sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sócrates em queda

São apenas 29,4% os portugueses que têm de José Sócrates uma imagem positiva. O resultado foi obtido este mês, contra os 40,3% registados em Janeiro. O estudo é da Marktest, para a TSF.
As razões para este estranhíssimo caso podem ser encontradas aqui. Por sinal, grande parte delas divulgadas hoje no semanário "Sol". Ou então, para quem gosta de estudos comparados, numa visita ao país de Hugo Chavez. Boas notícias, apesar de tudo. Seja como for, depois de se saber agora de onde partiu a fuga de informação que permitiu aos visados nas escutas saberem que estavam a ser investigados, o país não tem quaisquer razões para confiar em Pinto Monteiro. Um PGR que, em vez de garante da legalidade, aparece como um simpático moço de recados da pandilha socrática.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O raid berlinense

A partir de domingo e durante 4 dias estarei em Berlim. Do programa de festas, para além do circuito obrigatório, consta uma visita à Filmhaus, um complexo que alberga o Museu do Cinema e da TV e o Arquivo Nacional do Filme (Deutsche Kinematek). O qual oferece, entre outras iguarias, exibições contínuas numa permanente retrospectiva dos grandes momentos da cinematografia alemã, de Robert Wiene à diva Dietrich, da produção menos conhecida durante a república de Weimar (1918-33) até aos ícones de Riefenstahl. O créme de la créme será uma visita à exposição "The complete Metropolis", um making-off fotográfico e pictórico desta opus magnum de Fritz Lang. Pena é que a 60ª edição do Berlinale (Festival de Cinema) tenha acabado no dia 21. Enfim, não se pode ter tudo...
Outra cartada na manga é um percurso de bicicleta, organizado e com guia, acompanhando durante vários kilómetros o traçado original do Muro, com passagem pelos locais mais emblemáticos. Entretanto, fiquei hoje a saber que me esperam duas (?) festas de boas vindas em casa de pessoal amigo onde vou ficar. No desiderato, já não vou levar o cachecol do Glorioso, pois tal seria encarado como manobra provocatória...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

The power of love


René e Georgette Magritte, Junho de 1922

Quando deparei com esta imagem no Musée Magritte, em Bruxelas, no Verão passado, percebi imediatamente estar perante um sinal inequívoco do verdadeiro amor, tão louco que nem se dá por ele...

Lida da casa

Acho graça aos crónicos apontadores da verdade, a marca intangível do seu umbigo, mobilizadores do deserto povoado com figuras de Chirico, os vozeadores aconchegantes, muezins do faz de conta, sem que ninguém suspeite, moralizadores da paróquia, mas que nunca se comprometem, os inquilinos das sombras, onde as rugas nascem da rigidez mascarada de prafrentice desinibida, culturalóide, ares de, olhómeu, ignorância faustosa e ao abrigo da mais ténue questão.

Os números da sorte


Mauro Cerqueira, Galeria Graça Brandão, Lisboa

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Ajuda à Madeira

A hora é de sarar as feridas e de reconstrução. A vida não pára e é bom não esquecer que as forças da natureza também não. Aqui ficam duas sugestões para quem quiser dar o seu contributo.

1. Informações sobre donativos, necessidades e contactos;

2. Ligar para o número 760 100 999.
Trata-se de uma campanha dos sites IOL e da Media Capital. É este o número que precisa de marcar para contribuir. Cada chamada custa 0,60 euros, mais IVA. Por cada chamada, 0,50 euros, mais IVA, serão destinados ao apoio à Madeira. A diferença de valor representa os custos das operadoras.

Entretanto, deixo-vos com um relato em discurso directo por quem viveu de perto a catástrofe.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Filmes para uma vida (2)


Os Filhos da Noite ("They Live by Night", 1948, 95'), de Nicholas Ray

Com: Cathy O'Donnell, Farley Granger, Howard Da Silva, Jay C. Flippen, Helen Craig, Will Wright, Ian Wolfe; Argumento: Charles Schnee e Nicholas Ray, segundo o romance "Thieves Like Us" de Edward Anderson; Produção: RKO Radio Pictures.

Comentário: Bowie (Farley Granger) é um jovem que acaba de fugir da cadeia com mais dois comparsas. Juntos dedicam-se a assaltar bancos no Midwest. No entanto, Bowie nada tem a ver com os outros, violentos e sem escrúpulos. Numa das casas "seguras" onde o bando se refugia, oferece a Keechie (Cathy O'Donnell) um relógio. Começa assim uma das uniões mais ternas do Cinema americano da década de 40. Mesmo sabendo que será dificil provar a sua "normalidade", já que o sensacionalismo dos media e a desenfreada caça ao homem criou uma histeria colectiva, Bowie mantém ainda a sua inocência. Mesmo depois de ter passado os seus últimos (e adolescentes) anos fechado numa prisão. A presença da também tímida Keechie faz-lhe crescer uma esperança de redenção, em contraste com a hostilidade que os cerca. Perante a qual só podem opor a grandeza dos sentimentos e a fuga. Uma história de amor tão intensa quanto trágica. Fazendo lembrar, em certos momentos, o cenário de "Palmeiras Bravas", a obra inesquecível de Faulkner, de pedra e cal no meu top 10 literário.

Com esta obra estreante, Ray tornou-se imediatamente notado no panorama cinematográfico da época. Num dos trabalhos mais notáveis de sempre do Cinema americano, cria um espantoso retrato de uma 'America Interior', de pulsões estranhas e primárias, pouco mostradas até então no Cinema. Sendo considerado um film noir, as personagens não se refugiam nas sombras das grandes cidades, mas sim na quietude das pequenas cidades rurais, aspirando um dia conseguir um lugar ao sol.
Ray parece aqui obcecado com a questão da justeza dos meios para as duas personagens atingirem a liberdade, ao colocá-los em permanente inquietação e sobressalto. Com isto, o realizador parece simultaneamente querer denunciar algum desmazelo social pelos mais desprotegidos. Mas não deixa de assim alimentar o mito do criminoso romantizado, melodramático, tradição prosseguida através dos road movies do género (de que Bonnie and Clyde é o exemplo maior) da qual Ray se torna aqui um feliz precursor.
They Live by Night mantém-se ainda hoje como um dos mais pujantes filmes da década de 40, anunciando já a beat generation e os adolescentes rebeldes sem causa (não será Granger o modelo de Dean, Brando ou Newman?) e o realismo dos anos 50. Como se tal não bastasse, a sua influência imergiu em obras contemporâneas, desde os delírios de Oliver Stone em Natural Born Killers, até a objectos cinematográficos mais sérios, como Wild at Heart. Simplesmente fundamental.

Ver anterior

O canudo do gajo

A idade dos porquês - 11

Porque é que nos Westerns clássicos, quando um cowboy de primeiro ou segundo plano (mas nunca o personagem masculino principal) faz uma proposta mais ousada à moça casadoira, invariavelmente tem um objecto na mão qua vai lançando no ar como se fosse um rosário de contas? (Vd. "Duelo ao Sol", 1946, de King Vidor)

Ainda Borges

Lo nuestro

Amamos lo que no conocemos, lo ya perdido.
El barrio que fue las orillas.
Los antiguos, que ya no pueden defraudarnos, porque son mito y esplendor.
Los seis volúmenes de Schopenhauer, que no acabaremos de leer.
El recuerdo, no la lectura, de la segunda parte del Quijote.
El oriente, que sin duda no existe para el afghano, el persa o el tártaro.
Nuestros mayores, con los que no podríamos conversar durante un cuarto de hora.
Las cambiantes formas de la memoria, que está hecha de olvido.
Los idiomas que apenas desciframos.
Algún verso latino o sajón, que no es otra cosa que un hábito.
Los amigos que no pueden faltarnos, porque se han muerto.
El ilimitado nombre de Shakespeare.
La mujer que está a nuestro lado y que es tan distinta.
El ajedrez y el álgebra, que no sé.

Jorge Luis Borges

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Stalker

Lido

O PS anda a dizer que existe uma “campanha mediática” contra Sócrates, alimentada num sinistro conluio entre a direita (o PSD dizem eles precisando), os patrões dos media e jornalistas desclassificados que, em conluio com magistrados e juízes, cometem todos os dias crimes num ataque pessoal ao carácter do Primeiro-ministro. Seria grave se fosse verdade, mas não é.
(...)
O problema é outro. O problema é, como já escrevi há muito tempo e acabou por se tornar uma frase repetida exactamente porque tinha força para se tornar viral, é que sempre que se dá um pontapé numa pedra, aparece José Sócrates lá debaixo e a sua Casa de amigos, boys, assessores, comissários, envolvidos sempre em algo que nunca se sabe se é ilegal porque a justiça está como está, mas que se sabe com certeza que é inadmissível num governo democrático. Quem faz a “campanha mediática” contra Sócrates e o seu governo é Sócrates a a sua Casa.

Pacheco Pereira, no "Abrupto"

Ventoso

(de 19 Fevereiro a 20 Março)

O desfile

- Rrrijo ókê? dasss....
- Atão, por cá? Que briol está hoije, ein!!!"
- Porra, olháki no jornal!!! Então não é que a paneleiraje do costume quer fazer uma contra!!!...
- Uma quê? Uma contra? Contra quem? Será mais alguma posição esquisita que esses gajos inventaram? dasss...
- Nada disso, caraças, parexe que é uma contra-manifestação ou lá o kékié!... O grupo que esteve na frente pelo referendo na questão do casório da pandeleiraje, quando o caso passou pela Assembleia... Acho que é pcc ou aschim... Fez hoje um desfile em Lisboa!...
- Já não pesco nada! Atão mas não é a paneleiraje que costuma fazer desfiles e essas coijas?
- Xim, mas agora, em vez de desfilarem a favor, quiseram desfilar contra. Eles têm é que aparecer na fotografia, seja lá como for...
- Cambada de izibizionistas! Já percebi!!! dasss...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O vento que passa


Nas últimas eleições presidenciais, apoiei activamente a candidatura de Manuel Alegre. Para que conste. No entanto, desde cedo percebi o que os seus 1 200 000 votos representavam. Ou seja, pouco mais do que um capital de risco à mercê da voragem dos partidos e do pequenos e médios entertainers da política. Ou então, dito de outra forma, uma semi-vitória de Pirro. Que incomodou muita gente, é certo, mas incompatível com qualquer arranjo contabilístico a posteriori, ou qualquer apropriação para outros fins que não aqueles onde se esgotou. Alegre até deu uma mãozinha a este cenário. Não rompeu com o PS, como lhe competiria, nem abriu mão de qualquer nova alternativa política. As razões até são fáceis de explicar. A mais óbvia de todas é a sua "institucionalização" no interior do PS. O termo designa, precisamente, a incapacidade protagonizada por um prisioneiro de longa data em organizar a sua vida no exterior da prisão. A razão mais simples é o trivial esgotamento do seu discurso e do seu projecto político. Entretanto, o BE lançou uma OPA gigantesca tendo Alegre como objecto. A qual foi aceite, tendo como palco o célebre comício conjunto no Teatro da Trindade. Na prática, Alegre é hoje pouco mais do que um refém de luxo do BE. A sua validade política expirou quando optou pela evolução na continuidade. É um genuíno produto de um partido político, em modo parlamentar, mas que tenta desesperadamente camuflar o seu percurso. Aparecendo então como um candidato da "sociedade civil" e dos "cidadãos". Por todas as razões apontadas, e porque as diferenças saltam à vista, a minha atenção vai agora para a candidatura de Fernando Nobre. Muito em breve analisarei aqui mais em pormenor o seu significado.

Preces atendidas - 35

Gloria Grahame

Mãos limpas (3)

Os próximos lances da tentativa de berlusconização (com meios públicos) da vida política em Portugal são fáceis de prever. Os lacaios da entourage socrática, que se podem encontrar nas redacções dos jornais e rádios amigos, nos blogues "ao serviço da Nação", tipo "Câmara Corporativa" e afins, vão reforçar o bombardeamento massivo da opinião pública, onde quer que ela se encontre. De modo a produzir uma utilíssima terra de ninguém. Terreno onde, como objectivo final, só os altifalantes da propaganda socrática se farão ouvir. Sócrates nasceu politicamente como um produto genuíno da propaganda e assim se há-de manter até ao final. Criar e fazer crescer um país irreal, à medida do seu delírio narcísico, é o seu objectivo principal. Daí a hiper-susceptibilidade às beliscaduras na sua imagem pessoal. Daí as pressões constantes na comunicação social. Depois de os seus métodos terem sido desmontados, adivinha-se o que aí vem: mais vitimização, cerrar fileiras no interior do PS e arredores, fazer passar a teoria da cabala invertida, reduzindo o escrutínio público sério e a investigação jornalística conclusiva a "manobras da oposição", tocar na tecla da "ilegalidade" das escutas, no facto de as decisões "soberanas" dos órgãos judiciais não se poderem nunca discutir nem avaliar, etc. A estratégia é clara: dividir o país entre o "nós" e os "outros". Um lance fatal, na actual conjuntura económica e financeira. Revelador de uma inépcia política e de uma ausência de sentido de Estado nunca vistas. Entretanto, vão caindo uns bodes expiatórios...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mãos limpas (2)

"Vocês têm de resolver o problema Mário Crespo e o problema Medina Carreira!!!". Palavras do 1º ministro José Sócrates, visivelmente alterado, para Nuno Santos, director de programas da SIC, a cuja mesa se dirigiu num restaurante de Lisboa. Depois acrescentou ainda algumas considerações acerca da sanidade mental de Crespo. A conversa foi depois contada a este por alguém que se encontrava na mesa ao lado, e confirmada por Nuno Santos. O visado em primeiro lugar quis então contar a história numa crónica no JN. Algo que o respectivo director recusou, alegando falta de contraditório. Motivo mais razoável teria sido a separação das águas entre artigos de opinião e notícias. Seja como for, Crespo não teve outro remédio senão suspender a sua colaboração naquele jornal. Foi então que resolveu lançar o recente livro de crónicas. Ler aqui toda a história. Temos pois um primeiro ministro que se comporta como um vulgar arruaceiro de tasca, insultando em directo quem tem o "desplante" de criticar o seu desempenho político. Caso inédito, ao nível do cargo que ocupa, nos últimos 170 anos da história portuguesa... Conta-se que Costa Cabral andava armado pelos gabinetes... Alguém tem ainda dúvidas da necessidade imediata de uma vassourada no país político?

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O gajo em modo lego

Mãos limpas

O estado de graça socrático é cada vez mais um prefácio longínquo a uma nota de rodapé da III República. Ou seja, já nem sequer um chão que deu uvas. Agora, nem os Abrantes & Cia, - nem os spin doctors às ordens do "chefe", nem a marcação à zona das vozes livres incómodas, a cargo dos factotum rosinhas, "encorajados" com um simples osso, o acesso sem restrições à gamela, apetitosas sinecuras nas empresas públicas e na Administração, os tais que se acotovelam nas redacções e nos mentideros oficiosos, com ramificações na província e em sectores chave onde a informação é a seiva de cada dia, por supuesto, - "agora e na hora da sua morte" irão salvar o "1º". Entretanto, acontece o esperado: num impulso gregário digno de note, este resolveu convocar as hostes, encenar uma série de reuniões do politburo socialista e adjacências úteis, onde se adivinham agraciações feromónicas com dimensão norte-coreana. Para salvar o pescoço, nada como arrastar quem está à volta para a mesma voragem corruptora, para o limbo da impunidade e da negação como impulso básico da auto-preservação. Sabem qual era a password do PC de Rui Pedro Soares - um dos boys de Sócrates, trazido pela mão de Perestrello, agraciado como administrador executivo da PT com um salário anual de 2,5 milhões de euros, um dos principais envolvidos na operação TVI -, autor da providência cautelar contra o jornal "Sol"? Pois bem: "SÓCRATES 2009". Lindo! Como é belo o amor em Portugal!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O Galo versão 2.010


É já no dia 15 à noite! À semelhança de anos anteriores, o espectáculo do "Julgamento e Morte do Galo do Entrudo" vai assombrar e redimir a Guarda. A ver se por aqui ao menos se faz justiça! Olha! Não se cuidem, não! Vejam melhor aqui e leiam com atenção antes de (ab)usar. A produção, como é natural, é do TMG. Pena não poder assistir... na assistência, pela primeira vez, pois vou estar por fora. Sim, visto que as participações activas anteriores impediram uma visão de conjunto e a devida percepção da magnitude do espectáculo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Stalker

A idade dos porquês - 10

Porque é que nos filmes americanos de pendor mais propagandístico realizados na primeira metade dos anos 40, sempre que são mostradas as tropas alemãs estas aparecem num contexto metálico, soturno, de uma desumanidade gótica decorada com rebites e torpedos, sinais de uma tecnologia ao serviço do mal? E porque é que, logo na segunda deixa, se ouve invariavelmente a palavra "Jawohl" (sim senhor, é para já)?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Todos pela liberdade

O primeiro-ministro de Portugal tem sérias dificuldades em lidar com a diferença de opinião.
Esta dificuldade tem sido evidenciada ao longo dos últimos 5 anos, em sucessivos episódios, todos eles documentados. Desde o condicionamento das entrevistas que lhe são feitas, passando pelas interferências nas equipas editoriais de alguns órgãos de comunicação social, é para nós evidente que a actuação do primeiro-ministro tem colocado em causa o livre exercício das várias dimensões do direito fundamental à liberdade de expressão.

É assim que começa a petição pública TODOS PELA LIBERDADE, a ser entregue na AR, neste momento ainda em fase de recolha de assinaturas. O momento é demasiado grave para ser deixado em claro. Já se sabia que tínhamos um primeiro-ministro sem carácter. Agora ficámos a saber que não tem sequer perfil para aceitar responsabilidades públicas num estado de direito. O que é espantoso é ainda haver quem assobie para o ar. Assinem e divulguem, s.f.f.

Stalker

Lido

Nem o Jornal de Sexta, nem o PÚBLICO tinham o poder de pôr em risco o Governo ou sequer de afectar significativamente o prestígio e o estatuto de Sócrates. Se alguém tinha esse poder era o próprio José Sócrates, para não falar no grupo obscuro e anónimo, que, segundo se depreende dos documentos que o Sol revelou, o serviu zelosamente no terreno. Não vale a pena insistir na ilegalidade e, sobretudo, na profunda imoralidade da operação, se por acaso existiu como a descreveram. Em qualquer sítio para lá de Badajoz, nenhum político sobreviveria um instante a essa grosseira tentativa de suprimir com dinheiro público o livre exame e a livre crítica, que a Constituição e os costumes claramente garantem. Mas não deixa de surpreender (e merecer comentário) que um primeiro-ministro de um partido que se gaba das suas tradições democráticas, declare por sua iniciativa, e sem razão suficiente, guerra aberta à generalidade dos media, que não o aprovam, defendem e bajulam. Não há precedentes na história deste regime de um ódio tão obsessivo à discordância, por pequena que seja, ou a qualquer oposição activa, de princípio ou de facto. O autoritarismo natural de Sócrates não basta para explicar essa aberração na essência inteiramente inexplicável. Tanto mais que ela o prejudica e dá dele a imagem de um homem inseguro e fraco. Pior ainda: de um homem desequilibrado e perigoso. A única hipótese plausível é a de que o primeiro-ministro vive doentiamente no mundo imaginário da propaganda. Ou melhor, de que, para ele, a propaganda substituiu a vida: Sócrates já não partilha ou nunca partilhou connosco, cidadãos comuns, a mesma percepção de Portugal. Do "Simplex" que nada simplifica ao estranho melodrama sobre as finanças da Madeira que nada pesam, aumenta dia a dia a distância entre o que país vê e compreende e o que o primeiro-ministro afirma enfaticamente que é. Está perto o ponto em que só haverá uma solução: ou desaparece ele ou desaparecemos nós.

Vasco Pulido Valente, no "Público"

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Filmes para uma vida (1)


In a Lonely Place (Matar ou não Matar,1950), de Nicholas Ray, foi uma das poucas películas produzidas por Humphrey Bogart através da sua produtora independente, a Santana Pictures. Numa tentativa de se demarcar do establishment de Hollywood, imagem que o actor quis deixar no final da carreira. O enredo do filme anda à volta do protagonista Dixon Steele, um argumentista com uma crise de inspiração. Personagem irascível, cínico e capaz de gestos violentos, mas com alguns traços ocultos de um romântico desencantado. No fundo, uma criação talhada à medida de Bogart! Por sua vez, Gloria Grahame, no papel de femme fatale, tem aqui um dos seus melhores desempenhos da sua carreira.

Cristal

Não busques nos meus lábios a tua boca,
nem diante do portão o forasteiro,
nem no olho a lágrima.

Sete noites mais alto muda o vermelho para vermelho,
sete corações mais fundo bate a mão à porta,
sete rosas mais tarde rumoreja a fonte.


Paul Celan

As últimas sobre as escutas

Por acaso

O nascimento do romance, enquanto forma original de criação literária, está intrinsecamente ligado ao triunfo de um corpo político feito à medida da nova sociedade burguesa, em meados do séc. XVII. Refiro-me ao Ocidente, claro está. Pois que, entre outros exemplos, o Japão do séc. XI já nos havia presenteado com o fabuloso "Romance do Genji". Ora, esse corpo político pressupõe: 1º que a segurança seja assegurada pela delegação da força nas mãos do Estado, em regime de exclusividade; 2º que os indivíduos, para quem a vida pública se manifesta sob o disfarce da necessidade, adquiram um renovado interesse pela sua vida privada e pelo seu destino pessoal, eliminadas as antigas conexões naturais com os seus semelhantes; 3º que esses mesmos indivíduos só possam julgar a sua vida pessoal comparando-a com a dos outros, tomando essa relação a forma de concorrência; 4º que, implicitamente - e porque dotados todos eles pela natureza de igual capacidade e protegidos uns dos outros pelo Estado, que regulamenta os negócios públicos e os interesses em presença sob a justificação da necessidade - apenas o acaso seja apto a decidir quem vencerá.
Significativamente, esta elevação do acaso à posição de árbitro decisivo da vida viria a atingir o seu ponto mais alto no séc. XIX. Como resultado, surgiu um novo género de literatura, que acompanhou o declínio do drama: o romance. É que o drama perdeu o sentido num mundo sem acção, enquanto o romance podia tratar adequadamente os destinos das pessoas, fossem elas vítimas da necessidade ou favoritas da sorte. Balzac, de quem li recentemente "O Pai Goriot" (1834), demonstrou todo o alcance do novo género. E chegou a apresentar, nas 88 obras que compõe a sua "Comédia Humana", as paixões humanas como o destino do homem: sem vício nem virtude, nem razão, nem livre-arbítrio. Só o romance, na sua completa maturidade, podia pregar o novo evangelho da paixão do homem pelo seu próprio destino. E através dela, o criador literário tentava traçar uma distinção ente si e os outros, proteger-se contra a desumanidade da boa e da má sorte, desenvolver, em suma, todos os dons da sensibilidade moderna. Tão desesperadamente necessária à dignidade humana. Mas exigindo que um homem seja, pelo menos, uma vítima, se não puder ser outra coisa.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O casaco do gajo num anfiteatro

A regra

(clicar para aumentar)

Imagem obtida numa exposição no Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova

Queda livre

Cair do amor pelo mundo para o amor de uma mulher é como sair de pára-quedas de uma embriaguez cheia de espinhos para uma embriaguez envolta de penas.

Nota: depois de um excepcional "Paço da Serviçaria", Douro, Reserva 2007, dá para isto...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Já vão quatro!


O "Boca de Incêndio" faz hoje 4 anos. Uma idade respeitável para um blogue, dirão muitos. Um ciclo de vida esgotado, dirão outros, embora com renitência. Ou não será antes o momento onde o cansaço se transforma em anseio de caducidade? Também... Seja como for, não existe nenhuma tabela de correspondências entre o tempo real e a duração, cheia de circunvalações e filigranas, de um blogue. Montaigne praticamente não saiu da torre do castelo para onde se retirou, escrevendo, a certa altura da sua vida... Precisamente porque descobriu que só um amor inesgotável pelo mundo pode fazer balancear o espírito para a sua consagração.
Como os visitadores ordinários bem sabem e aos outros lembro, o "Boca de Incêndio" tem uma estrutura, digamos, bicéfala. Ou seja, em parte flexível, sem nenhum ordenamento temático ou formal, e em parte constituída por rubricas sequenciais. As quais marcam o ritmo das actualizações da mesma forma que a poesia marca o compasso do todo. De tal forma que o peixe amarelo do texto de Herberto Helder, que devia ser de outra cor, às vezes aparece mesmo como amarelo. Por outro lado, conseguiu afirmar-se como um blogue do mundo e que fala para o mundo. Quando o encontra ao virar da esquina, é para aí que se dirige. Afirmou-se decisivamente na cena blogosférica nacional. A sério! Longe de ser consensual, evita as polémicas estéreis. Por falar nisso, elas não têm abundado por aí além. Ou seja, o debate de ideias foi substituído pelas comichões anónimas, para as quais a gerência, embora declinando qualquer responsabilidade, pode disponibilizar algumas pomadas. Será esta suposta alocação do confronto ideológico por questiúnculas pessoais um sinal dos tempos? De modo nenhum. Para mim, são puros desafios. A afirmação de que o "Boca de Incêndio" é um "espaço de liberdade" não corresponde a qualquer soundbite ou campanha promocional, mas tão só a uma exigência diária, a um exercício que não teme o erro. Portanto, as tentativas de condicionamento daqueles que convivem mal com a pluralidade, com a diversidade, nunca surtiram nem surtirão efeito. Aqui ou noutro lugar qualquer.
Resta-me agradecer sinceramente a todos os que este blogue têm seguido, apoiado, acrescentado, incentivado, visitado mais ou menos amiúde, divulgado, corrigido ou comentado com pertinência. Sobre o seu futuro, muito em breve darei notícias mais detalhadas.

Retrato de uma sombra

Os teus olhos, rastro de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
a tua sobrancelha, orla pelo caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campos de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, alámos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campos de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.


Paul Celan, in "A morte é uma flor", Cotovia, 1998 (trad. João Barrento)