quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sem mãos

É mais fácil escrever sem as mãos. Escrever sem as mãos acontece-me quando sei que sou mais, porque sinto que posso ser. A carne frágil das minhas mãos alucinadas, cheia de febre, é só uma morte espantosa. Aquilo que sobra do tempo que admira o texto mais calado. Olho as fotografias dos meus antepassados e nelas vejo apenas o silêncio que foi retratado. Uma luz que surpreende os meus olhos, como se esta decorresse sempre do princípio da noite. Não há um único texto nestes retratos. Agora o meu corpo aparece feito de estilhaços de pétalas e bátegas de vidro. Um fuso que desenrola a melancolia. Talvez não importe mais nada a não ser isto. Uma noite longa. Que me venha visitar de vez em quando, com as suas mãos de tecedeira. Que me recolha dentro do berço futuro do meu passado. Que me faça desaparecer das minhas mãos para as suas.

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