quarta-feira, 30 de maio de 2007

Preces atendidas - 9

Sarah Polley

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Momentos Zen - 6

O ego diz, eu sou; o coração diz, eu sou menos; o espírito diz, não és nada.

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Correr em Moscovo

O diálogo decorre numa varanda do Kremlin, tendo como interlocutores um conhecido Engenheiro Civil português e o Intendente-Geral de todas as Rússias:

Engenheiro: ó Excelência, queria ir fazer o meu jogging matinal. Pode ser na Praça Vermelha?
Intendente: espere aí, Sócrates. Deixe-me só fazer um telefonema... a ver se despacho mais uns jornalistas atrevidotes que pensam que podem dizer o que lhes apetece, como no Ocidente. Será que a Politkovskaia não lhes serviu de exemplo? Quando quiser fazer o mesmo lá em Portugal, é só dar-me um toque. Dar-lhe-ei todas as indicações
Engenheiro: mas Putin, e em relação ao jogging? É que já telefonei aos jornalistas amigos. As televisões estão lá daqui a meia hora...
Intendente: Meu bom Engenheiro. Com certeza que sim. Mas primeiro tem que baixar as calcinhas... Ups, estava a brincar! Sabe, é este antigo humor russo, que já vem dos tempos de Ivan... Bom, só lhe peço então que faça uma declaração para o prime time de hoje à noite. Já aqui tenho o papelinho. Foi a Natacha que escreveu ontem à noite. Diz assim: "A Europa não deve dar lições à Rússia". Pode ser? Vá lá, pense no Gás, como se as ondas cerebrais fossem etéreas. Enfim, adoro estes trocadilhos, que me disseram o meu conterrâneo Fiodor ter usado nos seus romances. Fica sempre bem.
Engenheiro: De acordo. Só isso? Mas, pensando melhor, depois quero um mestrado em Lançamento do Tijolo II, pela Universidade de Novosibirsk. Vale?
Intendente: Está feito. Vou já mandar os meus pitbull fecharem a Praça. Vá, não se canse muito, pois logo temos negócios a tratar...

terça-feira, 29 de maio de 2007

Pedalada

Dois estudantes de Engenharia Civil da Universidade Independente encontraram-se e um deles trazia consigo uma bicicleta extraordinária. O outro, curioso, perguntou: “Onde é que arranjaste essa bicicleta tão fixe?”. O primeiro explicou: “Ontem, quando descia a avenida, uma rapariga parou ao pé de mim, deitou a bicicleta no chão, tirou a roupa toda, chegou-se perto de mim e disse: Agora, toma o que quiseres.” “Boa escolha,” disse o estudante Sócrates, “provavelmente a roupa nem te servia.”

Statler, no "Blogue dos Marretas"

Os fariseus

A esquerda festiva e suburbana está a promover uma coisa chamada "Greve Geral", em exibição amanhã nos melhores estabelecimentos. É de esperar que vá bramir por mais "dinheirinho" ao fim do mês, promoções a eito, nada de coisas complicadas como a flexisegurança, que façam mover os "instalados" do empreguinho para toda a vida, uns carros de som a debitarem palavras de ordem inaudíveis, os sindicatos atarefados a inflacionarem os números dos aderentes. Em conclusão, uma autêntica "jornada de luta" contra... contra... enfim, alguma coisa há-de ser, em versão Jacques Tati da Brandoa.
Melhor só o comentário no "Incontinentes Verbais", sobre este acontecimento:
"Uns ficam em casa a coçar a barriga, como forma de luta. Outros lutam para terem uma casa onde coçar a barriga."

Graffitis - 13


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Passeando na blogosfera - 8

A páginas tantas dou de caras com a "Loira Suicida", um blogue produzido no Alentejo e, até ver, inclassificável. Contundente e polémico quanto baste. A prová-lo, alguns comentários masculinos inseridos - mais próximos dos resquícios vitorianos de uma mulher virtuosa e passiva, ou da canónica investigação do Dr. Charcot (assessorado por um então jovem e desconhecido médico, de nome Sigmund Freud) no Hospital de Salpêtriére sobre a "histeria" feminina, que do best-seller "Married Love" (1918), da activista Marie Stopes. Seja como fôr, a autora prima pela elegância na polémica e pela coerência dos conteúdos. Sobre a relevância da "vidinha", real ou imaginária, dos autores, desfiada nos blogues e respectivos significados ocultos, leia-se esta postagem.

O Cansaço da Literatura

Entre os sinais que me avisam de que a juventude terminou, o principal é aperceber-me de que a literatura já não me interessa verdadeiramente. Quero dizer que já não abro os livros com aquela viva e ansiosa esperança de coisas espirituais que, apesar de tudo, outrora sentia. Leio e quereria ler cada vez mais, mas já não recebo as várias experiências com entusiasmo, já não as fundo num sereno tumulto pré-poético. A mesma coisa acontece-me ao passear por Turim; já não sinto a cidade como um incentivo sentimental e simbólico para a criação. Já está feito, dá-me vontade de responder de cada vez.
Tomadas em justa conta as minhas várias equimoses, obsessões, fadigas e terrenos estéreis, resulta claro que já não sinto a vida como uma descoberta e, muito menos, então, como poesia - mas, antes, como um frio material para especulações, análises e deveres. Aqui encalha, agora, a minha vida: a política, a prática, tudo coisas que se aprendem nos livros, mas os livros não alimentam como o faz, pelo contrário, a esperança de criação.
Ora, quando novo, procurava um sistema ético: descoberta a posição do impassível explorador, vivia-a e desfrutava-a sob a forma de criação. Agora, que deixei definitivamente de a desfrutar sob a forma de criação, apercebo-me de que não serve, sequer, para viver.
Eis um grave dilema: perdi tempo, até agora, ao escolher a poesia, ou o estado actual é premissa de mais profunda e vital criação?

Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver'

O estilo

"O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Deseja ter tudo quanto vive sob controlo. Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado. O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações. Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa. Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade."

António Barreto, no "Público" de ontem

domingo, 27 de maio de 2007

In the morning you always come back

A fresta da madrugada
respira pela tua boca
ao fundo das ruas desertas.
Luz gris os teus olhos,
doces gotas da madrugada
nas colinas escuras.
O teu passo e o teu hálito
como o vento da madrugada
submergem as casas.
A cidade arrepia-se,

exalam cheiro as pedras –
és a vida, o despertar.

Estrela perdida
na luz da madrugada,
brisa que zune,
calidez, hálito -
a noite chegou ao fim.

És a luz e a manhã.


Cesare Pavese, in “Trabalhar Cansa”, Edições Cotovia, trad. Carlos Leite

Agimos Sempre no Sentido do Destino

No fundo, a sabedoria do destino é a nossa própria. Porque a acompanhamos com uma consciência incessante daquilo que, no fundo, nos é permitido fazer. Podemos estar sujeitos a algumas tentações mas nunca nos enganamos. Agimos sempre no sentido do destino. As duas coisas formam uma só.
Quem se engana é porque ainda não compreende o seu destino. Quer dizer, não compreende qual a resultante de todo o seu passado - o qual lhe indica o futuro. Mas quer o compreenda ou não, indica-lho à mesma. Cada vida é aquilo que devia ser.

Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver'

O Autor nasceu em Santo Stefano Belbo, Itália, em 1908, tendo-se mudado ainda em criança para Turim. Licenciou-se em filologia inglesa na Universidade de Turim, com uma tese sobre Walt Whitman, após o que se dedicou à tradução de escritores de língua inglesa. Passou um ano na prisão em Barcaleone, por razões políticas. Por essa altura publicou a sua primeira recolha de poemas: Trabalhar Cansa (1936), editado em Portugal pela Cotovia. Trabalhou como conselheiro editorial de Einaudi. Suicidou-se num hotel de Turim, no dia 27 de Agosto de 1950. Deixou-nos, publicado postumamente, um dos mais belos diários alguma vez escritos: O Ofício de Viver (1935-1950), ( Relógio d'água, 2004, trad. Alfredo Amorim).


sábado, 26 de maio de 2007

John William Waterhouse, The Lady of Shalott



Virginia AstleyA Summer Long Since Passed

Mais ainda

Dar a ler. Porquê dar-se a ler o que quer que seja? Merecerão as descobertas, as preferências próprias de cada leitor, exposição? Pretenderá esse gesto ganhar o valor de uma universalização do gosto (pessoal)? Pretenderá quem dá a ler o texto de outros apresentar-se como modelo de valorização?
Tudo perguntas que são becos. Ler é repercutir. Dar a ler é dar ao movimento. Se o texto estava imóvel e na sombra, a exposição a outros olhos deslocou-o. Se o texto for vibrante e o corpo do leitor vibrátil, então algo de novo acontecerá.

Sempre os detalhes

O sublinhado é literalmente a linha que se coloca por debaixo da linha emaranhada das letras. Ele diz: compreendi-te, desensarilhei-te, estendo-te sobre esta linha, porque algo me dizes, e talvez te ame. Ou: quero voltar à tua intensidade.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Coisas que me ajudaram a crescer

Ainda Lisboa

No "Combustões" encontrei esta pérola sobre a situação actual de Lisboa, com uma breve digressão sobre as grandes mudanças operadas na cidade de há 100 anos para cá. O texto completo poderá ser lido aqui.

"A nostalgia é sempre uma condenação e um libelo contra o que está. A torrente de obras sobre Lisboa, que invade as estantes das livrarias, tem uma explicação: os lisboetas detestam a cidade onde vivem, olham para a cidade perdida com um misto de misericórdia e saudade. Lisboa foi assassinada por portugueses. Hoje, é buraco, são graffitis, portas e janelas emparedadas, obras suspensas, jardins devastados, árvores ressequidas, lixo, mendigos e gente esfarrapada, urinóis contra as paredes, fachadas escalavradas. Lisboa já não é cabeça de nada. O império morreu, os ministérios estão entregues a provincianos boçais que a invejam e detestam, os ricos dela se ausentaram, estabelecendo-se nas Cascais e Belouras. Lisboa morreu. Só não demos conta disso porque há por aí alguns necrófagos que querem acabar o trabalho por outros entusiasticamente iniciado."

Momentos Zen - 5

Se te quiseres afogar, não te tortures em água rasa.

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Blogossário - 6

Blogfolio - trata-se de um jornal online, criado para mostrar o trabalho de investigação do autor numa determinada área. Pode também apresentar-se como uma grupo de blogues.

Blogger - aquele que publica conteúdos num blog. O termo pode também ser usado para designar o Blogger - serviço de alojamento do Google. Normalmente, neste caso, a palavra aparece em maiúsculas.

Bloggies - Tendo começado no ano de 2001, os bloggies são prémios atribuídos anualmente no Annual Weblog Awards. Onde são apresentados os galardões para o melhor blog, melhor "tech blog", melhor "gossip blog", de carreira e outros.


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quinta-feira, 24 de maio de 2007

Imagem do dia

Fotografia dos anéis de Saturno, captada pela câmara ultravioleta da sonda Cassini.

Lido

"Ontem atirei um jarrão da Vista Alegre às fuças da minha sobrinha. Levou dezoito pontos no trombil, mas os dentes de leite voltam a crescer. Uma coisa é certa: a puta da miúda não torna a mudar de canal, quando estiver a dar a pequena Madeleine."

Nós é que somos OTArios

Todos os estudos técnicos não encomendados pelo Governo e a maioria dos especialistas concluíram que a construção do novo aeroporto de Lisboa deveria ter lugar num de dois locais da margem sul, rejeitando categoricamente a hipótese da Ota. O Governo continua a insistir nesta última como se de uma questão de sobrevivência do regime se tratasse. Perdendo a maioria qualquer pudor em subscrever declarações que, certamente, irão enriquecer o anedotário nacional.
Por um lado, Mário Lino, Ministro das Obras Públicas, vem lembrar aos mais incautos, num debate promovido pela Ordem dos Engenheiros, que a margem Sul é um "deserto". Toparam? Num deserto não se constroem aeroportos! Eis uma simples graçola de mau gosto erigida a argumento "técnico" em favor da Ota. O registo da intervenção pode ser visualizado aqui.
Mas já antes, e em desespero de causa, algumas figuras senatoriais da nomenclatura socialista, como Almeida Santos, se tinham referido a esta questão. Afirmou o antigo presidente da AR que a localização do novo aeroporto na Margem Sul colocaria uma magna questão de segurança: um possível ataque terrorista que destruísse as duas pontes dividiria o país em dois. Não se conhecem as actuais preferências literárias e cinematográficas de A.S. Uma coisa é certa: deveria ser imediatamente "despachado" para Hollywood, onde não teria dificuldades em ganhar a vida como argumentista de filmes do género apocalíptico.
A venalidade e a teimosia destes senhores vai sair muito cara ao país. Que vai começando a ficar saturado de tanto culto da personalidade, tanta arrogância, tanto desplante, tanta irresponsabilidade.

Graffitis - 12


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quarta-feira, 23 de maio de 2007

Chegou o circo Costa

Com a devida vénia, e com a suprema imodéstia de assinar por baixo, remeto para a leitura de um artigo de Rui Ramos, publicado na edição de hoje do "Público", intitulado "A nomeação de António Costa". Está lá tudo o que é preciso saber quanto às próximas eleições em Lisboa.

A promessa

Eis a razão por que os homens que vão na primeira fila de combate estão sempre dispostos a morrer: há a promessa de uma transição, sente-se a alma limpa, pronta a atravessar qualquer encruzilhada nos confins do espaço.

O palco está montado

As eleições intercalares em Lisboa têm o mérito de revelar algumas tendências em curso no panorama político nacional, ao mesmo tempo que o pathos dos vários candidatos:
1º desde logo, a inacreditável decisão da governadora civil em marcar as eleições para 1 de Julho, ao arrepio da lei, impedindo que se formassem e organizassem candidaturas independentes, em benefício claro das listas apresentadas pelos partidos políticos. Como se sabe, por imposição do Tribunal Constitucional, o acto eleitoral foi marcado para quinze dias depois. Coincidência ou não, a referida senhora foi vista recentemente numa acção de campanha do PS.
António Costa aparece, à partida, como o candidato ganhador . Mas ter avançado para a corrida diz bem da estratégia que o Governo montou para a autarquia lisboeta: uma espécie de mostruário, um elo instrumental das grandes decisões da Administração central em matéria urbanística, ambiental, financiamento das autarquias e planeamento do território.
3º O PSD deu de barato estas eleições como perdidas, não se esperando grandes surpresas do seu cabeça de lista, Fernando Negrão.
4º O CDS-PP avançou com Telmo Correia, um dos pitbull multiusos de Portas. Sendo óbvio que a gestão de expectativas associada se limita à fixação de eleitorado e lançamento de soundbytes no palco mediático. Capitalizados por Portas no seu labor oposicionista.
Sá Fernandes (o Grande Embargador) aparece de pedra e cal pelo BE. Decerto reunirá algumas simpatias que ultrapassam o universo tradicional do Bloco e cimentará a sua posição no executivo camarário. No entanto, apesar de bramir contra as sinecuras camarárias, incluindo os assessorias, veio-se a saber que o vereador tem ao seu serviço 11 assessores, custando ao erário público cerca de 20 880 Euros mensais. Os vícios aprendem-se depressa.
Helena Roseta parece ser a única lufada de ar fresco nesta eleição. Captando simpatias e apoios em várias faixas do eleitorado, de forma transversal, adivinha-se uma votação significativa na sua candidatura. Resta saber quem escolherá para a sua equipa e qual o programa que irá apresentar. Pois não basta agitar a marca da independência e da "marginalidade" em relação às estruturas partidárias. Das quais, afinal, procede. Pede-se-lhe que os métodos sejam diferentes e o modo de exercício do poder escape à lógica habitual do tráfico de influências e do clientelismo. Deste modo, talvez constitua a grande surpresa para Lisboa.

Soube agora que Carmona Rodrigues anunciará hoje a sua candidatura a esta corrida eleitoral. Esperando uma vaga de fundo que o sustivesse e um convite de um "Gosford Park" partidário que não vieram, Carmona atirou-se de cabeça para o altar sacrificial. Pretende assim forçar uma espécie de desagravo público perante quem lhe retirou o tapete. Sob as vestes de uma candidatura unipessoal, destinada a marcar presença. Mas que, por ser feita à margem da tralha dos partidos, é de aplaudir.
Anselm Kiefer, Eridanus

terça-feira, 22 de maio de 2007

A mesopausa mental

Parece que existe um programa na TV chamado "A Bela e o Mestre". Por uma questão preventiva, nunca tal produto veio ter comigo, nem eu com ele. Se calhar fiz mal, pois a diluição televisiva da tragédia e da comédia é o atalho mais directo para a estupidez, o desodorizante de que se nutre o homo videns. Chegámos então às inanes manifestações de saber exibidas no "porgama" em causa e elencadas por JPP no Abrupto:
"As meninas esforçaram-se bastante para consolidar a sua posição de burras. O cômputo geral do programa acrescentou mais uma série de spoonerisms ao escasso catálogo nacional (o britânico é vastíssimo), com uma “pluriosidade” no clima da Madeira, o “multimato”, o “conflito israelo-pasteliano” e a “mesopausa”. As meninas não sabiam a capital do Iraque, nem quem era Fidel, mas sabiam que a capital da África do Sul era Moçambique, quem era Margaret Tish, vulgo Tatcher, e achavam que o “bailado típico do Ribatejo era o flamenco”, que a canção era “se uma gaveta voasse”... Não está mal e um dos mestres disse e muito bem que “a Vera tem falta de desconcentração”, o que também não está mal."
Não se riam. São "produtos magníficos do sistema escolar português" e da formatação televisiva.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Numa fronte ausente

Terra e noite,
as mãos escavam.
Insistem e desfazem-se
numa fronte ausente.

Na cabeça subsistem
algumas palavras inúteis.

A mão devagar traça
– vai traçar –
uma rede de sinais de que dependo.
A luz descobre o corpo.

Algumas palavras a mais desaparecem.
Neste instante
a pedra é nua.

António Ramos Rosa

A ralé

Ontem à noite estava tranquilamente em casa empolgado com a leitura de "Os Exércitos da Noite", de Mailer, quando fui interrompido por um coro de buzinas de carros, entrecortado por algumas espaçadas exclamações de júbilo. Pensei logo que, para casamento, não só a hora era tardia como as expressões de alegria nada tinham a ver com a solenidade habitual do momento. As penosas festividades académicas também não podia ser, pois em boa hora terminaram na semana passada. Fui então à janela, onde pude observar meia dúzia de automóveis, alguns enfeitados com uma bandeira em tons de azul (que normalmente costumo ver empunhada por manifestantes, nas entradas e saídas do Tribunal e sedes da PJ pelo conhecido fruticultor Pinto da Costa). Seguiam ocupados por alguns cidadãos e cidadãs devidamente uniformizados com cachecol e t shirts azulados, num meio termo entre os despiques automobilísticos celebrizados por James Dean e uma versão pindérica dos transportes báquicos de outras eras. Em vez de evohé, emitiam sonoridades singulares onde o f e o p predominavam. Liguei então o rádio e percebi que tinham acabado de ganhar o que parecia ser o Campeonato. Pensei logo no desbaste que levaram as hortas este ano. Liguei a televisão e, ad nauseum, pude ver repetidas as costumeiras imagens de meia dúzia de ex-reclusos, seguranças de discotecas, alternadeiras em dia/noite de folga e peixeiras aos saltos na Baixa do Porto, empunhando cartazes com máximas latinas, naquela deliquescência orgiástica tão exaltada por Catulo e tão lamentada por Séneca, onde podiam ler-se aforismos como estes: Nam tua res agitur, paries cum proximus ardet. (Quando vires as barbas do vizinho a arder, põe as tuas de molho); Tarde venientibus ossa. ( Quem tarde vier comerá do que houver.), SLB SLB, filius putae, (intraduzível); Tres feminae et tres anseres sunt nundinae. (Três mulheres e um pato fazem uma feira.); Retro sedet ianuam, non invitatus ad aulam. (à boda e a baptizado, não vás sem ser convidado.); Dat veniam corvis, vexat censura columbas. (Só vão à forca os ladrões pequenos.); Vicinum pecus grandius uber habet.(A cabra da minha vizinha dá mais leite que a minha.); Ficum ficum voca.(Pão, pão; queijo, queijo). Consegui mesmo decobrir um infiltrado, arriscando o seu pescoço, com as seguintes palavras de ordem: Tandem óbtinet iustitia. ( A justiça tarda, mas não falha).
As imagens transmitidas de ano para ano são elucidativas quanto à forma recorrente como os adeptos da tal agremiação regional festejam os seus triunfos. Fazem-no com um natural e genuíno entusiasmo, como se vê pela Europa fora? Não, que ideia. O objectivo orgástico do frenesi é achincalhar os clubes concorrentes, da forma que se conhece. Dar expressão ao ódio mesquinho e provinciano e não à alegria plena da vitória. Voltando à Guarda, números bem espremidos, viam-se ontem cerca de cinquenta automóveis buzinando sem destino pela urbe. Vá lá, não houve reféns nem lançamento de petardos...

domingo, 20 de maio de 2007

Preces atendidas - 8

Isabelle Huppert

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sábado, 19 de maio de 2007

A Bem da Nação

Através "Do Portugal Profundo", cheguei a uma notícia divulgada no "Público" de ontem, que diz o seguinte:
"Um professor de Inglês, que trabalhava há quase 20 anos na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), foi suspenso de funções por ter feito um comentário – que a directora regional, Margarida Moreira, apelida de insulto – à licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates."
Pelos vistos, os zelosos capatazes do costume não deixam de praticar a "boa acção" diária em prol da boa moral da Nação. Sim, até porque o "sr. primeiro-ministro é o primeiro-ministro de Portugal", atira Margarida Moreira, Directora Regional da DREN, no libelo acusatório do procedimento disciplinar. O respeitinho é muito lindo. Para lembrá-lo existem estes mangas de alpaca, que assim pagam as habituais nomeações pela porta das traseiras e com senha cor-de-rosa. Ora bem! Sobretudo quando "o primeiro ministro que é primeiro ministro de Portugal" se auto-proclama Engenheiro em letras sonantes, com uma licenciatura concluída num domingo. Como é que isto se dirá em inglês técnico?

Sobre o episódio, obrigatório ler esta oportuníssima postagem de José Adelino Maltez. Que remata chamando à colação "este ambiente de decadência que marca os actuais meandros das novas leis da rolha, este garrote sorridente que vai semeando um totalitarismo doce, sob a capa da partidarite, da compra do poder, do clientelismo e da personalização do poder. Espero que muitos continuem em resistência, na defesa da liberdade."

A mancha

Marcas de leitura. Gosto dessas marcas. Porque a leitura é uma refrega. Por vezes uma batalha. De que vale ler, se não houver nódoas negras? De que vale ler, se não se lancetam as nódoas? Um texto incólume diante de um leitor inalterado: haverá relação mais triste?

Mais do mesmo

Ontem recebi um telefonema de uns amigos de Lisboa, procurando informações acerca das cerimónias hoje ocorridas na Guarda, a propósito do centenário da inauguração do Sanatório. Em vez de uma descrição pormenorizada, por telefone, remeti-os para este blogue, onde poderiam estabelecer ligações para outros locais da web contendo informações sobre o acontecimento. Entretanto, comunicaram-me que, previamente, já tinham acedido ao site oficial da Câmara Municipal, onde pensavam encontrar algo. No entanto, nem uma referência ao assunto. Nesta altura, pedi para repetirem, pois julguei que estava com problemas de audição. Mal terminou o telefonema, abri a página em questão. Pois bem, os destaques iam para um Intercâmbio Escolar entre a Escola de Santa Zita e a Escola Pierre Curie – Wattrelos e ainda para um projecto ambiental intitulado "Flores para a mãe"! Sobre um acontecimento que mobilizou grande parte da cidade, que trouxe milhares de visitantes e que foi notícia em todo o país, nem uma única linha! Eu sei que é difícil acreditar, mas sempre poderão confirmar in loco o que aqui digo. Confesso que já há muito não via a incompetência, o desprezo e o autismo juntarem-se de forma tão auspiciosa. Para este escândalo, decerto concorrem as nomeações políticas e de favor que abundam na autarquia. Já agora: onde fica Wattrelos?

Ares da Guarda


"Que fazer dos nossos ares frios que sob a forma de neve já no século de Gil Vicente se exportavam para a longínqua Lisboa?
Vendê-los, em casa, imitar como podíamos os eternos Davos-Platz dos outros, oferecê-los aos que sofriam do "mal" de um século em vias de urbanização acelerada, e à falta de águas milagrosas de outros sítios, lavar-lhes os pulmões nesse ar ainda não poluído da nossa provincial "montanha mágica". Sem se dar ares, que a sua modéstia não lho permitia, a Guarda, na nossa "belle époque", não se converteu na cidade onde se vinha a ares. Mas tomou consciência, e a tradição dura até hoje, que os seus "ares" eram, para quem os procurava, uma aposta de vida.É pena que nenhum Thomas Mann caseiro não tenha deixado um breve sinal de que a busca salvadora dos nossos dares lavados, era também, sabendo-o ou não,um passo como outros na simbólica montanha da verdade, aquela onde os ares salvam porque são cortantes."

Eduardo Lourenço, in caderno colectivo Ar Livro, Guarda, 2004, edição NAC/CMG

*para informações sobre a evocação histórica da inauguração do sanatório, ver aqui.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

O dom

Porque todo o poeta é estrangeiro. Porque nos desloca e altera. Porque nos dá uma nova casa em nossa casa, um novo horizonte ao horizonte (julgávamos nós) por demais conhecido. Porque o poeta mora na demora, mesmo quando utiliza a mesma língua que nós. O seu idioma, porém, é outro, sempre. Porque se demora na língua, nos impossíveis da língua. E no espaço que ela percorre, rio, montanha, cidade, mar. O seu dom é a atenção obsessiva. Onde deixámos de ver, ele vê ainda.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Centenário Sanatório

No âmbito das comemorações do centésimo aniversário do Sanatório Sousa Martins, terá lugar na Guarda um espectáculo de evocação histórica da cerimónia e festividades associadas, no próximo dia 19 de Maio de 2007, a partir das 10.00 horas. A inauguração, recorde-se, contou com a presença de Suas Majestades a Rainha D. Amélia e o Rei D. Carlos. Sob a coordenação geral de Américo Rodrigues, director artístico do TMG, a evocação será baseada em textos deste vosso criado e de Hélder Sequeira (que também é consultor histórico desta produção). Mais informação sobre os intervenientes, consultar o blogue do TMG.
O espectáculo inicia-se na Estação de Caminhos de Ferro, com a chegada do Casal Real. Será depois feito um percurso em carruagem, pelo Mileu, Dorna, Rua 31 de Janeiro (na altura D. Luiz I), Praça Velha, Rua do Comércio, passando pelo Largo da Misericórdia, e seguindo então até ao Sanatório, onde terá lugar a inauguração propio sensu. Uma descrição dos festejos ocorridos na altura poderá ser lida nesta notícia, obtida a partir de jornais da época. A produção do evento cabe ao Teatro Municipal, sob encomenda do Hospital Sousa Martins.

Nota: esta postagem será recolocada em datas sucessivas até à data do evento.

Momentos Zen - 4

Pensar é mais interessante do que saber, mas menos interessante do que olhar.

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quarta-feira, 16 de maio de 2007

As marionetas

Observar as festividades académicas dos alunos do Instituto Politécnico da Guarda é um exercício deveras instrutivo: dúzias de estudantes embriagados, num berreiro frenético e desprovido de qualquer propósito subversivo ou utópico, é um espectáculo confrangedor. A antecipação dos guichets dos centros de emprego poderia e deveria ter uns preliminares mais ousados, mais improváveis. Que fossem para além de umas despedidas festivas e desajeitadas da virginal condição e uns hectolitros da vil beberagem germânica de côr amarelada. Sinal dos tempos e de uma instituição-modelo para humoristas e criminólogos.

A nova velha esquerda

Ver Daniel Oliveira no programa televisivo "Eixo do Mal", especialmente no último. Que melhor exemplo para observar o que a esquerda convencional ainda consegue balbuciar, num mundo onde se limita a resistir, numa busca desesperada de heróis (o melhor que conseguiu arranjar foi o primata Hugo Chavez), caminhando para o abismo sem deixar de ignorar a erosão das figuras saídas dos sarcófagos que galhardamente esculpiram uma meta-história tristonha em tempos idos? E que insiste em exibir uma consciência solene ou festivamente limpa, preocupada em não sair de cena de um equilíbrio mundial que não compreende. Mas onde não deixa de emular uma patética peregrinação em direcção ao abismo. Sintomática, a incapacidade em aplaudir qualquer acto, qualquer modelo político que pressuponha mais sacrifícios que os que estaria disposta a assumir, em paralelo com a propensão para não perdoar a audácia de políticos predestinados ao sucesso, fora da vulgata messiânica. Pois o conhecido bloquista, notabilizado por ter jurado a pés juntos que o que se passou na praia de Carcavelos há dois anos foi uma ilusão de óptica colectiva e por ser o porta voz actual de Sá Fernandes (o "empata" do túnel), veio dizer uma coisa espantosa: Blair é uma figura menor na cena europeia, decretando logo a seguir que ficará na história unicamente por causa da Guerra do Iraque. Notável, tamanha cegueira. Blair é o político europeu que melhor compreendeu os novos equilíbrios mundiais e que melhor interpretou as aspirações tradicionais da social democracia europeia. Que assentou em três pilares básicos: um ambiente favorável para as empresas e para os negócios; manutenção de mercados abertos e com altos índices de ocupação, porque é necessário que um mínimo de 70% da força laboral de um país esteja activa para que se torne possível o financiamento que proporciona o chamado Estado do Bem estar; finalmente, um bom sistema de pensões sociais, formação profissional, educação e saúde. Foi este o programa básico da Terceira Via, a designação sob a qual promoveu as suas políticas, mediante o contributo teórico de um think thank, que teve Anthony Giddens como figura de proa. Blair conseguiu a proeza de ver reduzidos drasticamente os índices de desemprego na Grã-Bretanha, com valores próximos do pleno emprego, aumentada a competitividade da economia, mantida a qualidade e o fluxo de prestações sociais e serviços públicos, controlar as tensões sociais com origem na multiculturalidade, gerir o complicado dossier da segurança e da ofensiva contra o terrorismo. E tudo isto sem deixar o Reino Unido de ser um parceiro indispensável no processo de integração europeia. Em suma, o melhor P. M. que o R.U. já teve desde a Segunda Guerra. Sendo exemplo incontornável para grande parte da esquerda europeia de inspiração social-democrata e social-liberal. Mas pronto, Daniel Oliveira e seus compagnons de sarjeta pensam o contrário. Grande parte da esquerda francesa também. Por isso perderam as presidenciais.
Para acabar, um excerto delicioso de Norman Mailer, retirado de "Os Exércitos da Noite" (ed. D. Quixote, 1997). Diz o autor de "Os Nús e os Mortos", referindo-se a determinados liberais (em determinados contextos, o correspondente americano à nossa esquerda mais caricatural) na década de 60: "a posição ou o poder na sociedade eram, para o tecnólogo liberal, também um conceito desejável, mas sempre com a possibilidade de ser abandonado em troca de outro melhor. Eram servos daquela máquina social do futuro, na qual todo o conflito humano irracional seria resolvido, negociado todo o conflito de interesses, e a ressonância da natureza seria condensada em frequências que, confortavelmente e consoante o gosto, a pudessem ligar ou desligar. As suas salas de estar pareciam escritórios precisamente por estarem prontas a ser mudadas para a Lua a fim de formarem cidades de Utopia - sendo utopia, pode bem supor-se, o único nome apropriado para modelos-piloto da Utopia em Áreas de Estágio Não Terrestres ecologicamente Subdependentes e Francas, ou seja, planetas mortos, para onde se tenha de mandar comida, mas onde as possibilidades de bons direitos cívicos e engenharia social sejam cem por cento de truz!"

terça-feira, 15 de maio de 2007

O Pastor cá da Serra - 1


NOTA: Este é o primeiro de uma série de cartoons, assinados por Marco Cruzeiro, com que o autor inicia a sua colaboração neste blogue.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

O sopro

A Ana tem razão: MENTIRA, É TUDO MENTIRA.

Mais que esperança

Goya, Modo de Voar

domingo, 13 de maio de 2007

O neo fascismo - 3

Para rematar a magna questão da lei anti-tabaco recentemente aprovada, faltava apreciar o assunto do ponto de vista fiscal. Onde se juntarão brevemente as receitas das multas previstas para os infractores. Para tanto, socorri-me de um artigo de Victor Cunha no "Blogue Atlântico", quando diz o seguinte:
Entre as acções concretas que o Estado tem usado para combater o tabagismo uma evidencia-se: a acção no preço. Fazendo contas em escudos (choca sempre mais), um maço de Marlboro custa hoje 630$00, ou seja, 31$50 por cigarro. Deste valor, cerca de 70% (22$00), destina-se aos cofres do Estado. Um fumador médio (20 cigarros/dia) gasta todos os anos cerca de 230 contos para queimar o tabaco que lhe equilibra a alma (e mais de 160 contos são impostos). Não contente, prepara-se para começar a aplicar multas desumanas ao prevaricador insolente. O Estado Fiscal é a versão revista e aumentada do Estado Policial.

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Histeria

Sexta-feira à tarde. No escaparate de um quiosque, como sempre, as publicações devidamente expostas para que os transeuntes se fixassem nos títulos alinhados nas respectivas capas. Reparei então no seguinte pormenor: seis revistas chamadas "do coração" e da vida "social", a que se juntava a insuspeita "Visão", tinham em manchete os últimos desenvolvimentos "bombásticos" do caso da pequena Madeleine, desaparecida no Algarve. É evidente que a histeria se apoderou dos media nacionais. Mas também uma espécie de servilismo rasteiro perante o destaque inusitado que os tablóides britânicos estão a dar ao caso. O Sun até já oferece uma recompensa no valor de 15 000 Euros a quem dê informações sobre o paradeiro da criança. A ideia que fica é que há que contrariar, a todo o custo, a suspeição de que o nosso país é um santuário para tarados e pervertidos. Com uma veemência proporcional à tradicional soberba britânica para connosco. O clima espalhado já deu os seus frutos: desde uma impressionante mobilização de meios de busca, até declarações dos agentes políticos e diplomáticos. É bom recordar que, em Portugal, só no ano passado, desapareceram 31 crianças em condições semelhantes. Nenhuma delas foi capa de revista. E se calhar bem. Pois a única resposta possível perante o tipo de criminalidade associada, especialmente repugnante, é a eficácia da acção policial. A mobilização silenciosa de todos os meios disponíveis para o esclarecimento desses casos. À margem da pressão da opinião pública acicatada pelos media. Será pedir demais?

sábado, 12 de maio de 2007

Momentos Zen - 3


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Ainda mais detalhes

Parto. Adentro-me em território estranho, a escrita do outro. Meu desígnio é perder-me, ser assaltado, despojado da língua, a materna. Não abdico de um pouco de broa da memória, mas preferirei colher as amoras que os atalhos da leitura me oferecerem. Seguirei o rasto dos seres rebeldes e ariscos, que se escondem furtivamente à passagem das caravanas oficiais. Procurarei abrigar-me à sombra da vida clandestina do texto. Espero a metamorfose do convívio com os salteadores, os raros e os mendigos . Minha glória será não me reconhecerem à chegada.
Assim meditou. Depois, debruçou-se sobre o livro, e leu.

Mais detalhes

As tripas do livro, cá fora. As navalhas do olhar estiveram lá dentro, a vasculhar. Sangue e excrementos, escorrendo. Antes, o corpo na sombra. O corpo de leitura. O corpo umbral. Agora, o corpo friável. O corpo abaixo da superfície, revolvido. O corpo de superfície revolvida. O corpo atravessado pela insensibilidade da lâmina, sentido noutro corpo. Esse, o corpo da leitura.
Aquele ali, o corpo corpo, ou este aqui, o corpo que lê, são o corpo opaco. Manchas no sol. Corpos ilegíveis. Solitários. E, contudo, o livro é um espaço sacrificial. Aí se rasgam os corpos, aí comungam, aí se comem uns aos outros, permutando memórias, mortes e vitalidade. Aí se suturam os corpos com partes de outros corpos.

Detalhes


Os livros são países, confidencia o leitor errante. Descobertos, não conquistados; percorrendo atalhos, não vias cartografadas; por vagamundos, não por plenimundos. Escrever é uma anabase, uma viagem em direcção ao interior de um país que nasce no risco do esquecimento. Ler é seguir o rasto de quem escreve - mas quem lê, inevitavelmente, perde-se, transvia-se, desvia-se da linha traçada, treslê, despista-se nas curvas da letra, escreve outro percurso, lê outro país. Continua o leitor errante: conheci um explorador genuíno (mas nada conquistou e nada tinha que fosse seu); sobre a leitura disse:
Os livros são chatos de ler. Não há neles livre circulação. Somos convidados a seguir. O caminho está traçado, único. Muito diferente é o quadro, total. À esquerda, também à direita, em profundidade, sem peias. Nele não há trajecto, há mil trajectos, e as pausas não são indicadas. Mal a gente o deseje, de novo o quadro todo, por inteiro. Num instante está ali tudo. Tudo, mas nada ainda é conhecido. É aqui que se deve começar a ler.
O livro é, não obstante as limitações da memória, como um quadro: no momento em que se acaba a leitura, tem paisagens, vales, dobras sombrias, cor, corografia. Dos seus picos (cobertos com a neve dos sublinhados) os pobres espremem citações, os sábios erigem torres académicas e os vagabundos visionam panoramas de intensidade, medo e fascínio. Há também um ambiente, nos livros, uma luz do lugar, um sopro, às vezes um odor, único, que atravessa o país desvelado pela primeira leitura. No fim do livro é que começo a ler. Na revisita é que apreendo esse espírito que une leitor e escritor na mesma aflição, a aflição que impele à escrita e à leitura, conclui o leitor errante.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Preces atendidas - 7

Lauren Bacall

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O neo fascismo - 2

(continuação)
Diz-se que esta nova lei anti-tabágica tem dois objectivos primordiais: persuadir os fumadores a deixarem de o fazer e proteger os não fumadores, impedindo-os de ser fumadores passivos. Os fins são estimáveis, é claro. E confesso que estou rendido ao argumentário dos higienistas e dos fautores do politicamente correcto. Nesta perspectiva, eis alguns dos cenários que se avizinham:
1. Vou passar a não frequentar restaurantes, bares e discotecas. Vendo bem, até se poupam umas coroas. Mas não será por isso que deixarei de conviver, pois parece ser esse um dos objectivos ocultos desta Lei: remeter as pessoas para o isolamento, para a normalização sanitária, pois assim são mais facilmente controláveis. Estão a ver a analogia com "O Admirável Mundo Novo"?
2 Mesmo que vá, por necessidade imperiosa, jantar com uns amigos, o cenário poderia ser este: durante um bom bocado, o convívio processa-se normalmente. Na altura das sobremesas, nota-se uma estranha inquietação, uma ausência bloqueadora que ninguém ousa nomear. Sob pena de o dono telefonar à polícia e sermos daí a nada escoltados por meia dúzia de cabos-de-esquadra, só por alguém ter soletrado a palavra proibida. Vem o café e aí a angústia torna-se insuportável. Até que o mais afoito, tentando reproduzir a aproximação de um comando aliado a uma praia normanda no dia D, chega-se à porta. Cá fora, a uns bons 10 metros, não vá aparecer o Tiago Mendes com um apito, puxa do "coiso" e acende-o. Já agora, aqui na Guarda e no Inverno, esta saída "higiénica" poderia significar uma semana de gripe. Mas adiante. Encorajados por este lance de coragem, os outros imitam-lhe os passos. Nesta altura, o dono já está a começar a desconfiar de uma golpada. Por essa razão, as saídas são rotativas. Nas mesas ao lado, o processo é idêntico. A certa altura, grande parte dos clientes e até dois empregados já estavam "cá fora". Pela nossa parte, o ambiente estava irremediavelmente inquinado. Nem um digestivo se pode saborear. Nem a tal conversa animada chegou sequer aos preliminares. Nem a tal anedota se chegou a contar. Nem aquele olhar meio enevoado que eu ia lançar à X, como uma radiosa promessa para a noite. Nada. No final, cada um para sua casa. Carregando uma espécie de culpa sem culpado. Autênticos personagens saídos de uma novela de Kafka.
3. Se puxar de um cigarro numa praia, cairão em cima de mim trinta polícias marítimos, assessorados por dez membros do Exército de Salvação e um taxista em férias que ia a passar por ali a coçar os tomates, murmurando que "é prexijo pôr esta malandraje na ordem! olhem qu'esta!".
4. Se resolver mesmo acender uma cigarrilha de topo num café, durante a tarde, vejamos os desenvolvimentos mais óbvios: vem o empregado com uma máscara de cirurgião e envia-me provisoriamente de quarentena para uma sala contígua, destinada ao efeito. Entretanto, o dono já telefonou às "autoridades" e, passados quinze minutos, estacionam à porta do café: uma carrinha com um pelotão de polícias anti-motim equipados a rigor; um carro de baixa cilindrada conduzido pelo pároco local, munido de um manual prático para exorcismos; a carrinha da ala psiquiátrica do Hospital, com dois enfermeiros empunhando um colete de forças; dois elementos do SIS; um clone do Dr. Gentil Martins; uma carrinha dos Bombeiros para o que desse e viesse; o fantasma do Harry Truman - o Presidente americano que deu a ordem para o lançamento das duas bombas atómicas e cuja frase preferida era mens sana in corpore sano; por fim, talvez mesmo o Homem Aranha. Entretanto, nas mesas em redor, um cocainómano a inalar uma fila, um admirador de Mao Tsé Tung e um executivo debruçado num laptop - lançando ordens de compra e venda de acções, que viriam a colocar no desemprego centenas de pessoas num país obscuro da Ásia - estavam visivelmente solidários com as forças da ordem e incomodados com a impertinência do pestífero smoking- serial- killer encarcerado na sala ao lado.

A prósito desta cruzada anti-tabagista, que prenuncia outras que aí vêm, é fundamental ler duas obras:
1. "O Admirável Mundo Novo", de Huxley. O fundamentalismo sanitário, a instauração da "Soma" (a droga única) e o paternalismo assistencial, inimigo da lucidez e da propriedade plena sobre o corpo, já lá estão. É só comparar com a situação criada com esta lei. Descubram as diferenças.
2. Para outros vôos, sobretudo para os amantes da liberdade e do conhecimento obtido através de diferentes estados de consciência, recomendo "Drogas, Embriaguez e Outros Temas", de Ernst Jünger.

O neo fascismo - 1

Cinco razões determinaram, noblesse oblige, que voltasse à carga contra a recente lei anti-tabágica, que determina, entre outras coisas, a proibição de fumar em locais públicos fechados. São elas:
1. Esta notícia, segundo a qual a proposta poderá obrigar os proprietários dos cafés e restaurantes com menos de cem metros quadrados a denunciar os clientes fumadores. Caberá ao proprietário do estabelecimento "chamar as autoridades administrativas ou policiais, as quais devem lavrar o respectivo auto de notícia.
2. Este post de Fernanda Câncio, a favor, que reproduz um texto de Tiago Mendes, versão revista de uma outra postagem no "Cinco Dias", com abundantes comentários.
3. Este texto pró-legislação de Vasco Barreto, em "A Memória Inventada"
4. O comentário crítico de João Miranda, no "Blasfémias".
5. A evocação de "O Admirável Mundo Novo", de Huxley.

Espantoso. Instalou-se na opinião publicada a seguinte presunção inelidível: in dubeo contra o fumador. Que se tornou, para todos os efeitos, o bode expiatório de serviço. É esse o sentido útil do clima higienista e autoritário que esta Lei vem sufragar. A obrigação de denúncia dos infractores pelos proprietários dos estabelecimentos é tenebrosa. Remete não para a PIDE, como já li, mas para a Inquisição. É que, materialmente, o ilícito tem mais a ver com o dogma sanitário do que com a subversão política. Enfim, lido o libelo dos proibicionistas, apraz dizer o seguinte:

1. Antes de mais, confesso que a classificação feita dos estabelecimentos de restauração e diversão em três tipos me parece rebuscada e não abarca uma série de situações de fronteira. O autor (TM) faz do tipo 1 um autêntico melting pot. Metendo no mesmo saco realidades que nada têm a ver. Por exemplo, confunde restaurantes e casas de pasto - cuja maior frequência se verifica aos almoços - com as "manjedouras" do come em pé, que proliferam na downtown lisboeta e portuense - em que a lógica é "enfardar e sair". Esquece assim a realidade do "restante" país. Onde há tascas e estabelecimentos de referência que são, em muitos casos, marcos insubstituíveis na vida social das comunidades: é lá que se vai petiscar e conviver a qualquer hora; é lá que se vai ter "aquela" conversa, ou fazer "a tal" proposta, é lá que os segredos se tornam caricaturas e a verdade o simulacro de uma mentira adocicada. O que acontecerá em locais desse género, com as "autoridades" a entrar e a sair cada vez que um cidadão acende um cigarro? Será que Tiago Mendes pensou nisto com um mínimo de seriedade intelectual? Às vezes, chego mesmo a pensar que esta lei é só uma brincadeira de mau gosto, promovida por desocupados que confundem modernidade com cegueira.
2. Depois, os fundamentalistas querem ir mais longe, pretendendo a exclusão do tabaco mesmo em locais abertos. Veja-se esta pérola de Tiago Mendes, para melhor compreensão da vulgata higienista em curso: A questão da possibilidade de separação eficaz do fumo é crucial – e muito mais importante que a que alguns fumadores federados apontam. Muitos nem conseguem perceber que por um espaço ser “aberto” isso não invalida que o fumo incomode os outros. Por exemplo, numa paragem de autocarro, como no barco que liga Setúbal a Tróia, mesmo ao ar livre eu serei facilmente incomodado por alguém que fume. O vento, aqui, é quem mais ordena. Em espaços públicos, mesmo que abertos, há que considerar a legitimidade de cada um ao seu espaco. Deve ser permitido fumar apenas se houver uma eficaz separação de fumadores e não fumadores. Nas paragens de autocarro, isso não é possível (só é possível se a pessoa se afastar suficientemente, mas aí deixa de estar na paragem do autocarro). No barco para Tróia, é possível, mas apenas se houver uma barreira física, por exemplo, uma separação de vidro, com 3 ou 4 metros de altura, para parte do barco, e na parte de trás, necessariamente. Não chega fazer da parte de trás do barco uma zona de fumo, porque os não fumadores têm igual direito a apreciar a vista nesse lugar. Portanto, fumar, ao ar livre, em espaços públicos que não a rua, só com uma separação eficaz – e quando digo eficaz, quero dizer mesmo 100% eficaz. Mais palavras para quê? Nem os taliban legislariam melhor.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Momentos Zen - 2

Só poderás encontrar uma verdade com a lógica se já a tiveres encontrado sem ela.

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quarta-feira, 9 de maio de 2007

Perdições

(clicar para ampliar)

Cada década produz três ou quatro discos perfeitos. Não mais. White Mansions é um desses grandes exemplos, que tive a felicidade de conhecer dois anos após o seu lançamento (1978). Imaginada e composta por Paul Kennerly, esta opus magnum é um retrato dos Estados Confederados do Sul. As grandes esperanças e os grandes infortúnios dos povos do Sul representados nas experiências de quatro personagens, cujas palavras combinadas relatam a História da Guerra Civil Americana (1861-65). São eles Matthew J Fuller, Polly Ann Stafford, Caleb Stone, o Narrador (The Drifter) e um coro de Escravos.
A obra conta com as participações de Henry Spinetti (percussões), Dave Markee ( baixo), Steve Cash (harmónica, voz e direcção vocal), John Dillon, (guitarra acústica, piano, saltério, violino, voz), Bernie Leadon, (guitarras acústica e eléctrica, Banjo, Bandolim, voz), Waylon Jennings (guitarras acústica e eléctrica, direcção vocal), Jessi Colter (voz). De realçar ainda alguns dos músicos convidados: Tim Hinkley (piano, órgão) e Eric Clapton (guitarra). Os covers com fotografias da época, enquadramento histórico e informação sobre o álbum podem ser vistos aqui.
Em resumo, esta pérola já está na bagagem para a tal ilha deserta.

O papel de música

Hoje é dia oficial de ressaca, após os calorosos festejos de mais um aniversário do escriba. Como sempre, o SOS Guronsan tem estado, até ao momento, à altura de tão embaraçosa situação.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Momentos Zen - 1

Quando compreenderes totalmente uma coisa, compreendes tudo.
Caspar David Friedrich, O monge à beira mar

segunda-feira, 7 de maio de 2007

As cidades perdidas - 3

Em Doroteia, Marco Polo descobre, na voz de um condutor de camelos, que a manhã da liberdade total só é algo na escassa realização do possível.
Em Fedora, Marco Polo descobre para além da cidade real (isto é, a que advém incessantemente e por isso imperfeita), a cidade ideal (isto é, todas as cidades possíveis tornadas impossíveis na escolha). O museu de Fedora é, então, tal como os museus de todas as cidades, o lugar da nostalgia; mas não o lugar das escolhas irreversíveis, como os demais; antes o lugar da nostalgia de um futuro que nunca existirá, dos desejos perdidos por caprichos do destino.
Curiosamente, Marco Polo acaba por compreender (o que revela a Kublai Khan) que ambas as cidades - a real e a ideal - se sustentam: somos quer os desejos frustrados do passado, quer os desejos impossíveis do futuro. E algo entre, talvez.

As cidades perdidas - 2

A verdadeira essência de Anastásia não se encontra na descrição da cidade. A sua descrição é como a imagem do corpo de uma mulher para o adolescente: desperta pequenos desejos logo sufocados pela mão ruinosa sobre uma torre de carne incendiada e vista de longe. (Cristóvão Rilke sabia que a morte encontrada no assalto à torre de nada valeria sem as pétalas em seu peito). Quem pelo contrário está em Anastásia (quem é aquele «homem»: Marco Polo? Italo Calvino?) não possui fantasmas lúbricos, está nela como quem entra numa mulher, como quem desce à terra, ou como quem mergulha na Substância espinosista: «A cidade parece-nos como um todo em que nenhum desejo se perde e de que nós fazemos parte, e como ela goza tudo de que nós não gozamos, só nos resta habitar este desejo e satisfazer-nos com ele». Porém, fazermos parte do todo tem esta consequência: «julgamos gozar por toda a Anastásia enquanto afinal não passamos de seus escravos».

As cidades perdidas - 1

«O desejo é a própria essência do homem», escreve Espinosa na sua Ética. Na cidade de Doroteia, que «terrenos bravios» fizeram desejar, o Marco Polo de Italo Calvino descobre que o desejo é ou fruto de um cálculo cheio como um ovo de esturjão (contemplação interesseira da geografia humana da cidade) ou um rasto cumprido no deserto, muitos anos após conhecer o espaço vazio da sua praça: «Nessa manhã em Doroteia sei que não havia nenhum bem na vida a que eu não pudesse aspirar». Que é como quem diz: nessa praça, um condutor de camelos conheceu a manhã da liberdade, antes da escolha e do cumprimento do desejo.
Mas quem isto ler vê apenas um reflexo de um reflexo da cidade de Doroteia - o que vem a ser precisamente qualquer reflexão. Para a possuir (e perder) será necessário dirigir-se a ela, lê-la; ou inventá-la.

domingo, 6 de maio de 2007

The final cut

Foi aprovada sexta-feira na generalidade a Lei que vem proibir o consumo de tabaco em locais públicos, incluindo estabelecimentos hoteleiros e de diversão. Mais uma machadada contra a liberdade. Agora só falta as brigadas anti-colestrol denunciarem aos costumes um cidadão "apanhado" a comer uma sande de coiratos. E repare-se que - pasmo dos pasmos - a Lei foi aprovada por unanimidade, A Bem da Nação, sem um único voto contra. Já é altura de aprendermos alguma coisa com os americanos. É que lá existem lobbies por tudo e por nada. Até em defesa do tabaco, como a divertida comédia "Thank You For Smoking" bem ilustra. Por cá, meia dúzia de notáveis insurgiram-se contra os perigos desta lei e desta lógica sanitária. E pouco mais. Neste "mais" incluo algumas contundentes postagens que tenho visto na blogosfera e algumas deste vosso criado. Porque é que os fumadores e os amantes da liberdade não pressionaram mais alto?
E pronto. Espero para ver os bares e restaurantes a falir em massa. E meia dúzia de zelotas a esfregarem as mãos.

Errâncias

Quando às vezes percorro a vegetação luxuriante da blogosfera, instala-se em mim uma espécie de espanto. Sim, espanto, de onde emerge uma dúvida com o seu quê de obscuridade, mas nem por isso menos aflitiva: para quê tantas palavras que ninguém lê e tão poucas que lêem quem as escreve?

O xadrez



En su grave rincón, los jugadores
Rigen las lentas piezas. El tablero
Los demora hasta el alba en su severo
Ámbito en que se odian dos colores.

Adentro irradian mágicos rigores
Las formas: torre homérica, ligero
Caballo, armada reina, rey postrero,
Oblicuo alfil y peones agresores.

Cuando los jugadores se hayan ido
Cuando el tiempo los haya consumido,
Ciertamente no habrá cesado el rito.

En el oriente se encendió esta guerra
Cuyo anfiteatro es hoy toda la tierra,
Como el otro, este juego es infinito.

Jorge Luis Borges

sábado, 5 de maio de 2007

Imagens de Portugal romântico - 19

Lisboa, Mosteiro dos Jerónimos
Porto, vista das Fontainhas
Lisboa, chafariz do Loreto

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sexta-feira, 4 de maio de 2007

Será desta?


Em Lisboa: sábado, dia 5 - concentração a partir das 14h na Mãe d'Água das Amoreiras; início da marcha às 16h, do Largo do Rato para o Camões.
No Porto: sábado, dia 5 - concentração a partir das 15h na Praça do Marquês.
No Mundo: iniciativas em 232 cidades dos cinco continentes.

Oa altares

Cave ab homine unius libri.
Cuidado com o homem de um só livro.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A balança

Ontem vi parte do debate televisivo que opôs Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy, os dois candidatos que vão disputar no domingo a 2ª volta das presidenciais em França. Num contraditório de grande qualidade, os temas discutidos nesse excerto centraram-se em política nacional - saúde, emprego, fiscalidade, segurança social, competitividade e segurança. A candidata socialista pareceu-me muito bem preparada e bastante incisiva. O gaulista jogou mais à defesa. Se o debate fosse disputado aos pontos, diria que houve um empate técnico, uma vez que a solidez argumentativa e o conhecimento das matérias foram repartidos pelos dois de forma equitativa. Algumas notas a registar:
1º ambos evidenciaram um discurso claro e conciso, apoiando sempre a argumentação dispendida em números, na experiência pessoal, ou num programa presidencial preparado até ao ínfimo pormenor. São as figuras de proa de uma renovação geracional e de um modo diferente de estar na política.
2º temas como o SMIC (salário mínimo), reforma antecipada, horas extraordinárias, as 35 horas, número de funcionários públicos, peso da Administração, pleno emprego, integração das minorias, emigração, dominaram essa parte do debate. Royal mostrou-se avessa a grandes mudanças nos direitos sociais e laborais. O seu discurso passou ao lado da moderna social-democracia europeia. Sarkozy deu a entender que não há direitos sem responsabilidades e que certas "conquistas" não podem ser encaradas como dogmas. Em relação à integração das minorias, optou claramente por um modelo anglo-saxónico, em vez do paternalismo assistencialista que tem dominado em França. Por outro lado, num país onde o sector público representa uma parte substancial da economia, que não mostra sinais de crescimento, muita coisa haverá a fazer em relação à competitividade. Em resumo, a primeira quer aperfeiçoar o sistema, de forma um pouco difusa. O segundo torná-lo mais eficaz, em torno de um programa bastante coerente.
3º confesso que, fosse eu cidadão francês, teria muita dificuldade em decidir o meu sentido de voto. Agrada-me a forma corajosa como Sarkozy rompe com certos tabus (para a esquerda). Mas desconfio dos seus métodos. Por outro lado, as preocupações sociais de Royal despertam a minha simpatia. Mas, lá como cá, parecem destinadas mais a tranquilizar aqueles que já beneficiam do sistema. Impedindo que a sociedade gere a sua própria dinâmica. Mas foi sobretudo a intenção desta última em reabrir o processo de aprovação de um novo tratado constitucional europeu maximalista que me fez recuar. Embora desconfie que, na hora da verdade, lhe desse o benefício da dúvida.