sábado, 31 de março de 2007

em tempo de narcisos

(xviii)

em tempo de narcisos (que sabem
o sentido da vida é crescer)
esquecendo porquê, recorda como

em tempo de lilases que proclamam
o desígnio da vigília é sonhar,
recorda assim (esquecendo parece)

em tempo de rosas (que assombram
o nosso agora e aqui com o paraíso)
esquecendo se, recorda sim

em tempo de todas as doçuras para além
do que quer que a mente possa entender,
recorda busca (esquecendo acha)

e num mistério a haver
(quando o tempo do tempo nos livrar)
esquecendo-me, recorda-me

e.e. cummimgs, "xix poemas", trad. Jorge Fazenda lourenço, Assírio & Alvim, 1991

Sobre o autor:
Edward Eastlin Cummings, que literariamente sempre assinou e. e. cummings ( em caixa baixa), nasceu em 14 de outrubro de 1894, em Cambridge, Massachusetts. Estudou em Harvard, de 1911 a 1915, especializando-se em literatura grega. Um autêntico homem sem profissão, Cummings viveu por toda a sua vida dos parcos ganhos de poeta e pintor, a princípio ajudado pelos seus pais e avós, depois pela mulher, Marion, modelo e fotógrafa. Amigo de John dos Passos e de Erza Pound. Convidado para proferir conferências em Harvard, de 1952 a 1953, escreveu seis palestras, que intitulou i: six nonlectures(eu:seis não-conferências), com as quais, descobrindo em si próprio uma extraordinária vocação para a leitura de poemas, percorreu com grande êxito de audiência colégios e universidades. Cummings morreu em 3 de setembro de 1962.
Bibliografia: Tulips and Chimneys (1923), &(And) (1925), XLI Poems (1925), Is 5 (1926), W (ViVa) (1931), No Thanks (1935), "Neu Poems" from Collected Poems (1938), 50 Poems (1940), 1 x 1 (1944), XAIPE (1950), Poems 1923-1954 (1954), 95 Poems (1958), 73 Poems (1963).

O engenheiro

A recente investigação jornalística, conduzida pelo "Público", acerca da forma como Sócrates obteve a sua licenciatura em Engenharia Civil na Universidade Independente, já mereceu vários desenvolvimentos políticos e comentários na blogosfera. Inclusivamente, suscitou uma reacção algo despropositada do Primeiro Ministro. O processo é realmente confuso. E com vários rabos de palha pelo meio. No mesmo sentido deste post, creio que, havendo realmente razões para pôr em causa a forma como o grau académico foi obtido, o jornal deveria ter ido até às últimas consequências. Isto é, demonstrar que houve irregularidades, sem medo e sem aligeirar responsabilidades. No entanto, não creio que haja por detrás desta investigação qualquer propósito ad hominem em relação a Sócrates, mas tão só o apuramento de eventuais irregularidades na licenciatura que obteve. No fundo, é irrelevante o seu título, mas já não a forma como o conseguiu, pois ninguém está acima da lei. Ponto. Mas esta questão, pelas sequelas que já teve e ainda poderá ter, revela muito acerca da realidade do país:
Em primeiro lugar, é claro que Portugal é a coutada dos doutores. A evidência - queirosiana - retira-se desde a forma acintosa como os autores de "As Farpas" (essa "chrónica" fantástica) se referiram ao assunto, até um episódio patético - que presenciei - em que um aluno finalista do politécnico da cidade onde vivo pouco faltou para agredir um funcionário bancário, só porque o seu "título" académico - supõe-se que o "dr" da ordem - tinha sido omitido no cartão de débito. A prosápia balofa e uma espécie de afectação provinciana do "doutor" só existem porque a subserviência perante a pose, a ostentação e o "poder" ainda são realidades profundas no nosso país. Seja nas grandes cidades ou na província. Nas primeiras, o "doutor" é mais sofisticado,oculta melhor a sua arrogância e anda quase sempre próximo da enxúrdia da burocracia ou de bolsas de influência. Na segunda é genuinamente patético e não raro aprumando-se atrás de uma erudição saloia e alvesambrosiana (private joke). Chegado aqui, devo dizer que possuo uma licenciatura. Ora, uma licenciatura representa, em rigor, o quê? Creio que é simplesmente a certificação de uma aptidão, de um saber. Não qualifica o seu titular, mas o conhecimento que supostamente possui. Que o habilita ao exercício de determinadas profissões. E onde a autonomia alcançada não significa auto-suficiência, mas um "dever" de curiosidade,à maneira dos Renascentistas.
Por outro lado, este caso revela a forma como a esmagadora maioria dos políticos efectua a sua trajectória pessoal na res publica. Fazem-no quase sempre dentro dos aparelhos partidários, onde começam por agitar umas bandeiras e carregar uns pianos. De underdogs chegam a responsáveis por qualquer coisa, depois delegados a um Congresso, depois elegíveis, depois eleitos, depois gerindo influências, depois nomeados para um cargo governamental. Em qualquer caso, sempre surdos, sempre à sombra do útero partidário, sempre à margem das misérias e grandezas do cidadão comum. Sócrates não é excepção. Mesmo aplaudindo o seu magistério governativo, não se pode esquecer que, tal como os demais, foi embalado na estufa partidária antes de dar à luz. Ora, não é difícil adivinhar que uma licenciatura para apagar o estigma do "engenheiro técnico" veio mesmo a calhar. O glamour académico no papel da miraculosa pomada (placeba) dos feirantes e do TV Shop. Pois.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Preces atendidas - 4

Liv Ullmann

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Blogossário - 4

Blegging - solicitar assistência técnica a outros bloguistas, utilizando o próprio blogue.

Blog - a palavra resulta da contracção das palavras web e log. Por causa das constantes inovações tecnológicas, o termo veio a significar diferentes coisas para pessoas diferentes. No entanto, designa basicamente um suporte para edição online que pode ser actualizado regularmente, sendo os registos dispostos por ordem cronológicas. Embora o interface dos blogues esteja em constante mutação, os atributos característicos de um blogue incluem uma página inicial com um número de postagens datadas e dispostas a partir da mais recente, um arquivo de entradas, uma lista de links para outros blogues e marcadores ou tags.

Blog hop - também conhecido como blog hopping, designa a navegação de uns blogues para outros, afim de ler as entradas e/ou deixar comentários.

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Notícias da blogosfera

Há uns dias descobri um blogue do qual não quero deixar de fazer aqui uma referência. Chama-se "Aldeia dos Macacos" e é editado por Justin Time, um curioso pseudónimo para alguém que prefere manter o anonimato. Sabe-se que o autor vive temporariamente na Guarda (Guardosibirsk), da qual já fez alguns retratos, nos quais o elogio fácil e a condescendência andam arredados. Nada melhor do que o olhar dos outros para revermos o nosso. De resto, o blogue é graficamente muito interessante e os conteúdos destacam-se pela sobriedade, irreverência bem humorada (algumas rubricas como"prémios", "aforismos inúteis", "a idade dos porquês" e "frases a evitar num funeral" são brilhantes) e bom gosto. Mas leiam-se os textos sobre a Guarda, aqui e aqui, antes de mais. Não resisto a citar o último. Diz o autor, sobre a cidade:

-Não tem arrumadores de carros. Uma pessoa tem que se desenrasacar sozinha, por vezes tendo que escolher entre vários lugares de estacionamento (e essa é outra...)
-Não tem grafittis, salvo um caso esporádico, e muito artesanal - qualquer coisa como "amo-te Darky"(referência a um alóctone, pois aqui toda a gente é Manuel ou Maria).
- Não tem pessoal "dos sem-abrigo". Como é que uma pessoa se diverte á noite e vem com os copos? Dá pontapés nos caixotes do lixo?
-Não tem agarraditos (pelo menos não se veêm) facto que corrobora a primeira observação.
- Não tem engarrafamentos. Todo povo tem que chegar a casa a horas e levar com a conversa de familia. Tangas..
-Não tem merda de cão nos passeios. O que deixa o pessoal olhar para as montras à vontade e gastar mais do que tem. Um autêntico apelo ao consumismo.
-Tem um restaurante onde a comida é bem confeccionada, com muito boa apresentação, servida com simpatia e que não nos custa os olhos da cara(pelo menos...),fazendo o cliente sentir-se um explorador colonialista...

Pois bem, lamento desiludir o Justin time, mas a Oppidana já tem tudo isso. Todavia, com sinais distintivos próprios:
os arrumadores só aparecem de vez em quando, principalmente junto aos CTT;
é claro que há grafitis, e não só os que refere, bastando circular e olhar com atenção;
para encontrar os "agarraditos", basta parar durante o dia nas imediações do CAT, na Praça Velha e, à noite, em frente à Misericórdia;
é claro que tem engarrafamentos. Mas aqui são "diferentes", pois só acontecem entre as 17-30 e as 18.30, em ruas bem determinadas, ou quando a selecção de futebol ou um dos clubes "grandes" ganham alguma coisa;
quanto à merda de cão, concordo. Até já imaginei um slogan para enviar à senhora vereadora do Turismo: "Guarda: a única cidade sem merda (de cão) nos passeios!";
por último, bons restaurantes é coisa que realmente não abunda na cidade. Contudo, existem alguns que possuem os requisitos que o autor menciona. Só que não vou aqui fazer deles publicidade. Sobre o assunto, ao Justin Time direi: "informa-te melhor e mudarás de ideias
".

quinta-feira, 29 de março de 2007

Nova cara

O Boca de Incêndio tem nova roupagem. Por várias razões. Por um lado, o anterior arranjo gráfico - resultante de uma remodelação do layout efectuada em Maio do ano passado - impedia o recurso a determinadas funcionalidades que a nova versão do blogger tornou possíveis. Mesmo assim, optei por um modelo de template editado em modo clássico. Incompatível, por isso, com os novos recursos de layout do blogger 2. Por outro lado, tornou-se evidente que o grafismo anterior passou a estar aquém dos parâmetros de qualidade e de coerência entre a forma e os conteúdos que gostaria para este espaço. Em resumo, pesou sobretudo a utilidade e o gosto. Mas este blogue, como qualquer outro, é um meio interactivo. Espero pois que a opção feita seja do agrado dos seus leitores, especialmente dos mais assíduos, tanto como o foi do meu.
Chamo ainda a atenção - para quem ainda não se deu conta - do recém criado "Guarda Nocturna". Trata-se de um blogue centrado em temas locais. Ou seja, onde aparecem postagens do presente blogue que tenham uma especial incidência sobre a Guarda e região, ao lado de outras, criadas para o novo espaço.
Por último, criei um blogue de apoio ao "Boca de Incêndio" - "Boca de rodapé" - cuja função exclusiva é servir de suporte para textos extensos e ficheiros de imagem, retirados de outras fontes mas inacessíveis de outro modo, e para os quais direcciono links a partir de postagens do blogue principal.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Toca a marchar

(clicar para ampliar)

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segunda-feira, 26 de março de 2007

Curtas

O amor é um cão do inferno é um blog dedicado à poesia de Charles Bukowski. Melhor: é um blog onde podem ser encontradas versões de poemas de Charles Bukowski, da autoria de Manuel A. Domingos. Que lhe dedica em exclusivo este espaço, uma vez que, informa, "a poesia de Charles Bukowski anda afastada das editoras portuguesas".
E em boa hora o fez: aqueles para quem o poeta que "transformou a vadiagem em arte" é um ilustre desconhecido, como é o caso do escriba, têm agora uma oportunidade a não desperdiçar de conhecer alguma da sua obra.

Graffitis - 10

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Ulisses

"(...) Como suportaria eu ser homem, se o homem não fosse também poeta, decifrador de enigmas e redentor do acaso?"

Nietzsche "Assim Falava Zaratustra", II, 20

sábado, 24 de março de 2007

O polvo

Sobre Paulo Portas e a situação no CDS/PP já muito se escreveu na blogosfera e nos jornais. Devo dizer, antes de mais, que a situação política do partido e da direita institucional pouco me interessa. Já o mesmo não acontece com a redefinição ideológica nessa área. A minha abrangência, em termos de posicionamento político, estende-se, quando muito, até uma direita liberal que leu Tocqueville, John Rawls, Hayek e James Buchanan, o mentor da noção de "eleição pública": aqui, o problema político fundamental consiste em averiguar até que ponto o interesse particular pode ser limitado em função do bem comum, só admissível mediante um acordo derivado de uma decisão partilhada. Esta ligação umbilical entre democracia e individualismo, bem como a ideia de que, num mundo sem conflitos não haveria necessidade de delimitar direitos, procede de Hobbes. Para quem, seguramente, tal como Borges, ser conservador seria unicamente uma forma de cepticismo.

Onde aparece Portas no meio disto? Em meu entender, PP é estruturalmente um conservador pejado de atavismos procedentes da direita institucional do Estado Novo e de uma leitura apressada da modernidade. Os seus métodos ficaram patentes no período áureo do "Independente". Dispondo de uma central de informações especializada em fugas - a Procuradoria Geral da República de Cunha Rodrigues - assestou as baterias com fogo cruzado contra Cavaco Silva e seus Ministros. E conciliando um inenarrável reaccionarismo político e social com um discurso cativante e tolerante do ponto de vista dos costumes e dos comportamentos. A aposta editorial fora ganha, com todo o mérito. Mas a carreira política de PP estava ainda no seu dealbar. Depois veio o que se conhece: as várias metamorfoses e desdobramentos, dignos de um documentário sobre vida animal centrado nas técnicas de camuflagem dos polvos e cefalópodes em geral. Portas poderá ter feito a diferença. Portas poderá ser a figura política incómoda, por estar fora da conveniente arrumação partidária, como diz VPV. Mas não deixará nunca de ser aquilo que sempre foi: um conservador com tiques cabotinos. Como exemplo, a reacção despropositada que tomou em relação à participação de Maria José Morgado num debate sobre o aborto, durante a campanha do referendo. E que na altura tive oportunidade de comentar. No entanto, o seu regresso à política activa, depois do banho de "saber" evidenciado no programa " O Estado da Arte" ( o próprio título é suspeito), tem inegáveis vantagens. Por um lado, poderá elevar a intensidade (não a qualidade) do debate político. Por outro, satisfará a minha curiosidade sobre qual será a sua próxima metamorfose.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Eleni/Theo - 2



Retomando a viagem através da obra cinematográfica de Theo Angelopoulos, associada à música de Eleni Karaindrou, eis um trailer do filme "O Olhar de Ulisses" (1995), galardoado com o Grande Prémio do Juri no Festival de Cannes. Uma abordagem da derrocada do "socialismo real" no Leste e conflitos balcânicos que se seguiram. A demanda de "Ulisses" é um filme aparentemente perdido, dos pioneiros do cinema grego e considerado o primeiro registo cinematográfico efectuado nos Balcãs.


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A vida minimal e repetitiva - 2

A vidinha lá fora, a vidinha a querer entrar, devagarinho, a vidinha a escusar-se graciosamente ao soco, ao pontapé, ao empurrão, aos cornos da verdade, a vidinha a crescer, a crescer numa voragem vegetal, imparável, a vidinha e as suas mil desculpas para não ser vidinha, a vidinha embaraçada por não conhecer a vertigem, o medo, o êxtase, a inquietude, a nudez, a vidinha a olhar para o relógio, a vidinha a querer passar por outra coisa, quando só quer ser vidinha, cada vez mais vidinha, exclusivamente vidinha, escancaradamente vidinha, eternamente vidinha, a vidinha superlativa e exdrúxula, a vidinha circunspecta, a vidinha a esconder as suas grilhetas, a vidinha a assoar-se, a vidinha a ir às putas, a vidinha a corar, a vidinha a vidinhar, a vidinha a puxar as ligas, a vidinha agorafóbica, a vidinha vestida de preto, a vidinha a crescer, a crescer, a vidinha a puxar a corda, a vidinha a tombar, graciosamente, é claro, a vidinha à minha espera.

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Diário de um tolo - 17

Nos últimos tempos, tenho conhecido alguns excelentes ex-futuros amigos, algumas promissoras ex-futuras namoradas, alguns empolgantes livros que nunca lerei, alguns rios que nunca atravessarei onde me propunha fazê-lo, algumas ex-viagens que deram lugar a alguns ex-imprevistos, alguns ex-projectos que nunca passaram da fase onírica, alguns ex-poemas que expulsei por só saberem celebrar-se a si próprios, algumas palavras que nunca convidarei para jantar. É pena. Até já tinha escolhido o vinho.

quinta-feira, 22 de março de 2007

O e-paper - 2



Funcionamento de um leitor celular de papel electrónico Polymer Vision.

O e-paper - 1


aqui referi o desenvolvimento de um novo suporte digital, que decerto irá subverter o livro, o jornal e qualquer publicação, tal como os conhecemos hoje: o e-paper. Para já, algumas das suas vantagens podem ser lidas aqui. Trata-se pois de uma tecnologia de visualização em que, folhas compostas de polietileno agregadas a semi-condutores, são imprimíveis com a utilização de e-ink em sistemas de baixo custo e alimentadas por vulgares pilhas AA. O dispositivo possui todos os atributos do papel , mas pode ser impresso e apagado automaticamente. Eis as características fundamentais apontadas ao e-paper:
  • Alta resolução (150dpi ou mais).
  • Alto contraste, semelhante ao da impressão em papel (cerca de10:1 ou mais).
  • Legível em qualquer nível de luminosidade
  • Legível a partir de qualquer ângulo de visão
  • Excelente desempenho ergonómico: fácil de manusear, transportar e usar.
  • Bastante leve, em comparação com as folhas de papel necessárias para o mesmo volume de informação.
  • Robusto, embora flexível.
  • Estável: uma vez escrita a superfície, assim permanece mesmo que seja desligado.
  • Barato, talvez não tanto como o papel, mas acessível a todos.
  • Dimensões razoáveis, tipo A4 (298x212mm).
Um suporte com estes atributos está apto para ser lido num leitor apropriado. Estamos perante um substituto electrónico de uma folha de papel, em praticamente todos os aspectos. Prevê-se que, em 2008, o e-paper comece a ser comercializado. Não obstante, algumas empresas já estão preparadas para o fazer. A Plastic Logic é uma delas. Por outro lado, alguns jornais já dispoem de uma versão em papel electrónico. O Les Echos é um exemplo.
Outras funcionalidades e aplicações estão previstas para o novo suporte: leitores de documentos portáteis; etiquetagem e rotulagem inteligente; informação permanentemente actualizada através de um sistema de wireless em outdoors e cartazes,
smart cards, mapas, telemóveis, brinquedos e material didático para crianças; empacotamento inteligente de produtos (instruções de uso, identificação do produto, código se segurança, etc); bilhetes multiuso, com informação adicional para o seu possuidor. Um mundo de utilizações em perspectiva.
Lorenzo Socavvo, um investigador em novas tecnologias, tem sido um dos maiores divulgadores das potencialidades do papel electrónico. No Salão de Livro de Paris 2007, que começa amanhã, será apresentado o seu livro "Gutenberg 2.0, Le Futur du Livre". O autor mantém um videoblogue muito interessante dedicado ao tema.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Preces atendidas - 3

Isabella Rossellini

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O prémio

"Nunca sobe alto demais a ave que sobe com as suas próprias asas"

Blake, "O Casamento do Céu e do Inferno"

terça-feira, 20 de março de 2007

Chegou, viu e...

A OPA de Paulo Portas ao CDS/PP de Ribeiro e Castro está a causar uma das telenovelas políticas mais saborosas de que há memória. Acompanhado das suas tropas de choque e legião de fieis em situação de orfandade provisória, Portas já conseguiu a primeira vitória: a alteração dos estatutos de forma a contemplar eleições directas, seguidas de um Congresso extraordinário. A luta vai ser renhida e a hora é de contar espingardas. Se Portas ganhar será que vamos ter um partido "sexy", como reclamava Pires de Lima no ano passado? Será que, depois, vai conseguir reunir o eleitorado natural daquele partido, transpondo a barreira dos 8% ou 10%? Que discurso vai adoptar? Entretanto, durante a reunião de ontem do Conselho Nacional, um apoiante de Portas - Helder Amaral - terá agredido Maria José Nogueira Pinto, facto que já veio desmentir. Por outro lado, prevê-se uma catadupa de recursos sobre os números da maioria qualificada necessária para a alteração estatutária. Ao que tudo indica, a lota continua. Pois.

PS: para uma melhor compreensão da deriva do CDS/PP e da Direita nacional em geral, é fundamental ler o artigo de Constança Cunha e Sá publicado na edição de 22.03 do "Público". Disponível aqui.

Graffitis - 9


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segunda-feira, 19 de março de 2007

Curtas

Através do Manuel A. Domingos, cheguei ao "vidasdevidas" - ficções telegráficas. O blogue é editado por Luís Ene. Na apresentação, o autor explica que o espaço é a expressão de um "projecto literário que desde 2002 vem apresentando em livro e em blog". Como o subtítulo indica, privilegia-se a minificção, ou seja, "histórias que, à laia de epitáfios, resumem em poucas palavras toda uma vida (ou toda uma pessoa) e que se irão somando sem ordem aparente." E que "são também textos de onde sobretudo se parte", conforme se refere. O mesmo é dizer, registos minimalistas - algo entre o aforismo e a inscrição confessional - que valem ou por si ou como esboços para textos com outro fôlego. E que se sucedem como telegramas, num arranjo gráfico surpreendente.

domingo, 18 de março de 2007

O ar da Guarda

Já há algum tempo que não comentava a movida social e política da Guarda. É que o silêncio é de oiro. Especialmente quando já se sabe que, por aqui, a célebre máxima* de "O Leopardo" é conta-corrente. O mesmo é dizer: "An Ancient Tale is told"... De resto, os jornais locais têm alimentado copiosamente algumas das telenovelas mais excitantes da paróquia: se a maternidade fica ou não, as eleições na Associação Comercial, o último lance florentino na direcção do Politécnico e por aí fora.
Li recentemente no "Terras da Beira" que uma série de notáveis está indignada com a ausência de um programa de comemorações dos 100 anos da inauguração do Sanatório. Pasmo, senhores, pasmo perante tal leviandade! Hei-se crer que, também para vós, perdere verba leve est? Que jornalismo é este que não procura onde deveria fazê-lo? E mais não digo. Por agora. Na mesma reportagem, a propósito das excelsas virtudes terapêuticas da atmosfera guardense, era referida uma acção conduzida há uns anos pelo NAC, numa das exposições da série "A Memória das coisas", e que consistia basicamente na criação e exibição de pequenos boiões contendo ar da Guarda.** Eis um feliz exemplo de arte pop. Mas cujo aproveitamento para outros fins requer uma estratégia de imagem para a cidade que simplesmente não existe.
Exemplo disto foram as declarações da Vereadora do Turismo, questionada sobre o assunto. Já aqui se falou com algum acinte sobre esta senhora. Relembro aos mais distraídos que a sua aparição triunfal na Câmara Municipal deveria ser evocada pelos poetas como o suave poisar de um anjo saído de um quadro pré-rafaelita:
fallaci nimium ne crede lucernae. Ups! O devaneio, embora apropriado, cedo perece diante de nova mensagem, trazida por Mercúrio, apelando à razão: abundans cautela non nocet.
Retomando o fio à meada, ou seja, ao ar da Guarda, a Vereadora faz uma revelação espantosa: a tal ideia, para ser retomada, carecia de uma "remodelação". Como se as boas ideias não valessem por si, especialmente no domínio do marketing! Logo a seguir, en passant, confessa, num arremedo lapalissiano, que "precisamos (suponho que na Câmara) de uma coisa mais pequenina ou maior". Entenderam? Rematou então que "a discussão do assunto ainda não está agendada". Qual assunto? Será o relativo a uma verdadeira promoção da cidade e região, que passa por um conjunto de decisões políticas concertadas e audazes? Será a criação de uma imagem de marca, suficientemente impressiva, distintiva, vendável, que realmente induza nos agentes do mercado, nas instituições e no público em geral uma percepção atractiva da cidade, suportada por elevados índices de qualidade? Ou não será antes que tal "assunto" se tem limitado ao merchandising pindérico com t-shirts, pacotes de açúcar e chocolates?

* É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma...
** Celebrado, um ano depois, em Dezembro de 2004, com a edição de um caderno colectivo intitulado "Ar Livro" e no qual colaborei. Nessa publicação, num texto a propósito intitulado "Ares da Guarda", escreveu Eduardo Lourenço o seguinte: vendê-los, em casa, imitar como podíamos os eternos Davos-Platz dos outros, oferecê-los aos que sofriam do "mal" de um século em vias de urbanização acelerada, lavar-lhes os pulmões nesse ar ainda não poluído da nossa provincial "montanha mágica". (...) A Guarda não se converteu na cidade onde se vinha a ares. Mas tomou consciência, e a tradição dura até hoje, que os seus "ares" eram, para quem os procurava, uma aposta de vida. Sobre este acontecimento editorial, nem uma linha na referida reportagem.

Imagens de Portugal romântico - 17

Lisboa, Rossio
Porto, Ribeira
Lisboa, Passeio Público (actual Avenida da Liberdade)

Máquina de escrever Dadá

Desde que viemos ao mundo, alguns preguiçosos tentaram fazer-nos crer que a arte existia. Hoje, nós que somos mais preguiçosos ainda, gritamos: “A Arte, não é nada”. Não há nada. Quando todos os nossos contemporâneos terão aceitado por vontade ou por força o que nós lhes dizemos, esquecerão depressa a imensa farsa que tem por nome a arte.
Por que se obstinar.
Não há nada:
Nunca houve nada.
Vocês podem gritar e arremessar-nos na cabeça tudo o que lhes cair nas mãos, vocês sabem muito bem que nós temos razão.
Quem me dirá o que é que é a Arte?
Quem ousará pretender conhecer o Belo?
Tenho à disposição dos meus auditores esta definição da Arte, do Belo e todo o resto:
A Arte e o Belo = NADA.
Vocês naturalmente ainda vão gritar ou rir.
Escutem-me
Um dia, há alguns anos, alguém chamado Jesus Cristo curava os cegos e os surdos. Ninguém lhe prestava atenção. Os médicos, inquietos, reuniram-se. Depois, alguns foram falar com o ministro da higiene e condecorou-se o chamado Jesus Cristo com palmas académicas.
Da minha parte, eu quero abrir-lhes os olhos e vocês riem.
Vocês jamais sereis sérios.

Philippe Soupault (1897-1990)

Sobre o autor:
Poeta francês, amigo de
André Breton e Louis Aragon. Tal como eles, participou na aventura Dada, que considerou como uma « tábua rasa necessária». Para em seguida se voltar para o surrealismo, de que foi um dos fundadores (Vd. Les champs magnétiques). Foi excluído do movimento em 1926, com a alegação de «demasiada literatura» (sic.), numa altura em que o surrealismo se comprometia com a causa comunista. Permaneceu fiel, à sua maneira, à escrita automática. Soupault foi também jornalista, crítico, produtor de rádio e autor de vários romances.

Sarah

Sarah Kane nasceu em Londres a 3 de Fevereiro de 1971. Filha de jornalistas, começou a escrever muito cedo. O seu primeiro conto surgiu quando tinha 7 anos de idade. Mais tarde, em termos de prosseguimento de estudos, Sarah envereda pelo Curso de Teatro, sendo hoje uma referência na/da dramaturgia britânica.
Pelas características das suas peças, a controvérsia em Inglaterra foi uma realidade. Sarah não passava despercebida. Tal, não poderia acontecer, atendendo às abordagens que fazia da realidade. Sarah chocava. Sarah era muito crua. Sarah não procurava atenuar os males, nem esconder as deficiências. Sarah tratava tudo com muita intensidade e as representações dos seus textos traduziam/traduzem isso mesmo. Suicidou-se a 20 de Fevereiro de 1999, deixando escritas 5 peças:

- Blasted (Ruínas)
- Phaedra's Love (O Amor de Fedra)
- Crave (Falta)
- 4.48 Psychosis (4.48 Psicose)
- Cleansed (Purificados)

As quatro primeiras já foram apresentadas em Portugal pelos Artistas Unidos, com encenação de Jorge Silva Melo e João Fiadeiro (4.48 Psychosis).

sexta-feira, 16 de março de 2007

Eleni/Theo - 1



atrás tinha chamado a atenção para a obra da compositora Eleni Karaindrou, associada à filmografia de Theo Angelopoulos. Este é o genérico do filme "The Weeping Meadow"(2004), a primeira parte de um trilogia assinada pelo realizador grego. Outros se seguirão.

Os quartos de final estão aí


Ontem pude assistir, "em directo e ao vivo", à vitória do Benfica sobre o PSG. Sofrida, é certo. Mas sem qualquer necessidade. A equipa "encolheu-se" após o golo do adversário e a responsabilidade para o facto cabe inteira ao treinador. Agora vem aí o Espanyol.
Aparte o jogo, um sinal menos para a disposição dos acessos à plataforma giratória que envolve o Estádio da Luz. Se a saída das bancadas para o exterior é relativamente fácil, já o acesso para o nível inferior que conduz ao túnel que atravessa a 2ª circular é inadmissível: faz-se por uma só escada! O que leva a um enorme congestionamento junto a ela, perfeitamente evitável se mais fossem construídas. A solução actual poderá levar, em caso de evacuação forçada, a um desastre de proporções gigantescas.

terça-feira, 13 de março de 2007

A blogosfera em 3D

Ver aqui mais informação.

A gamela

Eis alguns exemplos de afirmações marteladas pelo senso comum e dificilmente contornáveis após qualquer teste de despistagem:

1. Zeca Afonso é um dos nomes maiores da música portuguesa.
2. José Sócrates perdeu o estado de graça.
3. O interior entrou num processo de declínio, etc.
4. Santana Lopes vai regressar à vida política.
5. Teresa Salgueiro até nem é uma grande cantora.
6. Os galegos adoram os portugueses.
7. A cavalo dado não se olha o dente.
8. Fazer desporto é bom para a saúde.
9. A escolaridade obrigatória é uma conquista civilizacional.
10. Marques Mendes está condenado a prazo.
11. António Vitorino é um político fino e comentador inteligente.
12. Os primeiros livros de Saramago é que eram bons.
13. Os primeiros livros de Saramago são os menos maus.
14. O leite faz bem.
15. Portugal é um país adiado.

NOTA: aceitam-se mais contribuições.

Blogossário - 3

Biz Blog - funciona como uma página actualizada regularmente e gerida por uma empresa ou estabelecimento, com o objectivo de aumentar as vendas, promover determinado produto ou serviço e/ou manter um canal de comunicação com actuais ou potenciais clientes.

Blawg - um blogue editado por um profissional da área do Direito, focado principalmente em temas do sector. Por outras palavras, uma adulteração do inglês "law blog".

Bleg - termo que em inglês designa o acto de escrever uma postagem ou comentário com o único propósito de procurar ou buscar algo.

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segunda-feira, 12 de março de 2007

Preces atendidas - 2

Carla Bruni

Há festa na aldeia

A Câmara de Santa Comba-Dão pretende construir um Museu dedicado a Salazar e um Centro de Estudos do Estado Novo, na sua antiga casa, no Vimieiro. Segundo a autarquia, serão necessários cinco milhões de euros para a sua concretização. Parte do espólio já foi doado pelos herdeiros. É claro que o Estado deveria intervir, para sossegar as consciências, apoiando financeira e cientificamente este projecto. E salvaguardando o interesse puramente histórico e documental da iniciativa, através de critérios de qualidade rigorosos. Ficaria assim afastada qualquer tentativa de promover um local de romaria para saudosos do passado. E afirmava-se um país que olha de forma descomplexada, mas atenta e informada, para a sua memória, mesmo a mais incómoda. Outras nações da Europa, com um passado recente bem mais traumático, já o fizeram.
Mas há quem assim não entenda. Um ruidoso grupo de vociferantes fautores da União de Resistentes Anti-Fascistas (URAP) quiseram protestar contra a construção do Museu. O que provocou uma contra-manifestação de jovens e habitantes locais que gritavam vivas a Salazar. Confesso que já há muito tempo que não via episódio mais patético. De um lado, os "Anti-Fascistas", decerto uma sucursal para desocupados do PCP, esse exemplo de defesa da liberdade que, como se sabe, já tentou instalar uma ditadura do proletariado em Portugal, por alturas do PREC. Como só lhes resta insurgirem-se contra símbolos, vai de alugar uns autocarros, agitar umas bandeiras e, em nome de uma liberdade que realmente temem, e de uma intolerável superioridade moral que ninguém lhes atribuiu, querem impedir a liberdade de quem não pensa como eles. Os contra-manifestantes, por outro lado, também não ficaram bem na fotografia. Limitaram-se a reagir, de forma territorial, perante aquilo que tomaram como provocação de forasteiros que não gostam do "desenvolvimento" da povoação. Uma lamentável sucessão de tiques pindéricos e sumamente apropriados para a abertura dos telejornais. Ver aqui a notícia completa.

domingo, 11 de março de 2007

Bagagem de mão

“Antigamente sabia-se (ou talvez se pressentisse) que se trazia a morte dentro de si, como o fruto o caroço. As crianças tinham dentro uma pequena e os adultos uma grande. As mulheres tinham-na no seio e os homens no peito. Tinha-se, a morte, e isto dava às pessoas uma dignidade particular e um calmo orgulho”

Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, trad. Paulo Quintela, “O Oiro do Dia”, Porto, 1983

A vida minimal e repetitiva - 1

a vidinha a vidinha a vidinha a vidinha a vidinha a vidinha a prestaçãozinha a vidinha a vidinha o fim de semaninha a vidinha a abstençaozinha a vidinha a cuequinha a vidinha a vidinha a missinha a vidinha a vidinha o coitadinho o segredinho a vidinha a vidinha o poupadinho a vidinha a vidinha a vidinha a queixinha a vidinha o sofazinho a vidinha a vidinha o filhinho na escolinha a vidinha a vidinha o sossegozinho o alternezinho a vidinha o teatrinho a vidinha a vidinha as feriazinhas a vidinha a vidinha a vidinha a vidinha a garagemzinha incluidinha a vidinha a vidinha a promoçaozinha a vidinha devagarinho devagarinho a vidinha a fintazinha a vidinha a vidinha o arranjinho o mais que tudinho as batatinhas a vidinha a vidinha a copulazinha sábado à noitinha a vidinha a vidinha a vidinha a reformazinha a vidinha o dinheirinho a vidinha a vidinha o dominguinho a vidinha o queridinho a queridinha os pasteizinhos as pantufinhas o arzinho a viajenzinha o zezinho a vizinha o sorrizinho de manhazinha devagarinho a virtudezinha o cuidadinho devagarinho a vidinha a vidinha a vidinha.

sábado, 10 de março de 2007

Último dia

Foto: Armando Neves

Hoje é o último dia para assistir à ópera "Na Colónia Penal", de Philip Glass, a partir do texto homónimo de Kafka, com encenação de Américo Rodrigues. Às 21h30, no sub-palco do Teatro Municipal da Guarda.
A repercussão desta apresentação - a primeira criação operática local - foi considerável. Os ecos da imprensa fizeram-se sentir, fazendo do acontecimento um ponto de referência na agenda cultural nacional. Destaque para os artigos saídos na secção Artes do "Diário de Noticias", no suplemento "Ípsilon" do Jornal "Público" - "Guantanamo na Guarda", de Paulo Boléo - e na revista "Visão", de Ana Margarida Carvalho. Como curiosidade, registe-se a referência ao espectáculo feita na página oficial de Philip Glass, presenciado pelo seu responsável.

O cavalo de Tróia

Foi anteontem aprovada a lei da despenalização do aborto. O sentido da votação foi o esperado. Não se prevendo que o Presidente da República devolva o diploma ao T.C. para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, o cerne da discórdia residiu na ausência de previsão de um período de acompanhamento ou aconselhamento personalizado. Creio que o debate sobre este ponto foi inquinado por razões puramente políticas. Ora, se por uma lado aceito a existência de aconselhamento, é bom que ele não seja confundido com uma fórmula de dissuasão. Proponho então o seguinte: essa estrutura deveria ter o seu desenho orgânico e funcional claramente definidos na lei. Quanto ao primeiro ponto, deveria ter como suporte equipas mistas, constituídas por um médico, um assistente social e um psicólogo, por exemplo. Os dados recolhidos seriam estritamente confidenciais. Relativamente ao segundo ponto, a competência dessas comissões dever-se-ia centrar e esgotar no aconselhamento, isto é, na disponibilização de informação relevante e personalizada para a mulher que a elas recorressem. Formalmente, o figurino aqui traçado de forma sumária estaria perfeitamente dentro dos limites da pergunta aprovada no referendo: a vontade da mulher não seria por essa via condicionada, nem a sua consciência deixaria de ser soberana. Só que, agora, reforçada com o facto de a sua decisão, qualquer que ela fosse, sendo melhor informada, também pudesse ser, por essa razão, mais livre. À semelhança do que já existe em alguns países da Europa, era este o modelo que se exigia para o nosso país. E foi a pensar nele que, à imagem de muitos, votei "sim". A maioria acaba de cometer um enorme erro político.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Da amizade

Chamo a atenção para uma curiosíssima reflexão de Pedro Correia, no Corta-Fitas,intitulada "A Amizade não tem Preço", com base na crueza das estatísticas divulgadas pela revista "Veja". Por exemplo, sabiam que "Durante a adolescência, passamos mais de 30 por cento do nosso tempo com amigos. Na vida adulta, menos de 10 por cento"? Assustador, não é? É por isso que, contra ventos e marés e, sobretudo, apesar da "vidinha" - essa antecâmara do Centro de Dia que muita gente confunde com vida adulta - dificilmente o escriba passaria sem amigos. Sem eles, morreria de auto-satisfação, ou de soberba, ou até de excesso de seriedade.

quinta-feira, 8 de março de 2007

O Jazz no feminino

Evocando o Dia Internacional da Mulher (cada vez mais tenho sérias reservas em relação a estas efemérides) a Rádio Europa vai passar hoje, ao longo do emissão, uma série de vozes femininas do Jazz, desde Nina Simone a Patrícia Barber. Mais uma razão para "adoptar" esta estação magnífica. A favorita deste blogue.

Crimes exemplares - 15

Um dia estava eu a guardar as galinhas no meu terreno veio um cão de antónio moleiro espantou-mas e depois atrás do cão veio o filho e o pai ou seja o tó moleiro e diz o filho para o pai ataque-a daí que eu ataco daqui para me apanharem a galinha e eu vim ter com eles e disse-lhes a galinha é vossa ou é minha a galinha saltou do meu terreno para uma passagem de todos os que temos lá o terreno mas ao lado o terreno é dele a galinha veio para a minha mão trataram-me mal e ainda me chamaram bêbeda e outros nomes peguei numa pedra a mandei-a contra o moleiro que caiu inteirinho no chão sem ai nem ui à noite fizemos a galinha para o jantar parecia uma festa.

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quarta-feira, 7 de março de 2007

Grafitis - 9


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terça-feira, 6 de março de 2007

Curtas

Para os amantes do silêncio e das grandes solidões geladas, e sobretudo antes que o aquecimento global derreta a calote polar, recomendo Polaris, um excelente "traveller blog", onde os visitantes integram uma belíssima e bem documentada expedição ao Ártico.

segunda-feira, 5 de março de 2007

1001 Livros

Através de Rui Bebiano chegou-me a notícia de que a versão portuguesa da obra 1001 Novels you must Read before you Die, de Peter Boxall, acabou de chegar às livrarias. O título é sugestivo. Desconheço o rol de obras seleccionadas, embora acredite na excelência do critério que o antecede. No entanto, a atitude de RB parece-me a mais sensata: ler sem programa. É fácil prever que obras deste tipo não suscitem em mim mais do que curiosidade estatística - quantas livros listados já li? - ou desperte a atenção para meia dúzia de livros desconhecidos ou de leitura adiada. Mas há sobretudo uma razão que afasta qualquer veleidade missionária. Uma razão, chamemos-lhe, borgeana: percebi que, às tantas, já não se trata tanto de ler quanto de reler. Como se todos os 1001 livros que, tivesse-os lido ou não, fossem simplesmente 1001 histórias acerca da mesma história. Construída com areia. E no centro, os 1001 sonhos de Xerazade. Precisamente.

Auto de notícia

A verdadeira dor só aparece ao lado de uma consciência apaziguada por um esforço que em muito ultrapassou o que seria certo e razoável. Aquela que não resulta da imaginação, mas da aceitação plena do desvelo com que a vida oferece todos os dias os frutos mais saborosos. Aquela em que a arte é precisamente o contrário do ócio, o epicentro da verdade. Aquela que não estava prevista no guião - fosse ele bom ou mau - mas que se encontrou pelo caminho. A mão que, a partir desse momento, conduzirá ao precipício, ou a corda que fará sair dele. O sinal.

O apagão


Por lapso, não fiz aqui qualquer referência a esta mais que louvável iniciativa. Que, de resto, não mereceu a devida atenção na blogosfera nacional. É que os blogues podem ser, para além de meios de recolha de assinaturas para uma petição, um espaço para boicote de produtos ou serviços, por causa da qualidade, do preço e de outros motivos. Trata-se de um tipo de mobilização pós-moderna. Desconheço o impacto que um dia de black-out dos telemóveis causou globalmente. Mas uma coisa posso assegurar: nessa data mantive o meu escrupulosamente desligado.

domingo, 4 de março de 2007

A morte em Veneza

Certa tarde em que vagueava junto ao mar, não há muito tempo, entendeu-se sobre o meu olhar o fluxo de uma corrente, dando aos meus pensamentos uma direcção irreversível. Senti que podia avançar por essa estrada sem fim. Onde o fundo azul e luminoso me recolhesse, recuando sempre. E que tivesse ainda de alcançá-lo, segurando-o com os olhos. Pesava a lembrança de um silêncio estranhamente hirto, nas cores amortecidas de muitos crepúsculos. Alternando com a inquietação cálida de uma tarde de verão. Que tantas vezes correu sobre a superfície da minha alma, ardente como os pés ágeis de um bando esquivo de aves regressando a casa. Tão distante, tão risível esse anseio louco de uma palavra inocente e esclarecedora. Fornecida por um inventor qualquer, mas que ameaçasse libertar-se a qualquer momento da sua estranheza. Como se a habitual explicação simples e natural para tudo nada mais fosse do que uma casca externa, que parecia abrir-se sem desnudar o interior. E que agora via rebrilhar, à maneira de uma outra presença. Empurrava-me o pressentimento de uma perplexidade estéril. Da inutilidade de uma trama fremente, perturbadora, mas que será sempre uma linha paralela. Da inevitabilidade das felizes tardes tristes sem dizer coisa alguma. E de que nada serve contar a dor nem abrir a boca com o coração cheio.

Perdições




Há uns anos atrás, tive ocasião de assistir, por três vezes seguidas, ao esplendoroso filme " O Olhar de Ulisses", de Theo Angelopoulos. É claro que a autora da banda sonora - Eleni Karaindrou - não me passou desapercebida. Mas só recentemente consegui reunir uma parte significativa da sua obra. Onde brilha a sua mais recente gravação "Elegi of the Uprooting". Este seria concerteza um dos dez discos que levaria para a tal ilha deserta. Sobre a autora e discografia: página no last.fm; catálogo da ECM

sábado, 3 de março de 2007

Os malefícios do tabaco - 2

O Governo acaba de aprovar uma proposta de lei anti-tabaco que, a ser aprovada no Parlamento, porá um ponto final na matéria. O país ficou pois a saber que o Ministro da Saúde tem desta uma noção próxima de "normalização sanitária", ou pior. Mas veja-se melhor o conteúdo da lei. Desde logo, concordo que se interdite a venda de tabaco a menores e o seu consumo nas escolas. Só que, a versão primitiva da proposta - que proíbe o consumo em qualquer estabelecimento de restauração ou diversão e dispensa os centros de saúde terem consultas para quem quer deixar de fumar - foi aquela que veio a ser aprovada. Ao contrário do que se esperaria, após o recuo do Ministro nesse ponto o ano passado. Já aqui tive ocasião de criticar este caminho agora formalizado pelo Governo. Com argumentos para os quais remeto. Temos então um novo Volstead Act (mais conhecida como Lei Seca) para o tabaco. Sob pressão dos sectores mais fundamentalistas e histéricos. Onde pontuam um ou dois médicos e ruidosos activistas. Que gostam de aparecer na TV com um discurso neo-pidesco em relação ao que o cidadão deve ou não fazer para combater o seu deficit sanitário. Até vir a ser higienicamente perfeito, genitalmente irrepreensível, civicamente insuspeito, doce serventuário do novo eugenismo em marcha... Algo que nem o próprio Willheim Reich nos seus piores pesadelos poderia prever. E com uma postura digna de uma Florence Nightingale tratando dos estropiados do tabagismo. Desconhecem todos que a verdadeira saúde è cosa mentale. O Estado vem pois reforçar o controle de comportamentos por definição privados e a limitar a liberdade de circulação de quem fuma. Para quem defende que os poderes públicos se devem abster de se intrometer naquilo que os indivíduos consomem ou deixam de consumir, como vivem, com quem, etc., como é o caso do escriba, esta lei proibicionista é intolerável. Para além de vir a afectar significativamente a indústria hoteleira. Pelo que, tudo farei para ir preso da próxima vez que puxar de uma cigarrilha "Cohiba", no final de um jantar memorável num dos meus restaurantes preferidos. A defesa da liberdade pode passar por este caminho. A questão é séria e não pode ser deixada a incompetentes e a demagogos. É altura de os sinos tocarem a rebate.

publicado no jornal "O Interior"

sexta-feira, 2 de março de 2007

Cafeína

Há dias recebi uma daquelas chamadas telefónicas a que quase todos já nos habituámos: alguém nos quer vender um produto ou serviço, ou então, em jargão publicitário, mais uma "prospecção de mercado". Do outro lado, uma menina assaz simpática e nada impaciente questionava os meus hábitos quanto ao consumo de café e, acessoriamente, de chá. A insistência era posta no hipotético conhecimento da existência de milagrosas "pastilhas" de café colocadas na máquina expresso caseira. Percebi logo que se tratava de uma campanha de "desnatagem": um produto inovador, que requer uma desabituação de modelos aceites pela esmagadora maioria dos consumidores, necessita de um halo de simpatia ou prestígio para persuadir um número considerado razoável, para ser considerada a aposta decisiva do lançamento massivo no mercado. Pois a "entrevista" estava a correr muito bem até ao momento em que, depois de fornecer alguns dados pessoais - deles excluído o nome, é claro - a tal menina me questionou acerca do número de pessoas do agregado familiar. Aí é que foi do caraças... "Agora é uma pessoa que são muitas", lancei. "Agora? Muitas?", "Sim, mas as outras estão sempre presentes..." Juro que, nesta altura, se a menina achasse que eu era um epígono de Fernando Pessoa, compraria as simpáticas pastilhas até ao fim da vida. "Mas que outras, quantas?" "Todas de quem gosto. Algumas já viveram há dois mil e quinhentos anos..." "Bom, quer responder ou não?" "Sabe, isto é sazonal. Na primavera prefiro umas e no Inverno outras". Nesta altura, a menina devia estar a pensar mudar de emprego. Atirou então, num lance decisivo, onde se adivinhava uma ânsia desesperada de "normalização"e de "senso": "Mas é solteiro ou casado?" Perante um assunto civil de tal magnitude, acorreu a prudência, a tal que é boa conselheira, conhecem? Mas logo a mandei para trás, em parte por causa do insuportável ar beato com que se apresentou. E então, veio o fulgor da recusa magestática do tempo, só ao alcance de um pirata ou de um louco. Que perpassou como um véu no meu espírito:
"Sabe, nunca tinha pensado nisso. Se as pastilhas puderem ajudar..."

publicado no jornal "O Interior"

quinta-feira, 1 de março de 2007

Na colónia penal - 3

Está a seguir o processo? O Mestre está a começar a escrever; quando acaba de fazer o primeiro rascunho da frase nas costas, a cama da de algodão começa a rolar e, lentamente, vai virando o corpo para abrir espaço ao Ancinho para escrever. Entretanto a parte lacerada que estava a ser escrita, fica em contacto com o algodão, que foi especialmente concebido para estancar a hemorragia, e assim fica pronta para receber uma nova passagem mais profunda das letras. Então estes dentes na extremidade do Ancinho, à medida que o corpo vai sendo virado, retiram o algodão das feridas e projectam-no para a vala e o Ancinho entra novamente em acção. E lá vai cravando cada vez mais fundo as letras, ininterruptamente, durante as próximas doze horas.

Franz Kafka, Na Colónia Penal, Trad. Susana Gabirro, Tempus Editores, Lisboa,1995

Um dos aspectos mais importantes da obra de Franz Kafka (1883-1924) é a sua crítica implacável dos fundamentos do Estado moderno, à mecanização da vida contemporânea e ao surgimento de uma elite administrativa altamente burocrática, hierarquizada e despótica. É indubitável que a crítica kafkiana de uma modernidade opressiva e desumana se tenha constituído, até hoje, na questão que mais interessou os estudiosos da obra do escritor checo.
Na Colónia Penal é talvez o texto de Kafka em que o absurdo da autoridade é apresentado da maneira mais brutal e desumana. Um soldado detido numa colónia francesa é condenado à morte por indisciplina. A sua sentença é executada por uma máquina de tortura que, por intermédio de um sistema de agulhas, escreve repetidas vezes no seu corpo a seguinte inscrição: “Honra os teus superiores”. Todavia, o personagem principal deste pesadelo não é nem o Visitante, que é convidado para assistir ao suplício, nem tampouco o Oficial, o Condenado ou mesmo o Comandante. O protagonista é, sem dúvida, a Máquina. Neste contexto, a autoridade atinge o culminar da abstracção: ela já não é mais fruto da acção humana, mas de uma instância mecânica que se emancipou, estabelecendo o seu primado. “Ao longo da explicação do Oficial, a Máquina aparece progressivamente como sendo um fim em si”, descreve Lowy. O prisioneiro é oferecido à Máquina, para que esta possa levar a cabo a sua obra-prima. O próprio Oficial não passa de um servidor da máquina, sacrificando-se, no final do texto, a “esse insaciável Moloch”. Para Lowy, a autoridade aparece no conto “na sua vertente mais alienada, mais reificada, enquanto mecânica ‘objectiva’: fetiche produzido pelos homens, acaba por os subjugar, dominar e destruir”. Nesta parábola onde a culpa paira à procura de um culpado, (W. Benjamin), Kafka faz jus ao seu estilo sóbrio, sereno e desconcertante, para exprimir a sua profunda desconfiança em relação à sociedade industrial. Que desumaniza o indivíduo, mecaniza a sua existência, reduz os espaços da sua interioridade e dissolve a condição humana numa massa de reflexos indistintos da própria máquina. O texto, escrito pouco antes da I Guerra Mundial, ainda que publicado após o seu fim, é uma advertência macabra sobre as consequências, na estrutura social e nas relações de poder por ela entretecidas, de um processo de industrialização e mecanização acelerado, que diviniza a máquina e o progresso em detrimento das aspirações tradicionais do homem. Eficiência, eis a nova palavra de ordem, que substitui os anseios por liberdade e justiça. A conclusão do conto é a afirmação cabal do carácter negativo da crítica de Kafka, uma afirmação trágica da impotência do homem diante dos novos monstros gerados pelo sonho da razão.

Na colónia penal - 2

Foto: Tiago Rodrigues (website)

Prosseguem os ensaios da ópera "Na Colónia Penal". O cenário natural, austero, cinzento e frio, integra na perfeição os objectivos desta proposta artística única. Ao explicar ao visitante o propósito da execução eminente do condenado, diz o Oficial que chefia a colónia: "O princípio sobre o qual baseio as minhas decisões é que por trás da dúvida existe sempre a culpa". O universo profético e concentracionário de Na Colónia Penal (1919) põe em cena uma máquina que inscreve até à morte no corpo do prevaricador o preceito a que desobedeceu. O oficial que explica ao inspector visitante o seu funcionamento admirável acabará por também ele querer experimentar o mecanismo. Na sua pele, ficará escrito: “Sê justo!”.

Na colónia Penal - 1

Apresentação no sub-palco do Grande Auditório do TMG, em estreia nacional. Mais informação sobre a montagem do espectáculo e seu significado, consultar aqui e aqui. Sobre Philip Glass, ver aqui.

Libretto de Rudolph Wurlitzer
Direcção Musical de Domenico Ricci
Encenação e espaço cénico de Américo Rodrigues
Cenografia e figurinos de Cristina Cutrale
Barítono (oficial): José Corvelo
Tenor (visitante): Sérgio Martins
Com Quarteto de S. Roque + Contrabaixo: Ricardo Tapadinhas
Soldado: António Godinho
Condenado: António Saraiva