sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O Mercenário

O Diário Económico acaba de publicar uma entrevista de António José Teixeira a José Miguel Júdice. Por , nunca houve dúvidas sobre quem era este senhor. Acrescenta agora alguns pozinhos exóticos ao seu perfil: vê-se a si próprio como um "libertário"; não gosta de fatos apertados, depreendendo-se que gosta deles por medida; em matéria de ideologia, vai ao supermercado abastecer-se; está "no mercado" da política para ser mandatário de quem quer que seja, pela melhor oferta. A cereja no cimo do bolo é quando diz que Portugal é um "país de merdosos"! Esquecendo convenientemente que o Estado continua a subsidiar generosamente a sua sociedade de advogados, graças aos "pareceres" pedidos em regime de quase exclusividade. Um país demasiado paciente com este tipo de habilidosos que nada produzem, nada acrescentam, nada criam, nada dignificam por onde passam. E onde muitos ainda dão ouvidos a menorcas deste jaez. Mas há um bom remédio: expulsá-lo a pontapé. Gente desta não faz falta a ninguém.

O céu no Google Earth

A nova versão (4.2) do Google Earth inclui uma interessantíssima opção que permite explorar o céu. Tal como na versão convencional pode-se fazer uma aproximação a certas regiões e ver com algum detalhe estrelas, nebulosas, galáxias, etc. As imagens dos diferentes objectos celestes foram fornecidas pelos arquivos de imagens da ESA e da NASA, a partir das observações efectuadas através do telescópio Hubble.

Stalker

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A Vida é um Hábito

O hábito é o balastro que prende o cão ao seu vómito. Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos [...] «Hábito» é pois o termo genérico para os inúmeros contratos celebrados entre os inúmeros sujeitos que constituem o indivíduo e os seus inúmeros objectos correlativos. Os períodos de transição que separam as consecutivas adaptações [...] representam as zonas perigosas na vida do indivíduo, perigosas, penosas, misteriosas e férteis, em que, por um momento, o tédio de viver é substituído pelo sofrimento de ser.

Samuel Beckett, in 'À Espera de Godot'

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Stalker

Intermezzos de Verão

  1. Uma casa cheia de livros é bem mais interessante do que umas vistosas inutilidades topo de gama, destinadas a fazer roer de inveja os amigos e impressionar as namoradas.
  2. Um "até depois" nos olhos é a pedra de toque na afinação de um tempo que há-de vir.
  3. Gente sem delicadeza e sem uma alegria intensa que transborda naturalmente cansa-me, cansa-me de morte.
  4. Colocar um pouco de eloquência no que se quer dizer, da mesma forma que se desvela toda a discrição de um brilho improvável no que não se sabe dizer: a atenção do poeta.

António Simpson


Através do Sérgio cheguei ao local onde qualquer um se pode tornar um simpson à la minute. Isto é, simpsonizar-se ao gosto do freguês. É só enviar uma foto, personalizar a imagem, e o programa faz o resto. Depois de algumas tentativas, consegui isto. Enfim, haverá modos mais idóneos de ocupar o tempo. Mas sempre é melhor do que andar a destruir campos de milho.

Lido

"Disse-lhe, na melhor das intenções, que a ia matar, e ela, na melhor das intenções, matou-o primeiro."

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A festa do teatro em Ciudad Rodrigo

(clicar para ampliar)

Só até sábado. Toda a informação no website da organização.

Momentos Zen - 18

Se compreendes, as coisas são como são. Se não compreendes, as coisas são como são.

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O profeta

Em todas as épocas estivais é o mesmo. Não há local no mapa onde não haja uma festarola "darrijas". Com tintol a rodos, rifas, emigras e as inevitáveis vedetas pimba. Ora, para facilitar a vida aos mordomos, membros das comissões de festas e entidades promotoras, pois que a concorrência no sector já vai apertando, nada melhor do que uma consulta prévia ao Portal Pimba. Está lá tudo o que é preciso saber. Inclusive o vídeo retirado de um programa da TVI, onde aparece Nel Monteiro e sua filha de 5 anos. O crème de la crème é a interpretação, em dueto, do tema intitulado "No dia em que fizeste 18 anos". A pedido de numerosíssimas famílias, é claro. Por conseguinte, Nostradamus tem um sucessor à altura.

Stalker

O nó górdio

No weblog de Luis Filipe Menezes apareceram vários textos retirados da Wikipédia e vários websites, assinados pelo próprio e sem qualquer referência à respectiva fonte. As postagens dizem respeito a Miguel Torga, à bomba de Hiroshima e ao desaparecimento de Antonioni e Bergman. Já depois de a notícia ter sido divulgada, o candidato à liderança do PSD corrigiu o tiro: ao mesmo tempo que enviava uma nota à imprensa, editou as fontes nos lugares próprios. Qual o significado do episódio? Escasso, pois só confirma a ideia que já tinha de LFM: um poço de contradições, populismo q.b., zero em ideias, menos que zero em projecto. Uma autêntica reedição do Lopes, revista e aumentada, com pronúncia do Norte. Além disso, escreve francamente mal. A propósito, vejam-se alguns excertos da postagem "Os Nós e os Laços" (será que LFM procurou criar ambiance com o romance homónimo de António Alçada Baptista, ou foi simples coincidência? Não se sabe): "Existe uma matriz, diria, genética nesta maneira de ser..." (o diria no início da frase é tipicamente politiquês e a vírgula inexistente após genética faz a diferença. Para pior); "a excessiva e asfixiante burocracia, é um dos nós mais górdios que nos estrangulam o desenvolvimento" (um dos nós mais górdios? quais serão os menos górdios? e não será a burocracia, por si só, um excesso?). Enfim, espero que LFM se mantenha entretido a compor a marginal fluvial de Gaia e não nos mace durante muito tempo com os seus ditirambos.

Graffitis - 17


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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Lido

Para os que insistem em estender o lençol remendado do anonimato na blogosfera, não sei o que sentirão depois deste post, certeiramente intitulado "As fezes das fezes da blogosfera". No "Combustões".

Cessa de Correr !

Se não cessas de correr, marulhando no ar tépido com as tuas mãos como natatórios, olhando furtivamente tudo diante de que passas no meio-sono apressado, acontecer-te-á também um dia deixar passar diante de ti o carro. Se te mantiveres firme, pelo contrário, com o poder do teu olhar fazendo crescer as raízes em profundidade e em comprimento - nada então te poderá eliminar - em virtude não das raízes mas da força do teu olhar que escruta - será então que verás o longínquo imutavelmente obscuro de onde nada pode surgir a não ser precisamente uma vez este carro que rola para ti, que se aproxima, cada vez maior e que, no próprio instante em que entras em tua casa, enche o mundo enquanto mergulhas nele como uma criança no banco acolchoado de uma diligência que corre através da tempestade e da noite.

Franz Kafka, in "Meditações"

domingo, 19 de agosto de 2007

Stalker

sábado, 18 de agosto de 2007

O Individuo Indestrutivel

Teoricamente, só há uma possibilidade perfeita de felicidade: acreditar no indestrutível em si sem a ele aspirar.
O indestrutível é um; cada indivíduo o é ao mesmo tempo que é comum a todos, daí esse laço indissolúvel entre os homens, que é sem exemplo.

Franz Kafka, in 'Meditações'

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Preces atendidas - 15

Gwyneth Paltrow

Leituras

"É preciso ter muita fé para reconhecer símbolos no que acontece na realidade. Sobretudo no que acontecerá mais tarde, porque o hoje é o sempre: dele partem todas as linhas de fuga da existência, agulhas magnéticas de todos os lados oscilantes e sensíveis a qualquer vento."

"A atenção é o único caminho para o inexprimível, a única via para o mistério. (...) Souffrir pour quelque chose c'est lui avoir accordé une attention extrême. (Assim Homero sofre pelos troianos, contempla a morte de Heitor; assim o mestre de esgrima japonês não distingue entre a sua morte e a do adversário). E ter concedido a alguma coisa uma atenção extrema é ter aceitado sofrê-la até ao fim, e não só sofrê-la mas sofrer por ela, pôr-se como um escudo entre ela e tudo o que possa ameaçá-la, tanto dentro como fora de nós. E é ter assumido sobre si mesmo o peso das obscuras e incessantes ameaças que são a própria condição da alegria. Aqui a atenção alcança talvez a sua forma mais pura, o seu nome mais exacto: é a responsabilidade, a capacidade de responder por alguma coisa ou por alguém que nutra em medida igual a poesia, o entendimento entre os seres e a oposição ao mal.
Porque na verdade todo o erro humano, poético, espiritual, na sua essência não é senão desatenção. Pedir a um homem que nunca se distraia, que subtraia sem descanso ao equívoco da imaginação, à preguiça do hábito, à hipnose do costume, a sua faculdade de atenção, é pedir-lhe que actue na sua máxima força. É pedir-lhe uma coisa muito próxima da santidade numa época que parece procurar apenas, com cega fúria e arrepiante sucesso, o divórcio total da mente humana em relação À sua faculdade de atenção"
(Ed. Assírio & Alvim, 2005)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Stalker



Praia do Alvolião, Zambujeira

It's a blog, stupid!

O autor desta obra, Pedro Fonseca, é jornalista e "blogger" activo. A edição é do Centro Atlântico, Famalicão, 2007.
Como se diz na introdução, o "livro recorda e organiza seis casos, nacionais, pioneiros na emergência de problemas inesperados no mundo dos blogues. Alguns acabaram nos tribunais - acusados no âmbito do Código Penal e dos crimes contra a honra. Outros mostraram os limites da liberdade de expressão." Os episódios relatados que abalaram a blogosfera lusa são: a acusação de plágio a Miguel Sousa Tavares, no Freedom to Copy (anónimo); o ataque informático ao Abrupto, de Pacheco Pereira; o despedimento de jornalistas do Primeiro de Janeiro, após terem denunciado várias situações daquele jornal no Diário de um Jornalista; a denúncia, em primeira mão, das irregularidades no percurso académico de José Socrates, em Do Portugal Profundo, de Balbino Caldeira, a que se seguiu uma participação criminal por parte daquele; o caso Chicken Charles, um blogue satírico, em que o eventual autor, com o mesmo pseudónimo, foi perseguido pelo Presidente da Câmara da Covilhã, por o ter alegadamente difamado; por último, o célebre Muito Mentiroso, que divulgou informações bombásticas sobre a investigação do caso Casa Pia cobertas pelo segredo de justiça, o que determinou o seu encerramento voluntário.
Comentando a obra no suplemento "Digital" do Público de sábado, escreve Eduardo Cintra Torres: 'três aspectos sobre a blogosfera: Primeiro, hoje, ela faz parte do circuito mainstream da opinião e da informação, seja a nível local, seja a nível nacional. Segundo, (...) a blogosfera é sem dúvida um espaço público adicional de "verdades inconvenientes" e comentários inconvenientes, que os seus autores não conseguiriam transmitir através dos media tradicionais, como é o caso dos sufocantes meios autárquicos da província ou no âmago dos próprios media. Terceiro, a estrutura legal, policial e judicial não tem ainda as ferramentas adequadas para tratar os blogues como media não convencionais, correndo-se o risco de alguns deles, que prestam um serviço público igualmente não convencional, serem alvo de uma dupla censura: a que tentaram romper e a que se abate depois sobre eles em representação do "sistema".' (edit meu)

Momentos Zen - 17

Meditar é tanto o meio como o fim

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Bieloquê?

Afinal não é só na rede disponibilizada nos ciberespaços geridos pela Câmara Municipal da Guarda e na China que se pratica a censura na web. Este senhor dá pelo nome de Alexandre Lukachenko e foi "eleito", supõe-se que com mandato vitalício, para presidente da Bielorrússia. Descende directamente da sinistra nomenklatura soviética e ficará na história com o triste galhardão de último ditador europeu da Guerra Fria. Soube-se agora que Lukachenko quer "regulamentar" os media online naquela república, a fim de pôr termo, segundo ele, à "anarquia na internet". Questionado sobre possíveis reformas democráticas, não se fez rogado: "a liberdade que existe na Bielorrússia é mais do que suficiente e não menos do que em outros países". Que países? perguntamos. A Venezuela, do seu amigo Chavez, o tal que mandou fechar um canal de TV "inconveniente"? A Coreia do Norte? A frase sugere um enigma, uma equação matemática não resolvida, uma mensagem codificada, destinada a Alberto João Jardim. Mas este crápula existe mesmo. E pobres dos bielorrussos.

domingo, 12 de agosto de 2007

Obrigatório

Hoje, na RTP 2, às 21H15, a não perder o documentário MIGUEL TORGA – O Meu Portugal. Esta produção "conduz-nos numa viagem pelo país e pela identidade portuguesa que se percepcionam em múltiplos textos do escritor, sobretudo em prosa, neste ano de 2007 em que se assinalam 100 anos sobre o seu nascimento."

Diário de um tolo

A vida minimal e repetitiva - 3

A vidinha também vai de férias, ora essa. Aliás, o que seria da vidinha sem as férias? As férias são o ovomaltine da vidinha. Esta tem que dar o braço a torcer, negando-se periodicamente a si própria para continuar a ser ainda mais vidinha. As vidiférias são o louvor anual, em letra de forma, que a ilusão do desvario presta à estrita normalidade vidinhante, o tónus revigorante que a confirma na sua glória eterna. A vidinha, durante as férias, transforma-se num pai condescendente e desembolsante. As zezinhas e os zezinhos transportadas da vidinha tornam esta uma autêntica peça de ourivesaria. Porque se a história fosse outra e não o refulgir holístico e sazonal da vidinha, as companhias escolhidas eram outras que não as da vidinha. Fiz-me entender? A vidinha em férias chapinha, passeia à noite, aventura-se, aproxima-se do risco com gritinhos de virgem, deslumbra-se com as Piazzas di Roma e os templos no país de Thai, rejubila com a cor do mar em Santorini, julga-se num filme em Petra. Mas o carrossel disneylândico tomado pela vidinha é uma fabulosa miragem, uma iridescência da miséria que obriga a quem cai no seu fulgor vidivinhante, estontinhante, braguilhante, vidillingus, tetilhante, entedilhante, viditético, copulinhante, esterquilhante, tesãomijante.

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Stalker


Praia do Brejão
Alteirinhos, Zambujeira

sábado, 11 de agosto de 2007

Lido

A blogosfera permitiu-me conquistar este doce sentimento de irresponsabilidade: não prometer. não cumprir, não julgar, não querer saber. Demorei anos para chegar até aqui.

Luís M. Jorge, no "A Vida Breve"

A leda mansidão

Em "O MUNDO PERFEITO", Isabela escreve sobre os homens em Portugal. Segundo ela, sejam eles gay ou straight, enfermam do mesmo pathos: inconstância, imaturidade, propensão para o engano, uma inclinação para a deriva predatória em que as mulheres, no que aqui interessa, coitadinhas, são invariavelmente as vítimas, etc. Conclui então que, no fundo, o que os homens gostariam era ser gays com mulheres, por via dos argumentos que desenvolve. Helas! A vociferante e paródica comunidade panasca agradece estas pérolas de sabedoria. Vejam-se os comentários ao post. Nem sequer perceberam a suprema ironia que ela encerra: os homossexuais, de um modo geral, sexualizam a vida muito para lá dos limites do doentio. Para eles, o ideal seria haver uma marcha do "orgulho" todos os dias e uma casa de banho em cada esquina. "Vamos?" "Bora lá!" É o grau zero da linguagem, 20 000 anos depois de ela ter sido inventada. É o mercantilismo no seu estado puro, de que, pelos vistos, são os melhores intérpretes. E quem sabe se a linguagem e a delicadeza não nasceram para tornar possível que uma doce mentira desperte uma inocente gargalhada? Longe, muito longe do carrossel gay do deboche minimalista. Mas o que me espanta neste tipo de discurso é outra coisa: a invocação redentora de uma espécie de superioridade moral em razão do género. De uma tendência para a generalização, que tudo distorce. Esta atitude - falsamente identitária - poderia advir, por hipótese, do estrato social, do clube, da região, da filiação política, etc. Todavia, neste caso, a causa é indiferente perante a produção de um mesmo efeito. Ora, será que a autora não percebeu que os piores defeitos atribuídos aos homens são precisamente aqueles que, hoje em dia, muitas mulheres copiam em larga escala? Será este lapso no texto motivado por falta de atenção ou simples pudor? Suponho que nem uma coisa nem outra, mas antes não querer admitir o óbvio. Senão vejamos: afirma a autora em tom irónico que "as mulheres dão muito trabalho". Mas não será essa a regra fundamental, cujo contraponto é "os homens darem-se ao trabalho"? Não será também o "doce engano" uma peça fundamental do jogo? Que restará então a esta dança sem o encanto da negociação subtil, com avanços e recuos, das mentiras inocentes, da aceitação de um jogo que raramente se confessa jogar? Já adivinharam? É a SEDUÇÃO o que está em causa. É esse o pano de fundo deste debate. Misturá-lo com a estéril dicotomia sexo/amor, se com ou sem, mais um ou menos outro, ou assim-assim, é pura perda de tempo.

Preces atendidas - 14

Cristina Campo

Receita para um poema

Uma coisa que se possa tocar, pegar, largar, uma coisa que pese nas mãos e que se possa olhar pelo lado de trás, que desloque o ar e desloque a água, que se a deixarmos cair, quem se parte é o nosso pé e não a forma, uma coisa fora do tempo, ainda presa a ele, suportada por ele no espaço, como se está desde que já houve um não eu para tornar-se eu, e haverá, até que haja um fim para o não eu, por meio do qual, e só dele, se podia alguma vez ter sido, suportado por isso, mas mais nada, apenas sobre ele, não condutor, como o pardal isolado, pelos seus duros pés não condutores, do fio de alta tensão, a corrente de tempo que corre através do recordar, que existe só para ele, uma coisa acompanhada pelo instante da virgindade, uma coisa onde se está absolutamente só, não como antes, não como depois, pois seja, o precipício, o precipício em que tu ardes, inventas o terreno para plantar jardins de fogo, jardins de sangue, um cintilar que divide e rasga, a luz que tudo devora, mas também o novelo que começa onde morre, a coisa, um belo pedaço de pedra ou de bronze, limpo e duro, a memória fora da carne, a memória que nada sabe de si própria, a pedra cortada, por dura que seja, pelo tempo que leve a fazer dela um rosto que sofre tão perto das pedras sendo já ele próprio uma pedra, mas se alguém lhe toca o mundo incendeia-se, e com ela possas abrir o teu corpo em dois para ler as letras do teu destino na noite das palavras degoladas, essa coisa que se possa tocar, segurar, olhar por detrás, inventar com o olhar, sentir a solidez, de modo que, ao deixar-se cair, não será nunca o silencioso fruto apodrecido que irá tombar, nem a coisa se quebra, mas o pé em cima de que cai, talvez o coração atónito, pois que o valor de um poema é a soma do que é preciso pagar por ele.

in "Labirintos"

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O prestidigitador


Mário Cesariny, "a velha desdentada" que experimentou como nenhum outro a virtude no excesso, faria ontem oitenta e quatro anos. Antes que façam dele mais um adorno do regime, para gáudio dos cortesãos que por aí abundam, aqui vai uma das suas provocações mestras.

o regresso de ulisses
O HOMEM É UMA MULHER QUE EM VEZ DE TER UMA CONA TEM UMA PIÇA, O QUE EM NADA PREJUDICA O NORMAL ANDAMENTO DAS COISAS E ACRESCENTA UM TIC DELICIOSO À DIVERSIDADE DA ESPÉCIE. MAS O HOMEM É UMA MULHER QUE NUNCA SE COMPORTOU COMO MULHER, E QUIS DIFERENCIAR-SE, FAZER CHIC, NÃO CONSEGUINDO COM ISSO SENÃO PRODUZIR MONSTRUOSIDADES COMO ESTA FAMOSA "CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL" SOB A QUAL SUFOCAMOS MAS QUE, FELIZMENTE, VAI DESAPARECER EM BREVE. PELO CONTRÁRIO, A MULHER, QUE É UM HOMEM, SOUBE SEMPRE GUARDAR AS DISTÂNCIAS E NUNCA PRETENDEU SUBSTITUIR-SE À VIDA SISTEMATIZANDO PUERILIDADES, COMO FILOSOFIA, AVIAÇÃO, CIÊNCIA, MÚSICA (SINFÓNICA), GUERRAS, ETC, ALGUNS PEDANTES QUE SE TOMAM POR LIBERTADORES DIZEM-NA "ESCRAVA DO HOMEM" E ELA RI ÀS ESCÂNCARAS, COM A SUA CONA, QUE É UM HOMEM. DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS, ANTES DA ROBOTSTÂNICA GREGA, OS ÚNICOS HOMENS-HOMENS QUE APARECERAM FORAM OS HOMENS-MEDICINA, OS HOMENS-XAMAS (HOMOSSEXUAIS ARQUIMULHERES). ESSES E AS AMAZONAS (SUPER-MULHERES-HOMENS). MAS UNS E OUTRAS ERAM DEMAIS. E DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS QUE PENÉLOPE ESPERA O REGRESSO DE ULISSES. MAS O REGRESSO DE ULISSES É O HOMEM QUE É UMA MULHER E A MULHER QUE É UMA MULHER QUE É UM HOMEM.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Stalker

Praia do Alvolião (Zambujeira), no PNSACV

Momentos Zen - 16

Bate no céu e escuta o som!

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O véu

Esta imagens não resultam de uma montagem. Foram registadas durante uma entrevista realizada recentemente pela jornalista da RTP Márcia Rodrigues ao Embaixador do Irão. Pergunta-se: deveria a jornalista apresentar-se em fato de banho, ou com um decote hollywoodesco? A resposta é não. Será que o traje que enverga, conforme à sharia, se destinou a despertar a familiaridade do Embaixador, de forma a obter alguma cacha? Não me parece. Evoca mais facilmente um número dos Gato Fedorento, uma capitulação, uma exposição particularmente aviltante, um sintoma de cobardia e de amnésia, face ao longo caminho que no Ocidente a conquista da liberdade teve que percorrer, face às teocracias e aos mercadores do invisível. De resto, um tema já aqui referido. Os seus inimigos agradecem.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Bricolage de Verão

Quase toda a gente foi de férias na blogosfera. Até o Pedro Mexia. Consumir destinos exóticos com o bilhetinho de ida e volta bem guardado na carteira. Apaziguar a revolta e o compromisso, para em Setembro arredondar o tremendo equívoco, a fatal ilusão. Durante uns dias, serem os actores perfeitos da sociedade do espectáculo. Até ao próximo Verão. E logo em Setembro, senhores, o mês em que tudo é possível! Não porque vieram das vossas férias normalizadas, mas porque é aí que elas verdadeiramente começam! Aqui o chefe faz férias quando quer, viaja sem nunca sair do lugar, porque todos os lugares são no estrangeiro. Mas quando vai, nunca regressa. Boa sorte, camaradas. Que saudades de Rimbaud!

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Fonte férrea, em Odemira

O regresso das trevas

Há dias passou na RTP 2 um excelente documentário sobre as seitas fundamentalistas cristãs que proliferam nos EUA. Assumem-se como a consciência moral da América. Fazem coincidir, ad nauseum, os valores que defendem (ao fim ao cabo, um programa político ultra-conservador) com os pilares básicos da Nação. Incluindo, porventura, não permitirem a entrada nos seus templos a homossexuais e a mulheres que praticaram aborto. Um cristianismo de fino recorte, como se nota. Mas os cabecilhas não dormem em serviço. Ao pé deles, a tropa de choque da Igreja Católica - a Opus Dei - parece constituída por escuteiros:
são lobistas legítimos em Washington, onde organizam campanhas impressionantes sempre que está em causa a discussão de legislação "sensível", assumindo-se como bloco eleitoral de facto. Durante as campanhas eleitorais, distribuem panfletos pelos crentes, aconselhando o voto nos candidatos com perfil cristão. Invariavelmente republicanos, está bom de ver (ficou assim a conhecer-se a verdadeira razão por que Bush ganhou as últimas presidenciais). Organizam assembleias religiosas que parecem um misto de estúdio televisivo em hora de reality show, sessão de brainstorming intensivo e campanha de marketing agressivo e pseudo-espiritual. Assustador. A verdadeira espiritualidade está ausente, é claro. Substituída por uma transcendência de supermercado, a que democraticamente todos podem aceder, sem demasiadas perguntas. Para a juventude, organizam uns concertos "tipo MTV" onde, a páginas tantas, um assanhado grupo rapper se transforma num coro de querubins trazendo a boa nova. Os líderes têm invariavelmente um ar gorduroso, repelente, com reminiscências pedófilas. E contas bancárias recheadas, com toda a certeza.
Esta ultradireita religiosa chegou a colaborar na propagação do terror, no pós 11 de Setembro, através do envio de cartas contaminadas com antrax. Mas a "coisa" vende. Progride nos Estados do Sul e do Midwest. Pode tornar-se um sério embaraço num país que, embora invocando sempre Deus, criou o estado secular e o primado da lei. Estes "cristãos" descendem directamente do Arcebispo Cirilo de Alexandria. O tal que, em 415, incitou os seus monges e a chusma a matarem a derradeira cientista pagã da Biblioteca de Alexandria, Hipátia. Cirilo foi santificado, é claro. E aposto que Hipátia foi massacrada não por ser pagã, mas por ser mulher da ciência. São epígonos de Ireneu (130-202), um padre da Igreja que proclamava que os gnósticos e os pagãos tinham sido identificados como agentes de Satanás e que praticavam actos de canibalismo. O clima é o mesmo, sendo as nuances determinadas pelas diferentes possibilidades trazidas pela tecnologia: impor as ideias ao próximo por amor (Vd. Arno Gruen, Falsos Ídolos). Este fim justificava e continua a justificar o emprego de todo o tipo de violência. É a génese do espírito inquisitorial, do medo e das trevas. Com Deus fora do baralho.

Nota: sobre o tema, embora centrado na questão artística, recomendo a leitura de um excelente artigo de Camille Paglia, Religion and the Arts in America. Brevemente editarei uma postagem sobre a autora.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

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O cabo Sardão, em pleno P. N. Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, com alguns ninhos de cegonhas marinhas

O novo Fausto

É sabido que o exercício da actividade política pressupõe a aceitação de uma elasticidade que não é exigível ao cidadão comum. Há que saber, em suma, deixar actuar nas doses certas determinadas propriedades, como a velocidade e a leveza, por sinal duas das propostas de Italo Calvino para o próximo milénio. Mas tudo tem limites. A figura patética que Marques Mendes se prestou a fazer na recente visita à Madeira, autêntico beija-mão ao soba Jardim, não me surpreendeu pela exemplaridade, mas pela submissão da razão à barbárie. São conhecidas as imagens. Elas falam por si. No meu caso e, creio que na mente de muitos portugueses, decaiu definitivamente qualquer empatia com o líder do PSD. De uma assentada, negou os grandes princípios éticos por que tem conduzido a sua acção política, agachando-se atrás de um populismo terceiro-mundista. O mesmo que tanto combateu o caciquismo nas autarquias, vem agora caucionar o terrorismo insular à la Jardim, com os olhos postos na contabilidade eleitoral. Tornando-se assim no novo Fausto da vida pública nacional.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Momentos Zen - 15

Muita fé. Muita dúvida. Muito esforço.

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Graffitis - 16

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domingo, 5 de agosto de 2007

Petição a favor de Dalila

Circula pelo ciber-espaço uma petição de apoio a Dalila Rodrigues, a anterior directora do Museu Nacional de Arte Antiga. Recorde-se que, apesar de ter desenvolvido naquela instituição uma acção de reconhecido mérito, foi afastada do cargo pela Ministra da Cultura. Segundo tudo indica, por alegadamente ter manifestado publicamente o seu desagrado com o novo modelo de gestão dos museus. Para o seu lugar foi nomeado um dos habituais mangas da alpaca com certificado de fidelidade canina à situação.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O fim da bananada

As palhaçadas do soba Jardim, a quem Hugo Chavez foi buscar grande parte da inspiração, continuam a subir de tom. Desta vez, o Gungunhana (sem ofensa para a memória deste) da Madeira pura e simplesmente recusou a aplicação da Lei do aborto naquela região autónoma. De uma assentada, nega a soberania do povo português, ao ter-se pronunciado favoravelmente quanto à alteração do regime vigente sobre a matéria, nega a soberania da Assembleia da República, nega a Constituição, na parte em que manda aplicar as leis da Republica a todo o território nacional. O ideal seria organizar uma expedição punitiva e encontrar um novo Mouzinho da Silveira. O mínimo dos mínimos é Cavaco Silva deixar de pairar acima das questões terrenas e fazer uso das suas competências, que contemplam a dissolução da Assembleia Legislativa Regional, nos termos do art. 133º, j) da CRP. De que é que está à espera?
*Soube agora que o valor previsto para a aplicação da nova lei pelos serviços de saúde regionais é inferior ao apoio concedido anualmente pelo Governo regional para o rali da Madeira. Mais palavras para quê?

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

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O Mondego no Covão da Ponte

Mais do mesmo

Longe das festividades ao gosto popular e da inacreditável Beirartesanato, ocupando o centro da cidade da Guarda durante 15 dias (em vez da Praça Velha, o local mais apropriado), vim a confirmar o que já suspeitava: noutras localidades do país onde acontecem eventos semelhantes e em condições análogas, as câmaras respectivas têm o cuidado de enviar uma cartinha aos residentes na área envolvida, apelando à sua paciência e a outras virtudes estóicas, face aos incómodos causados. Aqui não. Faz-se e pronto. "Eles que engulam, se quiserem", já estou a imaginar as palavras do zelota sociólogo (?) ao serviço da autarquia, entre dois arrotos. Distribuição porta a porta só nas campanhas eleitorais. São pormenores como estes que fazem a diferença. A grande diferença onde se insinua o savoir-faire, de mansinho.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

O amor cerra os olhos



O amor cerra os olhos,não para ver mas para absorver:a obscura transparência,a espessura das sombras ligeiras, a ondulação ardente: a alegria.Um cavalo corre na lenta velocidade das artérias.O amor conhece-se sobre a terra coroada:animal das águas,animal do fogo,animal do ar:a matéria é só uma,terrestre e divina.

António Ramos Rosa, in "Três Lições Materiais" (1989)