quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Aí vem mais uma década!

O "Boca de Incêndio" deseja a todos, mas mesmo todos, os seus leitores, amigos, curiosos, visitadores, simples frequentadores, sem esquecer os "nem por isso", o que já adivinharam:
um Ano Novo em grande!

Balancete com exercício

Nunca me arrependi de ter tomado aquela, ou esta, ou outra qualquer decisão. Desde que tenha implicado uma escolha entre várias possíveis, é claro. Porque era a que estava certa, naquele momento. Era essa, e só essa, a que a minha natureza profunda não pôde suster. Ou que um impulso vigoroso projectou para a ribalta. Ou, quando o gesto amplo que se lhe seguiu, acabou por cegar a hesitação e a dúvida que se lhe opunham. Ou quando a tibieza, não poucas vezes, impôs o seu catecismo. Ora, todas elas estão certas, porque todas se resolveram naquele momento, foram produzidas para aquelas circunstâncias, utilizando um termo caro a Ortega y Gasset. Outra questão, muito próxima, mas avaliada por outra unidade de medida: será que esses momentos de liberdade conduziram a resultados certos ou errados? Ir por aí é um caminho ingrato. E porventura inútil. Se um resultado se apresenta como negativo, nada a fazer. A não ser alterar as causas, para que outros semelhantes não se produzam.

Acordo ortográfico? Não, obrigado

Nem aqui nem em nada do que terei de escrever daqui para diante sobre o que quer que seja alguma vez "aplicarei" o acordo ortográfico que impõe a "lulização" do português. Não aceito a degeneração da minha língua por causa de não sei quantos milhões que alegadamente a falam ou escrevem como analfabetos funcionais. Quando me apetecer ler algum autor brasileiro (dos "palops" não tenciono ler nenhum), leio e ponto final. Para além disso - e literalmente - burro velho não aprende línguas. Os prosélitos e os literatos do regime tratam da questão como tratam, aliás, de tudo. Como os pequeninos "kim-il-zinhos" de trazer por casa que são. É que um "intelectual" que fala em "uniformização da língua" não é um intelectual. É uma besta.

João Gonçalves, no "Portugal dos Pequeninos"

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Stalker

Soltas de Fim de Ano

1. Ao que tudo indica, irei hoje ver o "Avatar", provavelmente em 3D. Tenho uns "cheques" para levantar bilhetes da Zon Lusomundo e toca a gastar antes que caduquem. O que aconteceria hoje, precisamente. Claro que, para quem se habituou a viver na 5ª dimensão, a 3ª é coisa de somenos. O pior vão ser as pipocas, a "miudaje" a sorver coca-cola como se fossem sarjetas ambulantes, os comentários em voz alta dos parzinhos enfardadores de confettis diversos ... E o que mais vier. Será que vou aguentar até ao fim sem me levantar, com o dedo em riste, qual novo Lénine da decência nas salas de cinema? Aceitam-se apostas.
2. Uma das frases do ano. Encontrei-a em "O Assassino à chuva e outras histórias", de Raymond Chandler (ed. Afrontamento), que "saquei" na Feira da Ladra por um euro. Diz o seguinte: "E ele iria tornar-se tão discreto como uma tarântula num bolo de noiva".

domingo, 27 de dezembro de 2009

Inverno

A idade dos porquês - 9

Porque é que só no país do bacalhau faz sentido dizer que a carne é fraca? Resquícios de cripto-judaísmo? Mais uma vitória moral, de que tanto gostamos? Mais um exemplo da homenagem que o pecado presta à virtude? Ou será que a verdadeira força está na fé e o conhecimento não é chamado para a questão?

sábado, 26 de dezembro de 2009

O estranho caso do burro desaparecido

Aconteceu no presépio instalado na Rua Garret, em Lisboa. A placa assinala o acontecimento.

Não és os Outros

Não te há-de salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.

Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro"
Trad. Fernando Pinto do Amaral

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Feliz Natal


"It´s a Wonderful Life" (1946), de Frank Capra, com James Stewart e Donna Reed

Soltas de Natal

1. Como vem sendo hábito, vim passar o Natal a Lisboa. Ontem à tarde, o circuito começou com uma visita (de trenó ?) ao espaço comercial de uma conhecida multinacional sueca. O quê? Então o Pai Natal não vem da Lapónia ou lá o que é? Depois, mais tarde, consegui diluir-me, se é que isso ainda era possível, na chuva abundante e nas desvairadas gentes que pululavam, frementes, na zona do Chiado. Enchendo as lojas e as pastelarias como já não via há muito. Talvez o stress pós traumático da crise económica explique esta febre. Talvez.
2. Depois de uma passagem pela nova livraria da "Assírio & Alvim" (a FNAC estava impossível) e mais nalguns locais do costume, dei por mim na "Sisley". A arrastar a asa a um casaco parecido com o do Corto Maltese. E ansiando que, daqui a uns dias, os saldos façam milagres. No final, claro, veio o créme de la créme. Ou seja, uma visitinha à "First Flush", uma extraordinária loja de chás na Rua do Crucifixo. Em verdade vos digo, o que se passa lá dentro é poesia pura. Já explico. Para melhor cirandar pelas várias latas onde estão guardados os tesouros, "requisitei" uma empregada que, a pedido, as ia abrindo. Sucediam-se os Pu' er do Yunnan, simples ou aromatizados (é pena este produto, que é bebida nacional no Tibete, misturado com manteiga de yaque, não ser comercializado em discos prensados, como na origem), o Lapsang Souchong, o Gyokuro e o Houjicha do Japão, os Darjeeling da Índia, o Ooloong com Ginseng, alguns roiboos, o verde Pi Lo Chun, os blended russos, o Gun Powder, o Long Jing... A rapariga, à medida que abria as latas, descrevia com elas um gesto subtil, de uma elegância digna de nota, afim de impregnar o ar com a fragrância do conteúdo. No seguimento, o meu comentário era feito com a cabeça em movimento, volteando no vazio como numa dança dos sufis. O nariz no rasto do aroma que ia ficando. Ou, o mesmo é dizer, da doce ilusão, a que tudo se resumia, naqueles instantes. Poderia ser de outra forma?
3. Ao contrário do que muitos julgam, a cultura e o conhecimento não são simples adornos. Quando evoco no meu íntimo as imagens e as impressões que ficaram de um livro, de um filme ou de um concerto, tomo-as como instrumentos que encorajam a clareza, a proximidade, o músculo interpretativo. Companheiros de viagem que ajudam a errar melhor (grande Beckett), a encontrar os ditosos ruídos que não foram convidados para a festa, a isolar a esperança quando ela se torna simples espera, a instalar-me no mundo para melhor o aceitar. Mais cedo ou mais tarde, tudo isso acaba por ser para os outros. Poderia ser de outra forma?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Às três tabelas

Há dias fui passar um bocado da tarde a um conhecido salão de jogos da Guarda. O propósito era claro: tentar exercitar, chamando-a de mansinho, a perícia de outras épocas no chamado bilhar livre. Pode-se dizer que a rondei com êxito. E percebi até onde pode chegar a persistência de uma verdadeira aprendizagem. Sobretudo quando se trata de uma técnica, de uma gestão adequada de procedimentos, com vista a um resultado preciso. Aquela imagem da bicicleta serve perfeitamente. Uma vez que se aprende, nunca mais se esquece. Durante esse tempo, de taco na mão, cruzei-me com várias pessoas que já não via há muito e cuja saudação efusiva foi recíproca. Gente normal, com gestos amplos, sem tiques. Sem o enfatuamento de outros universos que periodicamente frequento...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Nivoso

(de 21 de Dezembro a 19 de Janeiro)

Menos que Natal

Algures no pó irisado da memória, chega o lugar da gratidão. Por aqueles que nos amaram (poucos, após esticar o balanço com honestidade, mas vendo bem são esses que contam). Por aqueles que não o souberam ou eu não soube. Pelos erros que tão bem denunciaram o caminho. Pelos outros que não passaram de hesitações. Pelas palavras que esperaram por mim, dividido entre o orgulho e a queda. Pelo consolo da ronda à volta do claustro, escutando a brisa a baixar do grande vazio. Pelo fogo que triunfou, por vezes, no cume da insurreição e das sombras. Pelas cinzas que foram ficando, como uma almofada do tempo. Pelos caminhos só ainda depois caminhos. Pela assembleia de convidados que o vento trouxe e o vento dissipou. Pelo orgulho que tudo rasgou. Pela música que não deixa esquecer. Pelos céus de van gogh. Pela poeira onde tudo se irá resumir. E brilhar.

O gajo a tomar vistas na ponte romana em Salamanca

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Lido

Há arguidos e arguidos. O procurador "foge Fatinha", que se demitiu das funções de presidente do Eurojust, teve o seu advogado, o "sampaísta" Magalhães e Silva, nas tv's a falar em "bode expiatório". Ou seja, ficámos a saber que Lopes da Mota será o "bibi" do "caso Freeport".

João Gonçalves, no "Portugal dos Pequeninos"

Festival "Olhares sobre o Mundo Rural"


Promovido pelo Cineclube da Guarda, este ano em parceria com a Associação Luzlinar (Feital, Trancoso), este certame tem como tema, na sua quarta edição, “Fronteira e Memória”. Irá realizar-se no Teatro do Convento, em Trancoso, um edifício quinhentista recentemente remodelado para albergar eventos culturais. Esta edição conta, na sua programação, com o precioso apoio do realizador Pedro Sena Nunes, de quem vão ser apresentados dois filmes, um deles, “Tourada”, pela primeira vez. Destaque também para a exibição de “Cordão Verde”, de Hiroatsu Suzuki, recém nomeado para o Festival de Locarno, na secção “Ici et Ailleurs”. Pretende-se, mais uma vez, aprofundar a troca de perspectivas cinematográficas sobre a ruralidade, os seus códigos, as suas margens, as suas dinâmicas, a sua função de conservação das memórias e das identidades. Serão exibidas obras nacionais e duas do outro lado da fronteira, ao longo de dois dias de cinema, debates e uma mini feira do livro.

Consultar aqui o programa e o dossier do festival

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os óculos de sol do gajo

Glacial

Hoje a Guarda parecia uma gigantesca pista de patinagem, com um tapete de gelo a cobrir tudo. Vieram-me à memória certos quadros do Brueghel. Num dia destes, nada pode ser levado totalmente a sério. A não ser os acidentes.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Soltas

1. As pequenas vitórias são fundamentais para contrariar o pessimismo. Hoje consegui que um Juiz revogasse um despacho seu que, na prática, impedia uma cidadã que patrocino de aceder à Justiça. E como? Negando a admissão da prova do apoio judiciário, de que aquela beneficiou. A qual, validamente e em tempo, juntei ao processo. Mas foi preciso um curto e grosso requerimento de "Boas Festas", que tive o prazer de dirigir ao magistrado. Como diria o Alberto Pimenta, errar é humano, mas não errar não é necessariamente desumano.
2. Hoje à tarde encontrei um amigo que já não via há muito. Até aí nada de especial, direis. Certo. O que é raro, e nisso admito ter uma pontinha de orgulho, é ter alguns cujas qualidades mais óbvias - como a disponibilidade, a total ausência de julgamento, a cumplicidade no que a vida oferece de mais nobre e despojado - mesmo que intervaladas por 4, 10 anos de silêncio, nunca se interromperem, mas ficarem simplesmente suspensas, à espera do próximo feliz acaso. Onde só há tempo de construir um mandala que se sopra logo a seguir.
3. Record siberiano absoluto, numa das alas da casa, hoje às 8 da madrugada: 1,5º Celsius.

Stalker

O palhaço

O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.
O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.
Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.
O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.
E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço.

Mário Crespo, no Jornal de Notícias

Stalker

A ferida

Por vezes, o narcisismo descontrolado encontra o seu terreno de eleição. Ou seja, aquilo que, à falta de melhor, se poderia chamar a "arte". Não como um meio de criação de valor, claro está. Ou de humilde aproximação à caótica e evanescente trepidação da vida. Ou como um encontro a que não se pode fugir. Esses são atributos da arte sem aspas. O auto proclamado "artista" resume a arte a um espectáculo onde a estridência (a sua) faz as honras da casa. À sanha onde toma a outra arte, a autêntica, como um terreno de luta pela sua afirmação pessoal. Ou seja, uma continuação da política exactamente pelos mesmos meios. Porém, com um subtil toque de Midas: vendida como coisa diferente, certificada, prestigiante. Mas se assim é, o "artista" pode tardar a assumir abertamente o seu verdadeiro animus dominii - o exercício alucinado de um pequeno poder num círculo blindado - mascarando-o, provisória, mas eficientemente, com a inimputabilidade da sua condição de "artista". Desta forma, porque não diz ao que vem, o seu mérito artístico nunca chega a ser escrutinado, porque encarado como simples labor político. Porém, no fundo, o "artista" narcísico vive cercado pelo medo: da escassez do aplauso, da isenção de quem pensa fora da matilha, da usura do tempo. E, sobretudo, desdenha a liberdade do criador que sabe onde está o verdadeiro poder. Ou seja, precisamente na ignorância, na disponibilidade incondicional para a brincadeira. O multi-artista, pelo contrário, leva-se totalmente a sério. O aplauso é o múnus dos que o cercam. Não sabe que, na verdadeira arte, o oficiante deixa-se morrer um bocadinho. Na condição de simples agente de um fulgor que não é seu, mas que todavia faz brotar. Nada de novo, portanto. Os pequenos totalitarismos só diferem dos grandes pelo número de caracteres que lhe dedicam os compêndios de história.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sarebbe bello vivere una favola - 15

A idade dos porquês - 8

Por que será que no(s) corredor(es) dos brinquedos, nos hipermercados, por mais voltas que se dêem, não se encontra um raio de um puzzle de jeito? Já lá vi as coisas mais idiotas, compradas por adultos. Cuja satisfação em oferecer tralha luminosa a uma criança reticente é semelhante à dos exploradores marítimos, quando aportavam a um lugar novo, logo munidos com fios de contas para a populaça. Mas dar com um puzzle, é raro, muito raro. Essa extraordinária invenção zen para todas idades e feitios... E que, acreditem, até ajuda a pensar...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Mais do mesmo

Até mesmo as bebedeiras têm a sua rota a longo prazo. As minhas ebriedades compulsivas no Bairro Alto tiveram um seguimento adaptado na Guarda. O único local aprazível, o Zincos, só funcionou até 2007. Entretanto fechou. O resto é mais do mesmo: estudantes idiotas e semi analfabetos do IPG, aliados a promotores da noite a procurar animar sem critério e sem audácia. Outro dia dia fui ao "Aqui Jazz" com uns amigos e o atendimento foi abaixo de cão. Algo mais gostaria de acrescentar, mas vou até ao Café concerto do TMG, o único local com música esclarecida nesta cidade e depois direi alguma coisa...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Stalker

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A sagração

Ontem assisti ao filme "Coco Chanel e Igor Stravinsky", de Jan Kounen. Um registo competente e seguro quanto baste. Mas não é para uma apreciação crítica genérica do filme, do seu enredo romanesco, que aqui venho. Traz-me simplesmente a sequência inicial, relativa à estreia do ballet "Le Sacre du Printemps", no Théatre des Champs-Elysées, em Maio de 1913. Ou seja, da obra mais emblemática de Stravinsky, coreografada na ocasião por Nijinski. Tratou-se de um célebre espectáculo, que provocou um enorme tumulto na assistência, maioritariamente indignada. E que requereu mesmo a intervenção da polícia, pois o cenário na plateia estava a parecer-se perigosamente com uma épica rixa de saloon. Só dez anos depois a obra foi devidamente apreciada pelo público, após apresentação no mesmo local. A gorada estreia suscitou-me um sem número de reflexões. Sobretudo porque vivemos num tempo que consagrou a cultura de massas, a confusão fatal ente cultura e lazer, num território simbólico fundamental, onde a noção de consumo já não faz sentido, mas o "devir com". A indiferença "normalizada" perante os produtos saídos da indústria cultural, assim como a relativa banalização do gesto criativo, diante da auto-complacência e de uma subsidiação pública sem critérios consistentes, compõe o resto do quadro. Hoje em dia, ninguém iria patear uma obra que considerasse ultrajante ou fora do cânone. Diria simplesmente que foi "interessante", depois de abandonar a sala a meio, com medo de parecer um bota de elástico. Mas sendo este relativismo acrítico uma doença contemporânea, limitou-se, no fundo, a substituir outras, igualmente nocivas, embora mais compreensíveis, porque relapsas ao "deixa andar". O que aconteceu naquele dia de Maio de 1913 foi prodigioso! O séc. XIX e o séc. XX encontraram-se pela primeira vez cara a cara, sem subterfúgios. Com as suas linguagens inconciliáveis. O caos a irromper pela estabilidade anafada de um mundo que iria ruir no conflito que se seguiria, um ano depois. Não consigo imaginar, por muito que tente, o choque que provocou naqueles cavalheiros vitorianos da Belle Époque aquela energia vital selvagem, nitzschiana, aquela trepidação ciclotímica das figuras animadas pela música de Stravinsky. Que inauguraram, nesse preciso momento e de pleno direito, a modernidade plena. O que se passou foi como que o encontro, nada pacífico, de dois mundos. E ao contrário de outros, mais amistosos, nem sequer teve a pena de um Pero Vaz de Caminha para o imortalizar. Creio, porém, que o filme veio colmatar essa lacuna. Não sei se a expressão terá aqui inteiro cabimento, mas vou arriscar: "e nada mais seria como dantes"...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Brasil B



Dunga, seleccionador do Brasil, em declarações à Globo

E pronto, em poucas palavras se conta a aventura, esperemos que breve, do escrete luso em terras dos Zulus. Uma escreção comandada à distância pelo bimbo da fruta, a quem o factotum Keirósz faz os recadinhos de mão. Obrigado Dunga pela clareza. O Bruto Alves, sobrinho de...? Olha, quem diria!!! Neste mundial, e para quem me conhece, vai acontecer o impensável: torcer pelo Brasil A! Ao menos, está lá o Luisão e o Ramires...

Técnicas de propaganda para acossados

O primeiro governo de Sócrates foi dominado pela propaganda no sentido clássico do termo. Aquilo a que estamos a assistir neste momento é algo de muito diferente. Com os números da dívida e do desemprego a subirem; com o Tribunal de Contas a reprovar sucessivos negócios governamentais; com a Justiça a sofrer das maiores pressões exercidas por um governo em Portugal; com o primeiro-ministro cujo nome começou por aparecer em alguns casos e se transformou ele mesmo num caso único da política portuguesa, a estratégia de comunicação do círculo de José Sócrates é cada vez mais o ataque e de cada vez que ataca atinge os alvos duma forma que até esse momento se julgava interdita. Foi isso que aconteceu ontem com as respostas dadas por Vieira da Silva e Ricardo Rodrigues no parlamento a propósito das acusações de “espionagem política” formuladas pelo ministro da Economia, no momento em que se tornou público que havia escutas de conversas entre Armando Vara e José Sócrates.
Como Portugal não é (ainda) uma república das bananas não é normal que um ministro acuse o Ministério Público, as polícias de investigação e não se percebeu se também o Supremo Tribunal de Justiça de “espionagem política” pois essas seriam as entidades que estavam ao corrente das escutas. Chamado ao Parlamento para explicar o que queria dizer com a expressão “espionagem política”, Vieira da Silva não explicou nada e mudou estrategicamente o alvo, acusando Manuela Ferreira Leite não se percebeu se de espiar, de alguém espiar por ela ou de estar ao corrente do conteúdo da dita espionagem. Foi secundado nesta acusação pelo deputado Ricardo Rodrigues, sendo que este último cometeu o deslize de admitir que o negócio da TVI, que Sócrates dizia desconhecer, é de facto referido nas escutas que diz alegadas. E assim, num golpe que tem a vantagem para quem o usa de contribuir para confusão que já não nos permite perceber quem disse o quê e quando – o problema deixou de ser um ministro acusar o Ministério Público e as polícias de fazerem espionagem política –, passámos a ter a líder do PSD a fazer espionagem. E mais importante ainda, caso a líder do PSD peça explicações por estas acusações de Vieira da Silva e de Ricardo Rodrigues há-se ser acusada de não ter sentido de Estado ou ridicularizada, ou provavelmente ambas as coisas. E o assunto assim morrerá até que amanhã Vieira da Silva, Santos Silva, Ricardo Rodrigues ou José Junqueiro voltem a usar esta técnica, até agora eficaz, de responder atacando duma forma que não se julgava possível num partido de governo para, em seguida, rapidamente recolherem à segurança da postura institucional. Sendo que todos sabem que para próxima usarão a mesma técnica mas o ataque será ainda mais feroz.
Contudo ficou por saber se o ministro nos informou oficialmente que existe em Portugal uma rede de espionagem nas polícias e na Procuradoria que, segundo o mesmo ministro, fornece informações a Manuela Ferreira Leite. Se Vieira da Silva quis mesmo dizer o que disse tem de voltar novamente ao parlamento porque se uma rede de espionagem política é grave, uma rede que trabalha para um determinado partido é ainda mais grave. E um ministro que lança suspeitas deste teor ou as fundamenta ou deixa de ser ministro.

Helena Matos, no "Público" de ontem

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Playlist da casa (especial)


Dois anos depois, voltei a assinar a Playlist de Dezembro do Café Concerto do TMG. Chama-se “Doce de Chill”, um nome bem apropriado para os excessos calóricos natalícios. A piéce de resistence, como o nome indica, são as sonoridades ambientais, nas suas várias facetas. Do cardápio consta: a colecção completa editada pela revista Xis “Chillout music collection”, os De Phazz, com a trilogia “Plastic love memory”, "Detunized gravity” e “Godsdog”; os Efterklang, com “tripper”; René Aubry, no inolvidável “Invités sur la terre”; Beirut, em “The Flying Club Cup”, a sua opus magnum, em meu entender; Ernst Rejseger, ao violoncelo, numa obra singular, intitulada “Colla parte”; os Jazzanova, com o incontornável "In Between”; os Red Seal, com “Black ops"; por último, a colectânea de covers “Zen CD”. E pronto... Bom solstício dançante!

O fio

(clicar para aumentar)

Hoje às 18.00 horas, na BMEL, na Guarda, serão lançados, de uma assentada, 5 novos cadernos da colecção "O Fio da Memória". Eis um título particularmente feliz, como já tive ocasião de aqui afirmar. Que remete para a compressão dos vários planos de uma narrativa, como que "apanhados" por uma teleobjectiva que nos puxa para o fundo, para o abismo, para o poço do tempo. Porém, simultaneamente, homenageia as infinitas circunvalações desse mesmo tempo, convida a determo-nos nelas, a tratá-las com desvelo, frágeis pontes que unem margens que mais nada conseguirá aproximar. Voltemos porém à quíntupla apresentação. Sendo co-autor de dois cadernos - "Julgamento e Morte do Galo do Entrudo - 2009" e "Aquilo Teatro" - irei estar na mesa. O primeiro serviu de base para o espectáculo de Carnaval que percorreu este ano as ruas da cidade. O segundo resulta de um convite feito por aquela instituição para um relato acerca da experiência pessoal no grupo. Neste caso, a empresa foi algo complicada, dadas as memórias conflituantes. É que, apesar do percurso épico dos cadernos de poesia, de uma profícua cumplicidade pessoal e artística, de um ano à frente da Direcção, em 2004 veio a separação das águas. Após mais um ano na direcção, onde procurei adiar o inevitável, com enormes custos pessoais, acabei por sair do grupo em 2007. Estou curioso em saber se, na publicação hoje apresentada, haverá um relato verdadeiramente corajoso e honesto por parte de alguns. É que o percurso da memória também está cheio de becos e sinuosidades de conveniência.

Nota: teria preferido que me convidassem para escrever o caderno sobre a icónica "Taberna do Benfica", apesar de a respectiva autora ter sido naturalmente a escolha acertada para o efeito.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Curtas

1. No portal Sapo aparece um link para uma notícia da Lusa, onde se afirma que o ministro angolano Bento Bembe tece várias críticas à Human Rights Watch (HRW), depois de um relatório daquela organização denunciar diversos abusos no país. Apesar de lá estar o link, no site da lusa já lá não está a notícia. Após uma busca, só encontrei aqui uma referência. Será que o controle da informação por um Estado ao serviço do Governo já chegou a este ponto?
2. No Facebook está acessível uma mensagem do fundador daquela rede social, Mark Zuckerberg, onde se pode ler que esta já atingiu os 350 milhões de utilizadores!... Sendo um "visitador" regular da rede, de que me lembre só duas notas negativas: a proliferação de joguinhos de quermesse, tipo Farm não sei quantos, que invadem o mural, em vez de assuntos realmente estimulantes; mais grave, porque da responsabilidade directa de quem gere a rede, é a inexistência de um botão "não gosto", muito apropriado em determinadas ocasiões.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Graffitis - 37


Ver anterior

A idade dos porquês - 7

Porque é que se criou a ideia de que os habitantes das pequenas e médias povoações têm que gostar obrigatoriamente de tudo o que é produzido localmente? Falo especialmente da oferta cultural, mas poderia referir-me também a queijos, ou a cobertores, ou a jornais. É claro que as "coisas da terra" despertam sempre uma natural curiosidade, do tipo benevolente, uma atenção particular, um orgulho magnânimo. Mas é fundamental ir para lá das armadilhas da auto-complacência, atravessar o simples brio paroquial. De modo a perceber que um espectador de Barcelona, de Praga ou de Nova Iorque deveria aplaudir a mesma criação cultural tal como o tal habitante local o faria.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A ala geriátrica da biblioteca do gajo

Já são 810 primaveras!

Hoje é feriado municipal aqui pela Guarda. Não houve tempo para ir à torre de menagem ver os recém-inaugurados melhoramentos. Os quais incluem a projecção do foral da cidade num dos pisos e um centro de interpretação. Já aqui tinha dado conta das obras de requalificação então anunciadas, sob o título "O Novo Belvedere". A visita fica então para amanhã. Por sua vez, daqui a duas horas, perspectiva-se mais um grande acontecimento musical. Trata-se do espectáculo "Mestres de Capela da Sé da Guarda" (séc. XVI-XIX), sob a direcção de João Pedro Delgado e Domenico Ricci, no TMG.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A balança

Mário Machado e 7 elementos do seu gang foram hoje acusados de vários crimes de roubo e sequestro e de associação criminosa. Aquele já se encontrava em prisão preventiva desde o ano passado, medida aplicada no âmbito de outro procedimento criminal. Espera-se que o MP seja igualmente célere e expedito no caso "Face Oculta".

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Nem mais

terça-feira, 24 de novembro de 2009

123

O mobbing dos remediados - 3

Escrever um artigo, depois de algum labor investigador, deixando de lado as feromonas e insistindo num certo depuramento opinativo. Ter tudo pronto, corrigido e revisto. Porém, no último momento, carregar na tecla errada. E eis o desastre a acontecer, numa fracção de segundo. Ou seja, ocorreu o pior pesadelo, o écran branco, sem remissão. Aconteceu-me outro dia, após ter escrito uma crítica ao último documentário de Jorge Pelicano, "Pare, escute e olhe", sobre o qual tenho muitas reservas, para editar aqui no blogue. Um dia destes reconstituí-lo-ei, pois a memória não perdoa.
A propósito, recentemente escrevi um comentário noutro blogue, a propósito do mesmo filme, onde expus as minhas razões. Logo a seguir, veio o comentário de um anónimo, destes que pululam nas caixas de comentários como se chafurdassem no seu elemento natural, o curral. O patusco disse que eu era "fassista", saudoso de uma primavera que não percebi bem qual e imputando-me uma linhagem nobilitante que, para minha estupefacção, me foi até hoje sonegada. E que incluía Telles, com dois lês, entre outros. O desespero de não ter um único argumento, ou sequer uma ideia, foi assim compensado com a "valentia" de um ataque sem rosto. Quem o faz, sabe melhor do que ninguém porque se esconde. Nada de novo, é claro. Já disse aqui e aqui, o que penso sobre esta fauna suína das caixas de comentários. O que significa que não me vou sequer repetir. Mas neste caso quis ir mais longe. Analisei detalhadamente as características morfológicas e ortográficas da escrita, bem como os pontos de fervura mais recorrentes, os enlaces ideológicos, as idiossincrasias, os lapsos, de dois ou três comentadores habitués desse blogue. Sobraram dois. Um é um ilustre comediógrafo e cronista com ligações à Guarda, notabilizado pela irracionalidade e pelo ressentimento. A obesidade correspondente da eminência decerto esconde a dimensão liliputiana do seu talento, mais em baixo. Sobretudo do próprio. O outro é um obscuro ambientalista, de que me ocuparei noutro post, dedicado aos insectos voadores. Há ainda a forte possibilidade de o comentário resultar de um personagem multi identitário, um fenómeno conhecido da blogosfera. Seja como for, neste episódio os meus objectivos foram plenamente conseguidos. Ao torpedear o unanimismo e o pensamento único, realidades que imperam em certos meios, na Guarda e fora dela, veio imediatamente o troco. A virulência da reacção, só suplantada pela sua indigência, demonstrou que toquei na ferida.

Stalker

A idade dos porquês - 6

Porque é que, para além da complacência, a criação cultural tem outro inimigo de peso: o amiguismo? O amiguismo, em versão low tech, resume-se a uma troca acrítica de favores, cumplicidades, apreciações invariavelmente positivas, em circuito fechado, sem qualquer distanciamento, aos unanimismos paroquiais, às clássicas palamadinhas nas costas e que mais tarde são cobradas com juros... Eis o cardápio dos piores cancros da cultura e um alarmante sintoma de provincianismo...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A irmandade da sucata (2)

Sobre as conversas escutadas entre Sócrates e seu amigo Vara, ao que parece a propósito da compra fraudulenta da TVI pela PT, que o Presidente do STJ convenientemente mandou apagar, leia-se este texto lapidar no "Vivo e de Boa Saúde". Note-se que a celeridade da decisão permite imaginar o pior.

Frimário


(de 21 de Novembro a 20 de Dezembro)

A cáfila

Recebi um email que diz isto:

SILVA LOPES, com 77 (setenta e sete) anos de idade, acaba de ser nomeado administrador da "EDP Renováveis". Ex-Administrador do Montepio Geral, de onde saiu há pouco tempo com uma indemnização de mais de 400.000 euros, acrescidos de varias reformas que tem, uma das quais do Banco de Portugal como ex-governador, logo que saiu do Montepio foi nomeado Administrador da EDP RENOVAVEIS, empresa do Grupo EDP. Com mais este tacho dourado, lá vai sacar mais umas centenas de milhar de euros num emprego dado pela escumalha politica do governo, que continua a distribuir milhões pela cambada afecta aos partidos do centrão. Entretanto o Zé vai empobrecendo cada vez mais, num pais com 20% de pobres, onde o desemprego caminha para niveis assustadores, onde os salários da maioria dos portugueses estão cada vez mais ao nivel da subsistencia.
Silva Lopes foi o tal que afirmou ser necessário o congelamento de salários e o não aumento do salário mínimo nacional, por causa da competividade da economia portuguesa. Claro que para este senhor, o congelamento dos salários deve ser uma atitude a tomar, (desde que não congelem o dele, claro)!!!
Quanto a FERNANDO GOMES, mais um comissário político do PS, recebeu em 2008, como administrador da GALP, mais de 4 milhões de euros de remunerações. Acresce a isto um PPR de 90.000 euros anuais, para quando o " comissário PS " for para a reforma. Claro que isto não vai acontecer pois, tal como Silva Lopes, este senhor vai andar de tacho em tacho, tal como esta cambada de ex-politicos que perante a crise "assobia para o ar ", sempre com os bolsos cheios com os milhões de euros que vão recebendo anualmente.

Claro que as pessoas estão mais do que avisadas. A monstruosa promiscuidade entre os negócios e a política é o pão nosso de cada dia. Claro que os cidadãos sabem que esta deriva de sinecuras e transferências milionárias é uma doença crónica do Bloco Central. Mas onde o PS tem exagerado para lá do que é imaginável. Claro que estes filhos da puta só alteram os métodos depois de um abanão a sério. Muitos, como é o caso do esbriba, não se reconhecem nesta plutocracia monopartidária (às vezes bi), nesta baixíssima qualidade de um regime que alguns confundem com democracia. Periodicamente, convém exemplificar os motivos desta descrença. Como agora. Por uma questão profiláctica.

domingo, 22 de novembro de 2009

Névoa

pensar com delicadeza, imaginar com ferocidade...

Sintra: vendedor de bifanas em greve de fome há dez dias junto à câmara municipal
  1. encapsular paisagens para
  2. tentar perceber as pegadas do quotidiano
pensar com delicadeza, imaginar com ferocidade...
  • Ozono mata, confirma estudo
pensar com delicadeza, imaginar com ferocidade...
Frente Comum pondera manutenção de greve
Parlamento discute a 23 de Maio redução do IVA de 21 para 20 por cento
p e n s a r c o m d e l i c a d e z a, i m a g i n a r c o m f e r o cidade...

(colagem a partir de um verso de Herberto Helder)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A estreia é já amanhã, sábado!

(clicar para ampliar)

Ver aqui mais informação, a apresentação de A.R. e o meu comentário neste blogue.

Lux

Recomendo uma visita à "Rua dos Dias que Voam". Porquê? É que está lá "exposta" uma colecção de imagens com anúncios de estrelas de cinema, publicitando o sabonete Lux. Na mais antiga, seguramente dos anos 30, encontramos Mae West a falar com um cupido, não sem um afrodisíaco sabonete pelo meio. Vá, corram! Depois não digam que não avisei!

A agenda socrática

Um grande empresário português marca uma audiência com José Sócrates, na Residência Oficial do Primeiro-Ministro. Enquanto aguarda, encontra Armando Vara que o recebe com muitos abraços. Quando é recebido pelo Primeiro-Ministro, sente falta da carteira e resolve abordar o assunto com o PM:
- Não sei como lhe hei-de dizer, Senhor Primeiro-Ministro, mas a minha carteira acabou de desaparecer!
E continuou:
- Tenho a certeza de que estava com ela ao entrar na sala de espera. Tive o cuidado de a guardar bem, após apresentar o BI ao segurança. Não quero fazer nenhuma insinuação, mas a única pessoa com quem estive depois disso foi o Dr. Armando Vara, que está aqui na sala de espera ao lado.
O Primeiro-Ministro retira-se do gabinete. Pouco tempo depois, regressa com a carteira na mão.
Reconhecendo a sua carteira, o empresário comenta:
- Espero não ter causado nenhum embaraço pessoal entre o Senhor Primeiro-Ministro e o Dr. Armando Vara .
Ao que José Sócrates responde:
- Não se preocupe! Ele nem percebeu!...

A anedota é esta. Mas à semelhança dos autores romanos, que gostavam de acrescentar uma pormenor pícaro aos mitos gregos (veja-se como Plínio, o Velho, tratou o espectro de Narciso, o esbelto filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope, descrevendo-o a debruçar-se da barca, freneticamente, para se contemplar uma última vez nas águas do Rio Lethes, ao atravessá-lo), gostava também aqui de meter a colher. Então é assim: depois da reunião, Sócrates foi consultar o dicionário de sinónimos, com um compêndio de inglês técnico ao lado, afim de engendrar as invectivas com que iria brindar Pacheco Pereira no próximo debate parlamentar. Pois é. Depois dos sensacionais "você não passa de um revolucionário retardado" e "revolucionário uma vez, revolucionário toda a vida", aguardam-se as próximas manifestações de ressabiamento do licenciado Sócrates.

Os sapatos que o gajo levou à cinderela, armado em príncipe encantado

E depois do adeus

Maria do Carmo Borges anunciou que não continuará no cargo de governadora civil da Guarda. Irá assim permanecer em funções unicamente até ser nomeado novo titular. Esta sua decisão encerra um significado óbvio. O de que irá, muito provavalmente, abandonar a vida política activa. Muitas leituras e apreciações se têm feito acerca do seu desempenho público, sobretudo enquanto presidente da Câmara. Pessoalmente, só conheci de perto o seu último mandato, entre 2001 e 2005. Durante esse período, quer pelo que lia na imprensa, quer por algumas reuniões que mantive com a então presidente, quando dirigia o Aquilo Teatro, sempre tive uma boa impressão de MCB. Sobretudo pela forma directa e voluntariosa como abordava as questões discutidas. Significa isto que uma impressão pessoal favorável, de pendor subjectivo, pode ser transposta para uma apreciação de cariz político? Não necessariamente. Creio até que o seu consulado autárquico será lembrado como a máquina que prolongou a agonia terminal da época desastrosa de Abílio Curto. Não por acção, mas sobretudo por omissão. Não pela forma, mas pelo conteúdo. Não pelo dolo, mas pela negligência. Deixou que a inércia dos hábitos nocivos se sobrepusesse ao reformismo prudente, mas firme. MCB não desligou pois a máquina, numa altura em que a eutanásia política era a única solução para a Guarda. E teve tempo e legitimidade para o fazer. Os resultados viram-se: pré-falência técnica da Câmara, cedência aos pequenos poderes instalados na autarquia e adjacências, má gestão dos temas fortes da agenda política guardense (novo hospital, CTT, fecho da VICEG, só para dar alguns exemplos). Claro que nem tudo foi negativo. Bem pelo contrário. Do outro lado da balança, poderia colocar a construção de equipamentos públicos, como as piscinas, a remodelação do estádio e do parque municipais, a comparticipação na construção do Teatro Municipal, a criação da Culturguarda, entidade gestora dos equipamentos culturais do concelho, o apoio às entidades associativas, requalificação urbana em vários pontos da cidade, etc. É de realçar o facto de ter apoiado sem hesitações a actividade cultural, nas suas várias vertentes, ajudando a projectar a cidade nesse campo de forma ímpar. Claro que é defensável a opinião de que utilizou a cultura como bandeira de conveniência. Mas é caso para dizer que, neste caso, os fins justificam os meios. Só por isso, valerá a pena estar grato a MCB.
Como nota final, tudo indica que o senhor que se segue na cadeira de governador ainda é uma incógnita. No entanto, aceitam-se apostas múltiplas numa tripla...

PS (23h00): afinal, hoje mesmo foi divulgado o nome do novo Governador Civil. Trata-se de Santinho Pacheco, antigo presidente da Câmara de Gouveia.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Minimamente

foto de ensaio de Armando Neves/TMG

"Minimamente" tem estreia marcada no Pequeno Auditório do Teatro Municipal da Guarda. Será neste sábado, pelas 21h30. A interpretação estará a cargo de Agostinho da Silva, Albino Bárbara, Carlos Lopes, Cristina Fernandes, Filipa Teixeira, Daniel Rocha e deste vosso criado. O apoio à encenação é de Américo Rodrigues e a sonoplastia é de Victor Afonso.
1. O espectáculo. "Minimamente" foi construído a partir de "Histórias Mínimas", do dramaturgo catalão Javier Tomeo. Trata-se de um conjunto de 44 micro histórias desconcertantes, cuja primeira edição é de 1988. São crianças que partem a lua à pedrada, barbeiros que degolam os seus clientes, leões com dentadura postiça, oceanos que cabem numa garrafa, esqueletos que conversam no cemitério, estrelas que se apagam com um sopro. Ou seja, brevíssimas pinceladas escritas com um humor transbordante, com finura, onde o quotidiano se torna uma amostra do absurdo e vice versa. A peça pretende reproduzir este clima, onde as convenções da própria ficção não resistem à derisão de um humor cáustico e arguto. A encenação é atípica, ou seja, sendo colectiva é orientada por Américo Rodrigues. Como curiosidade, esta foi também a peça escolhida para a estreia do grupo "“As boas raparigas vão para o céu, as más a todo o lado”, no início dos anos 90.
2. O grupo. Tintinolho é um cume sobranceiro ao vale do Mondego, a 4 Km da Guarda. Onde existiu um importante castro, ocupado desde a Idade do ferro até à Alta Idade Média e cujos vestígios do imponente recinto muralhado ainda hoje são visíveis à distância. "Tintinolho" foi a designação escolhida para um projecto que reúne um conjunto de amantes do teatro, cujo primeiro objectivo foi levar à cena esta produção colectiva. A experiência teatral dos participantes é a mais diversa. O que não impediu, bem pelo contrário, que esta aventura fosse levada a bom termo. Para já, assenta-lhe bem a designação "grupo informal", ou "projecto". "Companhia" logo se verá...
3. Finale andante. O que posso dizer da minha experiência nesta aventura artística? Em certos momentos, encontrei os meus personagens pelo rasto que deixavam numa paisagem deserta. Era um olfacto canino que os reconstituía e uma memória audaciosa que os colocava no seu lugar provisório. Numa das suas faces, o teatro parte desta brancura imaculada do momento zero, do instante fundador. Uma economia profundamente humana, onde perscruto os meus personagens. Suspensos. Hesitantes. Amantes da música. Prisioneiros da cor do pormenor. Da vida derramada como aguarela num descampado. Onde os faço banhar numa bruma verbal delicadamente irisada. Seres encantadores e ineficazes. Criaturas bizantinas e patéticas. Idealistas inúteis. Sedutores por tédio. Heróis detentores de uma bela verdade humana. Fardo esse que não podem carregar nem evitar carregar. São personagens que tropeçam. Que tropeçam porque olham para as estrelas. Enquanto caminham. Que podiam sonhar, mas não governar.

Stalker



Sopa da pedra

Sou espectador assíduo do programa Ponto/Contraponto, na SIC Notícias. Um emissão onde Pacheco Pereira tem oportunidade de se debruçar em pormenor sobre vários exemplos de mau jornalismo. E de como isso ilustra a falta de pluralidade e de isenção na informação. JPP é aqui, com toda a propriedade, uma espécie de provedor do cidadão, no que aos media diz respeito. E o programa é claramente um exemplo de serviço público. Ora, os baixos níveis de qualidade da maioria do jornalismo que se pratica no nosso país aferem-se, sobretudo, no tipo de tratamento dado aos temas de 1ª página. Mas nem por isso o tipo de apresentação das notícias "menores" deixará de definir também um quadro clínico de negligência e falta de rigor. Muitas vezes, é mesmo através do pormenor que se detectam os principais sintomas.
E é precisamente de um exemplo desses que hoje irei falar. Recentemente, no "Portugal em Directo" emitido pela RDP Centro, a seguir ao noticiário das 13h00, um jornalista dessa estação apresentava o "X Festival de Sopas da Serra da Estrela", em S. Paio, Gouveia. Claro que se não andasse com uma dieta semi-rigorosa às costas, tinha lá dado um pulo, mas a questão não é essa. Em termos globais, se abstrairmos do indiscutível mérito da ideia e da qualidade evidenciada, o facto em si não passa de mais uma iniciativa de promoção local. Todavia, o tratamento dado por esse jornalista foi desastroso. Após a descrição inicial, com aquele à vontade de quem associa uma mostra gastronómica a uma quermesse de feira, informou o auditório indígena que os que ali acorriam estavam (sic) "sequiosos de comer"!!! Sequiosos? Mas de comer o quê? As sopas, presumo! Confesso que, em termos semânticos, é complicado definir a apetência segregada no hipotálamo por uma sopa. Será sede? Será fome? Será uma sede que não chega a ser fome? Será uma fome envergonhada, mascarada de sede? Ou antes uma irreprimível necessidade de um aconchego da alma, por via do estômago, sem demasiado comprometimento? É de supôr que todas estas visões contraditórias passaram pela cabeça do jornalista. Se tal ocorreu depois de uma prova das sopas, é de supôr igualmente que o paradoxo se transmutou, adquirindo as propriedades do puro disparate. Se foi antes, é de acatar a hipótese de o jornalista pré-comensal ter ficado à mercê do trocadilho semântico de ocasião. Ou seja, o pau para toda a colher dos preguiçosos. E a ocasião produziu um magnífico oxímoro (figura de estilo que consiste numa contradição muito intensa e cujo significado é aparentemente absurdo). Vejamos então a definição para "sequioso" no Dicionário Priberam de Língua Portuguesa: 1. Sedento, ávido de água. 2. Seco em extremo, falto de água. 3. Fig. Sedento; ávido; muito desejoso. Como se depreende, o elemento chave é a falta de água. A qual, no limite, também pode ser a metáfora para outros apetites. Que inclui, ora aí está, o apetite de comer, perdoem-me o recurso estilístico. Portanto, não é de descartar a possibilidade de o jornalista, alucinado com os aromas de uma sopa de beldroegas, ter efectuado um trajecto linguístico singular, bizarro mesmo. Ou seja, o percurso que vai de um oxímoro a um simples pleonasmo.
Mais à frente, o jornalista entrevista alguns transeuntes. A páginas tantas, questiona um jovem sobre "o que é que andava ali a fazer"!!! Isto na suposição, presume-se, de que o jovem pudesse ser um ET, um adepto de uma claque de futebol em vilegiatura serrana, ou um pré-delinquente a quem foi dado o devido "correctivo das sopinhas". O mencionado jovem respondeu, sensatamente, que vinha "experimentar umas sopas". "Sopas?!", zuniu o jornalista. "Então vocês não gostam mais de bifes e assim?", acrescentou. Claro que a luminária queria dizer hambúrgueres. Claro que o perguntante estava surpreendido por causa de o jovem estar ali, "normalmente", e não num estabelecimento de fast food a empaturrar-se de toxinas, ou a fumar um charro, ou a insuceder na escola, ou a jogar ao braço de ferro com um professor numa sala de aula, com um telemóvel de permeio. Claro que esses clichés (temos que chamar as coisas pelos nomes), alimentados em grande parte pelos media, são de tal forma irresistíveis que o nosso jornalista não evitou sucumbir diante deles. Imaginemos que diante da sopa. Precisamente.

sábado, 14 de novembro de 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Ainda Borges

Un hombre que cultiva un jardín, como quería Voltaire.
El que agradece que en la tierra haya música.
El que descubre con placer una etimología.
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
Un tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.

Los Justos (Jorge Luis Borges, Obras Completas, III, 356)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

The kick


Até dói, só de ver. Reparem que o jogador que pontapeou também ficou aleijado. Notáveis, mas irritantes, os risinhos dos comentadores...

Campanha "o último a sair apaga a luz"

Por via do "Água Lisa", chegou-me um artigo de opinião do "Avante", que assim reza:
"A campanha política, ideológica, institucional e mediática em torno dos 20 anos da chamada «queda do muro de Berlim» foi massivamente difundida pelos media e conduzida por uma assinalável «santa aliança» anticomunista entre extrema-direita, direita, social-democracia, ex-comunistas e a chamada «nova esquerda».As classes dominantes recorrem, mais uma vez, à revisão da história para erigir com estas «comemorações» uma gigantesca farsa que tenta apresentar o acontecimento como uma «revolução», uma vitória do «bem» sobre o «mal», um acto de «libertação», ocultando simultaneamente a História e as reais razões da construção do Muro como as provocações e as acções militares e de espionagem hostis dos EUA, Grã-Bretanha e França contra a RDA e o campo socialista, sinalizadas logo no início do pós-guerra."
Nem sei o que dizer. A não ser que a arteriosclerose avançada produz efeitos como estes. Mesmo assim, para quem gostar de literatura fantástica, vale a pena a leitura integral do artigo. Fica o registo, para memória futura.

A irmandade da sucata


O Supremo Tribunal de Justiça acaba de declarar nula a transcrição de uma conversa telefónica entre Armando Vara, arguido do processo Face Oculta, e o primeiro-ministro, José Sócrates, por considerar que a gravação da mesma necessitava de autorização deste tribunal superior. A decisão baseia-se numa disposição da lei processual penal, segundo a qual o PM, à semelhança do PR e do Presid. da A.R., responde perante o Supremo. Neste caso, o STJ considerou que a recolha de meios de prova está incluída nessa prerrogativa. A lei é estúpida? É! Cria um obstáculo à celeridade de uma investigação desta envergadura? Sim! A mais elementar prudência não aconselharia, ao invés, que Noronha do Nascimento ratificasse a transcrição? Claro! Tanto mais que se está em pleno período eleitoral naquele órgão e as suas recentes declarações sobre investigação criminal só nesse âmbito podem ser entendidas...
Ora, as notícias dão conta de que Sócrates, nessa conversa com Armando Vara, averiguou soluções para o "amigo Joaquim". E quem é o "amigo Joaquim"? Pois bem, o proprietário de um conhecido grupo de comunicação social muito "amigo" do PS e do Governo. Não se sabe em que ponto entraria o sucateiro Godinho nessas soluções. O mesmo que parece pairar por cima de todos os negócios que envolvem certas empresas públicas, qual Quasimodo incinerador, o factotum do trabalho sujo, o canalizador avençado sempre à disposição no quintal das traseiras do regime.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Stalker

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A queda do Murro

Marx disse que o capitalista não trabalha para aquecer, nem por caridade, e que o Capitalismo não recua perante nenhum crime. Mas foi Max Weber que encontrou, no espírito protestante, as raízes desta ganância. Com Marx e com Max, o Mundo ficou Maxi, escuro, frio e ardente. Depois, veio o Comunismo e, porque alguns estavam perdidos ou agarrados a ilusões antigas, tiveram de morrer para escolher o seu campo. Milhões de Homens e Mulheres foram desafiados por um anjo de fogo a escolherem metade de uma coisa que não podia ficar por dividir. E comportaram-se como náufragos no Mar, como se o chão se tivesse liquefeito sob os pés e como se perdessem de repente a memória. O mundo a que chegámos, na Europa e outras zonas onde chegou a civilização moderna, da fornicação e da invenção, foi, portanto, produzido pela violência, pelo massacre, pela fossa comum e pela câmara de gás. Não me considerem pessimista. O mundo de Marx, que era, como todos os mundos antes dele, também negro, foi iluminado como uma noite incendiária, de Nero. Por trás dos amanhãs que cantam, os hoje foram insuportáveis. Todos os sacrifícios e todas as infâmias foram exigidas. Restou alguma coisa? Até os índios do Brasil, Lévy-Strauss descreveu como vivendo numa imensa ternura e liberdade, mas exprimindo uma «alegria animal». Penso que Lévy-Strauss se calou, porque percebeu que tudo o que dissesse, só faria pior. Quem dá o nome a uma nuvem, obriga a que ela se desfaça em chuva, ou então a nuvem obscurecerá o resto do dia. E caiu o Muro de Berlim. Durante algum tempo, os obcecados da luta ardente notaram os outros muros que se levantavam, como o da Cisjordânia, o recuo do muro para Leste, a fronteira sul dos Estados Unidos, a muralha do Mediterrâneo. Mas nem isso rendeu. De repente a Europa passou a ser toda festiva, a comemorar em cada esquina com efemérides como o calendário da Revolução Francesa. Liberdade…e a liberdade fez-se obra, nas mesquitas a abarrotar de gente, nos marines americanos violando uma adolescente iraquiana ou matando um irregular que se fazia de morto no chão, perante a Televisão. Igualdade…nas contas, nos cartões de crédito, nos telefones e nas redes todas escutadas, nas ascensões vertiginosas e nas quedas obscuras. Fraternidade…nas famílias desfeitas, nos sexos pulverizados, nos irmãos mordendo-se como lobos, nas solidões provisórias sustentadas a cirurgia estética e terminadas em morte assistida. Alguém desfez o mito de que a muralha da China, a qual não excede cinco metros de espessura, se via do Espaço. Mas descobriu-se, depois, que era um terço mais comprida do que se julgava. Como uma serpente, a História infame foi rodeada pela cobra, sábia, sobrevivente, venenosa, de olhos de diamante. O Muro de Berlim caiu, deixando entrar os bárbaros meio ébrios, já sem a força de a arrebentar e deram-se todos no pátio de um campo de prisioneiros a que chamaram Liberdade. Como o comunismo, que era apenas um véu sobre a mesma sociedade industrial. De repente, acordámos todos numa fábrica durante uma festa de Natal da empresa. Tínhamos todos sido gaseados devagarinho, durante uma época inteira. E ficámos todos a mais, todos precários e a prazo, presos no recinto da Europa. Como é falsa a ilusão da liberdade em que um dos maiores sábios do Ocidente diz que os índios, civilização perdida dos grandes massacres e fossas comuns, têm uma «satisfação animal». Felizmente que se calou, com as suas euforias de animal. Percebeu que o último Direito Humano é um Dever: o enorme silêncio.

André

Sarebbe bello vivere una favola - 14

Lido

«Sócrates transformou a política numa comédia de enganos, que já não engana ninguém; e que as circunstâncias não encorajam a credulidade do cidadão comum. Ainda por cima, não existe maneira de atribuir a longa estagnação da economia portuguesa, o défice do Estado, a dívida externa e o afastamento da "Europa" ao carácter depressivo e malévolo de uns tantos "descontentes". No Restelo, estão agora economistas com números e bastam esses números para justificar as profecias mais lúgubres. Parece que, afinal, os pessimistas tinham razão. Numa semana (e falta ouvir Medina Carreira), Silva Lopes, Ernâni Lopes, Campos e Cunha e Bagão Félix mostraram bem como o desânimo se tornou irreversível. Ernâni Lopes resumiu o sentimento geral. "Esta década", disse ele, "é uma década sem garra, sem ideias, sem verdade, sem força, sem lucidez, sem substância... (É) uma década de incapacidade na visão estratégica e de fantasia na leitura da realidade económico-financeira... (É uma década de um) permanente esforço exibicionista sem conteúdo e uma expressão sem nobreza... Nunca vi nada assim." Convém lembrar que, nesta década (de facto, quase década e meia), governaram Portugal Guterres, Barroso, Santana e Sócrates. No total, 11 anos de PS, três de PSD. E Sócrates continua.»

Vasco Pulido Valente, no "Público" de 6/11

sábado, 7 de novembro de 2009

O Trabant do gajo

Lido

"(...) também sou tremedista, irreparavelmente lúcido; logo, incurável pessimista. Vi de tudo ao longo da vida, engoli seco os maiores insultos, assisti às mais reles manifestações de que a mediocridade despeitada se serve, tive de obedecer aos mais refinados poltrões e fingir que me enganava ao tomar essas árvores pela floresta. Essa foi a sina da minha geração, apanhada entre uma geração que tudo quis destruir para enriquecer e outra que, privada de todas as referências, pratica inocentemente crimes e se vangloria por coisas que não merecem um palito. Lembro-me do tempo em havia futuro e se pensava que à noite se seguia o dia, que uma inteligência oculta e justiceira se encarregaria de dar sentido ao tempo, premiar o valor e condenar e maldade. Tudo isso desapareceu. Ficámos, eu e a minha geração, agarrados a teorias sem ponto de aplicação, à ideia de um Portugal com glória e luz de que todos, afinal, se riem, a um comedimento inibidor - chamar-lhe-ia uma discreta elegância - que a geração que nos precedeu tomou por cobardia e que a geração que nos sucedeu interpreta como quixotismo."

"A minha geração, que não deu em nada", no "Combustões"

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Os intocáveis

O processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era insultuosa.
Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.
O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (...)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato. Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport.
Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim. Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano. Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes ninguém toca.

Mário Crespo, no JN de 2.11

Sem espinhas


"... Benfica’s near-total domination of Everton two weeks ago was no fluke. They boast Europe’s most fearsome attack and, even without their creator-in-chief, Pablo Aimar, they have an arsenal that would trouble any team in any competition."
no Daily Telegraph

"Everton 0 Benfica 2: Javier Saviola and Oscar Cardozo silence Goodison Park"
título do Daily Mail

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Foi há 20 anos...

Cartier-Bresson, "O Muro de Berlim", 1963

As efemérides, embora sejam associadas à evocação cerimonial de um acontecimento passado, também designam tábuas astronómicas que indicam, dia a dia, a posição dos planetas no zodíaco. Confuso? Não. Há casos onde aquilo que não se pode mudar co-habita na mesma palavra com o que muda permanentemente. Como aqui. Onde uma palavra raramente tenha um sentido tão abrangente como quando se aplica aos acontecimentos que levaram à queda do Muro de Berlim. Nessa noite de 8 para 9 de Dezembro de 1989, encontrava-me em Estrasburgo. De visita ao Parlamento Europeu, na qualidade de dirigente estudantil. Soube o que se estava a passar através da TV. Percebi imediatamente que o "socialismo real" tinha perdido a guerra e que a Europa voltaria a ser uma unidade política. Acabei agora de assistir a um excelente documentário na RTP 2 sobre a história do Muro. Duas imagens a reter: 1º o efeito em cadeia da visita de Gorbatchev à RDA, convidado de honra do 40º aniversário da fundação do país. Porém, na tribuna era aplaudido por dezenas de milhar de manifestantes, que desfilavam e gritavam por Gorbi, ignorando os dirigentes comunistas alemães. 2º o discurso de Honnecker, nessas cerimónias oficiais, num edifício rodeado por uma maré humana que clamava por liberdade, mas onde aquele afirmava convictamente que "o socialismo na pátria de Marx e Engels estava assente em bases indestrutíveis"... Ocorreu-me também que, daqui a dez anos, o então secretário geral do PCP prestar-se-á de bom grado ao mesmo papel, no seu bunker, rodeado por meia dúzia de indefectíveis...

Publicado no jornal "O Interior"

Nota: Ler aqui outras memórias do Muro, de João Tunes.