçou a porta e pôs os cães das redondezas a ladrar. Nada a fazer. Deixá-la entrar. É ela que nos faz levar a sério. É ela que nos reenvia para dentro de uma lucidez circunspecta, exacta. É através dela que nos chegam os sinais de uma natureza que simplesmente nos reflecte. A que diz: "eu sou e tu estás", "podes usar-me como quiseres, mas tudo o que fizeres terá consequências".