Os comportamentos irracionais são algo que me fascina. Um deles, quiçá o mais típico, diz respeito ao futebol e, mais propriamente, às rivalidades clubistas. A título excepcional, falarei aqui desse tema. Mesmo sabendo que está para além dos meus recursos e deste espaço uma análise pormenorizada das claques, do neo-tribalismo associado, ou da histórica rivalidade entre clubes...
Mas para o que agora interessa, existe um tique recorrente nos adeptos do F.C.Porto e Sporting: usam e abusam de tudo o que exprima anti-benfiquismo. Dúvidas? Basta ouvir certos programas da rádio, ver os noticiários da TV, ler certos blogues, certos jornais e, sobretudo, estar atento às conversas que se ouvem aqui e acolá. Julgar-se-ia que esses adeptos louvassem a excelência das respectivas equipas, reflectissem sobre os seus resultados negativos e naturalmente festejassem e exultassem com os positivos. Não! Puro engano! Seja qual fôr o desfecho dos jogos, das contratações, do mérito desportivo e cívico em confronto, o essencial é o vigor empregue em denegrir o Benfica, inventar mil e uma formas de atacar a instituição, o treinador, os jogadores, os adeptos, a memória do clube…
Um resultado directo com vantagem para esses clubes serve unicamente para uma retórica de humilhação do Benfica, como se o facto de este perder esses jogos, ou campeonatos, fosse mais importante do que o facto de os clubes rivais os terem ganho! Mas se, pelo contrário, fôr o Benfica a ganhar, certos portistas e sportinguistas criam imediatamente uma teoria da conspiração em larga escala, atribui-se essa vitória a forças mesquinhas, ou sobrenaturais, mas sempre explicáveis na hora! Reconhecer que o Benfica ganhou por mérito? Nunca!... antes a morte que tal sorte!!!
Para além dos exemplos neste sentido que todos já leram e ouviram, veja-se um recente episódio, onde um grupo de jogadores do F.C.Porto e alguns adeptos, comemorando a sua vitória, se limitavam a debitar cânticos e palavras de ordem anti-benfiquistas. Esclarecedor.
Mas posso contar outro episódio, vivido em directo. Recentemente, numa movimentada noite de convívio, travei conhecimento com alguns adeptos sportinguistas. Ora, por diversas vezes e, sobretudo à medida que a noite ia avançando, esses adeptos em momento algum celebraram as qualidades da equipa que apoiam, ou demonstraram ter um conhecimento profundo do seu futebol! Não senhor! Em vez disso, limitavam-se a lançar umas chalaças, invectivando de forma gratuita o Benfica, tipo concurso da TV a ver quem conseguia ser mais original, ou simplesmente falar mais alto. Sobretudo depois de saberem quais as minhas simpatias clubistas.
Diga-se, by the way, que, da mesma forma que nunca as escondi, também nunca as apresentei como cartão de visita. Simplesmente, tento fazer uso delas com alegria e desportivismo, não esquecendo que se trata de um saudável tributo que a razão presta à paixão. É claro que, tranquilamente, ia tentando dialogar, lembrando os méritos e deméritos de ambas as equipas....Debalde! Fiquei esclarecido: Isto é mais forte do que eu! "O sono da razão produz monstros", como bem dizia Goya numa das suas gravuras...
Para enquadrar esta compulsividade doentia em caluniar e denegrir o Benfica, por parte de adeptos de clubes rivais, socorri-me de alguns conceitos importados da psiquiatria e da antropologia. Assim, enquanto explicações possíveis, temos:
1. Défice identitário, que desta forma expeditiva se preenche;
2. Inveja, uma característica que, sendo universal, em Portugal atinge dimensões devastadores, tal como explica José Gil no seu livro Portugal Hoje - o Medo de Existir;
3. Complexo de Édipo mal resolvido, em que se assimila uma autoridade simbólica - o Benfica, pelo peso que detém no panorama desportivo nacional - a uma autoridade efectiva e coerciva, algo que os portugueses, ao mesmo tempo que desejam, também lidam mal;
4. Falta de cultura cívica e ausência de desportivismo pura e simples.
Por outro lado, este comportamento:
1. é transversal, pois atravessa todos os níveis sociais e culturais - basta ver certos comentários de Miguel Sousa Tavares e Pedro Boucherie Mendes, p.ex.
2. não é generalizável: veja-se a forma isenta e séria como Rui Moreira defende o seu clube, no programa televisivo Trio de Ataque;
3. encobre outro tipo de conflitualidade, que qualquer poder teme, e por isso é encarado como garante da chamada paz social;
4. é comum a muitos adeptos do Benfica. Só que, neste caso, nunca atinge a dimensão e o alcance do que aqui descrevo.
*Sobre o tema, é essencial consultar detalhadamente este documento, no site oficial do SLB, bem como este texto, de Pedro Neto, em "Mar Vermelho". Ambos vêm desmistificar definitivamente certas estórias acerca do Benfica e do futebol nacional. Para rematar, e num tom cinematográfico, "veja-se" este delicioso conto do vigário .