sábado, 29 de novembro de 2008
Inverno (1)
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
Lido
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Bravo, Ambrósio!
Só nós temos portuguesas loucas que chupam pénis e praticam sexo até ao estado exaustivo. Suas gargantas e traseiras gemem como carroças rangentes nas ruas de Lisboa. Putas matriculadas e moças inocentes, alunas e professoras. Temos tudo para a alma. http://www.fuckinportugal.eu
1. Deus está morto? Ainda não. Há quem ainda tenha tudo para a alma. Ufa! E já agora, para outras minudências mais abaixo.
2. Luta de classes? Parece que sim, ainda há. Mas a tradição já não é o que era. As putas matriculadas apropriaram-se dos meios de produção, ficando as moças inocentes com as sobras do capital. À beira de um ataque de nervos, portanto.
3. Poesia concreta? Por mim, as gargantas e as traseiras até podiam gemer sem restrições. No segundo caso, uma traseira rangente remete para um aparte escatológico. Como dizia, até podiam ranger ranger, tal como Jean Jacques rangeu. Ou seja, como carroças rangentes. Precisamente. O único problema é que elas já não são vistas nas ruas de Lisboa desde a rodagem do filme "Aldeia da roupa branca". Verdad?
4. Portuguesas loucas? Uau! Já foram matriculadas?
terça-feira, 25 de novembro de 2008
A endurance
Encontro de titãs
O after day after
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Tábua de marés (14)
Organização: Associação Luzlinar
Esta actividade aparece no seguimento de outras sessões dedicadas ao tema. Este ano teve um figurino um pouco diferente, com a inserção de uma sessão de desenho. No ano passado, por exemplo, o evento centrou-se mais no âmbito didáctico, com a presença de uma bióloga. Este é o tipo de sessões para que esta associação está naturalmente vocacionada. Demonstrando, mais uma vez, que se pode aliar o conhecimento da natureza, a actividade física, a gastronomia e a criatividade de forma harmónica a atractiva para vários públicos, do ponto de vista social e geográfico. Durante a manhã, percorreu-se parte da serra do Feital, recolhendo-se vários exemplares de fungos. Simultaneamente, desfrutava-se a paisagem e o convívio. Entre os cogumelos apanhados, destaco alguns míscaros e vários amanita muscaria, conhecidos pela sua toxicidade e rara beleza. Por outro lado, os boletos primaram pela ausência. Devida, em grande medida, às condições climatéricas. Seguiu-se o almoço. Devo dizer que, este ano, fiquei um pouco desiludido. Talvez porque a expectativa era alta, atendendo à excelência do ano anterior. O creme de boletos e as sobremesas estiveram à altura do que a arte de António Lino nos habituou. Já o prato principal e acompanhamentos desapontaram ligeiramente. Veio então a componente criativa da actividade: desenhar os espécimes recolhidos. Sob a inspiração da artista, os participantes deitaram mãos à obra. Pela minha parte, lá consegui rabiscar qualquer coisa. Muito colorida, para disfarçar… Porém, o panorama geral foi animador… Explicando, por sua vez, cada artista de ocasião, o porquê da sua obra. E adeus, até para o ano. Numa apreciação geral, eis mais um evento interessante, que suscitou uma adesão notável, o que é de realçar num país tradicionalmente micófobo. No entanto, em próximas sessões, e para enriquecer o tema, poderia desenvolver-se um pouco mais as características, papel desempenhado no ecossistema, cuidados a ter na sua recolha e preservação e práticas culturais associados aos fungos ao longo da história.
Publicado no jornal "O Interior", em 20 de Novembro
Tábua de marés (13)
Casa do Mundo Rural
Prados, Celorico da Beira
Inaugurada em 15 de Novembro
Há várias formas de tratar museológica e artisticamente o acervo cultural, material ou não, associado directamente a pequenas comunidades. A primeira é a restauração etnográfica pura e simples de uma realidade cultural engolida pela História. Trata-se, sobretudo, de uma reconstituição cénica. Embora útil, se rigorosa, deverá ser encarada como um meio e não um fim em si. Onde uma finalidade lúdica pode e deve amparar propósitos científicos, ou até mesmo ambientais. Mas esta opção deverá ser encarada com alguma reserva. É que a recriação de um etnicismo inócuo pode ser uma ficção estratégica ao serviço do poder. Porque aquilo que realmente se pretende é construir um modelo ideal, um arquétipo do qual as contradições e o quadro social são convenientemente expurgados. Por outro lado, aparece a reconstituição diferida, tipicamente museológica. Aqui, poder-se-á falar de uma reconstituição cenográfica, onde a identidade cultural se fixa por via da catalogação, do registo. Já não se procura uma identidade à custa de um passado salvífico, mas o recurso a símbolos identitários com fins pedagógicos e, quiçá, turísticos. Mas há ainda uma outra via, esta sem dúvida a mais ousada e exigente: a recriação da tradição. Pode combinar as duas anteriores, mas em vez de um restauro, encara as tradições do mundo rural como ponto de apoio, como inspiração para uma nova linguagem, um novo fôlego criativo. Neste ponto, poder-se-ia afirmar que a tradição já não seria o que era, mas outra coisa que talvez nunca foi. Com o benefício da dúvida, é claro.
No caso presente, a criação de uma instalação deste tipo obedece a propósitos claros: por um lado, edificar um centro agregador de uma requalificação da aldeia. O que inclui a sua memória e a sua especificidade; por outro lado, criar um pólo de atracção turística. Este projecto é constituído por dois equipamentos: o telheiro, uma edificação construída de raiz, com um piso superior onde é guardada a palha e outros produtos agrícolas e um inferior onde estão expostos vários objectos (carroças, arados, etc.); a casa propriamente dita, um edifício totalmente restaurado, composto por dois pisos, onde se dispõem dois quartos, uma cozinha, uma despensa, uma sala e um armazém multiusos. As várias divisões estão devidamente decoradas com os utensílios, o mobiliário e o vestuário próprios de uma “casa rural”, tal como seria até há 50 anos. No exterior, foi instalado um poço com um picanço, uma eira, uma pequena horta e duas levadas. É claro que várias interrogações se podem colocar face à concreta utilização que o espaço terá no futuro. Funcionará em rede com outros equipamentos do concelho, ou da área do PNSE? Terá algum tipo de animação associado? Haverá protocolos com escolas? Será disponibilizado algum tipo de folheto informativo?
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Guarda, memória e tudo
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Gavotte (6)
Ler anterior
Ainda e sempre a propósito de "As Benevolentes", de Jonathan Littel, cabe desenvolver um pouco mais e concluir a análise do significado particular da Bildung alemã.
Antoine Berman, em Bildung et Bildungsroman, ("Formação cultural e romance de formação"), fornece as pistas. Segundo ele, "A palavra alemã Bildung significa, genericamente, "cultura" e pode ser considerado o duplo germânico da palavra Kultur, de origem latina. Porém, Bildung remete para vários outros registos. Utilizamos Bildung para falar no grau de "formação" de um indivíduo, um povo, uma língua, uma arte: e é a partir do horizonte da arte que se determina, mais das vezes, Bildung. A palavra alemã tem uma forte conotação pedagógica e designa a formação como processo. Por exemplo, os anos de juventude de Wilhelm Meister, no romance de Goethe, são seus Lehrjahre, onde ele aprende somente uma coisa, sem dúvida decisiva: aprende a formar-se (sich bilden)". Nem de propósito, o processo de formação intelectual e moral de Max, até um certo ponto, parece decalcada da obra de Goethe. A vastidão do seu conhecimento é surpreendente, como mais atrás referi. Todavia, a Bildung aparece igualmente associada à noção de trabalho. No sentido que, mais tarde, Hannah Arendt deu à palavra labor. Ou seja, a acção prática. Como salienta o autor citado, " Enquanto trabalho, Bildung é formação prática, formação de si pela formação das coisas. No famoso capítulo da Fenomenologia do espírito de Hegel, a dialética do Senhor e do Escravo, a consciência escrava liberta-se por um processo de formação: à medida que a consciência trabalha formando as coisas em seu redor, ela forma-se a si mesma."
Retomando o tema central, não creio que seria apropriado apelar ao wagnerianismo de Hitler. Mas se prescindirmos desse tópico, poderia sempre pensar-se que Hitler não viu nas óperas de Wagner o que há realmente nelas. Que o seu olhar empobrecido pelo anti semitismo - esse "socialismo para idiotas", como alguém lhe chamou - não captou tudo o que Wagner colocava nelas. O espantoso caso alemão consiste, porventura, em forçar a perplexidade humanista até convertê-la numa espécie de argumento para uma narrativa histórica. Como é possível que os alemães, tão cultos, incorressem na barbárie e no extermínio de milhões de pessoas? Essa continua a ser a pergunta básica desta análise. Todavia, ela encerra um pressuposto perverso: se a cultura implica (ou deveria fazê-lo) elevação moral, então poderíamos considerar todas as pessoas incultas como moralmente irresponsáveis, ou inferiores, ou simplesmente incapazes. A cultura e a moral são variáveis que não têm necessariamente que justificar-se entre si. E nem sequer são realidades que tenham que cruzar-se. Todos os que estranham que se faça um link de Schubert a Auschwitz pensam provavelmente que alguém inculto seja mais apropriado para fazer de algoz. Devem então escandalizar-nos menos as matanças do Ruanda, em 1993, do que a "solução final", só porque foram praticadas por gente sem a Bildung ocidental e humanista? Esse é um caminho muito perigoso, que permite o regresso de fórmulas racistas, encapotadas de boa consciência. É como se assumíssemos que é próprio de bárbaros ser bárbaros. Mas nós, que somos tão civilizados, como pudemos chegar a "isto"? Simplesmente porque a lógica cultural acompanha a barbárie, mas não a pode impedir. O que impede a barbárie é outra coisa. A bondade e a generosidade não passam por Schubert. Claro que este não as exclui. Todavia, não as consegue garantir. Os juízos morais não dependem, nem se nutrem, da sensibilidade estética. Respondem a outra ordem de coisas, não direi mais complexa, mas substancialmente diferente. Portanto, o assombro não é como se parte de Beethoven e se chega a Auschwitz, mas por alma de quem se há-de concluir que o facto de alguém gostar de Beethoven ou de Novalis deveria torná-lo melhor pessoa! Hannah Arendt, num artigo intitulado precisamente "A crise da cultura" explica muito bem a história do filisteísmo cultural. A certo passo, refere que o grande erro de uma burguesia cultivada foi crer que, realmente, a poesia, o teatro, a filosofia, a música, a poderia tornar melhor do que era. A anti-arte, preconizada pelo dadaísmo em 1917, fora já um aviso de que essa cultura filisteia só havia ensinado melhor aos burgueses a morrer e a matar em massa. O nacional-socialismo veio dar-lhes toda a razão, da forma trágica que se conhece. E se é verdade que Hitler disse nos seus últimos dias que "o povo alemão demonstrou não ser digno de mim", então pode afirmar-se que o síndrome do artista incompreendido derramou o seu último fulgor, de uma aberrante e profunda coerência, bem no centro da devastação produzida pelo seu pior sonho: o Estado como obra de arte totalitária.
Lembrete
Um ar sem ácaros
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
Esquerda e Direita
Esquerdo-Direito, soa nas minhas memórias, boas, da tropa. Marcha, soldado/cabeça de papel/se não marchares bem/vais preso pr’ó quartel. E, lá no ritmo contente dos magalas em Paz, se perde a sequência Esquerda-Direita na memória dourada da minha juventude.
Fica a Esquerda, fica a Direita. Mussolini era de Esquerda ou de Direita? Hitler era assim tão diferente de Lénine? Obama é tão diferente de McCain? O que eu vejo, é uma data de oportunistas que fizeram das divisões granulares do Mundo, uma bela oportunidade. E há outras para lucrar: Homem/Mulher, Velho/Jovem, etc.Vejo discursos ritmados, levados pelas palavras, que, depois dão numa prática muito patusca. Tasca da KGB, Bordel das SS. Devíamos ver com mais cuidado aqueles múltiplos personagens mutantes que dão muito mau nome à Esquerda/Direita dos nossos ódios. E, isto sem pôr em causa que, numa Democracia decente (sendo que muita decência não é democrática) Esquerda e Direita são duas posições aceitáveis de ir pondo um pé à frente do outro, na História. Dá cá uma ajuda, D. Quixote: se não virmos mais do que os nossos olhos vêem, o Mundo não passaria de uma taberna. Há tempo de Cognac, há tempo de Trabalho. Um tempo para viver, um tempo para morrer. O Juíz Baltazar Gárzon conformou por intimação judiciária, que Franco morreu e deixou a tarefa da abertura das fossas da Guerra Civil, às autarquias. A intimação judiciária para saber se Hitler morreu, por causa dos bombardeamentos da Legião Condor, ainda anda aí pelas secretarias e parece que foi expedida agora para um lugar chamado El Murcón, na Argentina, onde um índio chiquito disse que viu um jerico com um bigode curto a fugir para Sudeste. A carta de intimação para D. Sebastião se apresentar num dia de Sol, ainda está ser considerada. Garzón, do alto da sua água de colónia, disse-nos que, se fosse ele, o Tribunal de Nuremberga nunca devia ter existido. Era o mesmo que ele. Garcia Lorca, o vermelho e maricas, disse aos tipos que o iam executar depois de o arrancarem à família falangista que lutava desesperadamente por o esconder: “Não me mateis que eu acredito na Virgem”. Desgraçado de quem não o quis ouvir.
Mas eu vou ouvir Garcia Lorca: verde, te quero verde/como o cavalo na montanha. E vou ouvir um fado. E vou ouvir o coro do Exército Vermelho a cantar “No Don ficou só uma árvore em pé”. E vou ouvir aquela canção que os oficiais alemães no belo filme “Casablanca” cantavam, que falava da beleza do Reno e da saudade da Pátria. E, no fim, vou ouvir o Requiem de Mozart que diz: malditos, suspirai! Benditos, exultai!
André
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Gavotte (5)
Ler anterior
Até agora, a análise de "As Benevolentes", de Jonathan Littel cingiu-se ao universo da narrativa, ao enredo, às perplexidades de um tempo e de um regime: o nacional-socialismo. Faltava ainda colocar a pergunta fundamental: como foi possível "aquilo" no país que amava Schubert e idolatrava Goethe? O que levou a que a Bildung, ou seja, a seriedade e o radicalismo espiritual da cultura alemã, a sua modernidade, tenham conduzido à barbárie? Para tentar responder, necessário se torna tomar algumas precauções. É que uma coisa é falar do colapso moral de Auschwitz e outra, bem distinta é descrever uma tradição literária e moral que desaguou em Auschwitz. Mas que podia ter originado outra experiência, menos radicalizada do que o fantasma totalitário que se apoderou da Europa durante os anos 30 do século passado. Da Europa e não só da Alemanha, é bom repetir. As conexões entre causa e efeito colocam sempre uma questão muito delicada na construção do relato histórico. Em primeiro lugar, porque tendem a introduzir um elemento de necessidade onde impera, se não a liberdade, pelo menos o acaso. Depois, porque levam a que todo um processo apareça retroactivamente sobrevalorizado por um facto que essa sobrevalorização encara como fatalidade. O excesso de telos retrospectivamente reconstruído distorce o sentido típico, aleatório, polivalente, dos fenómenos que o presente vai produzindo. Convertendo essa vastidão numa imensa flecha que converge num único lugar: o grande centro de gravidade que se apodera do relato e, quiçá, da sua própria veracidade. É um trabalho de grande perspicácia aquele que se exige ao historiador: distinguir entre as causas realmente relacionadas, os elementos contingentes e os elementos completamente livres que configuram a base das suas hipóteses. Salvando-se assim do poder de atracção que certos factos exercem sobre esse material. Não há fatalismos na História. As tendências anteriores aos factos devem ser interpretadas com muita cautela. Sobretudo se essas tendências implicam uma leitura tendenciosa. Talvez seja desta tentação que a obra nos pretende prevenir. Usando de uma suprema elegância romanesca. Auschwitz e o nazismo funcionam, sem dúvida, como um campo magnético, capaz de condicionar muitas leituras. Mas é esse precisamente o triunfo póstumo dos nazis. Sobre o qual haverá que reflectir sem preconceitos. Não porque, de facto, se trate de uma vitória póstuma, mas porque é de acolher a possibilidade de que uma coisa - a cultura literária e moral alemã dos séculos XVIII e XIX - não tenha nada a ver com outra - o holocausto, o totalitarismo e a guerra de extermínio. E aqui convém distinguir: uma coisa é a afirmação de Adorno acerca da impossibilidade da poesia depois de Auschwitz e outra, bem diferente, é a obscuridade que Auschwitz projecta antes de si, retroactivamente. Transformando a construção da modernidade cultural na Alemanha como um caminho até ao holocausto. Essa sobredeterminação dos factos em função de um fim, tão monstruoso quanto ilógico, converte-os em algo que participa dessa irracionalidade, em algo inútil do ponto de vista da visão da Bildung alemã como um processo com potencial civilizador. Na verdade, esta não tinha esse propósito, no sentido pacificador, pluralista e democrático a que tendemos a associar a ideia de civilização. Uma ideia supostamente francesa, que aparece contraposta a um conceito bem alemão: a Kultur. Ora, a função desta não era tornar as pessoas melhores, satisfazer a utopia de uma cultura emancipadora, humanista, mas sim tentar evitar que algumas delas não soçobrassem no processo de individuação e socialização. (continuação)
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Há coisas que não mudam
Voltando ao tema inicial, gostaria de ilustrar o meu posicionamento através de um exemplo que fala por si. Conta-se em poucas palavras. Recentemente, em conversa com um arquitecto da capital, este deu-me a entender que equipamentos como o TMG "na Guarda e noutras cidades pouco populosas" era um "desperdício". E que se podiam "produzir coisas" no domínio da cultura sem equipamentos demasiado exigentes. E sabem qual a filiação partidária deste "entendido"? Vá lá, sentem-se primeiro. Pois bem, o Bloco de Esquerda. Neste dia, percebi que há, pelo menos, dois blocos de esquerda. O deste senhor e do Noutel e o do Miguel Portas. No primeiro caso, confina directamente com o PSD local. Para o caso, interessa que o referido arquitecto - para além de uma notável ignorância acerca do que significa o investimento nas infra-estruturas culturais, na especificidade do seu financiamento e na actividade em si - revela que, por detrás do seu esquerdismo freneticamente chic, existem uma série de preconceitos classistas, centralistas e ideológicos mal resolvidos. Que não conseguem esconder um incomensurável défice cultural, humanista, uma incapacidade em ser genuinamente compassivo com o seu semelhante, um patético progressismo esforçado e supostamente infoesclarecido, uma condição de crybaby dos subúrbios, que nunca conheceu as verdadeiras dificuldades da existência, um tecnocrata disfarçado de turista acidental, um queque deliciado com a condição de burguês, mas com um crachá na lapela que iluda a má consciência, a idiotia ciclotímica, o tique taque da vidinha, sim, a vidinha, a tal que Rimbaud renegou, não quando renegou a sua poesia, mas quando a exumou, na condição de traficante de armas, Rimbaud, connaissez vous, architect?
Resumindo: temos fechada a quadratura do círculo. Uma coisa é a honestidade intelectual. Sem que me julgue dela apóstolo, pelo menos não a disfarço por trás de uma coerência com sabor a teimosia. As boas ideias, as justas, não têm dono nem domínio exclusivo. Uma coisa é a direita ideológica, porventura estimulante. Outra, bem diferente, é a direita sociológica. E esta pode encontrar-se em qualquer parte. Mesmo na direita. E onde quer que a encontre, terei sempre um motivo para me rir dela.
Guarda, memória e tudo
Nota: este post será republicado diversas vezes até à estreia da peça, podendo conter informação adicional.
Tábua de marés (12)
“Feminine”
Direcção e coreografia: Paulo Ribeiro
Textos de Fernando Pessoa, retirados de “O Livro do Desassossego” e “Ode Marítima”
Música original: Nuno Rebelo
Grande Auditório do TMG, 8 de Novembro, 21h30
Depois da coreografia "Masculine", estreada em Setembro de 2007, Paulo Ribeiro criou a versão feminina daquela peça, agora apresentada. "Feminine" estreou em Julho no Teatro Viriato. Segundo o autor, o projecto das duas peças continuará até 2009, data em que pretende juntar os dois trabalhos. A peça "Masculine" era constituída por quatro personagens masculinos, que se desdobram em vários outros. Que partilhavam histórias nem sempre bem sucedidas e recuperavam, graças aos textos de Fernando Pessoa, a "monotonia das vidas vulgares", a rotina como "caminho para a felicidade". Ora, esse desenho é recuperado em “Feminine”, claramente o lado B da aventura pessoana do coreógrafo. Que, no entanto, distingue: enquanto em "Masculine" se usaram, segundo ele, "pequenos apontamentos soltos de Fernando Pessoa para dar vazão a uma exuberância de discurso físico e falado", mostrando um lado "muito lúdico, muito exuberante", em "Feminine" foi conseguida "uma peça muito mais depurada em termos estéticos".
No espectáculo, cinco mulheres, interpretadas por quatro bailarinas (Elisabeth Lambeck, Erika Guastamacchia, Leonor Keil, São Castro) e uma actriz (Margarida Gonçalves), dão (o) corpo àquilo que no texto de apresentação é descrito, apropriadamente, como “a poética do movimento feminino”. Uma poética povoada de símbolos marcadamente femininos. Que ora estão presentes na cenografia (o verde alface estonteante do tapete e as torres de iluminação laterais), ora nos figurinos (os saltos altos, os folhos), ora na intensidade verbal, ora numa renovada jovialidade, nas palavras e nos gestos, ora numa disputa acalorada mas inconsequente, ora na cumplicidade quase telepática em relação a temas chave desse universo, como por exemplo os homens, esses pobres insectos atraídos pela luz e que esbarram sempre na janela, como se diz a certa altura… Embora se saiba que é possível atravessar para o outro lado. O desenho coreográfico é umas vezes ritmado pela música, numa selecção heterodoxa de Nuno Rebelo, outras pelas palavras e risos das protagonistas. Mas é pautado, sobretudo, pelos textos do autor da “Mensagem”. Cujo desconcerto e inconformismo vão anunciando e revelando aquilo que, no meu entender, é a marca essencial da obra: um brilho pop envolto numa enorme sensualidade.
Publicado no jornal "O Interior", em 6 de Novembro
Tábua de marés (11)
Direcção: Sergi Faustino
Interpretação: Mònica Muntaner e David Espinosa
Auditório do Teatro das Beiras, Covilhã, 1 de Novembro, 21h30
Festival Y#6, 2008 (http://www.quartaparede.pt)
Suponhamos que a ideia de performance, no que se refere ao trabalho do actor, signifique a produção de sentidos através de procedimentos técnicos que exijam dele uma condição física específica e um desejo de exposição social. Parto deste conceito de performance, como uma prática teatral que implica uma experiência de vida, cada vez que é aberto o processo de representação. Entendida esta aqui não como uma simples apresentação de um texto frente a um público determinado, mas sim como uma prática colectiva de construção. De uma apresentação cénica que supõe uma ritualidade específica, uma demonstração interactiva. Ausente esse propósito nivelador, será mais apropriado falar, neste espectáculo, de uma instalação teatral. E porquê? São várias as razões: em primeiro lugar, a obra não obedece a nenhum tema central nem pretende transmitir nenhuma mensagem. O que ali se passa pertence ao quotidiano. Por outro lado, trata-se de teatro de texto, mas onde a estrutura narrativa não é linear, mas fragmentária. Quando os dois actores descrevem simultaneamente, de forma obsessiva e pormenorizada, o hall do hotel, não vejo aí um simples jogo, mas um discurso polifónico que cria um efeito de estranheza e de incomunicação. E que apaga qualquer evidência de um sentido por detrás de tanta informação. Porque é precisamente o excesso de sentido o produto mais óbvio de um discurso sôfrego e vácuo, que diariamente é veiculado pelos media. Em terceiro lugar, e como resultado, a peça é sobretudo uma comédia, onde a derrisão triunfa em toda a linha.
Existem neste espectáculo características particulares: o minimalismo cénico, que ressalta do princípio ao fim; por outro lado, aquilo que me pareceu ser uma quota generosa de improvisação, utilizada, a espaços, pelos actores. Que por vezes poderá causar algum gaguejar do ritmo, mas que, no geral, me pareceu ser uma opção convincente do encenador. Todavia, embora próxima da comédia de texto tradicional, não faltará quem aponte a sua frivolidade, ou o seu conservadorismo. Mas é precisamente essa ambiguidade que a torna uma criação tão consistente, sem que seja possível determinar a sua exacta natureza. Onde descubro uma mescla de formalismo com uma intensa poética do vazio, digamos assim. Vazio material pela ausência de cenografia e vazio dramático pela falta de acção e evolução dos personagens.
Publicado no jornal "O Interior", em 6 de Novembro
domingo, 16 de novembro de 2008
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
A avaliação
Sapo, qual sapo?
terça-feira, 11 de novembro de 2008
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Preto e Branco (pedido nº1 a Obama)
O fuzilamento tem sido pouco usado porque não garante logo a morte clínica e não põe fim ao caso, como o demonstra a abertura das fossas comuns em Espanha. Escusado será dizer que, com este fuzilamento, não se ressuscitou ninguém dos atentados de Bali, há cinco anos atrás. Claro que os apoiantes dos três “mártires do Islão” se concentraram aos milhares, de punho direito erguido (como Mandela, em Presidente ou Ieltsine, depois de mandar bombardear o Parlamento russo). Bem...é claro que o islamismo radical substituiu paixões políticas, sobretudo ali, onde a vida das pessoas é como uma execução diária. A ofensiva vietcongue de Tet começou com um ataque suicida à Embaixada americana em Saigão, onde até diplomatas tiveram de se defender à metralhadora.
Uma pessoa de outra geração diria que estes três “nem pretos, nem brancos” nativos, vestidos de lençóis e que rezavam no pátio da prisão com os guardas, sempre a sorrirem (porque já tinham encomendado a vida a Deus), tinham um sorriso e uma serenidade perturbantes. Claro que se não arrependeram. De Timothy McVeigh, o anarco-fascista branco, só conseguimos uma “preocupação pelo sofrimento das suas 157 vítimas”.
A condenação à morte é como o uso da bomba atómica: não há duas sem três e, uma vez lançada, não há retorno. O condenado, sabendo melhor que ninguém que só a Deus cabe julgar, ou ao Destino (porque certa, certa é a Morte) raramente se arrepende. Usar a “bomba atómica”, não é fazer as vezes de Deus. É não dar sequer hipóteses a Deus de existir. Não admira, portanto, que vendo os Executores administrar aquilo que calha a todos, mais cedo ou mais tarde, o condenado deixe de os ver, como estes decidiram tapar-lhe a vista, para sempre. Numa época de cegueira em que cegámos pelo excesso de luz, começamos a ter visões no escuro e a ouvir vozes nos sons mais banais. Não é loucura, é esgotamento. Assim, quando pronunciarmos “Barack, Hussein, Obama” não teremos formas de nos defender , como quando começámos a cantar a cantilena “Mao Tsé-Tung” e acabámos aos gritos fanáticos. Assim, outros por esse mundo fora o farão com outros nomes. A não ser que Barry, o moço de Illinois, comece a proibir os executores em lençóis, em fato e gravata, em bata branca ou com carta de condução.
A diferença entre os mártires de Bali e estes três novos mártires é a de que estes foram postos a viver como mortos e aqueles foram declarados mortos como se tivessem estado sempre vivos. Ora, esta eternidade de cadáveres é preta e é branca como os zombies que teimam em despertar, quando o dia acabou para todos. Perguntarão para que serve acabar com a pena de morte se o que precisamos é de comer? Isso mesmo: nem só de pão vive o Homem.
Tábua de marés (10)
Direcção e Coreografia: Cláudia Dias
Interpretação: Márcia Lança e Rui Silveira
Pequeno Auditório do TMG, 31 de Outubro, às 21h30
Trata-se do último espectáculo do Festival Y#6, no TMG, e que antes integrou o mais recente Alkantara Festival. Altura em que a ele assisti, em finais de Maio, no Teatro da Politécnica. Nesta produção há uma simbiose perfeita entre a dança e a performance. Mas seria mais certeiro chamar-lhe uma performance coreografada. Onde a autora procura, sobretudo, experimentar os vários tempos da acção, do relacionamento descontínuo entre o significante e o significado, ou seja, “a diferença entre definição-comentário-opinião e as ligações entre tempo da acção e tempo da imagem”, nas palavras de Rita Natálio, a propósito daquela apresentação. Mas que coisa é essa de que trata o espectáculo? Caixas de cartão. Que os actores vão dispondo segundo uma determinada sequência, enunciando sempre, através de um microfone, o objecto da acção empreendida. Por detrás desse microfone existe um muro de caixas cartão onde são projectadas as frases. Trata-se uma obra claramente conceptual, onde o espectador experimenta um continuado desconforto, temperado com alguma estranheza. Como se as caixas de cartão resistissem sempre aos signos e adquirissem uma espessura e uma impenetrabilidade impossível de atravessar. E como se as várias tentativas de nomear os objectos através de níveis discursivos diferentes, resultassem igualmente infrutíferas e risíveis. O que poderá significar que essas mesmas caixas com que se testam formas novas, parecem desafiar o próprio espectador. Buscando nele um ventríloquo que as nomeie, finalmente.
Publicado no jornal "O Interior", em 6 de Novembro
Tábua de marés (9)
Realização: Maria Lino
Director de Fotografia: Mário Carvalho
Duração: 83º
Pequeno Auditório do TMG, 28 de Outubro
Este singular documentário foi filmado no Feital, aldeia natal da autora, onde trabalha e reside actualmente. Trata-se de uma aldeia do concelho de Trancoso, vila onde é registada uma sequência da feira local. A obra foi exibida na edição do mês passado da tertúlia cinéfila Janela Indiscreta. Seguiu-se um encontro informal entre o público e a autora, que falou naturalmente da obra. A escolha processou-se em óbvia complementaridade com a notável exposição de trabalhos da Maria Lino, notabilizada como escultora, que decorreu na sala respectiva daquela instituição, até 2 de Novembro, intitulada “Escultura – espaço – linha”. O filme partiu de uma ideia que a autora fez chegar à equipa técnica, tendo o projecto sido financiado pelo Filmbuero Hamburgo – Alemanha. O que dizer deste objecto cinematográfico? Antes de mais, as ressonâncias bíblicas do título chamam logo a atenção. Mas percebe-se desde o início que o fio condutor da narrativa é o reencontro da artista com o seu passado, filiado na sua aldeia. Aqui acabam as coincidências, mas permanece a única hierofania: o reencontro com as tradições, os saberes, as paisagens, os cânticos, as pedras, os rostos vincados, o trabalho, as partes de um todo que nunca se vê, mas que todavia se pressente. Nesse crepitar de memórias cruzadas existe uma personagem chave: o pai da autora. Que não é de todo uma figura simbólica, mas alguém que é apresentado sem qualquer preocupação específica de lhe ser atribuída uma “densidade” e um “peso”. É apresentado tal e qual é: o fiel da balança entre o passado e o devir. Igualmente capaz de uma tirada desconcertante ou de retirar um verso da algibeira para qualquer momento. O extraordinário encontro entre dois mundos. Por um lado, a tradição, a rudeza da vida, a cacofonia da festa. Do outro, a modernidade, o tempo descontínuo, o arenque fumado e, não resisto à imagem, a persistência do olhar. É esse precisamente a matéria-prima antropológica onde o filme vai buscar o seu fulgor narrativo. Em “Maria e o Pai” coexiste uma preocupação documental pura, de procura de um registo fidedigno do objecto, com um espaçamento de ordem onírica, envolvendo ou não uma manipulação na montagem. A célebre sequência do suicídio dos lacraus é disso prova. As imagens são poderosíssimas, razão pela qual não me pareceu adequado “metê-lo” no meio de outra sequência, com a qual nenhuma ligação, real ou simbólica, é líquido estabelecer. Permanece o seu poder evocativo da crueldade, num registo muito semelhante ao da cena inicial do cult movie “The Wild Bunch”, de Sam Peckinpah, onde algumas crianças imolam pequenos répteis no fogo. Por outro lado, para além do que já se disse, nota-se ainda neste documentário uma preocupação política. A autora não pretende unicamente reencontrar as suas raízes, registando-as. Quer também que os seus habitantes experimentem desenhar e pintar, comungando da sua arte. Mas também, como contraponto, expô-los a essa mesma arte que deixou de captá-los enquanto memória e mais como figuras suspensas no tempo.
Publicado no jornal "O Interior", em 6 de Novembro
Um outro lugar
domingo, 9 de novembro de 2008
A cegueira
Aviso à navegação
sábado, 8 de novembro de 2008
Bora aí!
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quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Vivaci
O binómio
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Esperança
Dizem que numa aldeia da Normandia, antes do desembarque do dia D, havia uma prostituta que se passeava nas ruas desertas e batia às portas dizendo: “Eles vêm aí”. Não dizia mais nada, esta prostituta que certamente devia ter comido um bocadinho melhor quando foi com um oficial alemão, e que era desprezada por todos. Esta prostituta que, certamente, sem saber se sobreviveria aos bombardeamentos, e se sobrevisse, se aguentaria a purga da Resistência, ainda devia poder desfiar o rol de algumas recordações bonitas e sonhos (uma prostituta também tem sonhos) de infância.
E eles vieram. Os primeiros eram moços de 16 anos e tiveram 80% de baixas. Tiveram depois homenagens mas não estavam lá. Cá dentro, na Europa, todos os esperavam, até alguns soldados alemães, bons e valentes combatentes, fartos de Guerra, de Pátria, de Honra. Todos os esperavam e não os esperavam como os russos, porque aí, ia haver vingança. Na América havia um bocado de tudo, desconjuntado, mal posto, no fundo não havia nada de ser muito levado a sério. Havia Esperança.
Digo para mim mesmo, quando vejo essa velha que criou o neto negro filho de um amor passageiro, e que morreu antes deste dia D: eles vêm aí. Terá ela ouvido? Acredito que aquele mulato que chorou por ela em frente às câmaras, na sua fragilidade de rafeiro, de político e de órfão, lá avançou entre as palavras e pensou que “alguém gostou de mim, alguém achou que eu merecia existir”. E nesta secreta esperança de que algo vai mudar, de que há um lugar para mim e para ti na mão de Deus, recupero forças que já não pensava ter. Será verdade? Seremos capazes de aguentar? Talvez tenha valido a pena um país sem direito a existir, sem identidade verdadeira, sem pureza, sem certeza, um bónus de Espaço e História para um género humano tão incompetente, um país que repete os erros, talvez valha a pena.Só para que um espantalho humano numa aldeia deserta ao vento, esbraceje e diga ao céu: “Eles vêm aí”.
E, por eles, eu não irei para lá. Ficarei aqui, na rudeza, em nome dessa Esperança.
André
terça-feira, 4 de novembro de 2008
O triunfo da abóbora II
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
Karaté Kid IV
Tábua de marés (8)
“Uma lentidão que parece velocidade”
Coreografia e interpretação: Tânia Carvalho
Música: “Sonata para Piano kvk545”, de Mozart
Pequeno Auditório do TMG, 23 de Outubro de 2008, 21h30
Eis mais uma apresentação integrada no Festival Y#6, uma co-produção da Quarta Parede e TMG. O espectáculo foi produzido no âmbito da “Bomba Suicida” – associação de que a artista é co-fundadora - e estreou no Theatro Circo de Braga, em 2007. Tânia Carvalho tem um vasto curriculum na área da dança contemporânea, tanto a nível interpretativo como criativo. Integrou o Fórum Dança. Coreografou as peças “Explodir em Silêncio Nunca Chega a ser Perturbador”, “Na Direcção Oposta”, “Um Privilégio Característico” e “Newtan”. Desta vez, baseou-se numa frase de Jean Cocteau para dar o título a este espectáculo.
A autora começa por executar a composição para piano de Mozart. Os movimentos estilizados e o desenho do figurino conjugados criam uma atmosfera intimista e onírica. Por momentos, julguei ver um samurai com a sua espada desembainhada. Mas cedo se percebe o intento da coreógrafa: a superação dos limites da partitura musical, que há momentos fora iniciada. Segue-se uma sequência de linguagens diversas, através das quais Tânia Carvalho busca a destruição e recriação do tema musical. Ao fim ao cabo, a dialéctica criadora por definição. E para isso não olha a meios. Recorre então a um texto de Patrícia Caldeira, que utiliza para compor um dos grandes momentos poéticos do espectáculo. Depois da voz, assiste-se a uma sequência de movimentos de dança que aceleram a derrisão, a hecatombe poética e sonora. Por momentos, ouve-se o som do piano como se este tocasse sozinho. Não é do caos que se trata, bem entendido. Mas antes de uma subtil vigor, de uma irreprimível urgência. Diluídos numa composição artística rendida à geometria dos gestos, às convulsões de um corpo que se desdobra incessantemente. Mas parecendo fazê-lo para além dos limites que lhe estavam destinados por uma partitura que já se transmutou noutra paisagem. Afinal, tratou-se simplesmente das várias metamorfoses de uma rendição à música. À sua geometria e à sua perenidade. Afirmou um dia a autora acerca do significado profundo que para si tem a dança: “Gosto desta confusão que é de lhe sentir a essência, mas de não conseguir agarrá-la”. Nada mais apropriado para este singular espectáculo.
Publicado no jornal "O Interior" em 30 de Outubro