sábado, 28 de fevereiro de 2009
O vazio estridente (2)
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
O vazio estridente
O fogo que arde
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Só até domingo
Tábua de marés (32)
Realização: João Canijo
Pequeno Auditório do TMG, 11 de Fevereiro
Eis o toque de finados para os brandos costumes, num país que, pelos vistos, deles já prescindiu. Poderia ser este o subtítulo possível desta obra. Que é, antes de mais uma tragédia vivida no Portugal (realmente) profundo, rude, a preto e branco, definitivamente fora das páginas dos jornais e dos estudos de marketing. O tema é aliás recorrente na obra do realizador. Já em “Noite Escura”, filme aclamado aquém e além fronteiras, Canijo recorre à tragédia grega. No caso era “Ifigénia em Aulis”, adptada às desgraças de uma família do submundo português. Agora tenta recriar o mito de Electra, também orfã de seu pai, por sua vez também assassinado às mãos da mulher e seu amante. O autor é justamente considerado um dos cineastas com percurso mais singular e carismático da sua geração.
Neste filme, o motivo é o conhecimento. Um destino recreado para além do que se possa pensar dele. O apelo de uma justiça brutal e de uma fuga improvável aproxima a personagem principal da imponderabilidade e da incerteza. Ao mesmo tempo que a coloca muito para lá da censura ou da condenação. E da culpa. Como se, à semelhança da heroína da tragédia, a única punição que o destino lhe reservou fosse ter sobrevivido. O cenário para esta história onde os mortos pesam mais do que os vivos é numa aldeia dos confins de Trás-os-Montes. A rudeza e a austeridade da paisagem dificilmente “aguentariam” um registo pícaro, mais suave, mais garrido, mais festivo. De que o melhor exemplo é “O meu querido mês de Agosto”, de Miguel Gomes: Este rodado na zona do Pinhal. Aqui não há humanidade. O riso é uma afronta. O lirismo pode tornar-se um sarcasmo. E a morte um detalhe. Por falar nisso, sobressai uma contenção emocional que ameaça explodir a qualquer momento. Sob o peso asfixiante de um passado por resolver. Não são pois os “Contos da Montanha”, em versão cinematográfica, de um reino mágico e, ainda assim, temente a Deus. Aqui são contas de outro rosário. Aqui as histórias que se cruzam são matéria pura, matéria latejante, amor misturado com gordura de frango, sangue com maços de notas, porcos com cortejos fúnebres. A sequência da preparação do morto para a cerimónia é notável. Parece pois que nesta tragédia não há heróis. Mas há. Até por causa do profundo significado da tragédia. Ou seja, a ironia. Esta trata não dos pontos fracos dos protagonistas, mas dos seus méritos. O herói é empurrado sem apelo para a metáfora trágica, não pelos seus defeitos mas pelas suas virtudes.
Esta obra de João Canijo constituiu-se pois como um dos objectos mais insólitos do cinema português contemporâneo.
Tábua de marés (31)
Kenton Loewen:bateria
Pequeno Auditório do TMG, 13 de Fevereiro
Tanya “Tagaq” Gillis é uma throat-singer. “Uma quê?”, já ouço dizer. Será uma cantora “constipada”, por causa da inclemência do clima do árctico? É e não é. O seu instrumento, ao contrário da maioria dos cantores e paradoxalmente, é a sua garganta. Nesta técnica vocal são produzidos, em simultâneo, vários registos. Muitos deles com timbres invulgares, através do uso de uma ressonância produzida na garganta. O recurso fonético não é original da etnia esquimó Inuit, norte do Canadá, de onde provém a cantora. É utilizado, em larga escala, no Tibete, na Mongólia e em Tuva, na Sibéria. Menos conhecido, aparece igualmente nas tradições da tribo Xosa, em África do Sul e na cultura Ainu, no Norte do Japão. O que é original no “Inuit vocal game”, como se percebeu no concerto, é o uso de sons guturais imitando animais e os ritmos dos cânticos de Kataijaq. A artista define esta tradição como um jogo vocal entre duas mulheres, representando uma reconstituição dos sons produzidos na natureza. É um jogo algo complicado, onde são produzidos dois sons que se vão repetindo a alternando. Quem lidera pode mudar a canção para o próximo verso sempre que quiser, pelo que o acompanhante deverá estar pronto a segui-lo. Não é algo emocional, embora possa soar desse modo. É um jogo. Só ris depois.” Portanto, um registo que se poderia definir como uma sinfonia de amostras sonoras captadas na paisagem do Árctico, numa performance, diria, operática. Tudo isto imbuído de uma sonoridade pop, de algum experimentalismo próprio da música improvisada e das vertiginosas manipulações próximas de Jon Hassell e Stina Nordenstam. Uma combinação que atinge a transcendência final graças à sua poderosíssima voz. Tanya trouxe um fulgor renovado ao que chamo o “artista global”, aquele que, partindo de uma tradição, define as suas próprias regras, misturando sonoridades épicas com ritmos tribais e uma pop orquestral. O talento e a singularidade artística de Tanya Tagaq já há muito foram reconhecidos. Participou na gravação do álbum “Medúlia”, de Bjork e integrou espectáculos do “Kronos Quartet”. A cantora deu agora seu segundo espectáculo na Guarda. Desta vez apareceu com uma formação musical diferente da anterior e basicamente veio apresentar o seu último trabalho, Auk (Blood), de 2008. O concerto foi o ponto de partida para uma experiência estética pouco usual. Que se poderia definir como catártica. Após uma ligeira introdução “ambiental”, a cantora iniciou a sua articulação de gritos surdos, como que chamando os ritmos que acompanharam a sua música até ao final. Uma catadupa de sons guturais e explosivos gemidos em staccato começou a invadir a sala, enquanto os intervenientes pareciam ganhar uma cumplicidade também ao nível da linguagem, enquanto Tanya atravessava as trevas, irrompia envolta numa luz majestosa e se recolhia na mais distante intimidade. Percorrendo o palco, ou gesticulando como só a deusa Shiva o saberia fazer, murmurando, transmutava-se de guerreiro para lobo, ou urso, ou caçador, ou criança inocente, ou, por fim, depois de um curto período de silêncio (neste caso, poder-se-ia falar de hibernação) entidade espiritual, introspectiva e plena de sabedoria. Tanya Tagaq trouxe à Guarda, pela segunda vez (e espero que não pela última), um precioso momento musical. Num espectáculo a todos os títulos memorável, para quem teve a felicidade de a ele assistir.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Lido
A sombra do lume,
Uma melodia em ruínas.
E uma palavra inteira,
Nascida agora,
Ainda suja de sangue.
Julgamento do galo: o rescaldo
BMEL: primeiro balanço
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Está quase!
Ligações ao alto
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Tábua de marés (30)
pelo Teatro das Beiras
Texto: Aleksandr Vampilov (trad. Luís Nogueira)
Encenação: Gil Salgueiro Nave
Pequeno Auditório do TMG, dia 6 de Fevereiro
Alguém sabe o que é um compaginador? A partir desta simples questão, a peça mostra-nos o estrépito do desmoronamento de um edifício complexo e aparentemente imutável: o dos pequenos poderes, exercidos em regime de autocracia, num estabelecimento hoteleiro nos confins da Rússia soviética, pelo respectivo director. O hotel aparece na estrutura dramática como a alegoria de um sistema hierático, asfixiante. Alicerçado em regulamentos absurdos e não menos absurdos sistemas de controlo social: o estalinismo. Ao fim ao cabo, o “local do crime” perfeito, o micro-mundo deveras apetecível para os micro-poderes se imporem, numa espiral de arbítrio e prepotência. Um canto esquecido pela geografia, porém lembrando as virtualidades mais aberrantes do regime. Por sinal, a pesada e labiríntica estratificação da sociedade russa não foi uma invenção do comunismo. Só para dar um exemplo, desde o tempo de Pedro o Grande, os oficiais públicos dividiam-se em 14 patentes e cada nobre poder-se-ia inscrever em 6 registos!
Falar-se em “excesso de zelo”, por parte do funcionário menor que administrava o hotel, é em si mesmo um pleonasmo. É que o zelo pressupõe um permanente equilíbrio na sua condução, um bom senso imanente que nos leva a concluir que a diligência ou existe ou não. O “excesso” de certa forma apaga-o, é já “outra coisa”. Neste caso, transforma-se no delírio persecutório de um “big brother” de província, cuja escala menor não diminui, antes pelo contrário, e seu modus operandi característico. Um delírio que nada respeita, que tudo devassa. Fazendo cumprir uma série de regras kafkianas que se alimentam de si próprias. Que tornam todos os hóspedes reféns de uma contingência ou de um capricho, impostos por um sistema cujo rosto visível é, na circunstância, o do funcionário / administrador. Este, por sua vez, embora detenha o poder supremo no interior do espaço, exerce-o não por si, mas como uma adesão a um conjunto de regras que só de forma caricatural se poderão fazer valer e respeitar. E cuja iniquidade se faz notar particularmente pela subalternidade de quem a executa. Um dia, todo este edifício vai ruir, a partir de uma simples dúvida: a suposta identidade de um hóspede. Quem será? Que poderes representa? Que ameaças pode infligir? O texto original de Vampilov intitulava-se precisamente “Incidente com um compaginador”. O que revela o ênfase dado pelo autor ao caso. E que confere o tom geral de comédia à peça. A partir do nascimento do equívoco, tudo se altera. A incerteza e o medo instalam-se. O funcionário é o seu demiurgo. O tal que chega a renegar o passado e tudo aquilo em que acreditava até aquele momento. Numa sequência alucinante, que mais faz lembrar certas passagens de “A Morte de Ivan Ilitch”, de Tolstoi, do que os dramas de Tchekov, como se anuncia no programa. Significativamente, à medida que o funcionário - aqui “doente imaginário” por empréstimo - tenta salvar a sua alma e colocar-se a salvo de uma hipotética fiscalização promovida pelo “compaginador”, a mentira que ele sustentava acaba por vir ao de cima, numa espécie de catarse mais própria da tragédia.
Sobre o espectáculo, embora de uma indiscutível seriedade, é claro que algumas opções cénicas utilizadas são discutíveis. Na circunstância, fiquei com a impressão de que uma leitura demasiado clássica da peça diminuiu o seu potencial expressivo. Em certos momentos, parecia estar a assistir a uma sessão de teatro de Boulevard fora do contexto, não só devido ao cenário, em contradição com o tema, mas sobretudo por causa do registo da representação. A qual me pareceu bastante desigual e demasiado próxima de tipos, em lugar de personagens. Ou seja, onde se impunha o acentuar do exagero triunfou o tom inexpressivo, e onde a malícia ou a estultícia aconselhariam a versatilidade, imperou o estereótipo.
Em suma, a última produção da Companhia “Teatro das Beiras constitui um momento de teatro bem disposto e competente quanto baste. Mas acaba prejudicado, de alguma forma, pelo registo encontrado.
Tábua de marés (29)
Percussão, harmónica, bateria e voz.
Inblues - Festival de Blues da Guarda
Café concerto do TMG, 5 de Fevereiro
O músico executa temas que vão desde Robert Johnson e Muddy Waters a Chuck Berry, passando por composições de Bob Dylan, com o feeling e a pose das épocas que assistiram ao apogeu desta música. Conhecido do público de jazz pelas suas aparições no festival "Nancy Jazz Compulsion", Benjamin é um personagem reconhecido igualmente pelo público do rock, devido às suas participações no "L'Echo des Bananes" e em festivais, para além da sua colaboração com Wilco Johnson, ex Dr. Feelgood. O público folk habituou-se a apreciar também as suas interpretações de temas tradicionais, onde intervém uma singular autenticidade. A sua longa e singular carreira converteu-o assim num artista de culto, quer pela sua imagem como multi-instrumentista que soa como uma banda, quer pela forma despretensiosa como compõe e faz chegar a sua música. E foi isso precisamente o que o público deste concerto pode testemunhar, de forma calorosa. Esta edição do “Inblues – Festival de Blues da Guarda começou pois da melhor maneira. Uma prova mais de que o fogo dos blues ainda queima e Benjamin Tehoval é um dos guardiães da chama.
Publicado no jornal "O Interior", em 12 de Fevereiro
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A ponta do véu
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Recordas-te de amanhã ?
(para uns Estudantes cansados de lutar)
Maria Leonor Fonseca Pimentel, antes de ser enforcada, em 1790, em Nápoles, foi-lhe concedido um último pedido. Pediu um café. Não foi fácil morrer, para Maria, como não é para ninguém. Depois de ser a mais brilhante dos jovens revolucionários da República partenopeia, em Nápoles, e de ser a única Mulher verdadeiramente activa, tinham-na metido num navio para ir exilada para França, em troca da rendição dos revolucionários que se dispunham a vender cara a vida numa torre. O Bispo que comandava as tropas de assalto, entre as quais iam portugueses e russos, pediu que lhes poupassem a vida ou não fosse ele cristão, lutando ferozmente pela sua bandeira mas pronto a perdoar, uma vez a guerra acabada. Foi Lorde Nelson, o almirante inglês, vesgo e maneta, apaixonado por Lady Hamilton, a qual invejava a Pimentel (pobre mulher que nem sabia que podia ser invejada!), quem a mandou tirar do barco, a devolveu ao tribunal do rei mau e deu ordens para que a enforcassem, negando-lhe o pedido de ser decapitada, pois se era aristocrata, era também portuguesa e revolucionária. Maria pediu ainda que lhe atassem a saia para que quando o seu corpo balançasse do alto do madeiro, a gente não se risse da sua nudez. Esse pedido não lho concederam e apenas disse, quando soube que ia morrer, depois de estar quase a partir para a liberdade: talvez um dia valha a pena recordar estas coisas.
Maria casou infeliz e à força porque era pobre. Teve um filhinho que morreu bébé e a quem dedicou dois dos seus mais bonitos poemas. Por fim, amou o jovem Gennaro Serra di Cassano, um dos chefes da revolta, muito mais novo do que ela e que lhe não correspondeu senão com uma grande amizade, mas que se levantou da sua cama virgem, para ir morrer com ela. A porta por onde saiu para morrer ainda hoje está fechada e os seus descendentes não a abrirão até ao dia em que a Camorra acabar.
A Tertúlia Académica Libertas nasceu contra as Máfias, a dos cargos, a das influâncias, a máfia dos filhos contra os enteados, a da hipocrisia dos que dizem que são democratas mas se fazem suceder uns aos outros como se fosse uma monarquia, sem El-Rei e sem Nobreza nenhuma, dizendo para acalmar a Gente em fúria que somos todos iguais, que todos temos uma oportunidade.
Por isso, a Tertúlia se escondeu por trás dum pano negro, por isso se escondeu debaixo duma capa, quente como a noite de Verão traçada pelos espasmos da madrugada. Para quem viu o anoitecer dos sonhos do 25 de Abril, do fim da generosidade de Portugal, só restou mesmo esconder-se na noite, acordado enquanto todos dormiam, como o vampiro que amava a Deus e esperava ansiosamente pelo Sol, para o ver ao menos uma vez, antes de desaparecer.
Por estes valores, a Tertúlia foi existindo e passando como um velho diário de bordo, de mão em mão. Às vezes é fácil definir contra quem nos batemos, o riso cresce-nos das mãos, as capas unem-se como as sombras dos guerreiros, aramados com o que conseguiram juntar, vindos de todo o lado, sobre a colina. Outras vezes a desolação é grande, parece que o inimigo está dentro de nós, ou que a batalha se passa miseravelmente dentro de nós, a Segunda-feira contra a Terça, o Sábado contra o Domingo, a manhã contra a noite e a tarde contra todos.
Como muitas vezes nos sucedia, o inimigo estava afinal na própria batalha. A Faculdade, o país, o Ministério da Educação, a «sociedade», são todos um tigre de papel, e nós não somos capazes de ditar a agenda, de riscar um fósforo. Mas porque não somos capazes de juntar um Pensamento ao outro e unir a terça à quarta-feira, e ambas à quinta, como uma testa de ponte firme sobre o vazio, à espera de Domingo.
A Tertúlia não arranja empregos, nem dá consultas de bruxa. Uns foram por ali e outros foram por acolá. Mas muitos ficaram com carácter, que é um pau que serve para muita coisa. Uns foram abaixo, outros vieram ao de cima. Uns ficaram à luz e outros ficaram à sombra. Foi o que a Tertúlia lhes deu para se manterem de pé. A uns deu-lhes apenas o Sofrimento, mas quem sofre, mesmo sem saber porquê, está vivo. Deu-lhes carácter.
As batalhas, as razões para os farrapos negros se juntarem, como as asas da águia se unem de manhã, nos extremos do horizonte, foram várias e muitas, algumas delas nem já nos lembramos. Mas essa força da sombra que cresce em busca da luz do dia, ficou.
A crise é grande, provavelmente maior do que parece, como uma ferida de bala, de fora, parece um sinalzinho vermelho mas a hemorragia dentro corre devagarinho, como uma dor e uma fraqueza dançando um tango sem fim. As promessas ainda estão coladas à parede, na Publicidade da TV, nas montras dos bancos e das agências de viagem, até ainda estão nas respostas rápidas e na conversa de chacha.
Mas parece que o arrepio de frio cresce nos intervalos, assobia por cada frincha. Não vão ser as eleições que vão resolver este Inverno de calendário, que vai durar até não se sabe quando. Com um Inverno assim, a Tertúlia deve-se atrever a ditar ela o calendário e, antes dos exames para o pessoal todo baixar a garupa, em duros exercícios de resulatdo bem incerto no mercado de emprego, é preciso riscar o fósforo.
Os Estudantes são um actor colectivo da História de Portugal, um país com nove séculos. Mesmo os Estudantes dos Partidos são eles quem dita a agenda ao Partido, não é o Partido que lhes dita a Agenda. Gritava um nobre desesperado, uma vez, na Itália dos reinos e principados, quando toda a gente se escondia em casa com medo de um Tirano qualquer: « Passei pela praça e só um punhado de estudantes se batia contra os Guardas». Há quem diga ( e que sabe) que as Civilizações duram em média mil anos. Já estamos a chegar ao prazo, em Portugal. Outra se seguirão, a seguir a nós, as nossas pedras e calhaus serão ou não usados em edifícios que não conhecemos como serão. Mas entre a Praça velha, onde jaz o Estudante que se atreveu a enfrentar sozinho os Guardas e a rua nova, nós continuamos. Quem marcha, somos nós, não são as pedras.
Por isso mesmo, que a Maria, pequenina, portuguesa, muito nobre de coração, cheia de lágrimas e tão pobre que no espólio de condenada não sabiam arranjar um nome para a batina negra que vestia, disse: um dia valerá a pena recordar estas coisas.
André
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
A revolução continua!
Portanto, como ia dizendo, aqui na província, as coisas andam calminhas. Tirando uma ou outra irritação dos magistrados do círculo onde dou apoio. Precisamente por causa dos prazos e da impossibilidade de jogar com as datas, pois agora isso é impossível. Para além deste fait divers, não tenho visto nada de registo. Sou chamado a intervir somente por questões relacionadas com a configuração do acesso, assinaturas digitais e desbloqueamento de cartões.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Chocolate
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Cidade +
Tábua de marés (28)
Realização: Mateo Garrone
Pequeno Auditório do TMG, 28 de Janeiro
"A ideia de trazer o exército para lutar contra eles é, para mim, superficial. É bom para a imagem do governo italiano, mas não vai fazer nada para corrigir o problema. Você tem que trabalhar a partir de dentro, para criar uma relação entre os cidadãos e as instituições de poder. A Camorra é muito forte, porque eles vivem lá, eles cresceram lá, eles estão perto de pessoas.” Estas são palavras do realizador deste filme icónico, numa entrevista concedida na altura da estreia. Já se está a ver quem são “eles”. E se dúvidas houvessem sobre o tema, esta obra notável acabaria com elas. Baseada na obra homónima do jornalista Roberto Saviano, actualmente com a cabeça a prémio, já foi galardoada com o Prémio Especial do Júri, em Cannes, bem como Melhor Filme Europeu de 2008, Melhor Realizador (Matteo Garrone), Melhor Actor (Toni Servillo), Melhor Argumento e Prémio Carlo di Palma da Melhor Fotografia, durante o Festival da Academia de Cinema Europeu, na sua 21ª edição.
Poder, dinheiro e sangue: esses são os "valores" que os residentes das províncias de Nápoles e Caserta têm de enfrentar todos os dias. Eis então uma radiografia particularmente crua das actividades da Camorra, com direito à escatologia que o tema oferece. Neste cenário são desenvolvidas cinco histórias de personagens, que vivem num mundo aparentemente imaginário, mas profundamente afogado na realidade. Inclui empresários sem escrúpulos, chefes mafiosos, capangas, mas também um contador, um costureiro, uma dona de casa e jovens que apenas procuram o seu lugar no mundo do crime. Mas aqui, ao invés do estereótipo Corleone, com amizades na polícia e no mundo empresarial e da política, os criminosos partem para a acção de um modo brutal, sem uma estratégia. Não se trata, portanto, da tradicional máfia siciliana, ou de suas ramificações, com o seu rígido controle familiar e código de honra peculiar. Com os napolitanos, a guerra é suja e empoeirada, como a própria Nápoles. A narrativa segue esse estilo sangrento. Ao invés da jornada clássica de ascensão e queda, tantas vezes orquestrada com perfeição por Scorsese, ou do personagem pacifista engolido por um mundo selvagem, vemos várias histórias sobrepostas como uma pirâmide num mundo caótico, imundo e que não dá trégua. Nesta perspectiva, a obra evoca melhor Os Infiltrados, ou a Cidade de Deus, do que Era Uma Vez na América ou O Padrinho.
Por outro lado, do ponto de vista formal, mais parece um thriller político de Costa Gavras, director de “Z” (1969), no melhor sentido que esta analogia pode sugerir. A técnica de filmagem é vibrante, lembrando muito o estilo documental e vívido de Paul Greengrass. A câmara de Garrone parece ter o dom da omnipresença, não hesitando em entrar nos locais mais inusitados, para conseguir os melhores enquadramentos (a cena da capa, um plano sequência mostrando um personagem, saindo de uma casa a meio de uma matança, é soberba); vários momentos de silêncio, feitos exclusivamente para incomodar; e uma banda sonora que só aparece em momentos importantes. Ou seja, Garrone filma com extrema sobriedade e um grande distanciamento. Dando assim à sua obra uma marca de documentário, cuja neutralidade assusta mais do que sossega as consciências. Que alinha a vibração de uma epopeia humana, sórdida é certo, mas nem por isso desmerecedora de um portofólio desta dimensão: a galeria aterrorizante de uma sociedade contaminada a todos os níveis pela máfia. Desde os “correios da droga” na base, até aos “empresários” intocáveis no topo. A um outro nível, a fotografia de Marco Onorato é igualmente de registar. Passando pelos cappos de esquina da rua ou do bairro. Por outro lado, o realizador optou por trabalhar apenas com actores com pouquíssima ou nenhuma experiência em cinema, o que traz para os ecrãs uma rara sobriedade gestual nas interpretações.
Tábua de marés (27)
(http://www.myspace.com/lapharsemanouche)
Guitarras: Alcides Miranda e Nuno Serra; Contrabaixo: Nuno Fernandes.
Teatro-Cine de Gouveia, 31 de Janeiro
O trio nasceu em 2006, sob a batuta de Alcides Miranda. Desde a primeira hora, assumiu-se como um epígono do mestre Django Reinhardt e como sonoridades inspiradoras a música festiva por ele composta e executada. Numa altura em que o jazz era sobretudo um estilo de vida frenético e de uma incrível modernidade. A música manouche, de origem cigana, já existia muito antes de Django. Mas foi este e Stéphane Grappelli quem lhe inocularam os característicos fraseados jazzisticos e a fixaram como um género de culto. Que originou uma escola de músicos tão notável quanto extensa. Com o virtuosismo da guitarra como marca inconfundível, é claro. Mas a linguagem notabilizou-se também por outras razões. Ao invés de outros tempos, este tipo musical goza de uma quase unanimidade na sua apreciação. As razões do sucesso popular do jazz manouche são múltiplas. Passam obrigatoriamente pelas mãos de uma lenda – o inevitável Reinhardt – mas também pelas qualidades intrínsecas deste género musical: uma ligação forte aos valores tradicionais, o desejo de experimentação de novas linguagens e novas linhas melódicas, a busca de originalidade, a vitalidade transbordante. Swing manouche, jazz manouche, jazz cigano… Tudo designações diferentes para a mesma realidade. Uma realidade que não deixa indiferente quem a escuta. E foi o aconteceu no Auditório de Gouveia. A receita musical trazida pelo trio funcionou às mil maravilhas. Numa sala bem composta e que, desde o primeiro minuto, aderiu à proposta musical deste grupo. Que foi alinhando os temas apresentados quase sem pausas. Numa cadência semelhante à da própria música. Uma sessão que decerto fez render alguns neófitos a esta sonoridade. Porém, quem já a conhecia, não ficou certamente desapontado.
Publicado no jornal "O Interior", em 5 de Fevereiro
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Chega!
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Trepidações geek
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
A conta que deus fez
Tábua de marés (26)
Produção: Teatro Meridional (http://teatromeridional.net)
Direcção cénica: Nuno Pino Custódio
Actores: Carla Maciel, Fernando Mota, Luciano Amarelo, Miguel Seabra
Pequeno Auditório do TMG, 24 de Janeiro
Nesta peça, o cenário é simples e de uma eficácia notável: uma arena vermelha, que faz lembrar aquelas onde os toureiros se exercitam, rodeada por malas. De todos os tamanhos e feitios. Que as personagens transportam, abrem, empilham, percutem, tocam, manipulam, extraem sons e objectos. Objectos com que recriam permanentemente o espaço cénico. A circularidade é aqui, com propriedade, a medida do tempo. Mas também a marca de um espaço exíguo, de onde é impossível fugir. A não ser voando. As malas são os sinais da errância, da insatisfação. Ou então, como explica acertadamente Nuno Custódio, “da incapacidade de estar no aqui e agora”. Um conceito muito new age. Mas que, todavia, se adequa perfeitamente a esse frenesi que se instala desde o primeiro momento, que perturba, que lança o desconcerto, que diverte com reserva, mas que contagia inevitavelmente o espectador. Cujas gargalhadas não afastam nunca a incomodidade e uma subtil identificação. Talvez por isso, o único personagem a quem resta alguma “humanidade”, promove às tantas o brechtiano “efeito distanciador”. Ai interpelar o público sobre o que está a presenciar. Em português. Uma opção que, por vezes, soa a deja vu, mas que aqui tem alguma razão de ser. Não é, pois, impunemente que se recria esta agitação absurda e inconsequente, onde o homem urbano vai buscar o seu alimento e a sua razão de ser. Mas onde, demonstra-o este espectáculo à exaustão, vai buscar também uma linguagem incompreensível, um patético frenesi comunicacional cheio de equívocos e fragmentos absurdos. E onde os sentimentos e a empatia, quando brotam, são imediatamente boicotados pelo que melhor representa o tempo, ou seja, aquilo que no caso, nos dispensa dele. Refiro-me à utilização de gadgets improvisados: gravatas, carimbos, telefones, tesouras, cabides, balões, chapéus, etc.
Saliento, por sua vez, o “género” a partir do qual se criou o espectáculo. Ou seja, o recurso à técnica inconfundível do “clown”. Aqui enriquecida pela ausência de texto convencional, substituído na ocasião por uma “língua de babel”, ficcionada, onomatopeica. Uma opção destinada a reforçar o absurdo, o cómico e a estranheza das várias situações que se vão sucedendo, balizadas pela música: o local de trabalho, um bar, um par de namorados, o comboio, um estabelecimento comercial, etc. Em suma, esta última produção do “Teatro Meridional” corporiza um grande momento de teatro. Que nos fala da velocidade. Mas sempre sem tempo, sempre a fugir.
Tábua de marés (25)
Cine Teatro da Casa Municipal da Cultura de Seia
Sexta-feira, 22 de Janeiro
Num espaço não totalmente adequado a este tipo de eventos fui assistir à apresentação desta banda. Que faz parte de uma série de sessões em grande parte destinadas à apresentação do mais recente trabalho do grupo: “Lovers”. Um disco produzido nos estúdios Peerless em Boston e que conta com algumas estrelas internacionais convidadas, tais como o grande mestre americano do blues Doug Macleod, as bandas espanholas Sidonie e Nistal e os grandes mestres do psicadelismo Saturnia. Os Plástica existem como formação desde 2000. Foi nesse ano que o tema 'Baby Gasoline' se tornou no primeiro hit da banda, dando-a a conhecer ao mainstream musical Português. Entretanto, os Plástica foram convidados especiais para fazerem os espectáculos de abertura de bandas como os Oasis, James e os Cranberries, na praça Sony e no Pavilhão Atlântico. O seu disco mais conhecido é “Kaleidoscope”, editado em 2007 em Portugal e Espanha e no ano seguinte na Alemanha. “United Lonely People” e “Memory Lane” são os singles que deram a conhecer a obra e afirmaram definitivamente a banda.
Neste concerto de Seia, o grupo fez valer uma sonoridade poderosa, entrecortada por momentos de grande lirismo. Como se esperava, apresentaram alguns temas do seu último trabalho. Pelo que ouvi, não me admiraria que aquele prolongue o êxito do álbum anterior. Notando-se agora uma crescente maturidade no resultado final. Por outro lado, fizeram-se ouvir igualmente os incontornáveis hits da banda, como os retirados de “Kaleidoscope” e ainda “Bugs and Astronauts”. Um espectáculo que não desiludiu seguramente os fãs desta banda portuguesa e entusiasmou uma sala bem composta.
Publicado no jornal "O Interior", em 29 de Janeiro