quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Aí vem mais uma década!

O "Boca de Incêndio" deseja a todos, mas mesmo todos, os seus leitores, amigos, curiosos, visitadores, simples frequentadores, sem esquecer os "nem por isso", o que já adivinharam:
um Ano Novo em grande!

Balancete com exercício

Nunca me arrependi de ter tomado aquela, ou esta, ou outra qualquer decisão. Desde que tenha implicado uma escolha entre várias possíveis, é claro. Porque era a que estava certa, naquele momento. Era essa, e só essa, a que a minha natureza profunda não pôde suster. Ou que um impulso vigoroso projectou para a ribalta. Ou, quando o gesto amplo que se lhe seguiu, acabou por cegar a hesitação e a dúvida que se lhe opunham. Ou quando a tibieza, não poucas vezes, impôs o seu catecismo. Ora, todas elas estão certas, porque todas se resolveram naquele momento, foram produzidas para aquelas circunstâncias, utilizando um termo caro a Ortega y Gasset. Outra questão, muito próxima, mas avaliada por outra unidade de medida: será que esses momentos de liberdade conduziram a resultados certos ou errados? Ir por aí é um caminho ingrato. E porventura inútil. Se um resultado se apresenta como negativo, nada a fazer. A não ser alterar as causas, para que outros semelhantes não se produzam.

Acordo ortográfico? Não, obrigado

Nem aqui nem em nada do que terei de escrever daqui para diante sobre o que quer que seja alguma vez "aplicarei" o acordo ortográfico que impõe a "lulização" do português. Não aceito a degeneração da minha língua por causa de não sei quantos milhões que alegadamente a falam ou escrevem como analfabetos funcionais. Quando me apetecer ler algum autor brasileiro (dos "palops" não tenciono ler nenhum), leio e ponto final. Para além disso - e literalmente - burro velho não aprende línguas. Os prosélitos e os literatos do regime tratam da questão como tratam, aliás, de tudo. Como os pequeninos "kim-il-zinhos" de trazer por casa que são. É que um "intelectual" que fala em "uniformização da língua" não é um intelectual. É uma besta.

João Gonçalves, no "Portugal dos Pequeninos"

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Stalker

Soltas de Fim de Ano

1. Ao que tudo indica, irei hoje ver o "Avatar", provavelmente em 3D. Tenho uns "cheques" para levantar bilhetes da Zon Lusomundo e toca a gastar antes que caduquem. O que aconteceria hoje, precisamente. Claro que, para quem se habituou a viver na 5ª dimensão, a 3ª é coisa de somenos. O pior vão ser as pipocas, a "miudaje" a sorver coca-cola como se fossem sarjetas ambulantes, os comentários em voz alta dos parzinhos enfardadores de confettis diversos ... E o que mais vier. Será que vou aguentar até ao fim sem me levantar, com o dedo em riste, qual novo Lénine da decência nas salas de cinema? Aceitam-se apostas.
2. Uma das frases do ano. Encontrei-a em "O Assassino à chuva e outras histórias", de Raymond Chandler (ed. Afrontamento), que "saquei" na Feira da Ladra por um euro. Diz o seguinte: "E ele iria tornar-se tão discreto como uma tarântula num bolo de noiva".

domingo, 27 de dezembro de 2009

Inverno

A idade dos porquês - 9

Porque é que só no país do bacalhau faz sentido dizer que a carne é fraca? Resquícios de cripto-judaísmo? Mais uma vitória moral, de que tanto gostamos? Mais um exemplo da homenagem que o pecado presta à virtude? Ou será que a verdadeira força está na fé e o conhecimento não é chamado para a questão?

sábado, 26 de dezembro de 2009

O estranho caso do burro desaparecido

Aconteceu no presépio instalado na Rua Garret, em Lisboa. A placa assinala o acontecimento.

Não és os Outros

Não te há-de salvar o que deixaram
Escrito aqueles que o teu medo implora;
Não és os outros e encontras-te agora
No meio do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva a agonia
De Jesus ou de Sócrates ou o forte
Siddharta de ouro que aceitou a morte
Naquele jardim, ao declinar o dia.
Também é pó cada palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Pela boca. Não há pena no Fado
E a noite de Deus é infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. E és cada solitário instante.

Jorge Luis Borges, in "A Moeda de Ferro"
Trad. Fernando Pinto do Amaral

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Feliz Natal


"It´s a Wonderful Life" (1946), de Frank Capra, com James Stewart e Donna Reed

Soltas de Natal

1. Como vem sendo hábito, vim passar o Natal a Lisboa. Ontem à tarde, o circuito começou com uma visita (de trenó ?) ao espaço comercial de uma conhecida multinacional sueca. O quê? Então o Pai Natal não vem da Lapónia ou lá o que é? Depois, mais tarde, consegui diluir-me, se é que isso ainda era possível, na chuva abundante e nas desvairadas gentes que pululavam, frementes, na zona do Chiado. Enchendo as lojas e as pastelarias como já não via há muito. Talvez o stress pós traumático da crise económica explique esta febre. Talvez.
2. Depois de uma passagem pela nova livraria da "Assírio & Alvim" (a FNAC estava impossível) e mais nalguns locais do costume, dei por mim na "Sisley". A arrastar a asa a um casaco parecido com o do Corto Maltese. E ansiando que, daqui a uns dias, os saldos façam milagres. No final, claro, veio o créme de la créme. Ou seja, uma visitinha à "First Flush", uma extraordinária loja de chás na Rua do Crucifixo. Em verdade vos digo, o que se passa lá dentro é poesia pura. Já explico. Para melhor cirandar pelas várias latas onde estão guardados os tesouros, "requisitei" uma empregada que, a pedido, as ia abrindo. Sucediam-se os Pu' er do Yunnan, simples ou aromatizados (é pena este produto, que é bebida nacional no Tibete, misturado com manteiga de yaque, não ser comercializado em discos prensados, como na origem), o Lapsang Souchong, o Gyokuro e o Houjicha do Japão, os Darjeeling da Índia, o Ooloong com Ginseng, alguns roiboos, o verde Pi Lo Chun, os blended russos, o Gun Powder, o Long Jing... A rapariga, à medida que abria as latas, descrevia com elas um gesto subtil, de uma elegância digna de nota, afim de impregnar o ar com a fragrância do conteúdo. No seguimento, o meu comentário era feito com a cabeça em movimento, volteando no vazio como numa dança dos sufis. O nariz no rasto do aroma que ia ficando. Ou, o mesmo é dizer, da doce ilusão, a que tudo se resumia, naqueles instantes. Poderia ser de outra forma?
3. Ao contrário do que muitos julgam, a cultura e o conhecimento não são simples adornos. Quando evoco no meu íntimo as imagens e as impressões que ficaram de um livro, de um filme ou de um concerto, tomo-as como instrumentos que encorajam a clareza, a proximidade, o músculo interpretativo. Companheiros de viagem que ajudam a errar melhor (grande Beckett), a encontrar os ditosos ruídos que não foram convidados para a festa, a isolar a esperança quando ela se torna simples espera, a instalar-me no mundo para melhor o aceitar. Mais cedo ou mais tarde, tudo isso acaba por ser para os outros. Poderia ser de outra forma?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Às três tabelas

Há dias fui passar um bocado da tarde a um conhecido salão de jogos da Guarda. O propósito era claro: tentar exercitar, chamando-a de mansinho, a perícia de outras épocas no chamado bilhar livre. Pode-se dizer que a rondei com êxito. E percebi até onde pode chegar a persistência de uma verdadeira aprendizagem. Sobretudo quando se trata de uma técnica, de uma gestão adequada de procedimentos, com vista a um resultado preciso. Aquela imagem da bicicleta serve perfeitamente. Uma vez que se aprende, nunca mais se esquece. Durante esse tempo, de taco na mão, cruzei-me com várias pessoas que já não via há muito e cuja saudação efusiva foi recíproca. Gente normal, com gestos amplos, sem tiques. Sem o enfatuamento de outros universos que periodicamente frequento...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Nivoso

(de 21 de Dezembro a 19 de Janeiro)

Menos que Natal

Algures no pó irisado da memória, chega o lugar da gratidão. Por aqueles que nos amaram (poucos, após esticar o balanço com honestidade, mas vendo bem são esses que contam). Por aqueles que não o souberam ou eu não soube. Pelos erros que tão bem denunciaram o caminho. Pelos outros que não passaram de hesitações. Pelas palavras que esperaram por mim, dividido entre o orgulho e a queda. Pelo consolo da ronda à volta do claustro, escutando a brisa a baixar do grande vazio. Pelo fogo que triunfou, por vezes, no cume da insurreição e das sombras. Pelas cinzas que foram ficando, como uma almofada do tempo. Pelos caminhos só ainda depois caminhos. Pela assembleia de convidados que o vento trouxe e o vento dissipou. Pelo orgulho que tudo rasgou. Pela música que não deixa esquecer. Pelos céus de van gogh. Pela poeira onde tudo se irá resumir. E brilhar.

O gajo a tomar vistas na ponte romana em Salamanca

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Lido

Há arguidos e arguidos. O procurador "foge Fatinha", que se demitiu das funções de presidente do Eurojust, teve o seu advogado, o "sampaísta" Magalhães e Silva, nas tv's a falar em "bode expiatório". Ou seja, ficámos a saber que Lopes da Mota será o "bibi" do "caso Freeport".

João Gonçalves, no "Portugal dos Pequeninos"

Festival "Olhares sobre o Mundo Rural"


Promovido pelo Cineclube da Guarda, este ano em parceria com a Associação Luzlinar (Feital, Trancoso), este certame tem como tema, na sua quarta edição, “Fronteira e Memória”. Irá realizar-se no Teatro do Convento, em Trancoso, um edifício quinhentista recentemente remodelado para albergar eventos culturais. Esta edição conta, na sua programação, com o precioso apoio do realizador Pedro Sena Nunes, de quem vão ser apresentados dois filmes, um deles, “Tourada”, pela primeira vez. Destaque também para a exibição de “Cordão Verde”, de Hiroatsu Suzuki, recém nomeado para o Festival de Locarno, na secção “Ici et Ailleurs”. Pretende-se, mais uma vez, aprofundar a troca de perspectivas cinematográficas sobre a ruralidade, os seus códigos, as suas margens, as suas dinâmicas, a sua função de conservação das memórias e das identidades. Serão exibidas obras nacionais e duas do outro lado da fronteira, ao longo de dois dias de cinema, debates e uma mini feira do livro.

Consultar aqui o programa e o dossier do festival

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os óculos de sol do gajo

Glacial

Hoje a Guarda parecia uma gigantesca pista de patinagem, com um tapete de gelo a cobrir tudo. Vieram-me à memória certos quadros do Brueghel. Num dia destes, nada pode ser levado totalmente a sério. A não ser os acidentes.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Soltas

1. As pequenas vitórias são fundamentais para contrariar o pessimismo. Hoje consegui que um Juiz revogasse um despacho seu que, na prática, impedia uma cidadã que patrocino de aceder à Justiça. E como? Negando a admissão da prova do apoio judiciário, de que aquela beneficiou. A qual, validamente e em tempo, juntei ao processo. Mas foi preciso um curto e grosso requerimento de "Boas Festas", que tive o prazer de dirigir ao magistrado. Como diria o Alberto Pimenta, errar é humano, mas não errar não é necessariamente desumano.
2. Hoje à tarde encontrei um amigo que já não via há muito. Até aí nada de especial, direis. Certo. O que é raro, e nisso admito ter uma pontinha de orgulho, é ter alguns cujas qualidades mais óbvias - como a disponibilidade, a total ausência de julgamento, a cumplicidade no que a vida oferece de mais nobre e despojado - mesmo que intervaladas por 4, 10 anos de silêncio, nunca se interromperem, mas ficarem simplesmente suspensas, à espera do próximo feliz acaso. Onde só há tempo de construir um mandala que se sopra logo a seguir.
3. Record siberiano absoluto, numa das alas da casa, hoje às 8 da madrugada: 1,5º Celsius.

Stalker

O palhaço

O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.
O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.
Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.
O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.
E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço.

Mário Crespo, no Jornal de Notícias

Stalker

A ferida

Por vezes, o narcisismo descontrolado encontra o seu terreno de eleição. Ou seja, aquilo que, à falta de melhor, se poderia chamar a "arte". Não como um meio de criação de valor, claro está. Ou de humilde aproximação à caótica e evanescente trepidação da vida. Ou como um encontro a que não se pode fugir. Esses são atributos da arte sem aspas. O auto proclamado "artista" resume a arte a um espectáculo onde a estridência (a sua) faz as honras da casa. À sanha onde toma a outra arte, a autêntica, como um terreno de luta pela sua afirmação pessoal. Ou seja, uma continuação da política exactamente pelos mesmos meios. Porém, com um subtil toque de Midas: vendida como coisa diferente, certificada, prestigiante. Mas se assim é, o "artista" pode tardar a assumir abertamente o seu verdadeiro animus dominii - o exercício alucinado de um pequeno poder num círculo blindado - mascarando-o, provisória, mas eficientemente, com a inimputabilidade da sua condição de "artista". Desta forma, porque não diz ao que vem, o seu mérito artístico nunca chega a ser escrutinado, porque encarado como simples labor político. Porém, no fundo, o "artista" narcísico vive cercado pelo medo: da escassez do aplauso, da isenção de quem pensa fora da matilha, da usura do tempo. E, sobretudo, desdenha a liberdade do criador que sabe onde está o verdadeiro poder. Ou seja, precisamente na ignorância, na disponibilidade incondicional para a brincadeira. O multi-artista, pelo contrário, leva-se totalmente a sério. O aplauso é o múnus dos que o cercam. Não sabe que, na verdadeira arte, o oficiante deixa-se morrer um bocadinho. Na condição de simples agente de um fulgor que não é seu, mas que todavia faz brotar. Nada de novo, portanto. Os pequenos totalitarismos só diferem dos grandes pelo número de caracteres que lhe dedicam os compêndios de história.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sarebbe bello vivere una favola - 15

A idade dos porquês - 8

Por que será que no(s) corredor(es) dos brinquedos, nos hipermercados, por mais voltas que se dêem, não se encontra um raio de um puzzle de jeito? Já lá vi as coisas mais idiotas, compradas por adultos. Cuja satisfação em oferecer tralha luminosa a uma criança reticente é semelhante à dos exploradores marítimos, quando aportavam a um lugar novo, logo munidos com fios de contas para a populaça. Mas dar com um puzzle, é raro, muito raro. Essa extraordinária invenção zen para todas idades e feitios... E que, acreditem, até ajuda a pensar...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Mais do mesmo

Até mesmo as bebedeiras têm a sua rota a longo prazo. As minhas ebriedades compulsivas no Bairro Alto tiveram um seguimento adaptado na Guarda. O único local aprazível, o Zincos, só funcionou até 2007. Entretanto fechou. O resto é mais do mesmo: estudantes idiotas e semi analfabetos do IPG, aliados a promotores da noite a procurar animar sem critério e sem audácia. Outro dia dia fui ao "Aqui Jazz" com uns amigos e o atendimento foi abaixo de cão. Algo mais gostaria de acrescentar, mas vou até ao Café concerto do TMG, o único local com música esclarecida nesta cidade e depois direi alguma coisa...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Stalker

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A sagração

Ontem assisti ao filme "Coco Chanel e Igor Stravinsky", de Jan Kounen. Um registo competente e seguro quanto baste. Mas não é para uma apreciação crítica genérica do filme, do seu enredo romanesco, que aqui venho. Traz-me simplesmente a sequência inicial, relativa à estreia do ballet "Le Sacre du Printemps", no Théatre des Champs-Elysées, em Maio de 1913. Ou seja, da obra mais emblemática de Stravinsky, coreografada na ocasião por Nijinski. Tratou-se de um célebre espectáculo, que provocou um enorme tumulto na assistência, maioritariamente indignada. E que requereu mesmo a intervenção da polícia, pois o cenário na plateia estava a parecer-se perigosamente com uma épica rixa de saloon. Só dez anos depois a obra foi devidamente apreciada pelo público, após apresentação no mesmo local. A gorada estreia suscitou-me um sem número de reflexões. Sobretudo porque vivemos num tempo que consagrou a cultura de massas, a confusão fatal ente cultura e lazer, num território simbólico fundamental, onde a noção de consumo já não faz sentido, mas o "devir com". A indiferença "normalizada" perante os produtos saídos da indústria cultural, assim como a relativa banalização do gesto criativo, diante da auto-complacência e de uma subsidiação pública sem critérios consistentes, compõe o resto do quadro. Hoje em dia, ninguém iria patear uma obra que considerasse ultrajante ou fora do cânone. Diria simplesmente que foi "interessante", depois de abandonar a sala a meio, com medo de parecer um bota de elástico. Mas sendo este relativismo acrítico uma doença contemporânea, limitou-se, no fundo, a substituir outras, igualmente nocivas, embora mais compreensíveis, porque relapsas ao "deixa andar". O que aconteceu naquele dia de Maio de 1913 foi prodigioso! O séc. XIX e o séc. XX encontraram-se pela primeira vez cara a cara, sem subterfúgios. Com as suas linguagens inconciliáveis. O caos a irromper pela estabilidade anafada de um mundo que iria ruir no conflito que se seguiria, um ano depois. Não consigo imaginar, por muito que tente, o choque que provocou naqueles cavalheiros vitorianos da Belle Époque aquela energia vital selvagem, nitzschiana, aquela trepidação ciclotímica das figuras animadas pela música de Stravinsky. Que inauguraram, nesse preciso momento e de pleno direito, a modernidade plena. O que se passou foi como que o encontro, nada pacífico, de dois mundos. E ao contrário de outros, mais amistosos, nem sequer teve a pena de um Pero Vaz de Caminha para o imortalizar. Creio, porém, que o filme veio colmatar essa lacuna. Não sei se a expressão terá aqui inteiro cabimento, mas vou arriscar: "e nada mais seria como dantes"...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Brasil B



Dunga, seleccionador do Brasil, em declarações à Globo

E pronto, em poucas palavras se conta a aventura, esperemos que breve, do escrete luso em terras dos Zulus. Uma escreção comandada à distância pelo bimbo da fruta, a quem o factotum Keirósz faz os recadinhos de mão. Obrigado Dunga pela clareza. O Bruto Alves, sobrinho de...? Olha, quem diria!!! Neste mundial, e para quem me conhece, vai acontecer o impensável: torcer pelo Brasil A! Ao menos, está lá o Luisão e o Ramires...

Técnicas de propaganda para acossados

O primeiro governo de Sócrates foi dominado pela propaganda no sentido clássico do termo. Aquilo a que estamos a assistir neste momento é algo de muito diferente. Com os números da dívida e do desemprego a subirem; com o Tribunal de Contas a reprovar sucessivos negócios governamentais; com a Justiça a sofrer das maiores pressões exercidas por um governo em Portugal; com o primeiro-ministro cujo nome começou por aparecer em alguns casos e se transformou ele mesmo num caso único da política portuguesa, a estratégia de comunicação do círculo de José Sócrates é cada vez mais o ataque e de cada vez que ataca atinge os alvos duma forma que até esse momento se julgava interdita. Foi isso que aconteceu ontem com as respostas dadas por Vieira da Silva e Ricardo Rodrigues no parlamento a propósito das acusações de “espionagem política” formuladas pelo ministro da Economia, no momento em que se tornou público que havia escutas de conversas entre Armando Vara e José Sócrates.
Como Portugal não é (ainda) uma república das bananas não é normal que um ministro acuse o Ministério Público, as polícias de investigação e não se percebeu se também o Supremo Tribunal de Justiça de “espionagem política” pois essas seriam as entidades que estavam ao corrente das escutas. Chamado ao Parlamento para explicar o que queria dizer com a expressão “espionagem política”, Vieira da Silva não explicou nada e mudou estrategicamente o alvo, acusando Manuela Ferreira Leite não se percebeu se de espiar, de alguém espiar por ela ou de estar ao corrente do conteúdo da dita espionagem. Foi secundado nesta acusação pelo deputado Ricardo Rodrigues, sendo que este último cometeu o deslize de admitir que o negócio da TVI, que Sócrates dizia desconhecer, é de facto referido nas escutas que diz alegadas. E assim, num golpe que tem a vantagem para quem o usa de contribuir para confusão que já não nos permite perceber quem disse o quê e quando – o problema deixou de ser um ministro acusar o Ministério Público e as polícias de fazerem espionagem política –, passámos a ter a líder do PSD a fazer espionagem. E mais importante ainda, caso a líder do PSD peça explicações por estas acusações de Vieira da Silva e de Ricardo Rodrigues há-se ser acusada de não ter sentido de Estado ou ridicularizada, ou provavelmente ambas as coisas. E o assunto assim morrerá até que amanhã Vieira da Silva, Santos Silva, Ricardo Rodrigues ou José Junqueiro voltem a usar esta técnica, até agora eficaz, de responder atacando duma forma que não se julgava possível num partido de governo para, em seguida, rapidamente recolherem à segurança da postura institucional. Sendo que todos sabem que para próxima usarão a mesma técnica mas o ataque será ainda mais feroz.
Contudo ficou por saber se o ministro nos informou oficialmente que existe em Portugal uma rede de espionagem nas polícias e na Procuradoria que, segundo o mesmo ministro, fornece informações a Manuela Ferreira Leite. Se Vieira da Silva quis mesmo dizer o que disse tem de voltar novamente ao parlamento porque se uma rede de espionagem política é grave, uma rede que trabalha para um determinado partido é ainda mais grave. E um ministro que lança suspeitas deste teor ou as fundamenta ou deixa de ser ministro.

Helena Matos, no "Público" de ontem

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Playlist da casa (especial)


Dois anos depois, voltei a assinar a Playlist de Dezembro do Café Concerto do TMG. Chama-se “Doce de Chill”, um nome bem apropriado para os excessos calóricos natalícios. A piéce de resistence, como o nome indica, são as sonoridades ambientais, nas suas várias facetas. Do cardápio consta: a colecção completa editada pela revista Xis “Chillout music collection”, os De Phazz, com a trilogia “Plastic love memory”, "Detunized gravity” e “Godsdog”; os Efterklang, com “tripper”; René Aubry, no inolvidável “Invités sur la terre”; Beirut, em “The Flying Club Cup”, a sua opus magnum, em meu entender; Ernst Rejseger, ao violoncelo, numa obra singular, intitulada “Colla parte”; os Jazzanova, com o incontornável "In Between”; os Red Seal, com “Black ops"; por último, a colectânea de covers “Zen CD”. E pronto... Bom solstício dançante!

O fio

(clicar para aumentar)

Hoje às 18.00 horas, na BMEL, na Guarda, serão lançados, de uma assentada, 5 novos cadernos da colecção "O Fio da Memória". Eis um título particularmente feliz, como já tive ocasião de aqui afirmar. Que remete para a compressão dos vários planos de uma narrativa, como que "apanhados" por uma teleobjectiva que nos puxa para o fundo, para o abismo, para o poço do tempo. Porém, simultaneamente, homenageia as infinitas circunvalações desse mesmo tempo, convida a determo-nos nelas, a tratá-las com desvelo, frágeis pontes que unem margens que mais nada conseguirá aproximar. Voltemos porém à quíntupla apresentação. Sendo co-autor de dois cadernos - "Julgamento e Morte do Galo do Entrudo - 2009" e "Aquilo Teatro" - irei estar na mesa. O primeiro serviu de base para o espectáculo de Carnaval que percorreu este ano as ruas da cidade. O segundo resulta de um convite feito por aquela instituição para um relato acerca da experiência pessoal no grupo. Neste caso, a empresa foi algo complicada, dadas as memórias conflituantes. É que, apesar do percurso épico dos cadernos de poesia, de uma profícua cumplicidade pessoal e artística, de um ano à frente da Direcção, em 2004 veio a separação das águas. Após mais um ano na direcção, onde procurei adiar o inevitável, com enormes custos pessoais, acabei por sair do grupo em 2007. Estou curioso em saber se, na publicação hoje apresentada, haverá um relato verdadeiramente corajoso e honesto por parte de alguns. É que o percurso da memória também está cheio de becos e sinuosidades de conveniência.

Nota: teria preferido que me convidassem para escrever o caderno sobre a icónica "Taberna do Benfica", apesar de a respectiva autora ter sido naturalmente a escolha acertada para o efeito.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Curtas

1. No portal Sapo aparece um link para uma notícia da Lusa, onde se afirma que o ministro angolano Bento Bembe tece várias críticas à Human Rights Watch (HRW), depois de um relatório daquela organização denunciar diversos abusos no país. Apesar de lá estar o link, no site da lusa já lá não está a notícia. Após uma busca, só encontrei aqui uma referência. Será que o controle da informação por um Estado ao serviço do Governo já chegou a este ponto?
2. No Facebook está acessível uma mensagem do fundador daquela rede social, Mark Zuckerberg, onde se pode ler que esta já atingiu os 350 milhões de utilizadores!... Sendo um "visitador" regular da rede, de que me lembre só duas notas negativas: a proliferação de joguinhos de quermesse, tipo Farm não sei quantos, que invadem o mural, em vez de assuntos realmente estimulantes; mais grave, porque da responsabilidade directa de quem gere a rede, é a inexistência de um botão "não gosto", muito apropriado em determinadas ocasiões.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Graffitis - 37


Ver anterior

A idade dos porquês - 7

Porque é que se criou a ideia de que os habitantes das pequenas e médias povoações têm que gostar obrigatoriamente de tudo o que é produzido localmente? Falo especialmente da oferta cultural, mas poderia referir-me também a queijos, ou a cobertores, ou a jornais. É claro que as "coisas da terra" despertam sempre uma natural curiosidade, do tipo benevolente, uma atenção particular, um orgulho magnânimo. Mas é fundamental ir para lá das armadilhas da auto-complacência, atravessar o simples brio paroquial. De modo a perceber que um espectador de Barcelona, de Praga ou de Nova Iorque deveria aplaudir a mesma criação cultural tal como o tal habitante local o faria.