segunda-feira, 30 de abril de 2007

Αλεξάνδρεια (Alexandria)

Konstandinos KAVAFIS (1863-1933), poeta grego, nasceu e morreu em Alexandria. A esta cidade, à sua história, suas glorias e em especial à vida que o havia procurado no seu contacto com os bairros populares, às concorridas festas de rua, cafés e hotéis de uma noite, dedicou Kavafis a sua obra. Apesar de muitos dos seus textos aludirem a temas do mundo helénico, bizantino ou persa. Não haja dúvida que os seus melhores momentos são alcançados quando a paisagem do poema é Alexandria. Kavafis criou a cidade na poesia contemporânea. «Eu sou, —disse referindo-se ao bairro marginal onde vivia-, o espírito. De fora está o corpo».
Seis dos seus poemas mais populares, que têm Alexandria como metáfora do destino, partem de uma história imaginada para partilhar a dor, o desconforto de viver num mundo iniludível. Este poema - I POLIS (A CIDADE) - fala-nos do termo da viagem, na(s) cidade(s) que cada um transporta, pois é aí que terminaremos os nossos dias. Consumido o tempo que nos foi dado, se não alcançamos a riqueza que dá o conhecimento, não haverá novos portos e todas as partidas serão inúteis. Eis duas versões - em português e castelhano - deste magnífico texto (o original grego poderá ser visto aqui):

Disseste: «Vou partir para outra terra, vou partir para outro mar.
Uma outra cidade melhor do que esta encontrar-se-á.
Cada esforço meu um malogro escrito está;
e é - como morto - enterrado o meu coração.
A minha mente até quando irá ficar nesta estagnação.
Para on
de quer que eu olhe, para onde quer que fite por aí
ruínas negras da minha vida vejo aqui,
onde tantos anos passei e dizimei e dei em estragar.»

Lugares novos não vais encontrar, não encontrarás outros mares.
A cidade seguir-te-á. De volta pelos caminhos errarás
os mesmos. E nos bairros os mesmos envelhecerás;
e dentro dessas mesmas casas cobrir-te-ás de cãs.
Sempre a esta cidade chegarás. Para os noutra parte - esperanças vãs -
não há barco para ti, não há partida.
Assim como dizimaste aqui a tua vida
neste pequeno recanto, em toda a terra a vi estragares.


tradução de Nikos Pratsinis e Joaquim Manuel Magalhães, Relógio d'Água, 2005

Dices:
Iré a otra tierra, a otro mar,
otra ciudad mejor que ésta encontraré.
Todos mis esfuerzos son una condena y
casi muerto está mi corazón.
¿Hasta cuándo podré, aquí, languidecer?
Adonde vea, cualquier cosa que mire,
veo las negras ruinas de mi vida aquí
donde he gastado tantos años,
desperdiciados, destruídos totalmente»

No encontrarás otra tierra, otro mar.
La ciudad te perseguirá.
Caminarás las mismas calles, envejecerás en los mismos barrios,
en las mismas casas encanecerás.

Aquí terminarás, no esperes nada mejor.
No hay barco para ti, no hay camino.
Como has destruido aquí tu vida,
en esta angosta esquina de la tierra,
así las has destruido en todo el mundo.

tradução de Harold Alvarado Tenorio

Saídas profissionais

via "Janelar"

Será que o polivalente "artista" também passou pela "Independente"? Ou por outra qualquer baiuca "privada" espalhada pelo país, o "crème de la crème" do facilitismo e do desemprego dourado?

O camarada responsável e outras estórias

1. Pina Moura acaba de ser nomeado para gerir a Mediacapital, empresa que controla a TVI. O convite partiu da Prisa, uma holding ligada aos socialistas espanhóis. Como o próprio admitiu ao “Expresso”, "a nomeação para gerir a Mediacapital tem um pressuposto ideológico" e que "não há nenhum projecto empresarial que não tenha objectivos políticos". Mas será o pressuposto simplesmente ideológico? Ou não se tratará sobretudo de mais uma etapa de uma ofensiva, conduzido pelo poder socialista, no sentido de controlar os meios de comunicação social e condicionar a liberdade de expressão?
Recapitulemos então os expedientes já utilizados: criação da grotesca Entidade Reguladora para a Comunicação Social e reforço dos poderes da Comissão para a Carteira; pressões exercidas pelo Governo no decurso da investigação das tropelias académicas do “engenheiro” Sócrates (“jornalismo de sarjeta”, nas palavras do Ministro da Tutela, um conhecido ex-trotsquista); criação de um blogue, pelo Ministério da Administração Interna, destinado a desmentir as críticas veiculadas pela Imprensa e blogosfera, sob os auspícios do zelota José Magalhães; por último, crème de la crème, a recente ofensiva contra a blogosfera.
Era aqui, neste universo de proximidade e de suprema liberdade, que faltava ao poder socialista “meter a unha”. O Primeiro-Ministro abriu as hostilidades, numa entrevista à RTP1, queixando-se que dele se diz “cobras e lagartos” nos blogues. E que, não fora ser superior aos “ataques”, estariam os tribunais inundados de processos por injurias e difamação. O PM está claramente equivocado. É que, ao invés de alguns jornalistas, os blogonautas não dependem dela para viver. Nem a lógica da blogosfera é assimilável à centralidade informativa ou a qualquer gregarismo opinativo. Que escapa à facilidade com que o clássico jornalismo de papel é fiscalizado ou condicionado.
Este Governo e esta maioria não sabem lidar com a crítica. Incomoda-o o livre escrutínio do seu desempenho pelos cidadãos. Afirmou-se, pelo contrário, uma tendência fiscalizadora, regulamentadora, o corolário de uma indisfarçável arrogância e de um insuportável sectarismo. Neste caso da TVI, os liberais mais cínicos dirão que se trata de uma empresa privada, cujos accionistas poderão orientar no sentido que bem entenderem. E esse sentido, como é óbvio, é o das tendências do mercado e dos números das audiências. Mas alguém terá ilusões que na TVI haverá informação imune a pressões governamentais e divergente em relação aos objectivos da governação socialista?
2. Na decorrência de mais um aniversário do 25 de Abril, é conveniente também reflectir sobre a perversão dos mecanismos basilares da representação democrática. Pina Moura foi eleito deputado em 2004 pelo círculo eleitoral da Guarda. Foi designado como cabeça de lista por um directório partidário - as usual - sendo que a sua única ligação efectiva ao distrito era a naturalidade: Loriga. Esperava-se pois que, no mínimo, cumprisse o seu mandato até ao fim. No interesse sobretudo da região que o sufragou. A não ser, como se tornou hábito, que fosse entretanto designado para um cargo governativo. Mas quatro anos é muito tempo, claro está. Se antes não se tinha dado por ele na A.R., agora o seu nome circula na praça pública pelas piores razões: a meio de um mandato tribunício, o ex-comunista, deslumbrado com as benesses do poder socialista, pede escusa e passa-se para o sector privado. De onde, afinal, nunca saiu. Será que quem votou nele não se sentirá traído, uma espécie de conivente descartável? Desse desconforto, pelo menos, estou dispensado, valha a verdade. Mas não da inquietação com que observo este autêntico assalto ao 4º poder comandado pelo Governo.

Publicado no jornal "O Interior"

domingo, 29 de abril de 2007

Wrestling? Antes fosse...



Este impressivo resumo do jogo Boavista-F.C. Porto, realizado este sábado, evidencia duas coisas igualmente chocantes:
1º a violência anti-desportiva e a descarada simulação (que deu origem ao penalty inexistente) utilizadas pela equipa presidida pelo arguido-mor;
2º a escandalosa arbitragem que sancionou tudo isto.
Será que os velhos tempos da fruta estão a voltar? Será que não vai haver sumaríssimos para, pelo menos, quatro jogadores portistas?

O empata

O túnel do Marquês foi inaugurado no dia 25 de Abril. Dois anos e meio depois do previsto, graças ao embargo que sobre ele recaiu. Pior pior só a história do Tolan, que demorou 3 anos a ser rebocado diante do cais das colunas. Serviu a demora para alguma coisa, para além do impacto daquelas crateras inúteis e do incómodo para os transeuntes? Só me ocorre uma pista: a súbita notoriedade de Sá Fernandes e sua eleição para a vereação camarária lisboeta. Certo?

Acerca da complexidade da gestão autárquica da capital, recomendo a leitura do texto "Lisboa, a cidade -estado", de Carlos Leone, no "Esplanar".

Atlântico


Acaba de sair o número de Maio da "ATLÂNTICO" a melhor revista de actualidade política que se publica em Portugal. Destaque para um artigo acerca do autor do blogue "Do Portugal Profundo" - António Balbino Caldeira - que desde 2005 e em primeira mão tem vindo a denunciar as tropelias académicas do Primeiro Ministro.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Auto de notícia

Quando hoje acordei estava um barco veleiro a espreitar pela janela.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Fruta tocada e apalpada


in "Rapariga Moderna", 1943, via Abrupto

Blogossário - 5

Blog network - refere-se a um conjunto de blogues agrupados num só domínio, designação ou empresa. Grande parte destes blogues tem propósitos comerciais. No entanto, há casos em que têm como objecto outros fins, não lucrativos: sociais, artísticos, ou outros. Alguns exemplos: Weblogs, Inc. (aka WIN) e Gawker Media.

Blog Swarm (enxame) -Situação em que bloguistas perseguem ( e em alguns casos com ataques verbais) uma determinada empresa ou indivíduo que agiu incorrectamente. Imagine-se um enxame de abelhas africanizadas rodeando uma inocente vítima, agitadas pela sua presença no seu território e a quem ameaçam a integridade e a segurança. Um registo bastante conhecido desta ocorrência foi o de Vincent Ferrari v. AOL, em que o primeiro tudo fez para que a companhia não lhe cancelasse a sua conta.

Blogfat - num intermezzo humorístico, a designação para o aumento de peso alcançado graças a muitas horas de blogging e correspondente falta de exercício físico. O termo foi criado por David Weinberger, na sua entrada Blogging makes you fat.

Graffitis - 11

segunda-feira, 23 de abril de 2007

UBU

UBU WEB é uma janela com vista para o que de mais importante se experimentou artisticamente ao longo do séc. XX. Estão lá representados os movimentos de vanguarda e os artistas que criaram e fizeram perdurar a modernidade nas artes plásticas, na música, na literatura, na poesia sonora, no vídeo, no cinema. Cujos trabalhos poderão ser visionados in loco e/ou descarregados para o computador. Gostaria de destacar um ou dois nomes, mas tal seria inútil, dada a profusão de obras e autores reunidos nesta cyber babilónia da arte experimental. E também porque a cumplicidade que mantenho com boa parte dos conteúdos tornaria tal escolha risível. Em conclusão, um site incontornável.

(thanks Ana)

domingo, 22 de abril de 2007

As palavras dos outros

ARTE POÉTICA

A poesia é uma chatice
Toda a gente sabe

E nunca há como dizer o que ficou no copo vazio
Tudo o que as palavras lavam


Upgrade

A lista de agradecimentos a todos aqueles que, ao longo de 14 meses, referenciaram este blogue, incluída na postagem que assinalou o nosso primeiro aniversário, acaba de ser devidamente actualizada. Ver aqui.

Ao longo da estrada cai a noite - 2

caídas as flores da cerejeira,
eis o templo —
através dos ramos.

Com o vento de oeste,
juntam-se as folhas caídas
do lado de leste.

Brilha um relâmpago!
O som das gotas de água caindo
por entre os bambus.

A noite afunda-se
e dorme pelas aldeias;
o som da cascata.

Esplendor da tarde;
deve haver um amarelo
também a florir!

Vagarosos dias passam.
Que distantes ficam
as coisas passadas!

Yosa Buson


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sexta-feira, 20 de abril de 2007

Lido

Vale a pena ver "A grande ilusão francesa", um artigo de Rui Ramos publicado na edição de quarta-feira do jornal "Público". Uma reflexão inquietante sobre glórias passadas de dois países, tendo como pano de fundo as próximas eleições presidenciais em França, erigidas por alguns como uma espécie de referendo europeu. Disponível aqui.

Preces atendidas - 5

Isabelle Adjani

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Ratos - 4

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8.
(Confusão total. Escuro. O palco desmorona-se, tornando-se um cenário de guerra: montes de cascalho revolto, pedaços de cimento, vigas de aço, peças de automóvel, escombros vários, focos de fumo entre o cascalho e o sol a despontar. ANA permanece no fundo de uma trincheira em posição fetal, com as roupas ensopadas no seu próprio sangue, parecendo inconsciente ou morta. Silêncio. O sol bate-lhe na face e começa a mexer-se. Boceja e espreguiça-se. Ergue-se e senta-se numa trave de madeira. Vai caminhando até ao limite do bunker e encara a audiência)
ANA
O meteorologista anunciou trovoada para hoje, mas como podem ver, nem uma nuvem se vê no céu. Esses meteorologistas, chamando-se a si próprios todo o tipo de nomes engraçados como cientistas e assim... Nunca confiei numa palavra do que dizem, tão fiáveis como a dos políticos. Vocês deviam fazê-lo também. De qualquer forma, gosto de surpresas. E também vocês, ou não?
(Regressa ao bunker, tentando pôr um pouco de ordem. Olha em volta, à procura de algo)
Onde estão vocês que não vos vejo? A esconderem-se de mim outra vez? Vá lá! Mário! Júlia! Vítor! Acordem! Não irei aí acima! Quero-vos aqui em baixo já, pois já estão atrasados para o trabalho! Venham cá! Pelos vistos sou a única não está a fazer gazeta hoje. Vamos! Acordem de vez! E tu onde estás, bichano?(chamando um gato) Tenho aqui a comida especial para ti! Onde te meteste?

9.
(um som ténue de uma batida fá-la parar, olhando com receio em volta. As batidas aumentam gradualmente, até se perceber que é um helicóptero. O som vai aumentando de volume, elevando-se até ser quase insuportável. Um vento forte sacode o palco espalhando os escombros. Entra MÁRIO pelo lado esquerdo, vestido com uniforme militar e mochila, trazendo um rádio e uma dúzia de rosas.
MÁRIO
(comunicando via rádio)
Meu Deus! Não é possível! Que horror! Todos mortos! P’ra frente!
ANA
(Vendo Mário)
Mário!
Chegaste cedo! Ainda não são oito! Mas está bem, aproxima-te. Senta-te aí e bebe um café. Estarei pronta dentro de um minuto.
(Volta-se para o Mário e sorri. Este passa por ela e dirige-se para a saída do palco)
Mário, estás bem? Estás a olhar-me de modo estranho. Para onde vais?
MÁRIO
(Empurrando o cascalho à volta e falando para o rádio)
Penso que ela tem também o gato
ANA
(vira-se de costas para Mário e começa a despir-se)
O que disseste acerca do gato, Mário? Não te ouvi bem. É bom ver-te de novo, pois senti muito a tua falta. Esta casa está mais silenciosa do que um cemitério. Será um alívio sair daqui
(Mário coloca as rosas na linha do abrigo e sai pela esquerda.)
Querido, porque não vamos hoje ao cinema? Não te apetece? Estreou agora um filme sobre um médico psiquiatra que consegue trazer os seus doentes de volta à realidade.
(o som do helicóptero aumenta, e depois diminui até desaparecer)
Parece ser fascinante! Chama-se “Despertares”! Parece que o Robin Williams também participa! Que grande actor! Os críticos... Mário? Mário, estás a ouvir-me? (volta-se) Mário? Onde vais? (espreita por cima do abrigo)
(luz de palco fade out, luzes do abrigo fade in. Ana coloca-se no cimo do abrigo, coberta com trapos ensanguentados. Ouve-se um sussurro)
Mas para onde foi ele? O que lhe deu? Estranho… (perturbada) Júlia! Vítor! Quero que desçam, já! Onde diabo estão vocês? Não consigo ver!
(confusa) Cercam-me as trevas! Vítor! Cheira-me a algo podre por aqui e. Ajudem-me! Para onde foram todos? Deviam saber que não se pode confiar nos meteorologistas! Oiçam, as coisas não são tão más como as pessoas as pintam. Reparem no seu lado bom. Está um dia magnífico! Mentiram-vos, como sempre! Eu já não acredito neles! E a vida continua, sabem? Nada tem um fim. Eu atravessarei o vosso silêncio, esconder-me-ei atrás do vosso rosto, sem retorno. Bem sei como é doloroso, mas olhem para mim, oiçam-me! Assim ficarei. Mesmo depois de as luzem se apagarem. Ficarei! Mil estrelas contemplarão o vosso sono! E agora, podem ir!
(Sai em direcção ao público. Luz sobre o abrigo.)

FIM

quinta-feira, 19 de abril de 2007

O Homem que não queria ser engenheiro


Circula na blogosfera uma história real, contada em primeira mão no "Incontinentes Verbais" e relatada, nomeadamente, aqui e aqui. A situação é tão bizarra que podia ser imaginada por Kafka, se conhecesse a nossa proverbial tendência para complicar a realidade, de modo a que o grotesco seja anunciado enquanto caricatura. Tudo começou quando um cidadão, apercebendo-se que a denominação "engenheiro civil" constava nos seus dados pessoais do banco de que era cliente, envia uma comunicação no sentido de a mesma ser substituída pela sua profissão correcta. Origina-se assim uma rocambolesca troca de correspondência, em que o banco solicita um comprovativo em conforme não é engenheiro civil. Vai daí, instala-se a confusão, com os títulos honoríficos e académicos chamados à colação. Para surpresa nossa e do reclamante, o resultado da sua saga pode ser apreciado na figura supra. Repare-se na subtileza administrativa de um engenheiro poder ter como habilitações o 12º ano. Do mal o menos: assim, o "porgama" informático do banco já não dá erro. Para alívio do "ingenhêro" que o criou, da "impresa" que o impingiu ao banco, e dos funcionários deste, para quem a realidade deverá sempre ceder perante a coerência do sistema, mesmo que absurda. Uma coisa é certa. Vivemos no país onde, não se sendo engenheiro, é mais fácil dizer que se é, sem consequências, do que provar que não se é.

Glas...quê?

Pedro Correia, amigo deste blogue e editor do "Corta Fitas", acaba de publicar uma notícia no JN que só para os mais distraídos será insólita:

Ricardo Araújo Pereira foi vetado pela Juventude Comunista Portuguesa (JCP), que inviabilizou uma intervenção do humorista nas próximas celebrações do 25 de Abril. A proposta, originalmente feita pelo representante da Juventude Socialista (JS) nas reuniões preparatórias da comemoração do 33.º aniversário da Revolução dos Cravos, esbarrou com a intransigência da JCP, que sugeriu nomes alternativos ao do "Gato Fedorento", ex-militante nas fileiras comunistas. A falta de consenso entre as forças políticas representadas na comissão promotora inviabiliza a intervenção de um representante dos jovens portugueses no comício do dia 25 em Lisboa, o que acontece pela primeira vez.

Nada de novo, portanto, para os fieis discípulos de Estaline. Ver aqui notícia desenvolvida.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Ao longo da estrada cai a noite - 1

O deus está longe;
empilham-se as folhas mortas
e tudo é deserto.

Entrega ao salgueiro
o tédio e todo o desejo
do teu coração.

Entre os pessegueiros,
florindo por todo o lado,
agora a cerejeira.

Esvai-se o som da noite;
sobre o perfume das flores —
um sino tocou.

No meio da planície
uma cotovia canta,
liberta de tudo.

Ao longo da estrada,
ninguém se vê caminhar;
cai a noite de outono.

Matsuo Bashô

Sobre o HAIKU: breve composição poética, de origem japonesa (também chamada hokku, haikai ou haicai) que se funda nas relações profundas entre homem e natureza; e obecede à estrutura formal de 17 sílabas ou fonemas, distribuídos em 3 versos. O fundamento filosófico do haiku é po preceito budista de que tudo neste mundo é transitório e que o importante é sabermo-nos feitos de mudanças contínuas como a natureza e as estações (primavera, verão, outono e inverno). Foi no séc. XVII, com Matsuo Bashô (1644-1694), grande mestre de haikai renga, que a forma hokku começou a ganhar presença autónoma e profundidade existencial. Mas só em fins do séc. XIX, Masaoka Shiki (1867-1902), considerado um dos quatros grandes mestres do haiku, faz a aglutinação dos termos “haikai” e “hokku”, criando o neologismo “haiku”. A poesia do haiku deve ser “íntima e subjectiva, tendo como fonte um momento particularmente poético vivido pelo autor (descoberta do Kigo), não deve ser, portanto, poesia artificial e/ou imaginária.” No Ocidente, o haiku conservou a estrutura formal de origem, mas perdeu sua ligação com a tradição cultural japonesa, representada pelo Kigo; e assim transformou-se em forma poética condensada, gerada por uma sensação provocada por uma funda percepção sensorial. Embora não esteja ligado necessariamente ao Kigo (a um fenómeno sazonal), o haicai ocidental, via de regra, parte de uma percepção.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Do you speak english?

José Sócrates terá feito a cadeira de Inglês Técnico ­– uma das cinco que realizou na Universidade Independente para concluir a licenciatura em Engenharia Civil – através de um pequeno trabalho entregue numa folha A4, que fez chegar ao reitor acompanhado de um cartão do seu gabinete de secretário de Estado.

Ver aqui notícia completa
A parada da mentira veiculada pelo Primeiro Ministro já vai alta. Nesta postagem do "31 da Armada" vem contabilizada a "normalidade" com que o mesmo encara toda esta situação.

Curtas

Os Maias, o célebre romance de de Eça de Queirós, vai ser publicado pela primeira vez nos Estados Unidos. Com a chancela da editora New Directions. A tradução é de Margaret Jull Costa. Harold Bloom apadrinha.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

As Vidas dos Outros


"As Vidas dos outros" (Das Leben der Anderen), 2006, de Florian Henckel von Donnersmarck

A cinematografia alemã tem vindo a recuperar temas do seu passado recente. Como exemplos, A Queda – Hitler E O Fim Do Terceiro Reich (2004), de Olivier Hirschbiegel, Sophie Scholl – Os últimos dias (2005), de Marc Rothemund ou Adeus, Lenin! (2003), de Wolfgang Becker. Mas é sobretudo em relação a este último, que retrata as dificuldades de adaptação pós-unificação, que a diferente perspectiva de onde parte este excelente "As Vidas dos Outros" mais se faz sentir:
1984, Alemanha de Leste. Cinco antes antes da Glasnot e da queda do Muro, a população é mantida debaixo de controlo pela Stasi, polícia secreta alemã. A missão da Stasi é apenas uma: saber tudo sobre a vida de todas as pessoas, através de uma vasta cadeia de informadores/denunciadores. O filme acompanha a gradual desilusão do Capitão Gerd Wiesler, um oficial altamente credenciado da Stasi, cuja missão é espiar um famoso escritor, George Dreyman, e a sua esposa, a actriz Christa-Maria Sieland. Segundo o realizador, no filme "cada personagem coloca questões com as quais nos confrontamos todos os dias: como é que lidamos com o poder e com as ideologias? Seguimos os nossos princípios ou os nossos sentimentos? Mais do que qualquer outra coisa, é um drama sobre a capacidade dos seres humanos fazerem o que está certo, não interessa até onde foram no caminho errado". Nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, "As Vidas dos Outros", conquistou três Prémios do Cinema Europeu: Melhor Filme, Melhor Actor e Melhor Argumento e o Prémio do Público nos festivais de Locarno e Vancouver.

Ver trailer

sábado, 14 de abril de 2007

Gosto mais do Tarantino

Uns patuscos covilhanenses não gostaram nada que aqui fosse dita a verdade acerca do que esconde a propalada designação "Beira Interior". Que tomaram como um ataque aos santinhos da paróquia. Portanto, as minhas advertências quanto a esta nova centralidade de facto, que a Covilhã quer impor à sua volta, têm toda a razão de ser. Eis um novo e inconfessado hinterland, que tem esta legião de patetas ao serviço, daqueles sempre prontos a achar que são o centro radioso do mundo. O que significa que, ofuscados por tal potentado, os demais se devem limitar a invejá-lo ou a denegri-lo. Chama-se a isto, no mínimo, provincianismo crónico. No máximo, patologia persecutória. Vai daí, abriram uma guerrazinha privada a quem ousou "desafiar" os seus totens. Já aqui denunciei vários fundamentalismos. Faltava mais este, aqui tão perto. Rapaziada, da minha parte levarão uma boa e sonora gargalhada e um agradecimento pelos encómios publicitários.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Incursões



A Serra da Estrela, ontem à tarde, durante uma trovoada com queda de granizo.

Ratos - 3

VER ANTERIOR
6.
(Numa sala de aula)
MARIA
Sou realmente imunda. E feia. E estúpida. Toda a gente me odeia. Sou uma fraude, uma mentirosa, e detesto o meu cabelo. Juro que vou rapá-lo qualquer dia!
(O Professor Verde ergue-se do cadáver do Sr. Verde)
PROFESSOR VERDE
Maria! Mas é atroz! Lá está ela outra vez!
MARIA
(chorando)
Sôtor. Bolas! Oh, não estava aqui! Não sei. Não o estava a ouvir. O que disse?
PROFESSOR VERDE
Mas que rapariga tão perturbada! Vou repetir. Talvez ela aprenda desta vez.
(vai buscar um chicote)
MARIA
Sim, sôtor. Não terei mais pensamentos dispersos.
(gritos de dor)
Não terei mais pensamentos dispersos
(gemidos de aflição)
Não terei mais pensamentos dispersos
(em pânico)
Não terei mais…
(exausta)
PROFESSOR VERDE
Oh! Apagarei este foco de contaminação para sempre deste mundo. Em tua honra, ó grande Platão.
(bate-lhe)
MARIA
Oh, Sôtor , mas o que fiz eu!
(Escuro)

7.
(Num hospício)
DR. VERDE
É uma história terrível. Badalada por todos os jornais. Brincar ao cato e ao rato com raposas do deserto. A inocente rapariga atraiu a sua piedade para assim se deixar possuir. Que visão pavorosa. Já vi várias crianças com todo o tipo de psicoses, irrealidades, alucinações fantásticas. Mas, comparadas com Maria, pouco representam. Nem sei porque lhe dei tanta atenção. Nunca o deveria ter feito. Deveria tê-la tratado como aos demais. Cingir-me ao meu trabalho e pouco mais. Mas ela é um caso invulgar. Estão a ver, nem mesmo qualquer indício consegui descobrir que demonstrasse que ela seja mentalmente apta em qualquer parcela da realidade. Quando um paciente escapa a qualquer diagnóstico que lhe possa aplicar, como o poderei sujeitar a uma terapia arbitrária. Como poderei ajustar o sintoma à cura, se não tenho um ponto de referência de onde possa parti? Estão a ver, o que ela vê é diferente do que todos, vós ou eu, vemos. Por exemplo: esta luz para todos é luz, mas para a Maria poderia ser um sapato valho, um sentimento de piedade, o cheiro do alcatrão quente, uma palavra rude, um gesto frio, o sabor da carne assada, qualquer coisa. Este fantasmagórico erro de percepção não nasceu com ela, pois criou aos poucos um repertório de sensações a partir de onde extraiu o seu erro e a sua confusão. O mundo tornou-se para ela uma realidade distorcida. O único propósito do seu comportamento é a violência. Ela não só mata, como ainda desfaz escrupulosamente as suas vítimas em pequenos pedaços, como uma mãe cortaria um bife para dar ao filho. Ela não tem a capacidade fundamental para separar o real do ilusório. O que ela vê como fantasia é frequentemente uma perigosa e escaldante realidade. A realidade encara-a o mais das vezes como uma cortina ou um chão gélido. Se eu pudesse retirar-lhe essa violência, seria dócil. Uma lunática, mas uma lunática inofensiva.
MARIA
(aos pulos na cama, falando com a toalha pendurada na cadeira)
Tu aí! Levanta-te! Vamos! Quero falar contigo!
DR. VERDE
Vêem. Ela fala para formas intangíveis ou inanimadas como se fossem pessoas. Só de vez em quando poderão fazer com que ela fale directamente para vocês e responda às vossas perguntas. Mas é pura obra do acaso se ela vos escolher para serem reais nesse dia.
MARIA
Diz-me qualquer coisa, por favor! Peço-te. Responderei se falares comigo.
DR. VERDE
Maria! Olá, Maria!
MARIA
Oiço-o! Sim, afinal fala! Sou a Maria!
DR. VERDE
Para aqui, Maria!
(aparte)
Ela realmente não vê, pois age como se fosse cega. Ainda que de facto o seu desequilíbrio possa ir mais além, os sentidos funcionam normalmente ao nível local. E chegou o momento de aplicar esses sentidos ao cérebro que, creio, foi seriamente afectado.
MARIA
(voltando-se com uma raiva dirigida ao Dr. Verde)
Não, você é o único que foi afectado, caro senhor, forçando o mundo a acreditar nas suas sombras. Consigo ver bem melhor do que você, não sou cega. Não falarei consigo, como vê, pois não está previsto no manual. Mas acontece que sou uma filósofa e agora apetece-me conversar com as pessoas. Calem-se de vez ó actores e esperem a vossa deixa. O vosso melodrama causou-me uma indigestão e as vossas actuações estiveram arredadas do mundo real - morto no texto, irreal na vossa voz. Os médicos são sempre personagens entediantes. Sempre! Odeio o Tchekov!
(saca a faca de mato e golpeia o Dr. Verde até à morte deste)

A janela

olá, como está?

este medo de ser o que eles são:
mortos.

ao menos não andam na rua, eles
têm o cuidado de ficar em casa, esses
seres pálidos que se sentam em frente à televisão,
as suas vidas cheias de risos enlatados, mutilados.

o seu bairro perfeito
de carros estacionados
de pequenos jardins
de pequenas casas
de pequenas portas que abrem e fecham
enquanto os familiares os visitam
durante as férias
as portas que se fecham
atrás dos mortos que morrem devagar
atrás dos mortos que ainda vivem
no teu normal e pacato bairro
de ruas largas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.

um cão atrás de uma cerca.

um homem em silêncio numa janela.


Charles Bukowski, versão de Manuel A. Domingos

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Portal institucional


O "Institucional Portugal" é um utilíssimo portal para encontrar entidades e organizações, públicas ou privadas. Apresenta-se como um mosaico de logotipos, a partir de onde se estabelece directamente a hiperligação desejada. Compreende várias páginas: "placard institucional", dedicado a instituições e organizações públicas, nacionais ou internacionais, "associações, empresas e institutos" e " adesão 777", aberto à divulgação de websites de interesse público, apresentados pela palavra-chave respectiva. Eis uma boa alternativa aos motores de busca, uma vez que o ambiente gráfico é bastante intuitivo e os resultados são imediatos. E que poderá ser acedida, a partir de agora, a partir do item "Utilidades" deste blogue.

Vanitas vanitatum, et omnia vanitas

Sócrates acaba de quebrar o silêncio sobre o seu percurso académico e título profissional. Depois de ter ficado claramente demonstrado que mentiu em relação a ambos, pelo menos até 1996. Fica ainda por apurar se alguma vez esteve inscrito na Ordem dos Engenheiros, condição para usar o título respectivo. Na entrevista que deu na TV pública, Sócrates podia, mesmo assim, salvar a face, admitindo que mentiu. Talvez assim criasse uma empatia com o país e a sombra de uma ética duvidosa que sob si pesa fosse atenuada por uma magnanimidade desculpabilizante em que somos pródigos. Podia mesmo revelar que, como dizia o Ricardo Araújo Pereira, tudo aconteceu por pressão da mãe, que assim já podia dizer às amigas que tinha um filho engenheiro ( primeiro ministro soa assim como que demasiado oficial). Que diabo, o homem nem precisava de ser nenhum Eiffel, bastava só o titulozinho para emoldurar a vaidade! Enfim, podia tudo repousar no limbo do pecadilho menor, suscitando uma complacência popular que advém da cumplicidade. Reconhecendo a fraude, poderia transformá-la numa trapalhada benigna, justificável pela ânsia de respeitabilidade que, no imaginário popular, um título académico concede. Mas nada disso aconteceu: manteve a conhecida pose característica de uma fleuma trabalhada, que esconde uma profunda arrogância. E querendo mostrar, à força, uma tranquilidade unicamente traída por um ligeiro tremor da voz. Recorreu mesmo a umas máximas que exaltam a coragem perante a adversidade, mais destinadas a convencer-se a si próprio do que ao auditório. Em suma, a peça foi boa, mas a representação péssima. Assim não, sr. Primeiro Ministro.

Sobre o percurso académico de Sócrates, ver aqui mais informação.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Um embuste chamado Beira Interior

De há uns anos para cá - e já se verá porquê - instituiu-se no jargão regional a designação BEIRA INTERIOR. Para designar uma realidade que corresponde, grosso modo, aos distritos da Guarda e Castelo Branco. É evidente que tal sectorização não tem qualquer correspondência real a nível administrativo, na geografia, na demografia, na cultura, na orografia, no clima, nas tradições, na economia. Em suma, trata-se de uma divisão puramente artificial, que aproveita aos interesses expansionistas da Covilhã. A nível político, tal como as trapalhadas da Comurbeiras ilustram - essa fantasia unipessoal do Presidente da Câmara covilhanense, herdeira de uma regionalização que o país chumbou em 1999. A nível económico: todas as empresas com a designação social "beira interior" estão sediadas na Covilhã e concelhos limítrofes. Na Guarda, nem uma. Porque será? A nível da opinião pública: só os jornais da Covilhã e "O Interior" promovem abertamente a "Beira Interior (S.A.)". Que interesses espreitam por detrás? Evidentemente, só à Covilhã interessa esta fábula. Pois assim desvaloriza as capitais de distrito confinantes a poderá afirmar-se como potência regional. Sem nada que o justifique, diga-se de passagem. E não se diga que esta minha posição - sendo cidadão da Guarda - advém de qualquer regionalismo atávico. Trata-se de um alerta, que decerto merece a concordância de vastos sectores da população, para os perigos desta designação artificiosa e do que ela esconde. A Guarda tem tradicionalmente maiores ligações com Viseu e Coimbra. Com quem deveria reforçar os laços. E mesmo com o eixo transfronteiriço até Salamanca. Em suma: existe a Beira Alta e a Beira Baixa. Não é por nada. Para quê complicar?

Habemus cinema

(via "Cine Estúdio Oppidana")

Uma boa notícia para os entusiastas do cinema e para a Guarda. Reabre hoje o Cine-Estúdio Oppidana. Depois de um ano encerrado, após a distribuidora Lusomundo não ter renovado o contrato de exploração que mantinha com a Câmara. Significativamente remodelado - graças a obras que representaram um investimento na ordem dos 100 000 euros - o espaço é agora gerido pela empresa municipal CulturGuarda, que assegurará uma programação independente e diversificada, segundo os responsáveis. E cujo figurino se manterá até à abertura das salas previstas nos futuros espaços comerciais da cidade. O filme inaugural - exibido até dia 15 - será "O Labirinto do Fauno", de Guillermo del Toro, aclamado na última edição do Fantasporto. Toda a informação sobre a sala e programação poderá ser encontrada no weblog respectivo.

O homem da maratona

Pacheco Pereira descobriu esta sugestiva ficha biográfica do actual primeiro-ministro, retirada da obra "Classe Política Portuguesa" de Cândido de Azevedo, edição de 1994. A informação é compilada com base nas indicações fornecidas pelos próprios e é assim que José Sócrates é apresentado. Já não há dúvidas de que o Primeiro-ministro usou indevidamente o título de engenheiro. Com base numa licenciatura em Engenharia Civil que não tinha na altura e que está por apurar se alguma vez obteve regularmente.
Por outro lado, sabe-se que informações idênticas constam nos registos dos serviços da Assembleia da República, desde que o PM foi deputado, na legislatura 1991-95. Os dados foram fornecidos por Sócrates, em 1991, num impresso
onde coloca «engenheiro» como profissão. No espaço destinado a habilitações preenche «engenharia civil». Curiosamente, a AR divulgou um outro documento, em tudo igual aquele, mas em que no primeiro item foi acrescentado "técnico" e no segundo "bacharelato", pelo punho do então deputado. Ver aqui reprodução e aqui notícia desenvolvida.
Mais ainda, em declarações ao urbi et orbi, um jornal online da Covilhã, com edição em 14 de Agosto de 2001, afirmou Sócrates que "Depois da experiência universitária em Coimbra, regressei à Covilhã como engenheiro e trabalhei entre 1982 e 1987 na Câmara Municipal". Entretanto, discute-se o "silêncio" do P.M. enquanto questão pública de interesse nacional, como ontem aconteceu na SIC N *. Mas não será este mais um caso, frequente na classe política, onde a a menoridade cívica é branqueada por uma biografia dourada, como já aqui afirmei? Ora, o crime (público) de usurpação de funções está previsto no art. 358º do Código Penal. Será que não há já matéria suficiente para o Ministério Público abrir um inquérito?

* Bem andou o humorista Ricardo Araújo Pereira, dos
gato fedorento, na carta aberta que dedicou a Sócrates na revista Visão e que pode ser lida aqui.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Lido

Toda a sua vida foi. Nunca regressou.

Sinais de fumo


Já se conhece a proposta de lei anti-tabaco que o Governo aprovou. Convenientemente orquestrada por uma campanha de demonização, em curso, do prazer de fumar. Já aqui disse o que, sobre este assunto, me ocorre. Todavia, a palavra final na matéria chegou-me a partir do "A Terceira Noite", por via de uma magnífica postagem de Rui Bebiano, intitulada "O Vício Esplêndido". O texto foi escrito em 2003 para a revista literária "Periférica", hoje extinta. No final, o autor sugere alguns "acessórios" apropriados para o tema e que passo a citar:

Livros: Cigarettes Are Sublime, de Richard Klein; Complete Idiot’s Guide to Quitting Smoking, de Lowell Kleinmann; Os Malefícios do Tabaco, de Anton Tchekov; Prazeres, de Eduardo Barroso.
Filmes: Casablanca, de Michael Curtiz; Smoke, de Wayne Wang.
Discos: Carmen, de Georges Bizet; Le Poinçonneur des LilasLove On The Beat, de Serge Gainsbourg; Grapefruit Moon, de Tom Waits.

Em resumo, leitura recomendadíssima.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Ratos - 2

VER ANTERIOR
4.
(Na casa de Mariana)
HOMEM
Oh Mariana, a mais bela das donzelas! Parece que o grande sono te acolheu! Cheguei tarde demais, e agora, entre nós, só há o crepúsculo. A tua promessa era imensa, os meus olhos assim a viram e a guardaram. Ainda que eu tenha estado aqui e ali, por toda a parte, não poderás nunca sabê-lo. Espio a minha consciência e essa voz débil e incessante chama-me, diz-me “este sou eu sem ser eu”. Agora espreito esse trilho que tu abriste e só oiço a campainha incessante do tempo, quando alcança o gesto morto do ponteiro por trás do vidro do relógio de pêndulo. Bem dentro de mim, para me acordar, ficou essa promessa, para mostrar o local exacto onde devo saltar no tempo e ir por aí.

5.
(Vê-se um túnel, com uma luz ao fundo. Ouve-se água a pingar. Aparece um homem com um fato verde, caminhando e assobiando, mas sem avançar no terreno, como se estivesse a executar um trabalho monótono ou o túnel lhe fosse indiferente. Para e do escuro sai uma rapariga, com ar abandonado, que se dirige ao público)
RAPARIGA
B´m dia a todos, ó p’sual! Que dia porreiro, caro senhor, a minha mãezinha prometeu que hoje nos levaria a todos ao circo, mas que dia para um piquenique não acha, foi isso mesmo que a mãezinha disse, “vamos ir indo a ver o grande lago, o super-homem, os monstros e os palhaços. Há três dias que está na cidade e só hoje a mãezinha disse que íamos ao circo. Estou a dizer-lhe que hoje vou ao circo, senhor! Está a ouvir-me? Não isso é que não está! Não ouviu sequer uma palavra! Bom, não faz mal. E mesmo que não lhe tenha agradado, estou-me nas tintas: não haverá espectáculo para você! E agora vou-me calar.
SR. VERDE
Desculpa menina, mas que ar miserável tu tens! O que estavas para aí a dizer? Estás perdida, pequena?
RAPARIGA
Mãezinha…socorro... Põe-te de joelhos e ora. Estás muito enganado a meu respeito!
SR. VERDE
Em nome de Deus, serás tu uma ladra? Queres o meu dinheiro? O meu relógio? Vais matar-me? Ou preferes conversar? Oh, pobre e infeliz pequena. Dar-te ei isso tudo, ou o que quiseres. O que disseste? Para mim é igual, pois o jogo é teu.
RAPARIGA
Tu! Tu aí Vamos, fala! És mudo? Diz-me, estou aqui ou não? Não podes ficar assim calado. Não me vejas dessa maneira! Não! Ouviste, ó pervertido? Não quer dizer não! Não! Não! Para onde estás a olhar? Vai dar uma volta. Isto não é um espectáculo! Malditos pestaninhas! Topo-os em todo o lado. Não nos dão um segundo de descanso. Tirem-me este cromo d’aqui, seja ele quem for! O que é que ele quer? Porque está a tirar as roupas? Vá, apalpa-me, seu cobarde! Malditos depravados!
SR. VERDE
Sim? O quê?
RAPARIGA
O que disse ele? Digam-lhe para fechar aquela cloaca, sim? Não falo com estes gimbros! E tu, seu taradinho mudo, fala!
SR. VERDE
Já vai, já vai!. Queres que fale acerca de quê? Adoro falar! Oh, Meus Deus! Não me mates ó pequenita estranha e esfomeada. Tenho ainda tanto para viver! Não quero morrer já! Tenho três filhos, uma mulher, um cão e uma data de sonhos por realizar. Já para não falar de três semanas de férias à minha espera. Bolas! Vou dar-te umas palmadas nesse rabo, sua putinha! Mas por favor não me mates! Toma, leva tudo. Toda a minha maldita vida. Vá, vá, pega em tudo, mas peço-te que não me magoes.
RAPARIGA
(sacando de uma faca de mato) Até metes dó, seu jumento gordo. Vejam só, a armar-se em duro! Mas agora até me darias as próprias calças, rastejando como um verme aos pés de uma rapariga de 15 anos com uma faca na mão.
(golpeia-o desajeitadamente)
O que é tão divertido? Caluda! Estou a ouvir-vos, aos vossos enfastiados risos de asnos! É absurdo, é? Parece-vos que preciso de uma razão para fazer isto?
(ri como uma possessa, desafiando o público. O Sr. Verde morre)
“Eu pensava, eu pensava”… o teu problema é que pensavas demais. Que pena!. Olha ó traste! Estás com um ar ridículo!
(vingativa)
Deves pensar que tenho pena de ti!. Vai-te foder! Desaparece da minha vista! Mas leva essa maldita boca calada.
(recua, dando conta do seu acto)
Oh, vejam o que eu fiz! Como foi possível? E esta coisa pastosa sujando o meu vestido todo! Não posso acreditar!
(Escuro)

Imagens de Portugal romântico - 18

Lisboa, vista de Almada
Oeiras, forte de S. Julião da Barra
Lisboa, Largo do Carmo

Ver anterior

Errâncias

Sob o apropriado lema "vigília pascal", estive por uns dias no Algarve. Como seria de esperar, a doçura da luz primaveril, evocando outras latitudes, é irresistível nesta época. Mesmo que nos boqueirões e nos subtis recortes da costa que se alongam até ao Carvoeiro já não pululem as ninfas e as náiades, como se dizia no "Guia de Portugal" dos anos 40. Agora espreitam, nos locais mais imprevistos, as paredes de um empreendimento óteleiro. Logo "ali" na arriba. Como no caso de um hotel em Armação de Pêra, cujas paredes e respectivos alicerces substituíram, num pequeno troço, o que antes fora falésia. Elementar, caro Watson. Mas o Algarve não é só o mar. Bem pelo contrário. Numa digressão pelo "barrocal", descobri Estói, uma antiga e perfumada vila algarvia, emoldurada pelo magnífico palácio dos condes de Carvalhal, solar setecentista. Logo ao lado, as ruínas romanas do Milreu, a antiga "Ossónoba", cujo esplendor não é difícil adivinhar.

domingo, 8 de abril de 2007

No centeio

Tradução: José Lima
Ed. Difel, 2005

O que tem de extraordinário este The Catcher in the Rye, obra máxima de J.D. Salinger, que atrai legiões de admiradores dos mais diferentes perfis e é objecto de culto nos mais diversos círculos? Jerome David Salinger , o autor, é uma figura estranha. Nascido em 1919, desde sempre foi avesso à imprensa ou outras formas de divulgação da sua figura, tornando-se paranoicamente recluso. Ainda na época do lançamento do livro, na década de quarenta, fez o seu editor prometer que não lhe enviaria quaisquer críticas que fossem publicadas sobre o livro. À Espera do Centeio relata, numa narrativa na primeira pessoa, alguns dias na vida do adolescente Holden Caulfield O qual acaba de ser expulso da sua terceira escola nas vésperas de Natal, nos EUA do pós-guerra. Numa linguagem simultaneamente criativa e coloquial (o que dificulta a vida dos tradutores), Caulfield vai revelando, aos poucos, algo sobre o seu passado, família e conhecidos, ao mesmo tempo que vagueia por Nova Yorque. E, para alguém entediado e deprimido como ele, nada melhor que ua contrariedade para manter o ritmo narrativo.O texto segue a linha joyceana do fluxo de consciência, com as frases jorrando aos borbotões, como se saíssem directamente da cabeça do narrador, saltando de um assunto para outro sem grande cerimónia, parecendo obra do acaso. Em The Catcher in the Rye o fluxo de consciência funciona particularmente bem, pois permite expressar a instabilidade emocional do protagonista, não somente no conteúdo da narrativa, mas também na forma. Holden Caulfield é ao mesmo tempo o herói e o vilão da história. Vítima de si próprio e da sua sensibilidade, divertidamente mentiroso, assumidamente covarde, parece buscar uma espécie de redenção ajudando desconhecidos e enaltecendo sua irmãzinha de dez anos. Mas o que realmente o incomoda é o vazio e a falsidade das pessoas, que por mais promissoras que pareçam, acabarão sempre por se revelar como mais uma decepção. Isto não faz da obra exactamente uma leitura animadora mas, ainda assim, existe algum resquício de inocência e ingenuidade infantil em Holden Caulfield.

sábado, 7 de abril de 2007

Recomenda-se

Ed. Antígona / Frenesi, 2006

Este livro não pretende de modo algum desenvolver um estudo exaustivo sobre a prostituição em Portugal, mas coloca uma pergunta inquietante: que diferença existe entre as relações sexuais dentro da prostituição e as relações sexuais convencionais? A partir daqui, o autor analisa a história do adultério, da libertinagem, de tudo o que possa chamar-se «sexualidade», e a qual faz equivaler à devassidão, extrapolando frequentemente para o campo da pura moralidade. A ideia central deste historiador, e que preside ao seu exercício histórico, é esta: cada século é sempre mais impuro do que o anterior.A Amorim Pessoa não interessa tanto estudar a prostituição enquanto fenómeno político-social, mas expor os princípios que nas nossas sociedades feudais-burguesas norteiam as relações familiares.Esta obra (aqui compilada e anotada por Manuel João Gomes) vale sobretudo como documento psicológico de uma época – o fim do século XIX, altura em que este trabalho conheceu grande publicidade e êxito.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Esplendor no céu


De visita ao "Cântaro Zangado", descobri esta imagem, obtida na Serra da Estrela. Mais palavras para quê?

domingo, 1 de abril de 2007

Auto de notícia

- Sempre é verdade que o outro foi dado como morto?
- Sim, mas não é certo, pois antes nunca fora dado como vivo.
- A sério?
- 1º de Abril!!!

Ratos - 1

Chama-se "Ratos". Uma pequena peça de teatro "série B" que acabei de criar. Para quem tem acompanhado a rubrica "Crimes Exemplares", mantida neste blogue, não será difícil imaginar a transposição do absurdo e de uma violência paródica, aí desenvolvidos, para uma ambiência cénica. Trata-se pois de uma história politicamente incorrecta, a partir de fragmentos aparentemente isolados. Onde certos fantasmas presentes na ordem do dia são devidamente remetidos ao jogo de espelhos de onde procedem. Numa sucessão de imagens cruas e carregadas de um onirismo corrosivo.
Com início neste post, o texto será aqui apresentado - em estreia absoluta - por episódios. Que serão editados pela ordem respectiva e fazendo cada um remissão para o anterior.

***
Personagens: Voz, Coro de quatro vozes, Homem, Condutor, Sr. Verde, Rapariga, Maria, Prof. Verde, Dr. Verde, Ana, Mário

1.
(Escuro. Ouve-se um zumbido constante, como o som próprio de uma cidade.)
VOZ
A mente é um lugar fantástico para vagabundear quando se está ausente. (Pára o zumbido.)
VOZES (OFF)
Quem está aí? Quem avançou até aqui? Tu, aí no meio!
VOZ
Eu? O que querem vocês? Sim, já fiz tudo, se querem saber. Aqui está o meu relatório para vos mostrar.
VOZES
Estamo-nos nas tintas para o que tu fizeste. Agora está sossegado e nem um pio!
VOZ
Mas ainda não sei onde estou, nem para onde ir. Indiquem-me um lugar sob este manto escuro, dêem-me essa orientação. Mas antes, digam-me, por favor, qual é exactamente o nosso tipo de relação?
VOZES
A mente é sublime, sim, mas aqui não temos tempo para jogos estúpidos, seu idiota.
Não queríamos ir por aí, mas o que virás a ser é a maior das incertezas. Foi a ti que e aos teus enigmas que banimos, desta mancha, por todo o lado. Mas acende as luzes e trá-las para aqui! Vamos! (Luz geral no palco)

2.
HOMEM
Eu vi a luz! Foi Deus quem pressenti, na sua nudez e pureza. Estou salvo! Conseguem vê-lo também? Aquela luz? Como me deleitei nela, meus irmãos! Fora a Vaidade! Tagarelice, não te conheço! Vai de retro ó personagem! Sai aparência que te acoitas dentro de mim, como um bobo cruel! O teu artifício acorrenta-nos todos ao Diabo! Fora! Fora!
VOZES (OFF, em coro) (imitando, parodiando)
Fora! Fora! Seus cães raivosos. Vamos! Voltem às vossas jaulas. Fora! Fora! Suas bestas delirantes, saiam de vez do nosso palco.
HOMEM
Que desgraças se aproximam! Quantas catástrofes vos esperam, servidores de Satã. Concede-me o teu refúgio, ó Senhor! Orarei para que os tires a todos da minha vista!
VOZES
Pobre rato insignificante! Seu idiota! Deus está morto, para todos os efeitos. E nós, somos simples figuras de porcelana, num disco suspenso do nada, em vertiginoso rodopio numa pista de dança!
HOMEM
Servidores das trevas, fora, fora da minha vista! Meu Deus, peço-vos, dai-me passagem para o vosso reino, através do mar. E longe do mundo, a ele renunciarei.
VOZ 1
Ah ah ah!
VOZ 2
He He!
VOZ 3
Ho Ho!
VOZ 4
O mar!!! Ah ah ah!
VOZES (em coro)
Gostávamos mesmo de ver tal coisa! És muito crente, mas já estás atrasado para o teu comboio! E não te esqueças do guarda-chuva, porque parece que vai chover…
HOMEM
A mente é um local mal frequentado. Pergunto a mim mesmo, ó Senhor, qual é o preço do bilhete? (Escuro)

3.
(Plano de uma grande estação de autocarros, em vídeo)
CONDUTOR
Bilhete para onde? Isso depende. Ora deixa cá ver: são € 12,00 para Braga e € 15,00 para Cascais e € 400,00 para o Ganges, mas só aos fins de semana…
HOMEM
É bastante caro, digamos, para uma tão longa viagem rumo à salvação... O que sugere você? A esse preço quero vista para o mar!
CONDUTOR
Mesmo ao cimo da Areosa , vive uma rapariga chamada Mariana, num castelo. Já não tem pai nem mãe. Está o tempo todo em casa, sozinha, acompanhada dos seus 900 amigos online…Acredite, a vida dela é deveras triste.
HOMEM
Vem mesmo a calhar! Só espero que não seja caprichosa, mas mesmo assim não me importo. Indeciso como sou, eu e ela voaremos mais alto do que um vulgar idiota poderá tentar.
CONDUTOR
Isso soa-me que nem gingas! Estou realmente contente ao ver que fez a sua escolha. (cantarolando) Eis que a hora é de largar, pois aquele apito vai soar! (aparte) E só espero que ela o receba de braços abertos...
HOMEM
Obrigado caro senhor, não é habitual ser aconselhado por alguém de forma tão correcta.
CONDUTOR
Ouça, vai mesmo agora partir o autocarro para a Areosa! Corra, depressa! Não há mais nenhum esta noite.
(O Homem corre à pressa para o autocarro.)