A Fundação Trepadeira Azul, instituição que tem desenvolvido um trabalho notável sobretudo em áreas ambientais, está sediada na Quinta de Santo António, freguesia de Aldeia viçosa, concelho da Guarda. No passado domingo, aí promoveu um concerto de música erudita, pelo grupo "Capela Egitanea". Porém, quem ao local acorreu, deparou-se logo à entrada do recinto com uma situação insólita: o Presidente da junta de Freguesia Local, Baltasar Lopes, acompanhado de alguns comparsas e completamente alterado, gesticulava e vociferava contra a realização do concerto, anunciando o seu boicote ao som das vuvuzelas. Ao mesmo tempo, ameaçava a Direcção da Fundação com represálias de todo o tipo. E até o público que se dispunha a assistir ao espectáculo. As "razões" apresentadas pelo edil para o seu comportamento diziam respeito a questões judiciais passadas, havidas entre a Junta e a Fundação. Pelo caminho, ia erguendo uma série de impedimentos administrativos, completamente infundados, à realização do concerto. Apesar dos repetidos apelos à contenção, o autarca manteve o seu propósito. De modo que as vuvuzelas se fizeram soar ao longo do espectáculo. O desenrolar dos factos foi presenciado pela GNR, chamada ao local, mas que nada fez para impedir o sucedido.
Entretanto, a história é denunciada no dia seguinte pelo Américo Rodrigues no seu blogue "Café Mondego", cujo texto convido a ler. Como verão, os factos são relatados na primeira pessoa, pois o autor esteve presente no concerto e são recheados de abundantes pormenores.
Mas o episódio não termina por aqui. Logo na terça feira, Baltasar Lopes apresentou uma "proposta" na sessão respectiva da Assembleia Municipal (de que é membro por inerência, sendo presidente de uma Junta de Freguesia, para quem não sabe), no sentido de ser diminuído em 20% o apoio da Câmara ao Teatro Municipal da Guarda. A proposta foi posta à votação, tendo sido aprovada com os votos de toda a oposição e parte do PS. Não enquanto resolução, mas como "recomendação". Sem qualquer propósito vinculativo para o executivo, portanto. Durante a discussão, houve ainda tempo para um "iluminado" presidente de junta fazer incluir na proposta o encaminhamento da verba assim "recuperada" para as Juntas de Freguesia. Até ao momento, não houve ainda qualquer reacção por parte da estrutura concelhia do PS. Sabendo-se que Baltasar Lopes, embora independente, foi eleito com o apoio dos socialistas. Por outro lado, Américo Rodrigues denunciou o episódio em primeira mão e da forma veemente que se lhe reconhece. O que levou a que fosse visado de duas formas: como Director do TMG, pela insólita iniciativa descrita; pessoalmente, através de insultos e ameaças que afirma ter recebido a partir de então.
Algumas ilações:
a) O caso, embora aparentemente possa ser remetido para o fait divers pitoresco, reveste-se de alguma gravidade. Sendo urgente uma tomada de posição por parte da Câmara e da Concelhia do PS. Retirar a confiança política ao autarca é o mínimo que se exige. O normal seria exigir a sua demissão, ameaçando-o com uma auditoria às contas da praia fluvial.
b) Por outro lado, sabe-se que a deliberação da AM, seja qual for a sua forma, não terá quaisquer efeitos práticos. O órgão não tem competência para alterar orçamentos devidamente aprovados de uma empresa municipal, a Culturguarda. Mesmo assim, é incompreensível como proposta tão descabelada foi aprovada. As razões do proponente são claras: têm as dimensões precisas de uma vingançazinha pessoal de quem não suporta ver-se posto em causa. E de quem usa um órgão autárquico, que integra por inerência de funções, como caixa de ressonância dos seus ressentimentos pessoais. De resto, as repetidas facécias do autarca ajudaram a compor a sua imagem de marca: a do cacique trauliteiro e populista. É altamente improvável que os verdadeiros motivos do edil fossem conhecidos de quem votou favoravelmente a proposta. Que integrou toda a oposição e os Presidentes de Junta do PS. A história é contada aqui pelo AR.
c) O resultado e a composição da maioria que aprovou a proposta não me surpreendem. Por dois motivos: 1º Na Guarda, para além do conhecido populismo associado ao eleitorado tradicionalista de direita e dirigentes dos partidos e instituições que o representam, existe um outro. Trata-se do populismo promovido por certos partidos da chamada esquerda. Que vivem do soundbite miserabilista, de uma superioridade moral que ninguém lhes outorgou e do engraçadismo de circunstância. Associando a cultura ao despesismo e ao desperdício. Ou quando muito, a som de fundo da "revolução". Não porque realmente acreditem nisso, mas por razões de mera estratégia eleitoral. 2º Ficou evidenciado que a maioria dos presidentes de Junta vivem amarrados às suas clientelas e à sua "influência". Não apresentando qualquer estratégia que ultrapasse a sua sobrevivência política. A alteração efectuada à proposta inicial, que faz lembrar a repartição de um saque, fala por si.
d) O TMG é uma peça essencial para a afirmação e desenvolvimento da cidade. Não vou aqui repetir as razões que tantas vezes referi. Aqui, por exemplo. O que interessa, por agora, é focar na noção de que o Teatro Municipal é uma instituição modelar, com provas dadas e, em cada ano que passa, crescentemente acolhido pela cidade no seu imaginário. Claro que não esta isento, bem pelo contrário, da avaliação política nos órgãos próprios, da avaliação do próprio público e do benchmarking. Outra coisa é admitir ou compactuar com esta espécie de terrorismo, que desprestigia as instituições, pode colocar em causa políticas de longo prazo assumidas pela autarquia e cria um ruído completamente à margem do que interessa debater.
Conclusão:
É fundamental não só que a Câmara se demarque desta "recomendação" e de quem a propôe, como também reafirmar a sua aposta na actividade cultural como factor estratégico de desenvolvimento local. Sobretudo agora que se percebeu que, embora para muitos seja esta a aposta certa, ainda não o é para todos. O que não é necessariamente mau. Sabendo-se que as opções políticas de risco são as únicas dignas desse nome.
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