Aconteceu-lhe morrer no dia dois de Agosto de dois mil e cinco. Estava sentado à secretária do seu escritório, enquanto passava os olhos por um relatório, que ele próprio escrevera, sobre as condições de trabalho no segundo bairro da cidade. Foi encontrado pelo seu único colega de trabalho, que regressava ao emprego depois das férias. Este resolveu, de imediato, tomar a seu encargo comunicar com os familiares do morto. Todavia, essa tarefa revelou-se impossível desde o primeiro minuto. Não encontrou, em 12 anos de trabalho, qualquer pormenor da vida pessoal do outro, por mais insignificante que fosse. Reflectiu e descobriu que ele próprio nunca lhe revelou nada sobre a sua vida. Entrou em profundo desânimo. Tinha passado as férias a dois quarteirões dali, fechado em casa, sozinho, a ler. Nem por um instante lhe havia ocorrido contactar o colega, que devia estar no escritório a trabalhar. Sem conseguir contactar ninguém, sem sequer saber onde era a casa do antigo colega, tomou também como sua a tarefa de organizar o funeral. Chovia e ele era a única pessoa presente. Por falta de dinheiro, o colega jazia agora num despropositado sítio do cemitério, entalado entre o muro exterior e um regato que passava perto. Segundo o relatório que o seu antigo colega escrevera, sabia-se que vários habitantes daquela parte da cidade haviam morrido de doenças associadas à contaminação proveniente dos cadáveres, provavelmente pela água daquele regato. Ao voltar ao escritório, no dia seguinte ao funeral, descobriu que este teria que fechar, porque o único cliente, o município, não tolerara o atraso na entrega desse mesmo relatório. Sem emprego, voltou a casa, despiu toda a roupa, desligou todas as luzes e deitou-se na cama, à espera.
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