Marx disse que o capitalista não trabalha para aquecer, nem por caridade, e que o Capitalismo não recua perante nenhum crime. Mas foi Max Weber que encontrou, no espírito protestante, as raízes desta ganância. Com Marx e com Max, o Mundo ficou Maxi, escuro, frio e ardente. Depois, veio o Comunismo e, porque alguns estavam perdidos ou agarrados a ilusões antigas, tiveram de morrer para escolher o seu campo. Milhões de Homens e Mulheres foram desafiados por um anjo de fogo a escolherem metade de uma coisa que não podia ficar por dividir. E comportaram-se como náufragos no Mar, como se o chão se tivesse liquefeito sob os pés e como se perdessem de repente a memória. O mundo a que chegámos, na Europa e outras zonas onde chegou a civilização moderna, da fornicação e da invenção, foi, portanto, produzido pela violência, pelo massacre, pela fossa comum e pela câmara de gás. Não me considerem pessimista. O mundo de Marx, que era, como todos os mundos antes dele, também negro, foi iluminado como uma noite incendiária, de Nero. Por trás dos amanhãs que cantam, os hoje foram insuportáveis. Todos os sacrifícios e todas as infâmias foram exigidas. Restou alguma coisa? Até os índios do Brasil, Lévy-Strauss descreveu como vivendo numa imensa ternura e liberdade, mas exprimindo uma «alegria animal». Penso que Lévy-Strauss se calou, porque percebeu que tudo o que dissesse, só faria pior. Quem dá o nome a uma nuvem, obriga a que ela se desfaça em chuva, ou então a nuvem obscurecerá o resto do dia. E caiu o Muro de Berlim. Durante algum tempo, os obcecados da luta ardente notaram os outros muros que se levantavam, como o da Cisjordânia, o recuo do muro para Leste, a fronteira sul dos Estados Unidos, a muralha do Mediterrâneo. Mas nem isso rendeu. De repente a Europa passou a ser toda festiva, a comemorar em cada esquina com efemérides como o calendário da Revolução Francesa. Liberdade…e a liberdade fez-se obra, nas mesquitas a abarrotar de gente, nos marines americanos violando uma adolescente iraquiana ou matando um irregular que se fazia de morto no chão, perante a Televisão. Igualdade…nas contas, nos cartões de crédito, nos telefones e nas redes todas escutadas, nas ascensões vertiginosas e nas quedas obscuras. Fraternidade…nas famílias desfeitas, nos sexos pulverizados, nos irmãos mordendo-se como lobos, nas solidões provisórias sustentadas a cirurgia estética e terminadas em morte assistida. Alguém desfez o mito de que a muralha da China, a qual não excede cinco metros de espessura, se via do Espaço. Mas descobriu-se, depois, que era um terço mais comprida do que se julgava. Como uma serpente, a História infame foi rodeada pela cobra, sábia, sobrevivente, venenosa, de olhos de diamante. O Muro de Berlim caiu, deixando entrar os bárbaros meio ébrios, já sem a força de a arrebentar e deram-se todos no pátio de um campo de prisioneiros a que chamaram Liberdade. Como o comunismo, que era apenas um véu sobre a mesma sociedade industrial. De repente, acordámos todos numa fábrica durante uma festa de Natal da empresa. Tínhamos todos sido gaseados devagarinho, durante uma época inteira. E ficámos todos a mais, todos precários e a prazo, presos no recinto da Europa. Como é falsa a ilusão da liberdade em que um dos maiores sábios do Ocidente diz que os índios, civilização perdida dos grandes massacres e fossas comuns, têm uma «satisfação animal». Felizmente que se calou, com as suas euforias de animal. Percebeu que o último Direito Humano é um Dever: o enorme silêncio.
André
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