quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Balancete com exercício
Acordo ortográfico? Não, obrigado
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Soltas de Fim de Ano
2. Uma das frases do ano. Encontrei-a em "O Assassino à chuva e outras histórias", de Raymond Chandler (ed. Afrontamento), que "saquei" na Feira da Ladra por um euro. Diz o seguinte: "E ele iria tornar-se tão discreto como uma tarântula num bolo de noiva".
domingo, 27 de dezembro de 2009
A idade dos porquês - 9
sábado, 26 de dezembro de 2009
Não és os Outros
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.
Trad. Fernando Pinto do Amaral
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Soltas de Natal
2. Depois de uma passagem pela nova livraria da "Assírio & Alvim" (a FNAC estava impossível) e mais nalguns locais do costume, dei por mim na "Sisley". A arrastar a asa a um casaco parecido com o do Corto Maltese. E ansiando que, daqui a uns dias, os saldos façam milagres. No final, claro, veio o créme de la créme. Ou seja, uma visitinha à "First Flush", uma extraordinária loja de chás na Rua do Crucifixo. Em verdade vos digo, o que se passa lá dentro é poesia pura. Já explico. Para melhor cirandar pelas várias latas onde estão guardados os tesouros, "requisitei" uma empregada que, a pedido, as ia abrindo. Sucediam-se os Pu' er do Yunnan, simples ou aromatizados (é pena este produto, que é bebida nacional no Tibete, misturado com manteiga de yaque, não ser comercializado em discos prensados, como na origem), o Lapsang Souchong, o Gyokuro e o Houjicha do Japão, os Darjeeling da Índia, o Ooloong com Ginseng, alguns roiboos, o verde Pi Lo Chun, os blended russos, o Gun Powder, o Long Jing... A rapariga, à medida que abria as latas, descrevia com elas um gesto subtil, de uma elegância digna de nota, afim de impregnar o ar com a fragrância do conteúdo. No seguimento, o meu comentário era feito com a cabeça em movimento, volteando no vazio como numa dança dos sufis. O nariz no rasto do aroma que ia ficando. Ou, o mesmo é dizer, da doce ilusão, a que tudo se resumia, naqueles instantes. Poderia ser de outra forma?
3. Ao contrário do que muitos julgam, a cultura e o conhecimento não são simples adornos. Quando evoco no meu íntimo as imagens e as impressões que ficaram de um livro, de um filme ou de um concerto, tomo-as como instrumentos que encorajam a clareza, a proximidade, o músculo interpretativo. Companheiros de viagem que ajudam a errar melhor (grande Beckett), a encontrar os ditosos ruídos que não foram convidados para a festa, a isolar a esperança quando ela se torna simples espera, a instalar-me no mundo para melhor o aceitar. Mais cedo ou mais tarde, tudo isso acaba por ser para os outros. Poderia ser de outra forma?
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Às três tabelas
domingo, 20 de dezembro de 2009
Menos que Natal
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Lido
Festival "Olhares sobre o Mundo Rural"
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Glacial
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Soltas
2. Hoje à tarde encontrei um amigo que já não via há muito. Até aí nada de especial, direis. Certo. O que é raro, e nisso admito ter uma pontinha de orgulho, é ter alguns cujas qualidades mais óbvias - como a disponibilidade, a total ausência de julgamento, a cumplicidade no que a vida oferece de mais nobre e despojado - mesmo que intervaladas por 4, 10 anos de silêncio, nunca se interromperem, mas ficarem simplesmente suspensas, à espera do próximo feliz acaso. Onde só há tempo de construir um mandala que se sopra logo a seguir.
3. Record siberiano absoluto, numa das alas da casa, hoje às 8 da madrugada: 1,5º Celsius.
O palhaço
O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.
Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.
O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.
E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço.
A ferida
sábado, 12 de dezembro de 2009
A idade dos porquês - 8
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Mais do mesmo
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
A sagração
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Brasil B
* Na seleção portuguesa jogam: o atacante Liedson, o meia Deco e os zagueiros Pepe e Bruno Alves (sobrinho de brasileiros).
Técnicas de propaganda para acossados
Como Portugal não é (ainda) uma república das bananas não é normal que um ministro acuse o Ministério Público, as polícias de investigação e não se percebeu se também o Supremo Tribunal de Justiça de “espionagem política” pois essas seriam as entidades que estavam ao corrente das escutas. Chamado ao Parlamento para explicar o que queria dizer com a expressão “espionagem política”, Vieira da Silva não explicou nada e mudou estrategicamente o alvo, acusando Manuela Ferreira Leite não se percebeu se de espiar, de alguém espiar por ela ou de estar ao corrente do conteúdo da dita espionagem. Foi secundado nesta acusação pelo deputado Ricardo Rodrigues, sendo que este último cometeu o deslize de admitir que o negócio da TVI, que Sócrates dizia desconhecer, é de facto referido nas escutas que diz alegadas. E assim, num golpe que tem a vantagem para quem o usa de contribuir para confusão que já não nos permite perceber quem disse o quê e quando – o problema deixou de ser um ministro acusar o Ministério Público e as polícias de fazerem espionagem política –, passámos a ter a líder do PSD a fazer espionagem. E mais importante ainda, caso a líder do PSD peça explicações por estas acusações de Vieira da Silva e de Ricardo Rodrigues há-se ser acusada de não ter sentido de Estado ou ridicularizada, ou provavelmente ambas as coisas. E o assunto assim morrerá até que amanhã Vieira da Silva, Santos Silva, Ricardo Rodrigues ou José Junqueiro voltem a usar esta técnica, até agora eficaz, de responder atacando duma forma que não se julgava possível num partido de governo para, em seguida, rapidamente recolherem à segurança da postura institucional. Sendo que todos sabem que para próxima usarão a mesma técnica mas o ataque será ainda mais feroz.
Contudo ficou por saber se o ministro nos informou oficialmente que existe em Portugal uma rede de espionagem nas polícias e na Procuradoria que, segundo o mesmo ministro, fornece informações a Manuela Ferreira Leite. Se Vieira da Silva quis mesmo dizer o que disse tem de voltar novamente ao parlamento porque se uma rede de espionagem política é grave, uma rede que trabalha para um determinado partido é ainda mais grave. E um ministro que lança suspeitas deste teor ou as fundamenta ou deixa de ser ministro.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Playlist da casa (especial)
O fio
Nota: teria preferido que me convidassem para escrever o caderno sobre a icónica "Taberna do Benfica", apesar de a respectiva autora ter sido naturalmente a escolha acertada para o efeito.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Curtas
2. No Facebook está acessível uma mensagem do fundador daquela rede social, Mark Zuckerberg, onde se pode ler que esta já atingiu os 350 milhões de utilizadores!... Sendo um "visitador" regular da rede, de que me lembre só duas notas negativas: a proliferação de joguinhos de quermesse, tipo Farm não sei quantos, que invadem o mural, em vez de assuntos realmente estimulantes; mais grave, porque da responsabilidade directa de quem gere a rede, é a inexistência de um botão "não gosto", muito apropriado em determinadas ocasiões.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
A idade dos porquês - 7
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Já são 810 primaveras!
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
A balança
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
O mobbing dos remediados - 3
A propósito, recentemente escrevi um comentário noutro blogue, a propósito do mesmo filme, onde expus as minhas razões. Logo a seguir, veio o comentário de um anónimo, destes que pululam nas caixas de comentários como se chafurdassem no seu elemento natural, o curral. O patusco disse que eu era "fassista", saudoso de uma primavera que não percebi bem qual e imputando-me uma linhagem nobilitante que, para minha estupefacção, me foi até hoje sonegada. E que incluía Telles, com dois lês, entre outros. O desespero de não ter um único argumento, ou sequer uma ideia, foi assim compensado com a "valentia" de um ataque sem rosto. Quem o faz, sabe melhor do que ninguém porque se esconde. Nada de novo, é claro. Já disse aqui e aqui, o que penso sobre esta fauna suína das caixas de comentários. O que significa que não me vou sequer repetir. Mas neste caso quis ir mais longe. Analisei detalhadamente as características morfológicas e ortográficas da escrita, bem como os pontos de fervura mais recorrentes, os enlaces ideológicos, as idiossincrasias, os lapsos, de dois ou três comentadores habitués desse blogue. Sobraram dois. Um é um ilustre comediógrafo e cronista com ligações à Guarda, notabilizado pela irracionalidade e pelo ressentimento. A obesidade correspondente da eminência decerto esconde a dimensão liliputiana do seu talento, mais em baixo. Sobretudo do próprio. O outro é um obscuro ambientalista, de que me ocuparei noutro post, dedicado aos insectos voadores. Há ainda a forte possibilidade de o comentário resultar de um personagem multi identitário, um fenómeno conhecido da blogosfera. Seja como for, neste episódio os meus objectivos foram plenamente conseguidos. Ao torpedear o unanimismo e o pensamento único, realidades que imperam em certos meios, na Guarda e fora dela, veio imediatamente o troco. A virulência da reacção, só suplantada pela sua indigência, demonstrou que toquei na ferida.
A idade dos porquês - 6
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
A irmandade da sucata (2)
A cáfila
SILVA LOPES, com 77 (setenta e sete) anos de idade, acaba de ser nomeado administrador da "EDP Renováveis". Ex-Administrador do Montepio Geral, de onde saiu há pouco tempo com uma indemnização de mais de 400.000 euros, acrescidos de varias reformas que tem, uma das quais do Banco de Portugal como ex-governador, logo que saiu do Montepio foi nomeado Administrador da EDP RENOVAVEIS, empresa do Grupo EDP. Com mais este tacho dourado, lá vai sacar mais umas centenas de milhar de euros num emprego dado pela escumalha politica do governo, que continua a distribuir milhões pela cambada afecta aos partidos do centrão. Entretanto o Zé vai empobrecendo cada vez mais, num pais com 20% de pobres, onde o desemprego caminha para niveis assustadores, onde os salários da maioria dos portugueses estão cada vez mais ao nivel da subsistencia.
Silva Lopes foi o tal que afirmou ser necessário o congelamento de salários e o não aumento do salário mínimo nacional, por causa da competividade da economia portuguesa. Claro que para este senhor, o congelamento dos salários deve ser uma atitude a tomar, (desde que não congelem o dele, claro)!!!
Quanto a FERNANDO GOMES, mais um comissário político do PS, recebeu em 2008, como administrador da GALP, mais de 4 milhões de euros de remunerações. Acresce a isto um PPR de 90.000 euros anuais, para quando o " comissário PS " for para a reforma. Claro que isto não vai acontecer pois, tal como Silva Lopes, este senhor vai andar de tacho em tacho, tal como esta cambada de ex-politicos que perante a crise "assobia para o ar ", sempre com os bolsos cheios com os milhões de euros que vão recebendo anualmente.
Claro que as pessoas estão mais do que avisadas. A monstruosa promiscuidade entre os negócios e a política é o pão nosso de cada dia. Claro que os cidadãos sabem que esta deriva de sinecuras e transferências milionárias é uma doença crónica do Bloco Central. Mas onde o PS tem exagerado para lá do que é imaginável. Claro que estes filhos da puta só alteram os métodos depois de um abanão a sério. Muitos, como é o caso do esbriba, não se reconhecem nesta plutocracia monopartidária (às vezes bi), nesta baixíssima qualidade de um regime que alguns confundem com democracia. Periodicamente, convém exemplificar os motivos desta descrença. Como agora. Por uma questão profiláctica.
domingo, 22 de novembro de 2009
Névoa
pensar com delicadeza, imaginar com ferocidade...
- encapsular paisagens para
- tentar perceber as pegadas do quotidiano
- Ozono mata, confirma estudo
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
A estreia é já amanhã, sábado!
Lux
A agenda socrática
- Não sei como lhe hei-de dizer, Senhor Primeiro-Ministro, mas a minha carteira acabou de desaparecer!
E continuou:
- Tenho a certeza de que estava com ela ao entrar na sala de espera. Tive o cuidado de a guardar bem, após apresentar o BI ao segurança. Não quero fazer nenhuma insinuação, mas a única pessoa com quem estive depois disso foi o Dr. Armando Vara, que está aqui na sala de espera ao lado.
O Primeiro-Ministro retira-se do gabinete. Pouco tempo depois, regressa com a carteira na mão. Reconhecendo a sua carteira, o empresário comenta:
- Espero não ter causado nenhum embaraço pessoal entre o Senhor Primeiro-Ministro e o Dr. Armando Vara .
Ao que José Sócrates responde:
- Não se preocupe! Ele nem percebeu!...
A anedota é esta. Mas à semelhança dos autores romanos, que gostavam de acrescentar uma pormenor pícaro aos mitos gregos (veja-se como Plínio, o Velho, tratou o espectro de Narciso, o esbelto filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope, descrevendo-o a debruçar-se da barca, freneticamente, para se contemplar uma última vez nas águas do Rio Lethes, ao atravessá-lo), gostava também aqui de meter a colher. Então é assim: depois da reunião, Sócrates foi consultar o dicionário de sinónimos, com um compêndio de inglês técnico ao lado, afim de engendrar as invectivas com que iria brindar Pacheco Pereira no próximo debate parlamentar. Pois é. Depois dos sensacionais "você não passa de um revolucionário retardado" e "revolucionário uma vez, revolucionário toda a vida", aguardam-se as próximas manifestações de ressabiamento do licenciado Sócrates.
E depois do adeus
Como nota final, tudo indica que o senhor que se segue na cadeira de governador ainda é uma incógnita. No entanto, aceitam-se apostas múltiplas numa tripla...
PS (23h00): afinal, hoje mesmo foi divulgado o nome do novo Governador Civil. Trata-se de Santinho Pacheco, antigo presidente da Câmara de Gouveia.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Minimamente
1. O espectáculo. "Minimamente" foi construído a partir de "Histórias Mínimas", do dramaturgo catalão Javier Tomeo. Trata-se de um conjunto de 44 micro histórias desconcertantes, cuja primeira edição é de 1988. São crianças que partem a lua à pedrada, barbeiros que degolam os seus clientes, leões com dentadura postiça, oceanos que cabem numa garrafa, esqueletos que conversam no cemitério, estrelas que se apagam com um sopro. Ou seja, brevíssimas pinceladas escritas com um humor transbordante, com finura, onde o quotidiano se torna uma amostra do absurdo e vice versa. A peça pretende reproduzir este clima, onde as convenções da própria ficção não resistem à derisão de um humor cáustico e arguto. A encenação é atípica, ou seja, sendo colectiva é orientada por Américo Rodrigues. Como curiosidade, esta foi também a peça escolhida para a estreia do grupo "“As boas raparigas vão para o céu, as más a todo o lado”, no início dos anos 90.
2. O grupo. Tintinolho é um cume sobranceiro ao vale do Mondego, a 4 Km da Guarda. Onde existiu um importante castro, ocupado desde a Idade do ferro até à Alta Idade Média e cujos vestígios do imponente recinto muralhado ainda hoje são visíveis à distância. "Tintinolho" foi a designação escolhida para um projecto que reúne um conjunto de amantes do teatro, cujo primeiro objectivo foi levar à cena esta produção colectiva. A experiência teatral dos participantes é a mais diversa. O que não impediu, bem pelo contrário, que esta aventura fosse levada a bom termo. Para já, assenta-lhe bem a designação "grupo informal", ou "projecto". "Companhia" logo se verá...
3. Finale andante. O que posso dizer da minha experiência nesta aventura artística? Em certos momentos, encontrei os meus personagens pelo rasto que deixavam numa paisagem deserta. Era um olfacto canino que os reconstituía e uma memória audaciosa que os colocava no seu lugar provisório. Numa das suas faces, o teatro parte desta brancura imaculada do momento zero, do instante fundador. Uma economia profundamente humana, onde perscruto os meus personagens. Suspensos. Hesitantes. Amantes da música. Prisioneiros da cor do pormenor. Da vida derramada como aguarela num descampado. Onde os faço banhar numa bruma verbal delicadamente irisada. Seres encantadores e ineficazes. Criaturas bizantinas e patéticas. Idealistas inúteis. Sedutores por tédio. Heróis detentores de uma bela verdade humana. Fardo esse que não podem carregar nem evitar carregar. São personagens que tropeçam. Que tropeçam porque olham para as estrelas. Enquanto caminham. Que podiam sonhar, mas não governar.
Sopa da pedra
E é precisamente de um exemplo desses que hoje irei falar. Recentemente, no "Portugal em Directo" emitido pela RDP Centro, a seguir ao noticiário das 13h00, um jornalista dessa estação apresentava o "X Festival de Sopas da Serra da Estrela", em S. Paio, Gouveia. Claro que se não andasse com uma dieta semi-rigorosa às costas, tinha lá dado um pulo, mas a questão não é essa. Em termos globais, se abstrairmos do indiscutível mérito da ideia e da qualidade evidenciada, o facto em si não passa de mais uma iniciativa de promoção local. Todavia, o tratamento dado por esse jornalista foi desastroso. Após a descrição inicial, com aquele à vontade de quem associa uma mostra gastronómica a uma quermesse de feira, informou o auditório indígena que os que ali acorriam estavam (sic) "sequiosos de comer"!!! Sequiosos? Mas de comer o quê? As sopas, presumo! Confesso que, em termos semânticos, é complicado definir a apetência segregada no hipotálamo por uma sopa. Será sede? Será fome? Será uma sede que não chega a ser fome? Será uma fome envergonhada, mascarada de sede? Ou antes uma irreprimível necessidade de um aconchego da alma, por via do estômago, sem demasiado comprometimento? É de supôr que todas estas visões contraditórias passaram pela cabeça do jornalista. Se tal ocorreu depois de uma prova das sopas, é de supôr igualmente que o paradoxo se transmutou, adquirindo as propriedades do puro disparate. Se foi antes, é de acatar a hipótese de o jornalista pré-comensal ter ficado à mercê do trocadilho semântico de ocasião. Ou seja, o pau para toda a colher dos preguiçosos. E a ocasião produziu um magnífico oxímoro (figura de estilo que consiste numa contradição muito intensa e cujo significado é aparentemente absurdo). Vejamos então a definição para "sequioso" no Dicionário Priberam de Língua Portuguesa: 1. Sedento, ávido de água. 2. Seco em extremo, falto de água. 3. Fig. Sedento; ávido; muito desejoso. Como se depreende, o elemento chave é a falta de água. A qual, no limite, também pode ser a metáfora para outros apetites. Que inclui, ora aí está, o apetite de comer, perdoem-me o recurso estilístico. Portanto, não é de descartar a possibilidade de o jornalista, alucinado com os aromas de uma sopa de beldroegas, ter efectuado um trajecto linguístico singular, bizarro mesmo. Ou seja, o percurso que vai de um oxímoro a um simples pleonasmo.
Mais à frente, o jornalista entrevista alguns transeuntes. A páginas tantas, questiona um jovem sobre "o que é que andava ali a fazer"!!! Isto na suposição, presume-se, de que o jovem pudesse ser um ET, um adepto de uma claque de futebol em vilegiatura serrana, ou um pré-delinquente a quem foi dado o devido "correctivo das sopinhas". O mencionado jovem respondeu, sensatamente, que vinha "experimentar umas sopas". "Sopas?!", zuniu o jornalista. "Então vocês não gostam mais de bifes e assim?", acrescentou. Claro que a luminária queria dizer hambúrgueres. Claro que o perguntante estava surpreendido por causa de o jovem estar ali, "normalmente", e não num estabelecimento de fast food a empaturrar-se de toxinas, ou a fumar um charro, ou a insuceder na escola, ou a jogar ao braço de ferro com um professor numa sala de aula, com um telemóvel de permeio. Claro que esses clichés (temos que chamar as coisas pelos nomes), alimentados em grande parte pelos media, são de tal forma irresistíveis que o nosso jornalista não evitou sucumbir diante deles. Imaginemos que diante da sopa. Precisamente.
sábado, 14 de novembro de 2009
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Ainda Borges
El que descubre con placer una etimología.
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
Un tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Los Justos (Jorge Luis Borges, Obras Completas, III, 356)
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
The kick
Campanha "o último a sair apaga a luz"
"A campanha política, ideológica, institucional e mediática em torno dos 20 anos da chamada «queda do muro de Berlim» foi massivamente difundida pelos media e conduzida por uma assinalável «santa aliança» anticomunista entre extrema-direita, direita, social-democracia, ex-comunistas e a chamada «nova esquerda».As classes dominantes recorrem, mais uma vez, à revisão da história para erigir com estas «comemorações» uma gigantesca farsa que tenta apresentar o acontecimento como uma «revolução», uma vitória do «bem» sobre o «mal», um acto de «libertação», ocultando simultaneamente a História e as reais razões da construção do Muro como as provocações e as acções militares e de espionagem hostis dos EUA, Grã-Bretanha e França contra a RDA e o campo socialista, sinalizadas logo no início do pós-guerra."Nem sei o que dizer. A não ser que a arteriosclerose avançada produz efeitos como estes. Mesmo assim, para quem gostar de literatura fantástica, vale a pena a leitura integral do artigo. Fica o registo, para memória futura.
A irmandade da sucata
Ora, as notícias dão conta de que Sócrates, nessa conversa com Armando Vara, averiguou soluções para o "amigo Joaquim". E quem é o "amigo Joaquim"? Pois bem, o proprietário de um conhecido grupo de comunicação social muito "amigo" do PS e do Governo. Não se sabe em que ponto entraria o sucateiro Godinho nessas soluções. O mesmo que parece pairar por cima de todos os negócios que envolvem certas empresas públicas, qual Quasimodo incinerador, o factotum do trabalho sujo, o canalizador avençado sempre à disposição no quintal das traseiras do regime.
terça-feira, 10 de novembro de 2009
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
A queda do Murro
Marx disse que o capitalista não trabalha para aquecer, nem por caridade, e que o Capitalismo não recua perante nenhum crime. Mas foi Max Weber que encontrou, no espírito protestante, as raízes desta ganância. Com Marx e com Max, o Mundo ficou Maxi, escuro, frio e ardente. Depois, veio o Comunismo e, porque alguns estavam perdidos ou agarrados a ilusões antigas, tiveram de morrer para escolher o seu campo. Milhões de Homens e Mulheres foram desafiados por um anjo de fogo a escolherem metade de uma coisa que não podia ficar por dividir. E comportaram-se como náufragos no Mar, como se o chão se tivesse liquefeito sob os pés e como se perdessem de repente a memória. O mundo a que chegámos, na Europa e outras zonas onde chegou a civilização moderna, da fornicação e da invenção, foi, portanto, produzido pela violência, pelo massacre, pela fossa comum e pela câmara de gás. Não me considerem pessimista. O mundo de Marx, que era, como todos os mundos antes dele, também negro, foi iluminado como uma noite incendiária, de Nero. Por trás dos amanhãs que cantam, os hoje foram insuportáveis. Todos os sacrifícios e todas as infâmias foram exigidas. Restou alguma coisa? Até os índios do Brasil, Lévy-Strauss descreveu como vivendo numa imensa ternura e liberdade, mas exprimindo uma «alegria animal». Penso que Lévy-Strauss se calou, porque percebeu que tudo o que dissesse, só faria pior. Quem dá o nome a uma nuvem, obriga a que ela se desfaça em chuva, ou então a nuvem obscurecerá o resto do dia. E caiu o Muro de Berlim. Durante algum tempo, os obcecados da luta ardente notaram os outros muros que se levantavam, como o da Cisjordânia, o recuo do muro para Leste, a fronteira sul dos Estados Unidos, a muralha do Mediterrâneo. Mas nem isso rendeu. De repente a Europa passou a ser toda festiva, a comemorar em cada esquina com efemérides como o calendário da Revolução Francesa. Liberdade…e a liberdade fez-se obra, nas mesquitas a abarrotar de gente, nos marines americanos violando uma adolescente iraquiana ou matando um irregular que se fazia de morto no chão, perante a Televisão. Igualdade…nas contas, nos cartões de crédito, nos telefones e nas redes todas escutadas, nas ascensões vertiginosas e nas quedas obscuras. Fraternidade…nas famílias desfeitas, nos sexos pulverizados, nos irmãos mordendo-se como lobos, nas solidões provisórias sustentadas a cirurgia estética e terminadas em morte assistida. Alguém desfez o mito de que a muralha da China, a qual não excede cinco metros de espessura, se via do Espaço. Mas descobriu-se, depois, que era um terço mais comprida do que se julgava. Como uma serpente, a História infame foi rodeada pela cobra, sábia, sobrevivente, venenosa, de olhos de diamante. O Muro de Berlim caiu, deixando entrar os bárbaros meio ébrios, já sem a força de a arrebentar e deram-se todos no pátio de um campo de prisioneiros a que chamaram Liberdade. Como o comunismo, que era apenas um véu sobre a mesma sociedade industrial. De repente, acordámos todos numa fábrica durante uma festa de Natal da empresa. Tínhamos todos sido gaseados devagarinho, durante uma época inteira. E ficámos todos a mais, todos precários e a prazo, presos no recinto da Europa. Como é falsa a ilusão da liberdade em que um dos maiores sábios do Ocidente diz que os índios, civilização perdida dos grandes massacres e fossas comuns, têm uma «satisfação animal». Felizmente que se calou, com as suas euforias de animal. Percebeu que o último Direito Humano é um Dever: o enorme silêncio.
André
Lido
sábado, 7 de novembro de 2009
Lido
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Os intocáveis
Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.
O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (...)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato. Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport.
Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim. Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano. Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes ninguém toca.
Sem espinhas
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Foi há 20 anos...
Nota: Ler aqui outras memórias do Muro, de João Tunes.