Segundo uma notícia recolhida no portal oficial da GNR, na Escola EB 1 de Felgueiras, durante esta madrugada, um assaltante foi atingido com dois tiros quando "se preparava para invadir" o estabelecimento. O autor dos disparos foi o respectivo vigilante, que utilizou uma arma sem para isso estar autorizado. O assaltante foi posto em liberdade, depois de ter recebido alta no hospital onde foi assistido aos ferimentos numa mão e na perna esquerda. O funcionário da escola "continua detido", após ter sido "indiciado pelos crimes de posse ilegal de arma e de excesso de legítima defesa".
Já vi publicadas algumas indignações a propósito do tratamento que as autoridades (entidade policial que fez a detenção e Ministério Público) estão a dar ao caso. Compreendo vagamente que, para o cidadão comum, a solução encontrada remeta para a ideia recorrente de que "os inocentes é que vão para a cadeia e os criminosos continuam à solta". No entanto, no caso concreto, importa esclarecer as razões que, em meu entender, impedem qualquer tentação justicialista:
1º Ao contrário do que decorre da notícia referida, a legítima defesa é uma figura consagrada na lei penal unicamente como causa de exclusão de ilicitude. Consequentemente, o seu "excesso" não pode ser nunca um tipo específico de crime. O que significa que, para além da detenção de arma proibida (prevista e punida no art. 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas), o vigilante foi, ao que presumo, indiciado pelo crime de ofensa à integridade física. Que será grave se se considerar, no que ao caso interessa, que foi criado perigo para a vida do ofendido.
2º Por outro lado, embora a expressão "excesso", aplicada à legitima defesa, seja consagrada na lei, a meu ver cria uma tautologia desnecessária. Ou seja, a legitimidade nasce da adequação e da proporcionalidade do(s) meio(s) utilizado(s) para afastar a agressão eminente. E das duas uma: ou essa legitimidade é admitida, considerando a lei que a idoneidade da defesa afasta a ilicitude do acto praticado, ou não existe de todo. Qualificá-la de excessiva parece-me pouco rigoroso. Mais correcto seria usar a expressão "excesso de defesa". A língua portuguesa agradeceria. Seja como for, a figura está prevista no art. 33º do Código Penal. Onde funciona exclusivamente enquanto circunstância atenuante relativamente à culpa, e já não como causa de exclusão da ilicitude. O que significa que o autor, sendo condenado pela agressão, na pena aplicada seria certamente tida em consideração a circunstância "quase-desculpante" que determinou a prática do crime.
3º Quando se refere no comunicado que o vigilante "continua detido", acrescenta-se, mais à frente, que será presente, ainda hoje, ao juiz de Instrução Criminal. Para acalmar algumas consciências mais exaltadas com esta "injustiça", devo dizer que, a haver alguma alteração a este quadro, por hipótese, seria a realização dessa diligência amanhã. Algo que estaria perfeitamente de acordo com a lei. Passo a explicar. Segundo o artigo 254º, nº 1 do Código de Processo Penal, no caso de detenção em flagrante delito, como foi certamente o caso, o detido deverá, no prazo de 48 horas, ser confrontado com uma de duas hipóteses: a) ser julgado em processo sumário, se ao crime não correspondesse pena superior a 5 anos (ou, sendo superior, o MP entender, no caso concreto, que a pena aplicada não devesse exceder esse limite); b) ser presente ao juiz para o primeiro interrogatório judicial e eventual imposição de medida(s) de coacção. Não tendo informações em contrário, parece ter sido esta última a situação verificada.
1º Ao contrário do que decorre da notícia referida, a legítima defesa é uma figura consagrada na lei penal unicamente como causa de exclusão de ilicitude. Consequentemente, o seu "excesso" não pode ser nunca um tipo específico de crime. O que significa que, para além da detenção de arma proibida (prevista e punida no art. 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas), o vigilante foi, ao que presumo, indiciado pelo crime de ofensa à integridade física. Que será grave se se considerar, no que ao caso interessa, que foi criado perigo para a vida do ofendido.
2º Por outro lado, embora a expressão "excesso", aplicada à legitima defesa, seja consagrada na lei, a meu ver cria uma tautologia desnecessária. Ou seja, a legitimidade nasce da adequação e da proporcionalidade do(s) meio(s) utilizado(s) para afastar a agressão eminente. E das duas uma: ou essa legitimidade é admitida, considerando a lei que a idoneidade da defesa afasta a ilicitude do acto praticado, ou não existe de todo. Qualificá-la de excessiva parece-me pouco rigoroso. Mais correcto seria usar a expressão "excesso de defesa". A língua portuguesa agradeceria. Seja como for, a figura está prevista no art. 33º do Código Penal. Onde funciona exclusivamente enquanto circunstância atenuante relativamente à culpa, e já não como causa de exclusão da ilicitude. O que significa que o autor, sendo condenado pela agressão, na pena aplicada seria certamente tida em consideração a circunstância "quase-desculpante" que determinou a prática do crime.
3º Quando se refere no comunicado que o vigilante "continua detido", acrescenta-se, mais à frente, que será presente, ainda hoje, ao juiz de Instrução Criminal. Para acalmar algumas consciências mais exaltadas com esta "injustiça", devo dizer que, a haver alguma alteração a este quadro, por hipótese, seria a realização dessa diligência amanhã. Algo que estaria perfeitamente de acordo com a lei. Passo a explicar. Segundo o artigo 254º, nº 1 do Código de Processo Penal, no caso de detenção em flagrante delito, como foi certamente o caso, o detido deverá, no prazo de 48 horas, ser confrontado com uma de duas hipóteses: a) ser julgado em processo sumário, se ao crime não correspondesse pena superior a 5 anos (ou, sendo superior, o MP entender, no caso concreto, que a pena aplicada não devesse exceder esse limite); b) ser presente ao juiz para o primeiro interrogatório judicial e eventual imposição de medida(s) de coacção. Não tendo informações em contrário, parece ter sido esta última a situação verificada.
4º Por outro lado, há uma razão adicional para a detenção do vigilante se ter efectuado e mantido. Vamos supor que, pelo crime de ofensas à integridade física, não se verificaram os pressupostos para a detenção em flagrante delito: crime praticado ou acabado de praticar e, neste caso, tendo o agente sido perseguido ou encontrado na presença de evidências claras do seu cometimento (cfr. art. 256º do Código de Processo Penal). Mesmo nesse caso, é bom dizer, a detenção mostrou-se perfeitamente caucionada pela lei. Isto porque, quanto ao crime de posse de arma ilegal (e ainda aqueles que, sendo cometidos com arma, são puníveis com prisão), determina o art. 95º-A da citada Lei das Armas que haverá sempre lugar à detenção em flagrante delito. Com as consequências já referidas.
5º Por último, resta apreciar a situação processual da vítima e alegado assaltante. Refere a notícia que se "preparava para invadir" o recinto da escola, no momento em que foi atingido. O que significa, numa interpretação literal, que a haver crime, seria, quando muito, considerado na forma tentada. E de que crime se trataria? Em meu entender, unicamente o de "introdução em lugar vedado ao público", previsto e punido no art. 191º do Código Penal, pois a descrição do tipo é a que mais se adequa às circunstâncias conhecidas. Ora, sabendo-se que a tentativa só é punível nos casos em que a lei expressamente o determinar e não sendo este um deles, não poderá o "intruso" ser incriminado pela prática de qualquer ilícito. A não ser que se prove que, no momento em que foi surpreendido, já se encontrava no interior da escola. Consequentemente, cai pela base o fundamento principal para a sua eventual detenção. O que significa que a sua situação processual se resumirá à condição de ofendido, podendo assim constituir-se como assistente.
Publicado no jornal "O Interior"
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